domingo, dezembro 09, 2007

brincadeiras perigosas

Com frequência, ficamos a saber, através de diferentes órgãos de Informação, de fugas de presos das mais diversas cadeias. Ou da captura dos fugitivos. Fugitivos que, em muitos dos casos, há quem diga serem perigosos cadastrados. Logo, quando a Polícia captura um desses fugitivos, não capturou um pilantra, um ladrão de galinhas ou um sacador de telemóveis. Capturo um perigoso cadastrado. E, o atributivo, ou se assim se quiser, o adjectivo, em primeiro lugar dá jeito à Polícia. Afinal, ela, Polícia, sem ou com poucos meios, tem saberes e conheceres, tem artes e manhas para capturar prisioneiros fugitivos. E, estes sabem, também, que quando capturados adquirem e passam a ter novo estatuto. Perante a população prisional e perante a sociedade civil. Passam a figurar como perigosos cadastrados. Mesmo que, antes, nunca o tenham sido. Então, fica a dúvida. Fica a dúvida sobre se muitas das histórias rocambolescas, que têm direito a letra de Imprensa, servem para mais do que à criação de mitos. Ou de falsos heróis. Seja do herói bandido ou do bandido herói. Que em última análise vence o polícia. Símbolo e representante da Lei, da Ordem, do Poder e do Estado.


Conhecemos e sabemos das fragilidades do nosso sistema prisional E do sistema de Justiça. Que não julga com celeridade nem com rapidez. Acontece que, para além destes aí pouco ou nada sabemos. Mas, é, afigura-se importante saber. Para não termos de continuar a ser confrontados que versões de sucedidos que sequer convencem crianças do ensino primário. Por exemplo, quando se diz que “Anibalzinho” não aderiu ao plano de fuga do tal perigoso cadastrado, agora capturado, temos de saber o que se pretende dizer e o que se pretende encobrir. Teremos de saber, com clareza, se quem manda nas Cadeias são os criminosos os polícias. E, se estes têm poderes discricionários para deixar sair uns e matar outros. Ou em última hipótese, ambos os poderes. Se a fuga deste tal de “Todinho” ainda está envolta em mistérios, a sua captura não deixa de o estar menos. E, pode, até, sugerir, pelos relatos da Imprensa, que tenha estado a funcionar como agente “duplo”. Sendo que, ao ter falhado no plano para libertar “Anibalzinho”, tenha regressado à cela donde não devia ter sido. Donde devia ter evitado sair. A realidade dos factos, parece apontar para uma realidade inequívoca. Que é a de agora prendo eu, amanhã solta tu. Sendo que o inverso contem a mesma verdade: Agora solto eu, amanhã prendes tu. Haja por bem entender-se que o exercício do poder não se compadece com qualquer género de brincadeira. Sobretudo, com estas brincadeiras perigosas.

domingo, dezembro 02, 2007

uma festa exclusivamente moçambicana

Um pouco por todo o país, o dia da última terça-feira foi dia de festa. De alegria. Houve quem tivesse classificado este 26 de Novembro como dia da segunda independência. Para além da carga emotiva que a afirmação possa conter ou da diferente perspectiva de quem opina, foi, sem dúvida, um dia muito especial para Moçambique. Por constituir um marco importante na história política e económica do país. Haja, embora, quem ainda pensa e continue a afirmar que a HCB não é do Estado moçambicano mas, sim, dos financeiros estrangeiros. Um pensar errado, que o Presidente da República terá, uma vez mais, corrigido a partir do Songo. Com efeito, foi a vila do Songo que acolheu as cerimónias principais que assinalaram, publicamente, a reversão irreversível da posse da Barragem por parte de Moçambique. Dada a importância da cerimónia, ali se fizeram presentes várias individualidades africanas, que se misturaram com o povo local e assistiram a muito cantar e a muito dançar. A muita alegria. Uma alegria nacional e moçambicana.


A reversão, definitiva, da Barragem de Cahora Bassa para o controlo do Estado moçambicano, poderá ter tido dois aspectos negativos. Duas grandes falhas. O primeiro aspecto negativo poderá ter sido o de a tolerância de ponto no dia da festa realizada na vila do Songo, ter abrangido apenas a província de Tete. Em nossa modesta opinião, o país inteiro merecia ter tido tolerância de ponto para poder assistir à cerimónia, à festa do Songo. Através da televisão, como parece óbvio. Mas, como se soube e dado que tal tolerância não foi declarada, houve o recurso a soluções locais. Marcha de apoio aqui e ali, mais concentração acolá, Governador de província a convidar governados para pavilhão desportivo. E, assim, poderem estar, sem terem estado, no Songo. O segundo aspecto, a segunda grande falha negativa, situa-se no nível da delegação de Portugal. Que, ao que se diz e devido ao arrastamento nas negociações, em Maputo, sequer se deslocou ao Songo. Ou, se de facto ali se deslocou, terá passado desapercebida. Digamos, mesmo, não terá sido notada. Que terá sido ignorada. E, dada a importância do acontecimento, o caso não era para menos. Perante esta realidade, perante a realidade, concreta e objectiva, Portugal terá perdido a última oportunidade de descolonizar com dignidade. Portugal perdeu, em concreto e em definitivo, a possibilidade de afirmar que tendo colonizado mal, podia descolonizar bem. E, assim, passar a figurar na História mundial. Mas, tal não aconteceu. E, não tendo acontecido já não existe tempo para que possa vir a acontecer. Assim, a festa no Songo, neste último 27 de Novembro, ficará registada na história como uma festa exclusivamente moçambicana.

domingo, novembro 25, 2007

uma aliança espúria

É Moçambique um país de muitas e de múltiplas carências. Daí o recurso ao donativo e à oferta externa para tentar reduzir a diferença entre o que possuímos e entre o que necessitamos. Por vezes, e também, à solidariedade interna. Como aconteceu, recentemente, aquando das explosões do Paiol de Maputo. Naturalmente, perante estas e outras situações reais, como diz o ditado, “quem dá o que pode a mais não é obrigado”. Até aqui, parece estarmos de acordo. Mas, dar o que se pode, dar o que se pode dar, nem sempre significa dar o que pode ser útil e necessário a quem recebe. Ora, parece ter sido o que aconteceu com o recente donativo da Câmara do Porto (Portugal) à Cidade da Beira. É que entre os diversos artigos da oferta, constava uma camião para a recolha do lixo. Mas, um camião já cansado para não dizer velho. Tinha 25 anos de uso, de utilização. E, aqui, cabe perguntar para que serve um camião com 25 anos de uso. Certamente, para nada. Ou, em última hipótese para criar novos problemas ou para ser vendido para a sucata. Ora, se assim pensou o Presidente do Conselho Municipal da Beira, cidade a quem se destinava a oferta, pensou bem. Nem poderia ter pensado melhor. E, se pensou bem, melhor agiu. Ao recusar receber a oferta. Em último lugar, poderá ter criado um facto político. Nada mais do que isso. A não ser o de ter contribuído para o anedotário tuga.


Muito já foi dito e escrito sobre as cadeias nacionais. Na generalidade, em defesa dos reclusos e das más condições prisionais. Em outros casos, sobre a ilegalidade de muitos dos detidos. E, parece bom, parece positiva esta tomada de posição, esta tomada de consciência. Sobre a necessidade de mudar, sobre a necessidade de alterar o que mal está. Fica a dúvida se tal, se tal posicionamento, encontra confirmação prática. É que, recentemente, surgiu um fenómeno novo e curioso. Estamos a referir o facto de se levar equipas de futebol federado para disputar jogos de futebol com reclusos no interior da B.O. O que, em si, até pode ser bom e positivo. Para alguns reclusos. Mas o que já parece menos bom, é que estes jogos de futebol estejam a ter uma cobertura jornalística que, em nada justificam. Mais, que até pode ser condenável. Em termos de Ética. E é. Não se percebe, muito menos se entende, como algumas equipas prestigiadas se prestam a este tipo de jogos. A estas futeboladas. Como não se percebe como, a coberto destes jogos, condenados a pena maior apareçam como vedetas em páginas de muito jornal da praça. Com direito a entrevista. Acompanhada de foto. Para dizerem e, vejam só, para elogiarem a forma como são tratados na prisão. De facto, algumas equipas do futebol estão no bom caminho. Estão a contribuir para que, condenados em Tribunal, manifestem a sua opinião, sobre as condições do cárcere. E, mais, sobre a justiça da pena que lhes foi aplicada. Que a nossa Justiça é deficiente, é público e assumido. Que o futebol nacional não passa de medíocre, não vê quem não quer ver. Agora, esta aliança entre sistema prisional e equipas de futebol, é uma aliança estranha. E não é normal. Digamos, trata-se de uma aliança espúria.

domingo, novembro 18, 2007

O último colonizador a abandonar África

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Novembro 18, 2007
antes e depois

