sexta-feira, dezembro 30, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Dezembro 25, 2005

antes e depois

Luís David


aguardar para ver


O segundo julgamento de “Anibalzinho”, está prestes a chegar ao fim. Falta, apenas a leitura da sentença. Para uns, nada de novo surgiu a público. Para outros, terá surgido pouco. Mas, também é possível fazer leitura diferente de quanto se passou em Tribunal. Para dizer que este julgamento valeu, não pelo que foi dito, ou revelado, mas pelo que não foi, pelo que continua por dizer. E que, para ser dito, para que se tornasse possível ser dito, necessitava de outra investigação, de um tipo de investigação mais aprofundada. A tentar por começar saber e poder afirmar o real motivo do assassinato de Carlos Cardoso. Saber se Carlos Cardoso foi assassinado pelo motivo que se diz ter sido, pelo motivo que alguns acreditam ter sido. Ou, em alternativa, se terá sido por outro. Se, eventualmente, sabia mais do que lhe deram a saber. Se sabia mais do que era desejável saber. Se terá efectuado, realmente, investigação por conta própria. E se, como hipótese de trabalho, como pista que a investigação deveria seguir, essa investigação pessoal conduziu a nomes até hoje citados em Tribunal. Uma coisa parece ser certa. O combate à corrupção, o combate ao crime organizado não é mera questão de discurso político. Não pode resignar-se com tão pouco. Muito pelo contrário, esse anunciado combate perde força, perde expressão, fica sem sentido, quando não são perseguidas todas as pistas que possam levar aos criminosos. Apresenta-se como óbvio que “Anibalzinho” pode, hoje, dizer o que quer. Pode continuar a mentir. Como pode dizer a verdade. Pode dizer, com verdade, quem mandou dar os tiros. Como pode não saber quem, na realidade, mandou executar Carlos Cardoso.

Ao longo de mais de seiscentas páginas, Anne Applebaum transporta-nos para o interior de alguns dos milhares de campos de concentração soviéticos. Por onde passaram milhões de pessoas. GULAG, não é um romance. Menos, ainda, uma história de ficção. “Prémio Pulitzer 2004”, GULAG transporta-nos para um passado recente. Contemporâneo. Mas, mais do que isso, mais do que nos fazer viajar, ao longo do tempo e do espaço, mais do que nos fazer entender uma realidade, também nos deixa alguns avisos. Também nos alerta. Diz ela que A velha divisão estalinista entre categorias de homens, entre a elite toda-poderosa e os “inimigos” sem valor vive hoje no arrogante desprezo da elite russa pelos seus concidadãos. E a menos que essa elite reconheça rapidamente o valor e a importância de todos os cidadãos russos, e se disponha a honrar os seus direitos civis e humanos, a Rússia estará destinada a tornar-se em última instância numa espécie de Zaire do Norte, uma terra habitada por camponeses pobres e políticos bilionários com contas nos bancos suíços e jactos privados, com as turbinas a funcionar, nas pistas de descolagem. Impressionante, talvez mais do que isso, talvez motivo de preocupação, é quando a autora nos alerta, para que Este livro não foi escrito “para que nunca mais volte a acontecer”, como diz o cliché. Este livro foi escrito porque provavelmente vai voltar a acontecer. Como, em Moçambique, muito provavelmente, vão voltar a acontecer assassinatos como o praticado por “Anibalzinho”. Esperemos que não. Mas, é necessário aguardar para ver.

domingo, dezembro 18, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Dezembro 18, 2005

antes e depois

Luís David



que haja coragem para assumir o passado


Desde há muitos anos que antigos trabalhadores na extinta RDA reclamam e defendem o que consideram ser seus direitos. . Como trabalhadores moçambicanos naquele país. Desde sempre, também, a posição do Governo, perante as reclamações, parece ter sido pouco clara. Digamos, demasiado defensiva e pouco propensa ao diálogo construtivo. Daí, as marchas, semanais, toleradas, por muitas artérias de Maputo. A ocupação da embaixada alemã em Maputo. E, o mais que fica por dizer. Neste processo, o Governo cedeu aqui, foi cedendo ali. Primeiro, disse que não devia nada. Depois, aceitou ser devedor de alguma quantia. Esta semana, aceitou pagar 50 milhões de dólares norte-americanos e ceder 17 por cento das suas acções num banco de micro - finanças. Mas, o acordo, ao que parece, não é, ainda, de todo pacífico. Não há, não haverá, concordância quanto à forma e ao tempo de pagamento. O que, em última análise, se apresenta, apenas como um aspecto periférico da questão de fundo. E, a questão de fundo é, na sua essência, política. Não é, alguma vez poderá ser, uma questão financeira.


