domingo, junho 27, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 27 de Junho de 2004

antes e depois

Luís David

As épocas de eleições são propícias à criação de factos políticos


Moçambique entrou no ano trinta da sua independência. Como país. Como Estado. Não, como nação. Todos sabemos que, em alguns países, a formação da nação é anterior ao Estado. Mas, na generalidade, é posterior. E, é este o caso do nosso país. Em que a criação do Estado antecede a construção da nação, ainda em processo de formação. Um processo que poderá ser mais ou menos longo. Mais ou menos difícil. Com mais ou menos traumas para alguns, para alguns muitos. Isto percebe-se e é, por vezes, nítido a partir da análise de certo tipo de discurso político. Em que é notória, em que se pode considerar como terrivelmente notada a falta de capacidade de pensar moçambicano. De ser e de agir moçambicano. Porque ser e agir moçambicano não é processo automático. Não resulta do simples facto de se haver nascido em Moçambique. Fosse assim, à data da sua independência, todos os países seriam nações. A verdade é que o não foram e, muitos, décadas passadas, o não são. Ser país, entrar naquilo a que se costuma chamar a comunidade das nações, é mera questão administrativa. É uma questão convencional. Um país, cria-se a partir, no mínimo, nos tempos modernos, de duas assinaturas. Uma nação vai sendo construída. Progressivamente. Paulatinamente. Sem pressas. Com base no respeito, na aceitação e na tolerância pelas diferenças. Com base no entrosar dos mais diversos interesses. A começar pelos de propriedade e económicos. Sem perder de vista e tendo por perto os culturais. No sentido lato da palavra.

Possa ou não parecer, quando se entra no ano trinta da independência, construir e consolidar a nação moçambicana terá de constituir e continuar a ser um objectivo nacional. Poderá não ser o único. Mas, pode ser considerado o primeiro. Outro objectivo e, talvez de não menor importância, é o de distribuir, equitativamente, a riqueza. É a forma de como distribuir a riqueza e a pobreza. Porque ambas são passíveis de ser distribuídas. De forma equitativa, mais justa. Agora, assistir ou não assistir a jogos de futebol que se disputam lá pela Europa não é, nem nunca poderá ser considerado, um problema nacional. È, apenas apontar um problema que, podendo sê-lo para alguns, não tem a dimensão nacional. Poderá, até não passar da criação de um simples facto político. Ou da tentativa de o criar. Muito provavelmente, se em vez de um Euro estivéssemos a falar de um Afro, voz alguma se faria ouvir. Ou, estivesse este Euro a ser disputado em país diferente daquele em que está menores ou nenhum seriam os reparos. Agora, estando a ser disputado onde está a questão já parece tornar-se mais complicada. Para alguns. Seja como for, não estamos, claramente, perante um problema nacional. Estamos perante um facto político. O que é normal em época de eleições. As épocas de eleições são propícias à criação de factos políticos.









domingo, junho 20, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 20 de Junho, 2004

antes e depois

Luís David


Queremos diálogo entre moçambicanos


Muito bem. Obviamente que sim. Que todos estamos predispostos para o diálogo. Que todos estamos dispostos a dialogar sobre a melhor forma de gerir ou de gestão das áreas comuns dos condomínios. Aliás, trata-se de um desejo manifestado repetidamente. Assim, é de saudar a posição divulgada, esta semana, publicamente, pelo Governo. Através do Ministério das Obras Públicas e habitação. É que, afinal, esta é a posição que lhe conhecíamos de muitos anos atrás. Pena é, isso sim, que não tenha sido dada continuidade a um processo iniciado com base na confiança mútua, na sinceridade, na harmonização de interesses. Pena é, também, que tenham passado vários anos sem nada se fazer. Sem nada ter sido feito. Anos de um vazio absoluto. Ou, talvez não. Talvez tenham sido anos que alguns aproveitaram para sugar as últimas gotas de leite da teta da vaca. Uma vaca velha de idade, decrépita, moribunda. Uma vaca que, desde há muitos anos, dera o que lhe era possível dar. Por isso, por todo este processo de tentar sacar à vaca um leite que ela já não podia dar, foi um tempo perdido. Foi um tempo perdido, inútil e maldosamente, no processo de organização dos condomínios. E, como todos sabemos, o tempo perdido não se pode recuperar. O tempo passado, é, sempre, tempo passado. Da mesma forma que, nas revoluções não é possível “queimar” etapas. Tudo tem o seu tempo. Tudo tem o seu ritmo.