Luís David

Desde sempre e até aos nossos dias, as técnicas de combate à guerrilha parecem ter-se saldado por insucessos. Na generalidade. Parece não haver registo nem memória de um exército convencional ter vencido uma insurreição com apoio popular. Também terá sido assim em Moçambique. Mas, influenciado pelas teorias norte-americanas da época, Kaulza de Arriaga pensava diferente. E, pensava errado. Mas, também pensava mal. Sendo que pensar errado e pensar mal são coisas diferentes e bem diversas. Pensava o mentor e executor da operação “Nó Górdio” que, quanto mais se avançava para o norte da Europa, mais os homens eram inteligentes. Maior era o coeficiente de inteligência dos homens. E, se assim pensava, assim o disse e assim o escreveu o general. Sem receio de que lhe chamassem racista ou fascista, defendeu o general que os nórdicos eram mais inteligentes que os restantes povos europeus. O estrafega militar português, habitual frequentador de cursos de altos estudos militares nos Estados Unidos, entre os muitos erros que cometeu, existe um que lhe poderá ter sido fatal. Terá sido o do factor tempo. De facto, Kaúlza não terá contado, na sua estratégia militar, com o tempo necessário para ver concluída a construção da Barragem de Cahora Bassa. Muito menos para a construção das restantes seis barragens, até ao mar. E, menos ainda, com o tempo necessário para a fixação de um milhão de colonos portugueses no Vale do Zambeze. E, assim, impedir o avanço da guerrilha para sul. Para não ferir susceptibilidades, digamos, apenas, que Kaúlza de Arriaga estava atrasado no tempo. Embora apenas algumas décadas, mas estava.


Mais de trinta e dois anos depois de Moçambique ter feito arrear e de ter procedido à entrega, formal, à potência colonial da sua última bandeira nacional, vai acontecer cerimonial com significado idêntico. Vai acontecer Moçambique assumir, definitivamente, o controlo de Cahora Bassa. Para trás, fica, naturalmente, um longo e sinuoso percurso. Como fica, também, a percepção de que sendo Portugal a parte mais interessada no normal funcionamento da Barragem e no regular fornecimento de energia à África do Sul, foi, de forma inequívoca, o principal responsável pela destruição de cerca de mil torres. E pela interrupção de uma fonte de receita que interessava mais a si do que a terceiros. A história de Cahora Bassa, é uma história que pode ser escrita hoje, amanhã, depois de amanhã. Não é uma história que, para ser escrita, necessite da abertura de arquivos secretos. Dentro de dias, como se anuncia, quando aí vier o Primeiro Ministro de Portugal, para assistir à passagem da gestão de Cahora Bassa para Moçambique, pede-se lhe uma coisa muito simples. Pede-se lhe, apenas, que assuma a derrota de Portugal em Alcácer Quibir. E que diga que dom Sebastião haverá nunca mais de voltar. Que o sebastianismo é um mito. Mas que diga, também, que tenha a coragem de dizer, que os apetites coloniais de Portugal se prolongaram até 2007. E que ele, este e actual Primeiro Ministro de Portugal, aqui virá como último colonizador africano. Queiramos ou não, a história haverá de registar quem foi o último colonizador a abandonar África.

domingo, novembro 11, 2007

as nossa prioridades nacionais

Enfrenta o país Moçambique um conjunto de necessidades básicas. E, fundamentais. Para alcançar novos e diferentes níveis de desenvolvimento. Garantir água potável, Saúde, Educação, energia eléctrica e vias e meios de comunicação a um número crescente de pessoas, são desafios que o Governo tem procurado vencer. Mas, mais do que desafios, são, constituem parte integrante de um processo de desenvolvimento integrante de um processo de desenvolvimento integrado. Seja sustentável, como parece ser grato a uns. E caricato para outros. Em paralelo, informar, educar, divertir, formar, são preocupações a não perder de vista. Aí se expandem e se cruzam as ondas de rádio e de televisão. Perguntar, hoje, quantos moçambicanos têm acesso à rádio e à televisão, poderá ser um pergunta sem resposta. Ou com resposta tendo como base estimativas. Pesando os esforços desenvolvidos nesta área, a todos os títulos louváveis, digamos que estão longe de permitir cobertura nacional. Mesmo que, em termos técnicos, vastas áreas do país possam estar abrangidas pelos sinais de rádio e de televisão, as condições para os receber são limitadas. São diminutas. Sobretudo, por falta de energia eléctrica. Ora, números redondos, talvez não mais de seis milhões de habitantes possam aceder, hoje, com regularidade, ao sinal de televisão. Quanto ao número dos que possam ter acesso à internet, será infinitamente decimal.


Professor em universidade de Lisboa, credenciado, viajou até Maputo para dar conselho. E aconselhou, com as devidas e mestras reservas, (“Notícias”, de 6 de Novembro de 2007), que “Moçambique deve caminhar para o voto electrónico”. Mas, escreve o Jornal, Repito que estou a lançar um desafio para o país fazer um estudo, não estou a dizer que isto deve acontecer de imediato. Diz, também, o diário, que o douto doutor defendeu a introdução do voto antecipado. Um voto que no seu entender, no entender do douto doutor, seria a forma mais justa de permitir a participação de todos os cidadãos, desde os doentes e aqueles votantes que eventualmente se desloquem para fora do país em missão de serviço ou por outros motivos durante o período que antecede a votação. Diria eu, no meu simples dizer, que se apresenta mais fácil às elites nacionais do meu tempo colocar um moçambicano no espaço do que haver condições para a tal dita votação electrónica. De resto e por fim, o tal dito douto doutor, às questões que, por mérito, conhecimento e sabedoria era mister responder, limita-se a dizer não posso dizer. Claro, o segredo, através dos tempos, sempre foi a alma do negócio. Para o mal e para o bem, aí o teremos, de volta, em breve. Para, como consultor e pago com muitos milhares de dólares, nos vir dizer, amanhã, o que hoje disse que não posso dizer. Que o homem pode dizer, pode. A questão é que não quer dizer. Enquanto não lhe pagarem para dizer. Então, paguem lá ao homem para ele dizer o que diz ter para dizer. Ou, em alternativa, caso não tenha nada de útil para dizer, paguem-lhe a passagem de regresso. Mas, antes da ida sem regresso, levem-no até à cidade da Beira ou à Ilha de Moçambique. Pelo menos, se assim, o douto doutor ficará a conhecer o que é o fecalismo a céu aberto. E, tenhamos consciência, poderá ficar mais claro sobre nossas realidades nacionais. E, se assim quiser perceber, assim irá perceber quais as nossa prioridades nacionais.

domingo, novembro 04, 2007

as estradas estão cheias de corpos de mortos

Não fosse o assunto demasiado sério, haveríamos de escrever, haveríamos de afirmar que o fim da guerra, que esta situação pós Acordos de Roma é a principal causa do elevado índice de mortandade nas estradas nacionais. E é. Devido às novas facilidades e necessidades de deslocação, aumentou o número de veículos em circulação. A melhoria do piso de muitas vias veio permitir um aumento de velocidade. Na nossa realidade de hoje, muitas viaturas circulam em péssimo estado técnico. Outras, são conduzidas por indivíduos cansados. Muitas vezes, embriagados. A necessidade de realizar o dinheiro exigido, diariamente, pelo patrão, pelo dono da viatura, é outra realidade. É uma outra triste realidade que não pode ser descartada numa análise séria sobre as causas do elevado e crescente número de acidentes nas estradas nacionais. Com um não menos importante número de mortos.