Necessitamos de recuar no tempo. Só recuando no tempo seremos capazes de entender os motivos, a razão que levou muitos milhares de moçambicanos a irem trabalhar para a então Alemanha Democrática. Para eles, para esses moçambicanos, terá sido, única e exclusivamente, uma oportunidade de trabalho. Uma possibilidade de fuga ao desemprego em Moçambique. Ignorando, por completo, os acordos que possam ter sido assinados entre os Governos dos dois países. Acordos políticos. E, aqui, parece não ser possível esquecer que, algumas décadas antes, também muitos milhares de trabalhadores alemães e polacos, entre de outras nacionalidades, foram levados para a então URSS para trabalharem no GULAG. Para, com o seu trabalho forçado, pagarem as dívidas de guerra dos seus países. Aconteceu assim, como está, hoje, amplamente documentado. É história. Como a história regista que o GULAG só desapareceu, por completo, na era de Gorbatchove, apesar das tentativas de reforma de Beria, chefe da polícia secreta soviética, décadas antes. Com a finalidade de subir ao poder. Como forma de suceder a Estaline. Felizmente, tal não se verificou. Tudo isto, para dizer, por fim, que aquilo que, em Moçambique, parece ser um simples conflito de trabalho, aquilo que parece ser uma questão de dinheiro, de acerto de dinheiro, entre Governo e antigos trabalhadores na extinta RDA, pode ter contornos mais profundos. Pode ser uma questão política. Que deve ser assumida politicamente. Para isso, para haver uma solução definitiva, é preciso haver coragem para assumir o passado. Então, que haja coragem para assumir o passado.

domingo, dezembro 11, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Dezembro 11, 2005

antes e depois

Luís David


o rabo fora da porta

Filmes policiais, histórias de detectives, séries sobre julgamentos, povoam as memórias de muitos de nós. Histórias, verdadeiras ou de ficção, em que o bem luta por vencer o mal. Histórias, na generalidade, com argumentos excepcionalmente bem concebidos. Muitas das quais, hoje, passadas décadas, permitem fazer recordar que nem sempre o que parece é. Que o que parece ser óbvio é verdadeiro. E que, casos há em que o verdadeiro criminoso pode parecer o mais insuspeito, o mais pacato cidadão. Aconteceu, assim, na ficção. Mas, também pode estar a acontecer igual na realidade. E, a realidade recente pretende mostrar que o crime – especialmente o crime organizado – não terá diminuído. Alterou, isso sim, os métodos de actuação. Modernizou-se. Sofisticou-se. Em última análise, investe, fortemente, nas novas tecnologias de comunicação e de informação. É para este presente, para este hoje, que nos tenta alertar vasta literatura, numerosos trabalhos de investigação editados em tempos recentes. Sobretudo, a partir da queda do Muro de Berlim e, mais recentemente, do desmantelamento da União Soviética. Deixou de ser segredo, sabe-se, hoje, com alguma precisão, com algum rigor, quem controla o tráfico de armas, quem domina as empresas e faz fortunas com a venda ilegal de motores de avião ou de urânio. Naturalmente, resultado do espólio do antigo Exército soviético. Não, necessariamente, apenas no interior do país. Como parece fácil saber alguns nomes de quem está ligado ao tráfico, para o Ocidente, de ouro e de moeda forte. O mesmo pode ser válido em relação aos negócios do petróleo. Contudo, apesar do que se sabe, do que se conhece hoje, a verdadeira dimensão do crime organizado é quase impossível de conhecer. Facto concreto, incontestável, é que o crime organizado, em algumas região do mundo, constitui um perigo para as democracias. Principalmente, para as mais recentes.