Concordemos, pois, que todos estamos predispostos para o diálogo. Mas, há, existe, porém, uma questão que não parece de menor importância. É que, quando se fala em diálogo é necessário que haja duas ou mais pessoas ou entidades dispostas ao diálogo. O diálogo não é um processo de sentido único. Unilateral. O diálogo é um processo de sentido bi ou multilateral. E a APIE não é, hoje, como não o é, desde há muitos anos, um parceiro de diálogo das Comissões de Moradores. A APIE é, simplesmente, um condómino, como o são muitas dezenas de milhares de cidadãos moçambicanos que compraram as suas casas ao Estado. A APIE não tem mais nem menos direitos, não tem mais nem menos poderes sobre a propriedade imobiliária registada em seu nome. Ainda pertença do Estado. Sabe e reconheceu esta filosofia o Ministério das Obras Públicas e Habitação. Daí o ter criado um Gabinete para gerir os interesses em conflito. Um Gabinete dotado, à data da sua criação, de engenheiros, de arquitectos e de outros técnicos qualificados. Que se deslocaram a mais de uma dezenas de prédios da cidade de Maputo onde, na presença das Comissões de Moradores, fizeram um levantamento dos problemas e das deficiências dos edifícios para, posterior, reparação a custas do Estado. As Comissões de Moradores organizadas são muito anteriores à actual direcção da APIE. Com elas, com essas Comissões de Moradores, já dialogava o Ministério das Obras Públicas e Habitação antes de a actual direcção da APIE ter chegado ao poder. É, portanto, falsa e não passa de mentira barata a mensagem que a directora do APIE da cidade de Maputo anda a tentar fazer passar. Ao dizer que as Comissões de Moradores tiveram cinco anos para se organizarem e não se organizaram. Perguntemos, então, nós, o que fez a APIE nestes últimos cinco anos. A resposta só pode ser nada. Ou, então, que vendeu e alienou áreas pertencentes aos espaços comuns dos edifícios. Em prejuízo dos condóminos. E que continua a receber rendas de outros espaços que cedeu ilicitamente. Ilegalmente. Sejamos claros e para finalizar: Diálogo sim, diálogo com corruptos e com representantes dos interesses neocoloniais, não. Diálogo com fascistas, não. Queremos diálogo entre moçambicanos.



domingo, junho 13, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 13 de Junho, 2004

antes e depois

Luís David


assumam “apagão”

Há determinadas questões, determinadas afirmações, que considero deselegante divulgar publicamente. Porque discutidas ou feitas em reunião ou em ambiente privado. Em ambiente restrito ou que se possa considerar como restringido no sentido de limitado a quem nelas participou e a quem nelas teve, de alguma forma, influência. Porém, se perante um acordo tácito, um acordo de cavalheiros e, logo, não escrito, uma das partes viola as regras do jogo, à outra parte assiste todo o direito de quebrar as regras desse jogo. Podendo divulgar, então, se assim o entender, o que lhe possa parecer mais útil e mais utilitário, podendo divulgar tudo o que, parecendo não dever ser público, o deve ser para defesa dos interesse de uma maioria. Da maioria. Democraticamente escrevendo. Ou seja, do interesse público. Creio não ser este, nem ainda, o momento nem o espaço, para fazer qualquer consideração sobre o posicionamento do Ministério das Obras Públicas e Habitação sobre os problemas que lhe foram colocados, há muitos anos, pelas Comissões de Moradores da cidade de Maputo. Porque aceite como correcto na altura é, hoje, absolutamente insustentável. De forma clara e objectiva, vamos ter de recolocar o problema de forma simples. Então, é assim: Ou o Ministério das Obras Públicas e Habitação considera que tomou uma posição correcta e mantém a posição que tomou. Nesse caso demite a direcção do APIE da cidade de Maputo, por contrariar a sua decisão. Ou, em alternativa, o Ministério das Obras Públicas e Habitação considera que tomou uma decisão errada e lesiva aos interesses do Estado e dos cidadão e, então, demite-se, em bloco. O que não queremos, mais, é de ter viver, de pautar a nossa vivência diária, entre um sorriso do ministro, que a tudo diz que sim, e uma decisão unilateral, de sentido contrário. De uma simples directora provincial. Ou de Cidade. E, convenhamos, cidade com letra maior tem um certo peso.