Morrer num acidente de viação não é, em parte alguma do mundo, um acto heróico. Mas, também não será uma fatalidade. Em Moçambique, não sendo uma coisa nem outra, é uma realidade quotidiana. E, por certo, das muitas causas que podem servir de justificação para os acidentes, aí temos a falta de respeito pelas regras de trânsito. E, isto, tanto fora como dentro da capital do país. Aqui, a ultrapassagem irregular, o cortar a prioridade, o avançar com o sinal luminoso vermelho, passaram a ser a regra. E, não poucas vezes, o parar no sinal vermelho é recompensado com forte buzinada. Donde logo se conclui que o problema ca circulação na capital do país não é um problema de semáforos. É, isso sim, um problema de educação. Ou, mais claramente, de falta de educação. Sobretudo de falta de respeito pelos direitos dos outros. Mas se os “chapeiros” são o que são e o que todos sabemos que são, parece começar a haver bem pior. Trata-se uma nova geração de taxistas que não olha a meios para conseguir os seus fins. E que bem poderíamos classificar de assassinos encartados. Sendo que, no mínimo, possuem carta de condução. Talvez muitos não a possuam. Mas, essa realidade a ninguém importuna. Da acção das polícias, nada é preciso acrescentar. Tanto a de Trânsito como a Municipal, parecem ambas de boa saúde. E seguir a recomendação dos três macaquinhos. Não sei, não vi, não ouvi. Se servem, uma ou outra, para alguma coisa, ninguém lhes conhece a serventia. Isto, tendo em vista evitar e prevenir acidentes. E evitar mais mortes. Talvez seja tempo para que, quem tem poder e mando, definir uma estratégia de combate às causas dos acidentes de viação. Para isso, acordem.. O primeiro passo a dar é acordarem. Para poderem ver que as estradas estão cheias de corpos de mortos.

domingo, outubro 28, 2007

que seja o Estado a defender os interesses dos consumidores

A guerra, todas as guerras, na generalidade, permitem que alguns consigam lucros fáceis. E façam fortunas rápidas a comprar aqui e a vender mais ali. Nem sempre, ou na maioria dos casos, por processos legais. Moçambique, não terá fugido à lógica do mercado, segundo a qual quando a procura é maior do que a oferta o preço do produto sobe. Sem esquecer que quanto maior é o risco no processo de compra e venda, maior é a percentagem de lucro. E, neste contexto, numa situação de funcionamento anormal do mercado, a questão da qualidade passa a segundo plano. Pode, até deixar de ser colocada. O que importa, isso sim, é o produto em si. A sua existência física, a sua disponibilidade. Ora, hoje, passado que é o risco de guerra e o risco de comerciar com e em Moçambique, merece referência e elogio a actividade desenvolvida pela inspecção. Quer dizer, é, a todos os títulos louvável, actividade que está a ser noticiada da Inspecção do Ministério da Indústria e Comércio. Em defesa dos direitos do consumidor e da Saúde Pública. Quer dizer, o Estado assumiu, de forma clara e frontal, a defesa dos direitos do consumidor. Deixando na sua peugada, associações que, de defesa do consumidor têm, apenas, o nome. Só o nome. Nada mais.


Escolheu o jornal “Notícias”, para título principal da sua edição da última quinta-feira: “Comerciantes desonestos sob pressão da inspecção”. E, ao reportar sobre uma reunião entre estruturas governamentais e comerciantes, a dado passo, escreve: Não fixação de preços, uso de pesos e medidas viciados, falta de higiene, produtos com rotulagem irregular, são alguns dos problemas apresentados como estando, juntamente com a venda de produtos fora de prazo, a perigar a saúde dos consumidores. Mais à frente, pode ler-se: (...) parte do produto fora do prazo apreendido pelos inspectores foi declarado nocivo ao consumo humano. Na lista destes produtos figuravam batatas fritas (chips), cervejas, iogurtes, manteiga, sumo e outros, importados da África do Sul e da China. Se me é permitido ajudar a inspecção, acrescento que na lista dos fornecedores de produtos fora de prazo deve ser acrescentado Portugal, e à dos falsificados o Dubai. Depois, e também a título de informação, qualquer um de nós pode mencionar o elevado número de latas enferrujadas e opadas que se encontram nas prateleiras de muitos estabelecimentos comerciais. O que por si só, constitui atentado à saúde pública. Dizer ainda, que segundo a mesma notícia Os proprietários das mercearias acusam os armazenistas de sempre importarem produtos que estão quase a expirar o prazo. Os armazenistas, por seu turno, “endossam” as culpas aos fornecedores. Em termos de prazos de produtos, a questão é demasiado simples para que possa ser complicada. Quer em países da Europa, quer na África do Sul, um produto com a validade de um ano tem um preço. O mesmo produto com a validade de um mês tem um custo mais baixo. O mesmo produto com a validade de oito dias, custa ainda menos. Quando o comprador o aceita, já está fora de prazo, vale quase nada para quem vende. Em Moçambique, como todos o sabemos, até ao momento, o produto fora do prazo de validade no exterior, tem custado, ao consumidor, o mesmo preço. Pois que, a Inspecção do Ministério da Indústria e Comércio trave a irregularidade. E que na falta de melhor, ou mesmo contra alguns hipotéticos interesses instalados, que seja o Estado a defender os interesses dos consumidores.

domingo, outubro 21, 2007

continua a chateação

O livro tem como título “O Português Que Nos Pariu”. A autora dá pelo nome de Angela Dutra de Menezes. O que, sem dificuldade, dá para intuir ser brasileira. E o é, de facto. Aliás, dúvidas não existem quando, em subtítulo, escreve: “Uma visão brasileira sobre a história dos portugueses”. Ainda antes de tomar contacto com o livro, quando o vi referenciado na internet, logo disse: Bem feito. Bem feito que tenham escrito este livro. Bem feito que alguém tenha escrito uma história ao contrário. Seja, do lado contrário, O que, bem entendido, nada tem a ver com contra-história. E depois, como se tanto não tivesse sido já ousadia, tem mais. A capa é ocupada com uma imagem que se prende da figura do infante dom Henrique. Em posição normal. A contracapa reproduz a mesma imagem. Mas, invertida. Bem sei, acredito, é normal que as quase 190 páginas de prosa possam cair mal a meia dúzia. De outra forma, houvesse o livro sido escrito por moçambicano e teríamos contestação dos de fora. Dos que dizem terem vindo para nos ajudar. Que, no seu dizer, vieram dar o seu valioso contributo ao desenvolvimento deste país. Mas não, o livro foi escrito no Brasil. E, ao que parece, na cabeça, nas mentes sábias e altruístas de uns tantos, o que nos torna diferentes do Brasil é o facto de ainda não termos o mesmo estatuto do Brasil. De nos assumirem, simplesmente, como ex-colónia.



Não resisto a transcrever uns poucos parágrafos de “O Português Que Nos Pariu”, como forma de se começar a conhecer o pensamento da autora. E perceber o a que me refiro. Então, o livro começa assim (Pag. 13): No século XVI, nenhum colonizador invadiu nenhuma praia com posse e porte de ONG. Nem podia, claro – cada época, cada sina. [ ] Hoje, convivemos com os “politicamente corrector”. Na minha opinião, tentativa perigosa de nos recolonizar. [ ] Não gosto dos “politicamente correctos”, também não gosto de ONGs. Não gosto de nada pronto. Quero o prazer e o luxo de poder pensar sozinha. Se é para ser colonizada, que seja como já fomos – ao menos sabíamos quem era quem. [ ] Sabendo, nos conhecemos. Por isso fiz este livro. E, a autora continua com referências a Alcácer Quibir e aos mouros e avança com a “Receita do Português”, para concluir que o Brasil é um país de cristãos-novos, ou judeus, convertidos à força. Os famosos degredados na maior parte das vezes eram judeus se escondendo, tentando sobreviver sem abdicar da fé. E, depois de muita história de degola, de intervenção do Vaticano, de fogueira e de guerra santa contra os infiéis, a autora oferece-nos esta prosa: Em Elvas repetiu-se o drama. A fama de na cidade viveram as mouras mais belas da península, teve alto preço. Os cristão degolaram todos os homens, violaram as mulheres, não deixaram pedra sobre pedra. Elvas marca o momento em que as tropas portuguesas já não paravam para pensar. Destruíam e seguiam em frente para cortar mais gargantas. [ ] Nesta confusão generalizada – nos intervalos, cristãos e muçulmanos estapeavam seus pares -, os cavaleiros lusos acabaram por encurralar o inimigo no Algarve. As guerras de reconquista terminaram. Em 1249, o último mouro atirou-se no Mediterrâneo disposto a morrer afogado para se livrar dos portugueses. Já não aguentava mais tanta chateação. Como todos sabemos, o Mediterrâneo fica lá e mouros por aqui não há. Mais de sete séculos e meio após o episódio, agora pelas bandas do Índico, continua a chateação.

domingo, outubro 14, 2007

água é negócio

Desde há muitas décadas, que a água da Namaacha é conhecida. O seu nome é, por si só, uma referência. Talvez por isso, num determinado momento, em princípios dos anos 70, quando faltaram rolhas de cortiça para os garrafões, a censura cortou a local. Não seria conveniente que o “Notícias” desse a conhecer aos citadinos da então cidade de Lourenço Marques o motivo que os impedia de ter acesso à por si tão apreciada água. Isto, numa altura em que a situação militar em Moçambique já estava degrada. Em que já havia grande descontentamento dos civis europeus em relação ao comportamento do exército colonial. Por essa mesma ocasião ou pouco depois, pretendeu o proprietário da nascente da água da Namacha publicitar a sua água. Como colaborador, então, de uma agência de publicidade, foi-me solicitada a elaboração de um texto publicitário. Das ideias e documentos apresentados, destaca-se um. O relatório da análise laboratorial da referida água. Que pouco mais adiantava do que tratar-se de uma água bacteriologicamente pura. Este facto, terá sido pouco encorajados para os donos da nascente. Que terão desistido de investir em publicidade. Já em tempos mais recentes, parece também não ter tido também sucesso a exploração industrial da água da Namaacha. Isto, em tempos da UNOMOZ.