Terminada que está a primeira semana do julgamento de “Anibalzinho”, parece haver nenhuma novidade a registar. Ou seja, quanto terá sido dito afigura-se como irrelevante no contexto do apuramento da verdade material. Assim sendo, parece que bem andou o Juiz da Causa ao não permitir a transmissão em directo das audiências. Tenha ou não decidido de forma calculada, a decisão pode ser apontada como tendo tido duas virtudes. A primeira, foi a de ter evitado o gasto de elevadas somas de dinheiro do erário público. De que, como se provou, nenhum bem resultaria para o apuramento da verdade. A segunda, foi a de nos ter evitado o triste espectáculo de ter de ver de ouvir um assassino que procura utilizar todos os meios que lhe proporcionam para se tentar apresentar como herói. Como estando acima ou para além da Lei. Se quiserem, como sendo diferente entre iguais. Ressalve-se, esta igualdade deve ser entendida em termos de democracia e nunca de bandidismo. Porque os bandidos, os ladrões, os assassino, também têm os seus códigos. Morais. Como têm sempre presente a chamada “lei da morte”. Bem entendido, certamente que ninguém espera que de uma sala de audiência com espaço tão reduzido possam sair revelações. Nem pequenas, muito menos grandes. Depois, investigar sobre o autor material de um crime é sempre um processo demorado e complexo. Apesar de o que menos falta serem as pistas de investigação. As hipóteses de trabalho. O perigo, em última análise, é que seguir uma pista pode conduzir a um local onde não se pretende chegar. Ou onde, antecipadamente, se sabe não dever chegar. Mas, por hipótese, também pode, muito bem, acontecer, haver alguém que esteja, desde há muito tempo, a tentar lançar a confusão. Que esteja a tentar, por todos os meios, apontar pistas falsas. Neste caso, e pode ser o caso, corre o risco de ao tentar sair do imbróglio que criou deixar a porta aberta. Talvez pior, deixar o rabo entalado na porta, deixar o rabo fora
Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Dezembro 4, 2005

antes e depois

Luís David

falsos argumentos

Ele há questões que, dizendo respeito à nossa vida pessoal ou da sociedade no geral, devem merecer a mais ampla discussão pública. A mais ampla divulgação. Outras, não. Ou não tanto. Divulgar quando e o quê, sempre foi, é, continuará a ser questão polémica. Entra no campo polémico de se saber, em absoluto, se se deve optar pelo sim ou, em alternativa, se se deve escolher o não. Mas, convenhamos, como o absoluto é igual a nada, a discussão pode estar, parece estar, viciada desde o início. Em última análise, cabe ao jornalista decidir, tendo presente o que se aceita por interesse público, o que dever ou não divulgar. Aceitemos, assim, que tenha sido correcta a decisão de o Tribunal permitir a transmissão, em directo, do julgamento do assassinato de Carlos Cardoso. Esta aceitação, este posicionamento, perante um facto concreto, num tempo determinado, em nada impede que aceitemos, igualmente, ter sido correcta e acertada a decisão do Tribunal em não autorizar a transmissões, em directo, salvo da primeira e da última sessão, do julgamento em que “Anibalzinho” volta a sentar-se, pelo mesmo crime, no banco dos réus. Ignorando, por completo, os factores que pesaram na decisão do Tribunal que julga, pela segunda vez, “Anibalzinho”, há um motivo que parece evidente. O de recusar a Aníbal dos Santos Júnior a oportunidade para tentar provar, perante a opinião pública, que é o que não será.


Como já se disse, existem, hoje duas correntes de opinião. Uma, que defende como correcta, como boa, a decisão do Tribunal. Ao não permitir a transmissão em directo, quer por rádios, quer por televisões, das sessões do julgamento. Ao que parece, por defender que estamos perante um caso em que compete ao Tribunal julgar. Não à opinião pública. Ou, se for o caso, que deseja que um qualquer homem, considerado mau, não possa manipular no sentido de se apresentar como, socialmente, bom. O mesmo será dizer, não ver transformado um bandido em herói. A outra corrente de opinião, corrente contrária de opinião, defende que o referido julgamento, para ser transparente, devia ter transmissões em directo. O que, até prova em contrário, parece ser um falso argumento. Como é elementar, quem julga não é o jornalista. É o Tribunal. E, mesmo não tendo sido permitida a transmissão de som e de imagens em directo, o jornalista, os jornalista, não foram impedidos de estar presentes. Assim como o público. Apesar do reduzido espaço da sala. Quer-se dizer, o julgamento é público. Sendo que por ser público nada obriga a que tenha de ter transmissões em directo. Vendo a questão pelo plano inverso, não é pelo facto de não terem sido autorizadas transmissões em directo que o julgamento deixou de ser público. Como tal facto nada tem a ver com transparência ou, se se preferir, com falta de transparência. Tudo, muito ou nada do que se diz, pode não ir além de falsos argumentos.