A Águas de Maputo, empresa que se diz fornecer-nos o precioso líquido, bastou receber um “bip” arlanzado e logo começou a cortar a água em áreas comuns dos prédios. Cortou. Muitos prédios da capital do país estão sem água nas áreas comuns. Assim o decidiu uma empresa geridas por estrangeiros. Assim o decidiu uma empresa dirigida por interesse colonialistas. Por uma empresa que presta demasiados maus serviços a Moçambique para que ainda possa continuar a operar em Moçambique. Mas, a verdade, é que continua. Porquê, ninguém sabe. Será, hipoteticamente, porque os interesses coloniais são mais poderosos do que os interesses nacionais. Aparentemente sim. Assim sendo, é fácil prever um cenário futuro. Aquilo que a RENAMO não conseguiu durante a guerra, poderão conseguir a APIE e a EDM no próximo 25 de Junho. Vão conseguir funcionários menores da APIE e da EDM: Decidiram-se pelo “apagão”. Então, assumam “apagão”.

domingo, junho 06, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 6 de Junho de 2004

antes e depois

Luís David


Moçambique também tem água mineral


Um dos problemas mais dramáticos, em África, de um modo geral, é o do acesso à água. E, Moçambique, como país africano, confirma a regra. Por um lado, são as longas distâncias que é necessário percorrer para obter um mínimo de quantidade de água. Por outro, conseguir obter água com um mínimo de qualidade. Água com qualidade para o consumo humano. Água potável. E sem custos ou, no mínimo, a um preço acessível. A questão da falta de água, da escassez de água, não era, e provavelmente ainda não deixou de ser, um fenómeno exclusivamente rural. É também, sempre foi, uma questão, um problema urbano. Talvez mais correctamente, suburbano. Estamos recordados, certamente, muitos de nós, do que sucedia antes da independência. E, certamente, também já no depois. Quem queria ter água e tinha possibilidades económicas, mandava abrir um furo no quintal da sua residência ou nos terrenos anexos à cantina. Depois, sem necessidade de qualquer tipo de publicidade, esperava que os vizinhos mais necessitados de água lhe fossem bater à porta. E, aproveitava para fazer negócio. Vendia água em latas de vinte litros. Ao preço que pretendia. Reclamações sobre o valor cobrado e a qualidade seriam poucas. As autoridades da época diziam ser um negócio ilegal. Mas, para além de uma posição mais agressiva contra um ou outro cantineiro de quem não gostassem, ficavam-se, sempre, por uma posição contemplativa.


Recentemente, há poucas semanas, assistimos, todos, ao despoletar de uma polémica sobre a qualidade de certas marcas de água que é engarrafada e vendida em Moçambique. E, quando seria de esperar que as diferentes associações, ditas de defesa do consumidor, viessem a público dar a conhecer a sua posição, dizer se as águas em questão podem ou não ser consumidas como boas, assistimos ao silêncio. Da mesma forma que terá passado quase despercebida a posição do Ministério da Saúde sobre a matéria. Poderá, certamente, haver razões ou interesses económicos outros para que assim tenha sido necessário acontecer. Mas, recuemos, mais uma vez, no tempo e recordemos. Quando, em meados de década de setenta, a empresa que explorava a água da Namaacha pretendeu desenvolver o negócio e, para o efeito fazer publicidade, mandou realizar todo um conjunto de análises laboratoriais. Na expectativa de que a água tivesse alguma qualidade excepcional. Mas não tinha. E, certamente, também hoje não tem. Era, segundo as análises da época, bacteorologicamente pura. O que já não era mau. E que será uma qualidade que conserva. Ao que se sabia na época, não havia em Moçambique água mineral. Hoje, parece haver. É que, para além de tantas águas, que se diz colhidas na fonte e transportadas em cisternas para o local de engarrafamento, uma é engarrafada nas Montanhas de Goba. E, mais se diz, nos jornais, é mineral. A não ser água mineral, estaremos perante um caso de publicidade enganosa. A ser água mineral, e é bom provar que o é, ficaremos todos muito satisfeitos. É que Moçambique também tem água mineral.