Rodaram os tempos, e o que se terá passado desde esse então até ao presente, não vem para a crónica. O certo é que o nome de Água da Namaacha voltou a tornar-se familiar. E a ser consumida sem reservas. Eis quando não, voltou a desaparecer do mercado. Foi impedida de ser vendida. Por via de um processo, de um método, ainda e aparentemente pouco claro. Que necessita de ser clarificado. É que até ao momento, ainda nenhuma entidade disse, claramente, por escrito, os motivos e as causas pelas quais a referida água foi apreendida. Ninguém disse se estamos ou não perante um caso de crime de saúde pública. E é necessário clarificar a situação. O silêncio é inimigo da verdade. Sendo, como todos o sabemos, que água é negócio.

N.A.
Publicou esta Semanário, na sua última edição (pag. 9), um texto que menciona por diversas vezes o meu nome. Pretende-se, no referido escrito, fazer a defesa de anúncio publicitário por mim criticado, anteriormente, no mesmo periódico. Pode ler-se, no referido texto, que a publicidade objecto de crítica é genuinamente moçambicana, porque concebida moçambicanos. Mais ainda, que a dita publicidade foi alvo de elogios por diversas entidades governamentais e outras individualidades que a viram exposta no pavilhão “a casa das águas”, durante a última edição da FACIM. Acreditamos, queremos acreditar que assim possa ter sido. Mas, os elogios dessas anónimas entidades representam o quê? Servem de referência a quê? Isto, em termos gráficos, de linguagem, de comunicação, de estética, de ética, de cultura, e por aí em diante. Servem de nada por conterem nada de referencial. Positivamente, não chegam a ser argumentos. Nem a favor, nem contra coisa nenhuma. Em circunstâncias semelhantes, o sábio aconselhou ao sapateiro para não ir além da chinela.

domingo, outubro 07, 2007

Puro acto de ilusionismo

Convenhamos que sim. E que todos o devíamos saber. Que todos devíamos saber que a política é a arte do possível. Ou como gostava de dizer e de repetir jornalista há décadas migrado nos Estados Unidos da América, a política é a ciência das putices. Que o seja, que o possa continuar a ser. E, sendo-o, podendo sê-lo, também permite a um político dizer hoje uma coisa e, amanhã, precisamente o inverso, o contrário. Para o efeito, para dizer hoje o contrário do que afirmou ontem, nem precisa de mudar de casaco nem de gravata. . Muito menos de óculos ou de cara. Quer dizer que, com a cara com que hoje diz sim, amanhã pode dizer não. No campo do real, trata-se de um sim e de um não que em nada faz mudar nada. Nem a temperatura do ar, nem o ritmo das marés, nem o ciclo de vegetação das plantas, menos o período reprodutivo dos animais. Assim, desta forma, sim e não significam o mesmo. Anulam-se reciprocamente. E, ao anularem-se, excluem-se. É como se nunca tivessem existido. Sendo mais claro, se ainda é possível: O não existiu em função de um sim. Como o sim não teve razão para existir, logo, por exclusão de partes, o não também não existe. No calendário do tempo, é como se tivéssemos parado antes do sim. De lá até cá, poderíamos convencionar nada ter acontecido. Mas, de facto, como o sim existiu, não é possível evitar reconhecer que existiu o não. Mas, tem mais e talvez de mais difícil solução. O sim transmite uma energia positiva. O não emite uma energia negativa. Deste jeito, sendo que a energia negativa não consegue anular a energia positiva, fica como prevalecente o sim.


Há poucos dias, fez anunciar o presidente da RENAMO o seu desejo de participar nas cerimónias alusivas ao Dia da Paz. Não em todas. Excluiu as que entendeu excluir. Não muito depois, algumas dezenas de horas mais tarde, fez saber que não estaria presente em nada que fosse comemoração do 4 de Outubro. Terá repensado a sua posição e terá mudado de ideias. É seu legítimo direito assim proceder. Só que os argumentos para a mudança de posicionamento parecem pouco coerentes. Pouco convincentes. Serão canhestros e de alguma ingenuidade. Pouco condicentes com o estatuto de dirigente do maior partido da oposição. Falamos, como se entende óbvio, dos argumentos tornados públicos. E, os argumentos tornados públicos dizem da pressão das bases. Falam dos aconselhamentos feitos à direcção do partido pelos membros de base. Mas, como assim? Como é que no espaço de algumas dezenas de horas, essas bases deram a conhecer o seu desejo, a sua vontade à liderança do seu partido? E como é que esse partido inverte, por completo, uma posição publica anteriormente assumida? É muito bem possível ter havido algum erro estratégico na tomada da primeira posição. Depois, o recurso ao argumento da pressão das bases pode ser, de alguma forma, reconfortante. Afinal, o que parece pretender dizer-se são duas coisas simples mas contraditórias. A primeira, é a de que o partido possui uma base de sustentação social que está, a todo o momento, atenta a qualquer possível desvio do seu presidente. A segunda, é a de que o presidente, quando alertado para erro de percurso ou decisão contrária à vontade, ao desejo das suas bases, logo muda de posicionamento. Pura ilusão. Puro acto de ilusionismo.

domingo, setembro 30, 2007

África deve boicotar a Cimeira de Lisboa

Chamam-lhe de Cimeira África-Europa. Mas, é suposto que se realize na Europa. Mais precisamente e muito claramente em Lisboa. Caso, efectivamente, venha a realizar-se. Então e só por isso, pelo facto de pretender reunir dirigentes europeus e africanos em país europeu, deveria chamar-se de Cimeira Europa-África. Mas não. Os colonialistas decidiram pelo inverso. E tentam impor o inverso. Porque, não tenhamos ilusões, são eles quem decide. Ou pensa que decide. Ou que pensa que é quem decide melhor. O motivo que parece querer impedir o Presidente do Zimbabwé em participar na referida Cimeira, estão escondidos. Não são os da sua boa ou má governação. Não são o que ele possa ter de bom ou de mau pelos seus governados. O que está em causa, isso sim, é que paira uma ameaça sobre os interesses económicos da Coroa Britânica em terras que foram colonizadas por Cecil Rhodes. Rhodes, como todos o sabemos, deu o seu nome às terras por si usurpadas e ocupadas em nome da Coroa. E teve como projecto maior, estabelecer a ligação ferroviária entre o Cabo e o Cairo. Nunca o conseguiu, para bem ou para mal da Região. Por isso, por o não ter conseguido, ainda hoje as vias ferroviárias são o que são. Partem do interior para o mar.


A escolha do local para a realização desta chamada Cimeira África-Europa parece ser, de todo, infeliz. Por vários e variados motivos. E, o mais importante parece ser o de Portugal não ter descolonizado. Quando foi possível e se apresentava como viável descolonizar. Portugal foi obrigado a descolonizar. Depois de ter perdido a guerra em todas as frentes militares. Portugal, é bom que se fique claro, saiu derrotado, em termos militares, naquilo que eram as suas colónias da Guiné, de Angola e de Moçambique. Mas, mais e talvez pior. No mesmo período, apoiou a Guerra de Secessão no Biafra. Para o efeito fez exilar, a mando de Marcelo Caetano, Mário Soares para São Tomé. Donde era coordenado e dirigido o apoio americano aos secessionistas. Para tentar manter o poder na Guiné-Bissau, invadiu a Guine-Conacri. Estamos no tempo de Spínola, que tinha como homem de mão Alpoim Galvão. No mesmo período, transformou Savimbi em colaborador da PIDE e em informador do Exército colonial, para tentar evitar nova derrota militar. Também e igualmente, sem sucesso, em Moçambique, apoiou uma RENAMO que, a conquistar o poder seria defensora dos seus interesses colonialistas. Hoje, e em termos históricos, sabendo nós o que sabemos da história recente, parece fazer todo o sentido a posição assumida pela SADC. E, a menos que mudem os termos e as exigências sobre os participantes, faz todo o sentido que África boicote a projectada Cimeira de Lisboa. E que deixe os colonialistas em monólogo uns com os outros. Muito embora consciente de que o preço a pagar pelo boicote possa ser elevado. O que está em questão para a ida ou não ida do Presidente do Zimbabwé a Lisboa não é forma como ele governa o seu país. É a forma como ele trata os interesses económicos estrangeiros, particularmente britânicos. Para além de que, todos o sabemos, ouro, diamantes e petróleo são, desde há muito, motivo de cobiça e de guerras. São as causas de todas as guerras actuais. Nesta perspectiva, África deve boicotar a Cimeira de Lisboa.

domingo, setembro 23, 2007

Cerveja e água são negócio

Jornais, rádios e televisões, muitas vezes nos surpreendem em matéria de publicidade. Pela negativa. Naturalmente e para que não restem dúvidas. Digamos que, por vezes, talvez muitas, se nos depara aquilo a que bem se pode chamar de publicidade enganosa. Outras vezes, a publicidade será a produtos de duvidosa qualidade. Também acontece serem publicitados produtos estrangeiros numa linguagem e em termos que nada tem a ver com a realidade nacional. Ou com a cultura indígena local, se assim o permitirem que o digamos. Não se quer dizer, com o atrás dito, que a publicidade, em si própria seja má. Não. O que se está a dizer é que é bem pior do quer má. E, quando se está dizer que é pior do que má, já se poupa, já se evita o recurso ao vernáculo apropriado. Adequado. Pois, bem, o que se está a dizer, o que se está a procurar fazer entender, é que a dita publicidade deve obedecer a regras e a normas. Para que o potencial comprador possa encontrar o produto ou o serviço publicitado. Tal como foram publicitados. E não, como parece poder acontecer, como pode ter acontecido, de formas e maneiras diferentes. Para que quem se dê ao trabalho de procurar o produto ou o serviço publicitado não corra o risco de sofrer desilusão. E de ter de pagar caro. Veja-se só, quanta publicidade enganosa não anda por aí. Podemos, até, citar como mais recente aquela que foi feita pela tvcabo. Que prometeu e deu, mas que depois retirou. Sem mais. É caso para dizer, que em terra de cegos, quem tem um olho é rei. Ou para questionar, se faz sentido Moçambique ir participar na Cimeira Europa-África.


Atenho-me e atento-me, já num tempo mais recente, numa outra peça publicitária. Numa obra prima de anúncio publicitário. Obra prima, será de deixar claro, desde já, pela negativa. Trata-se, aqui, de um anúncio da Águas de Moçambique, que insulta quem comprou a última edição do “Magazine” (19 de Setembro de 2007), quem gosta de beber cerveja nacional e quem paga, pontualmente, a água que consome. Perguntam os senhores a quem, para nossa desdita e má sorte, foi atribuído o direito de fazerem chegar a água a nossas casas, se Sabia que? E, o anúncio, matreco e saloio, em estilo copofónico, dá a resposta. Diz, em legenda sobre quatro garrafas, que 2,5 litros de cerveja custam 125, 00 Mt. Em outras legenda, sobre uns tantos jerricans de plástico, afirma que 10.000 Litros de Água, seu consumo mínimo mensal, custam 120.00 Mt. E, apela de forma carinhosa, infantil e burrical: Pague a sua factura de água, contribuindo assim para a melhoria do serviço. Claro que sim. Mesmo que seja impossível deixar de reconhecer que a melhoria do serviço não se compadece com a exigência de comprovativos de pagamento. Nas tardes de sexta-feira. E de dívidas que nunca existiram. Aquilino Ribeiro, cujos restos mortais repousam desde há poucos dias no Panteão Nacional, em Lisboa, fez da literatura uma causa. E da sua causa uma luta. E não lutou, com toda a certeza, para que estes pedaços de asno, exportados para Moçambique, para aqui fossem enviados com a missão confundir cerveja com água. Sejamos claros: Em Moçambique, cerveja é cerveja, água é água. Cerveja e água são negócio.

domingo, setembro 16, 2007

ter coragem para transformar o colonialismo em passado

Parece incontroverso, que contra factos não há argumentos. E, os factos são que a RENAMO possui homens armados em Marínguè. Ninguém o desmente, todos o confirmam. E, confirmam quando justificam ou tentam justificar a razão para a sua existência. Ora, à partida, estamos perante uma razão sem razão. E, uma razão sem razão é uma razão que não existe. É, em princípio, a negação da razão. Ora, vejamos o que se diz e escreve sobre o acontecido, recentemente, em Marínguè. Para o “Zambeze”, a confusão começou quando um grupo de militares da segurança da Renamo decidiu sair à rua armados e devidamente fardados, numa operação de patrulha nalgumas das artérias da vila, começando pela pista do aeródromo local e a zona onde se encontra instalada a sede distrital da Renamo naquele distrito (...). Por sua vez, o “Savana” cita o secretário - geral da Renamo a reconhecer a existência de homens armados da RENAMO na vila de Marínguè, mas justificou a sua presença com a necessidade de proteger infra-estruturas do partido. Mais escreve, que Mamade revelou que a RENAMO possui um efectivo de 20 mil homens na reserva que poderão ser mobilizados caso o partido seja provocado. Ora, até aqui e desde já, pelo menos duas conclusões podem ser tiradas. A primeira, é a de que a RENAMO, efectivamente, tem e está a utilizar homens armados e fardados com determinados objectivos. Seus. Partidários. A segunda, é de possuindo 20 mil reservistas que podem ser mobilizados caso possa ser provocada, significa exactamente isso. Significa que se esses reservistas não foram mobilizados foi pelo simples facto de ninguém ter provocado a RENAMO. Para além da dúvida sobre a capacidade em mobilizar 20 homens armados. Uma leitura do livro do general Xisto Pereira, chefe de um dos muitos serviços secretos portugueses, sobre o apoio de Portugal à RENAMO durante a chamada guerra dos 16 anos, aconselha alguma prudência nos números.


Durante alguns anos, após a assinatura dos Acordos de Roma, predominou a tese de que a RENAMO teria muitas dificuldades em transformar-se em partido político. Em abandonar as armas, em definitivo. A realidade e os acontecimentos mais recente, provam exactamente que assim é. Que estamos, ainda, perante um movimento armado e não perante um partido político. Perante um movimento que continua a procurar defender as suas ideias e os seus ideais através dos fuzis. Ora, levanta-se aqui já uma outra questão. E esta já não se situa no campo na razão. Talvez possa e deva situar-se no campo da Lógica. Mas, também, do Direito. E a questão que se levanta, é a de procurar resposta para saber como um membro do Conselho de Estado tem capacidade para mobilizar 20 homens. Que a serem mobilizados não o serão, em momento nenhum, para defender interesses do Estado. Há, acreditamos que haja, no meio de todos estes percursos sinuosos, em todas estas curvas e transgressões, motivos mais do que suficientes para se repensar sobre o que se pretende com a realização da Cimeira Europa-África. É que seja muito, seja pouco, seja nada, a participação de Moçambique deve ter como condição a retirada de apoios a uma RENAMO armada. E o retornar dos antigos agentes da PIDE para aqui progressivamente, enviados. É necessário, sobretudo, ter coragem para transformar o colonialismo em passado.

domingo, setembro 02, 2007

Os desafios são muitos e constituem desafio à imaginação moçambicana

Reitores das Universidades públicas da Região Austral de África estiveram, esta semana, reunidos em Maputo. E terão definido o desenvolvimento da agricultura e o desenvolvimento das zonas rurais como uma das prioridades dos currículos de ensino e aprendizagem. A definição, em princípio e até prova em contrário, não poderia ter sido mais justa, mais clara, nem mais correcta. Mas, e parece ser essa a questão de fundo, não basta formar. Torna-se necessário levar os formados para o campo, para os distritos. Torna-se necessário que os formados em técnicas agrícolas, pecuárias, silvicultoras não sejam colocados em gabinetes nas cidades. E, em simultâneo que, quando colocados no campo, lhes sejam proporcionados meios de investigação. E, meios para que, os resultados desta, possam, efectivamente, beneficiar o camponês. A introdução da semente melhorada é, na generalidade, um primeiro e importante passo para o aumento da produção agrícola. Mas, não será o único nem o decisivo. Não menos importante, parece ser o trabalho que conduza à eliminação do uso da enxada de cabo curto. E á introdução de meios tecnológicos de produção agrícola mais modernos. Logo, que permitam ao camponês gastar menos energias na sua produção. De outra forma, produzir mais e melhor com o mesmo gasto de energia. Humana. Sem perder de vista que a proibição de sementes genéticas é condição essencial para eliminar o ciclo da perpetuação da pobreza. Como todos sabemos, a semente genética tem um único ciclo de vegetação. E o camponês a quem seja fornecida hoje semente genética, necessita de semente genética para produzir na próxima campanha. O mesmo é dizer que caiu no ciclo infernal de dependência das multinacionais. E que, no próximo ano, só poderá produzir com nova semente. Obrigatoriamente importada. Vinda do estrangeiro.


A produção de riqueza nacional, ou, dito de forma diferente e por oposição ao chamado combate à pobreza, pode ter de passar por estratégias diferentes. E, em definitivo, deve passar. Primeiro, parece necessário criar oposição à concepção fundamentalista dominante, imposta do exterior, sobre trabalho de menores, conservação da natureza e ecologia. E, incentivar o camponês a produzir a galinha, o pato, o coelho, o cabrito. Mas, também, e sem receio, a caçar a gazela, o chango, o cabrito bravo, a galinha do mato, o javali, o porco preto. Para melhoria da sua dieta alimentar e para a comercialização. Como fonte de rendimento. Da mesma forma, parece útil e necessário, fundamentalmente e sobretudo, garantir condições para a conservação da produção nacional e a sua transferência. Dos locais de produção para os centros de consumo. Quer no país, quer no estrangeiro. Os desafios são muitos e constituem desafio à imaginação moçambicana.

domingo, agosto 26, 2007

como pode defender-se o cidadão comum

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Agosto 26, 2007

antes e depois

Luís David


As palavras valem pelo que valem. Mas, também valem por quem as pronuncia. Assim, por exemplo, uma palavra, uma frase, pronunciada por um agente da Polícia, tem um valor. A mesma palavra, a mesma frase pronunciada por um comandante ou por um director nacional da Polícia, tem outro peso. Pode ter outro valor, outro significado. Ora, depois de tempos e de tempos, de anos e de anos a dizer-se que a Polícia tinha falta de meios para combater o crime, este argumento acaba de ser derrubado. Acaba de ser deitado por terra. Acaba de perder toda a sua consistência. É que na sua edição da última sexta-feira, titula o jornal “Notícias” (página 2), que “Para o combate à criminalidade – Problema da Polícia não é falta de meios”. E atribui a afirmação a Bazílio Monteiro, director nacional da Ordem no Comando-Geral da PRM, para quem se pode fazer melhor com o que existe. Naturalmente, vinda de quem vem, a afirmação tem o peso e o valor que tem. E que, convenhamos, é muito.

No texto em referência, pode ler-se, a determinado passo que “Mesmo admitindo que a Polícia enfrenta sérios problemas de meios operacionais, Bazílio Monteiro explica que se pode fazer algo melhor para combater o mal que grassa o nosso país. Para ele, urge capitalizar as capacidades humanas existentes por forma a trazer vantagens comparativas ao défice, acreditando no verdadeiro Homem-polícia que, a todo o custo deve se sentir com motivação recuperada”. Noutra passagem, depois de se falar sobre as preocupações causadas pelo crime nas cidades de Maputo e Matola, diz-se que “Aliás, as hierarquias do Ministério do Interior e do Comando-Geral da PRM, apesar de aconselharem as pessoas a manterem-se calmas e atentas a qualquer movimento de indivíduos estranhos, reconhecem que muito ainda há por fazer para combater não só a criminalidade, mas também os circuitos que deixam escapar informações de operações de natureza complexa esboçadas pela corporação.” Quer dizer, se ainda existe lógica, se a lógica ainda tem lógica, em vez de um, passou a haver dois combates a travar. Por, simplesmente, ter passado a haver dois tipos de inimigos públicos. O primeiro, será o ladrão, o salteador, o assaltante, o criminoso armado. O segundo, mas não necessariamente por esta ordem por a ordem poder ser invertida, são os circuitos que deixam escapar informações de operações de natureza complexa esboçadas pela corporação. Quer dizer, ou pode permitir concluir-se, a Polícia está infiltrada. O que parece, também, não ser segredo nem novidade. Isto, sem rodeios e por palavras claras. De resto, crime, negócios ilegais, empresas de fachada, receptadores de bens roubados vai, segundo as más línguas de café, muito para além dos vendedores de esquina e do chamado comércio informal. A questão que fica por saber é a de como pode defender-se o cidadão comum.

domingo, agosto 19, 2007

para evitar mais pressões e intervenções externas

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Agosto 19, 2007

antes e depois

Luís David


Vivemos, desde há alguns anos, em democracia. Vivemos num sistema político, ao qual se convencionou chamar democracia. Que não sendo, naturalmente, um sistema perfeito, é o melhor de todos os sistemas conhecidos. Assim a definiu um ilustre estadista europeu. Por palavras diferentes e há muitas décadas. Ora, a nossa jovem democracia é isso mesmo. É jovem. Mas, para além de ser jovem e novata, está a crescer e a procurar firmar-se num Estado também jovem. Ainda não consolidado. Num Estado que é o que é. Num estado que, não custa admitir, tem mais de valores, de vontades e de imposições externas do de quereres e de vontades internas. Num Estado que se procura impor como modelo, para consumo externo. Mesmo quando esse Estado possa estar a afastar e a afastar-se dos fundamentos básicos da Nação. Da criação da Nação e da consolidação da Nação moçambicana. No que ela necessita para se afirmar, para se firmar e para se poder impor. Ora, a tudo isto e, certamente a bem mais, se ajunta o facto de a nossa democracia, assim como a conhecemos e assim com a temos, apenas ter pai. Apenas ter quem se afirma como pai. E que, até hoje, nunca revelou quem é a mãe. A nossa democracia é, assim, uma democracia de pai assumido e de mãe desconhecida. Pode, pois e muito bem, não passar de uma democracia enjeitada.


O tempo parece passar rápido. Os anos somam-se aos anos. Completam décadas. De um passado recente. De um passado de partido único que, alguns preferem evitar recordar e, outros, pior, não assumir. Nesse passado recente, houve um determinado período de tempo em que Moçambique, talvez mais em particular Maputo, viveu situações anormais. Da análise do que se estava a passar resultou a publicação de um panfleto, talvez de uma brochura, como lhe queiram chamar, a que terá sido dado o título “Como Age o Inimigo”. O boato, a sabotagem, a destruição de bens públicos e privados, os assaltos com recurso a armas de fogo, retornaram. Talvez, com uma ou duas inovações. Como seja o assassinato de agentes da Polícia e a prova da inutilidade, da ineficiência e da ineficácia das empresas de segurança privada. Perante a realidades dos últimos assaltos a instituições privadas, perante os últimos actos de violência criminal, parece necessário fazer alguma reflexão. Profunda. Pelo menos, assim o aconselho o bom senso. E, mais, tornar público o resultado dessa reflexão. Impõe-se, sobretudo, que haja a coragem para se dizer, antes de Dezembro próximo, se o que está a acontecer são simples actos de pura ladroagem. Se são meros actos de criminosos internos. Ou se não. Se pelo contrário, estamos perante acções ou operações concertadas com apoio externo. Com o objectivo de criar uma situação de desgoverno. Moçambique, os moçambicanos, tem suficiente capacidade para uma análise do que se está a passar. Do que está a acontecer. Independentemente de opções partidárias. Em última análise, para evitar mais pressões e intervenções externas.

domingo, agosto 12, 2007

É obrigatório que isso não venha a acontecer

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Agosto 12, 2007

antes e depois

Luís David


Gostava de poder ter vivido no tempo em que se diz que os animais falavam. Haverão de ter sido tempos maravilhosos para viver. Tempos de diálogo. Tempos de compreensão. Tempos de entendimento e, também, de desentendimento. Mas, tempos em que todos falavam. Pelo menos, tempos em que todos podiam falar. Agora, no hoje, neste tempo nosso, neste tempo de nós, no tempo actual, tudo parece meio diferente. Já só falem os homens. Os animais, esses, é verdade, continuam com o direito de poder pensar. Mas, já não podem falar. Foi-lhes retirado o direito de falar. Compreende-se porquê e porquê assim. É que constitui um grande risco, nos bons tempos que correm, permitir que os animais falem. Que os animais continuem a falar. Constitui um grande risco dar a palavra aqueles que pensam. Assim, pensaram os senhores do mando, é preferível tirar a palavra aos que pensam. Aos animais e aos sábios. Também aos doutos e aos sages. Silenciados uns, calados outros, impedidos de expressarem e seu conhecimento mais alguns e a sua experiência outros, ficou aberto o campo para o avançar da ignorância e da incompetência. Também da intolerância, da maledicência e da maldade. Mas pior, o pior de tudo, é tentar colocar a ambição pessoal acima dos interesses colectivos. Sociais. Nacionais. Pergunte-se, então, se Estaline terá sido pior ou melhor do que Hitler. A resposta, pode ser irrelevante. Ambos estão situados entre os maiores criminosos dos tempos modernos. A história assim o regista, de forma com poucas possibilidades de desmentido.


Ontem, quinta-feira, cerca das 20 horas, a calma, em muitas residências da zona alta de Maputo, foi interrompida por tiroteio. Soube, mais tarde, que dois polícias haviam sido barbaramente assassinados e um terceiro ferido. Por bandidos armados. Na noite anterior, na cidade da Beira, dois camiões, que rebocaram tanques com combustível, foram incendiados. Mais antes, dias antes, um polícia, desses alcunhados de municipais, que dizem ter disparado inadvertidamente a sua arma, feriu cinco pessoas. Que nada tinham a ver com nada. Que eram simples transeuntes. E que tiveram, simplesmente, o azar de estar no local e no momento errado. Onde, por mero acaso ou não, estava, também, um polícia errado. Ao que se diz, como sempre, para retirar esses inconvenientes vendedores de esquina. Esses pés descalços que ocupam espaços que, em outras áreas da cidade, são concedidos a bancos e a restantes de luxo. Mais inquérito menos inquérito, o que se sabe, até hoje, é nada. Aqui, entre nós, os inquéritos são simples falácia. De resto, também assim aconteceu, também assim sempre o foram, nos tempos de Hitler e de Estaline. O problema do pobre em Moçambique é, simplesmente o de ser pobre. E daí, o de ter de esperar até Dezembro, para ver eliminada a criminalidade. Até lá, até esse Dezembro próximo, muita gente empenhada no combate ao crime poderá vir a perder a vida. É obrigatório que isso não venha a acontecer.

domingo, agosto 05, 2007

Explosivos não se transportam como batata ou tomate

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Agosto 5, 2007

antes e depois

Luís David

É bem provável que os anos de sacrifício consentidos para conquistar a independência, tenha marcado muitos homens e mulheres. De forma profunda e para todo o tempo das suas vidas. Depois, a guerra chamadas dos 16 anos, poderá ter deixado outros e outras, quando não os mesmos e as mesmas, insensíveis à morte. Ou ao risco e à aventura de viver. Porque viver sob permanente ameaça de morte é, de facto, um risco e uma aventura. Mais. O contacto diário com a morte, embora de outros, pode imunizar muitos perante a morte. O perigo da morte. Pode, até, retirar significado e sentido ao conceito de morte. Em último caso, pode travestir ou ter travestido o sentido de morte. Nos mais diversos planos e aos mais diferentes níveis. Desde o ético ao moral, passando pelo religioso. Do mítico ao psicológico. Do colectivo ao pessoal. Morrer e ver morrer, sofrer para morrer e ver sofrer para morrer, deixa de ser excepção. Condenável. Poderá ter passado a ser, poderá ter sido, em diferentes momentos e em diversos locais, simples regra. Em muitas circunstâncias e de forma consciente ou resíduo do subconsciente, a morte poderá ter deixado de ter valor. Ou, melhor, a vida. A vida poderá ter deixado de ter valor, perante a banalização da morte.


As explosões no Paiol de Malhazine, provocaram o número de mortes, de feridos e de estropiados que todos conhecemos. A destruição de engenhos que não haviam explodido, provocou mais mortes na Moamba. Fala-se, repete-se, tratar-se de explosivos obsoletos. Como se o facto de serem obsoletos, por si só, signifique não estarem activos. Não poderem explodir a qualquer momento. Como aconteceu, mais recentemente, na Base Aérea de Mavalane. Ora, sendo de excluir, à partida, ter sido uma acto suicida, parece pertinente colocar algumas questões. A primeira, é o motivo pelo qual a viatura não terá sido abastecida antes de ser carregada com os explosivos. A segunda, é o motivo pelo qual o transporte não foi feito durante a noite. Com uma temperatura mais baixa e menor movimento nas estradas. A terceira, é se, de facto, o responsável pela operação de destruição dos engenhos, ditos obsoletos, seguia ou não noutra viatura a acompanhar as que transportavam as dez toneladas de material a destruir. Claramente, como cidadãos, conforta-nos pouco saber que se está a trabalhar nas condições possíveis. Aliás, preocupa-nos demasiado O transporte e destruição de material explosivo exige e impõe que se trabalhe nas condições ideais. Nunca nas possíveis. E, digamo-lo claramente, esse é um dever e uma obrigação do Estado. Se agora, se esta explosão de uma viatura no Aeroporto de Mavalane custou meia dúzia de feridos, é preciso evitar que possa haver outra que venha a provocar mais feridos e mais mortes. Para tanto, é obrigação transformar aquilo que, de maneira alegórica, se define como condições possíveis em condições totais de segurança. Para o cidadão. Explosivos não se transportam como batata ou tomate.

segunda-feira, julho 30, 2007

caça às bruxas

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Julho 29, 2007

antes e depois

Luís David

Há quem diz que o Desporto é uma escola de virtudes. Mas, pode ser um dito falso. Uma afirmação não verdadeira. Pode não passar de uma vontade. De um desejo. De uma crença. De um mito. O Desporto tem, isso sim, virtudes. Quando praticado dentro de certas normas. Quando praticado de acordo com valores éticos e morais de consenso, com base em regras aceites em comum. Ora, quando surge alguém a violar essas regras ou regulamentos para obter vantagens ou benefícios pessoais, o Desporto perde muita da virtude que se lhe pretende atribuir. Quando a vitória é procurada por meios ilícitos, deixou o Desporto de ter qualquer virtude. Quando alguém tenta aumentar a sua resistência física natural por processos artificiais, o Desporto é o primeiro derrotado. Quando alguém tenta, seja de que forma for, alterar a sua idade ou peso, para poder competir e tentar vencer os com menor idade ou com mais ou menos peso, o Desporto está doente. Neste caso, parece urgente fazer uma radiografia e alguns exames médicos. Não ao Desporto, como parece evidente. Mas a quantos tentam, por métodos e processos fraudulentos, chegar à vitória. Para que a ética e a moral, numa palavra a verdade desportiva não seja derrotada.


Digamos, sem receio de erro, que a realização dos Jogos Desportivos Escolares é uma boa iniciativa. Uma iniciativa feliz. Que permite a competição desportiva em diferentes modalidades e entre jovens de todo o país. Que permite um intercâmbio cultural entre jovens do todo nacional. Que proporciona uns tantos dias de convívio entre rapazes e raparigas, habitualmente, separados por milhares de quilómetros. E que, mais do que conquistar medalhas, talvez a grande vitória esteja na permuta de ideias, de pensamentos, de desejos, de ambições. Se assim, se o objectivo a atingir com os Jogos Desportivos Escolares vai para além da vitória provincial no campo meramente desportivo, algo está errado. Algo tem estado errado, algo pode estar errado na preparação psicológica desses jovens atletas, desses jovens competidores. É que eles podem, muito bem, estar, simplesmente, a ser preparados para serem, apenas, vencedores. Não para saberem aceitar a derrota, não para serem vencidos dignos. Tudo o que se diga ou possa vir a dizer, em nada justifica os casos de falsificação de idades. Verificados nestes Jogos de Quelimane. Menos ainda, as cenas de apedrejamento. De adeptos de vencidos, contra vencedores. Para além do elevado número de doenças diagnosticadas. Que, sem dúvida, afectarem o nível competitivo e de intercâmbio. Ora, a realidade parece indicar que estamos perante um tempo de parar para pensar. E, mais do que pensar, repensar todo o modelo de organização actual dos Jogos Desportivos Escolares. Parece fazer pouco sentido anunciar, hoje, punições severas para jovens falsificadores de idades quando, ontem, se lhes pedia vitórias sem condições. Vitórias a qualquer preço. É tempo de criar mecanismos para fazer respeitar os valores morais e éticos em que, pensamos, pensa quem tem o poder do mando, dever assentar o desporto nacional. Enquanto não, podemos estar apenas perante um processo diabólico. Um processo que, em boa gíria, se chama de caça às bruxas.

domingo, julho 22, 2007

pensar mais com a cabeça e menos com o coração

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Julho 22, 2007

antes e depois

Luís David

Parece não ser passível de desmentido o poder da televisão. O poder e a influência que a televisão exerce e que tem no comportamento dos cidadãos. Ou, se melhor se preferir, as televisões. Tudo quanto seja televisão. É que as televisões levam até nossa casa tudo o que é bom. Mas, cuidado, também levam tudo o que é mau. Sendo que, deixemos, desde já o aviso, nada é bom nem mau em absoluto. Num outro plano, as imagens de televisão, vistas como as vemos, podem ser reais. O que nunca são é totais e, muito menos, objectivas. Elas são, em última análise, produto de decisão de um qualquer sujeito. Logo, naturalmente, subjectivas. Sem mais delongas mas para se poder perceber o poder e a influência das imagens de televisão no nosso comportamento, vale a pena uma breve narrativa. A história é verdadeira e aconteceu passam muitos anos. Aconteceu que uma transportadora de passageiros nacional, operando no sul de Moçambique, era periodicamente, alvo de rasgados elogios em tudo quanto fosse jornal nacional. De um momento para o outro, o elogio deu lugar às críticas mais violentas. Interrogado, certo dia, um dos proprietário da empresa em questão sobre o que se estava a passar, respondeu que, simplesmente nada. Acrescentou que a razão e a culpa dessas críticas era da televisão. De facto, a RTP Internacional havia começado a transmitir para Moçambique. E, as imagens que dava dos autocarros que circulavam em Portugal era outra e diferentes dos autocarros que circulavam nas nossas estradas. Logo, e em, boa lógica, o desejo de ter por cá a qualidade do transporte colectivo de passageiros que existia lá, era “culpa” da televisão.


Escrevia o jornal “Notícias”, na segunda-feira que passou, com grande destaque: Formação de polícias vai triplicar no país. E, acrescentava estar Prevista a abertura de mais duas escolas no centro e norte, bem como a incorporação de desmobilizados das FADM. Ora, naturalmente que sim, naturalmente que perante o avanço da criminalidade, a notícia pretende tranquilizar o cidadão. Só que a formação de polícias não é feita de hoje para amanhã. E, pior, o desenvolvimento da notícia deixa claro que um dos centros de formação precisa ser reabilitado. Logo, precisa de financiamento. Quanto ao segundo, o local para a sua construção está ainda por identificar. Logo, e em boa lógica, a formação de polícias, saídos destes dois hipotéticos centros de formação, será uma questão de anos. De muitos anos. Depois, não deixa de ser útil colocar a questão de saber se a questão de fundo da Polícia é uma questão de números, de efectivos. Ou, pelo invés, de preparação e de especialização. E, até prova em contrário, é. Neste campo, seria de todo útil avaliar os resultados da cooperação com a Espanha. Ou, muito claramente, saber os motivos pelos quais essa cooperação e essa tentativa de formação não deu os resultados previstos. Depois, não perder de vista a rapidez com que a notícia do crime praticado em Maputo chega a todo o país. E, também, a forma como o crime praticado noutros países nos chega a casa. Muito por hipótese, admitir que as televisões podem estar a constituir escola e ensinamento de como praticar o crime. Perante polícias paradas no tempo. Desactualizadas. Desatentas. Hoje, o combate ao crime pede mais do que números. Mais do que efectivos. Pede uma estratégia clara. Indica ser necessário pensar mais com a cabeça e menos com o coração.

domingo, julho 15, 2007

não estamos em tempo de demagogia

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Julho 15, 2007

antes e depois

Luís David

Vivemos uma fase, uma época, um tempo de austeridade. Em termos de gastos e de utilização do dinheiro público. Assim nos dizem. E, como tal e consequência, assim o praticamos. Alguns. Nem todos nós. O que é e está errado. Quando falamos em termos de utilização, de gasto do dinheiro público, parece necessário haver uma atitude colectiva. Quer na poupança, quer nos critérios do gasto. Mesmo mais do que na poupança, na utilização criteriosa. É que o dinheiro que ao cidadão é feito pagar, quer sob a forma de impostos ou de taxas, tem o cidadão o direito e o dever de exigir ver a sua aplicação útil. Quando útil significa no interesse e em favor do bem comum. O dinheiro cobrado ao cidadão, quer sob a forma de impostos ou de taxas tem, forçosamente, de ter um retorno útil. Em favor do cidadão pagante, da colectividade. Seja do colectivo de cidadãos ou da sociedade. Se assim for, quando assim é, tudo bem. Podemos dizer que se materializa um dos aspectos do princípio de ser o Estado pessoa de bem. E, em principio e por princípio, o Estado é sempre pessoa de bem.


Já neste espaço se deu conta, já aqui foi escrito sobre algo que parece errado. Trata-se da forma como certos organismos e instituições do Estado fazem uso dos órgãos de Informação. Para divulgar o que devem divulgar. Em nome, ao que parece, da transparência de governação. A questão é que a transparência de governação, segundo critérios nada objectivos, pode custar mais ou menos dinheiro. Ao cidadão que somos. A transparência de governação, segundo critérios que não partilhamos, parece depender da dimensão do anúncio que se faz publicar, do trabalho gráfico, do número ou da frequência de vezes que é publicado ou emitido. A verdade, sem qualquer hipótese de contraditório, tudo tem um custo. Um preço. Um valor. Logo, em termos de gestão, deve ter uma contrapartida. Todos sabemos e todos sentimos, desde há alguns meses, que a nossa conta de electricidade foi engrossada com o aumento da taxa de remoção do lixo. Se a situação melhorou, sequer importa Nem queremos aqui discutir o falacioso critério em que assenta a decisão municipal. È que sendo a inércia o principio do movimento, também aqui a ilógica pode ser aceite como principio da lógica. Mesmo quando, em bom tempo, possa tratar-se de uma lógica irracional. A questão de fundo, assenta nos gastos desnecessários e na ausência do principio de austeridade na utilização do dinheiro público. Nada justifica, hoje, depois de estarmos a pagar, desde há meses, a nova taxa de remoção de lixo, a publicação de anúncios de página inteira sobre as novas taxas. Trata-se de um gasto injustificado. Talvez, de uma forma, pouco elaborada, quiçá desajeitada, de tentar dizer que se fez sem ter feito. De demagogia. Só que, não estamos em tempo de demagogia.

domingo, julho 08, 2007

O combate ao crime é um problema estrutural

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Julho 8, 2007


antes e depois

Luís David

Para quem chegue pela primeira vez a Moçambique, num destes dias anormalmente frios de Julho, Maputo é uma cidade calma. Uma cidade onde se pode passear calmamente em qualquer artéria. Na qual não se detectam sinais de violência. De banditismo. De criminalidade. De assaltos. De roubo. Seja com recurso a ameaça com arma branca, seja por esticão. Enfim, por um qualquer método ou artimanha de que se socorre o ladrão menor. O ladrão de ocasião. Digamos mesmo que, nos tempos que passam, o tipo de ladrão ocasional a que as polícias pouca atenção prestam. Depois, aqui em Maputo, até estão aí essas patrulhas apeadas. De três ou mais agentes. Caminhando calmamente de artéria em artéria. Carregando as suas armas, cano apontado para o chão. Como que a tentarem dizer que aqui nada acontece de anormal, aqui nada vos pode acontecer. Como que a tentar dizer, nós cuidados da vossa segurança. Mas, esta imagem de segurança, de protecção, pode ser uma imagem de ilusão. É que estes polícias, estes homens e mulheres, que pensam poder estar garantir a nossa segurança podem ser tão vulneráveis como qualquer cidadão. E, até são. A forma calma como se movimentam, pode não ser mais do que uma calma inconsciente perante o perigo que correm. Pelo perigo que enfrentam, sem o saberem. Um inconsciência ou uma negligência que os pode transformar em alvo ou em vítimas do crime violento. Pelo simples facto de serem portadores de armas.


Durante bastante tempo, o argumento para a fragilidade no combate ao crime violento foi a falta de meios. Hoje, com os mesmos ou com mais meios, parece um argumento ultrapassado. Na realidade, o que estamos a assistir, o que estamos a verificar, é que o bandido, o ladrão, o criminoso mudou de táctica e de métodos de actuação. Tomou a iniciativa e tomou a dianteira. Não esperou para ver. Diz a realidade, que alguns dos crimes registados nas últimas semanas já deviam ter levado a um outro tipo de análise. No mínimo, a uma análise. E á concepção e divulgação de um plano de emergência, tendo em vista enfrentar e inverter a situação. É que permitir que se roube uma viatura parqueada numa esquadra, depois de recuperada a ladrões, não é normal. Como não é normal que os assaltantes a uma dependência bancária o façam com recursos a armas roubadas minutos antes a uma patrulha policial. Estranho não deixa de ser que, um agente que manda parar um condutor seja assassinado em circunstâncias pouco claras. Ora, perante a realidade destes casos recentes, parece necessário falar em preparação, em prontidão, em mobilização e em engajamento no combate ao crime. Mas, também e sobretudo na actualização constante do conhecimento sobre os métodos a que recorre o criminoso. Não nos deixemos cair, de novo, na ilusão de que o combate ao crime é um problema de falta de meios. Por, objectivamente o não ser. Quando agentes da polícia são desapossados das suas armas em acção de patrulha, a situação é bem mais complexa e mais perigosa do que parece. Quando ladrões entram em esquadra de polícia e retiram viatura recuperada a ladrões, desvanece-se toda a nossa ilusão de segurança. Toda a ilusão de que uma esquadra é o último local seguro a que o comum dos cidadãos pode recorrer em caso de ameaça. Como se sabe em nenhum dos dois casos pode ser invocada falta de meios. Nesta lógica, muito provavelmente o combate ao crime não é uma questão conjuntural. Não é, hoje, um problema de meios. É, isso sim, de vontades. Na nossa sociedade, na sociedade moçambicana actual, o combate ao crime é um problema estrutural.

quarta-feira, julho 04, 2007

já sabemos quem não é herói nacional

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Julho 1, 2007

antes e depois

Luís David

Desde há bastante tempo que se fez instalar a polémica. Ou, sendo-se mais generoso, digamos, imparcial, a dúvida. Aliás, até é bom e útil e positivo que a dúvida exista. Mesmo quando se trata de saber, de procurar o consenso, possível, sobre quem deve ser considerado como herói nacional. Para tanto, para procurar definição justa e ajustada, para encontrar critério de classificação foi, em tempos, criada uma comissão. Se realizou ou não trabalho de mérito nada se sabe. Ao que parece, nada foi divulgado publicamente. Muito por hipótese, não será fácil nem prático definir e regular por lei, onde começa e onde acaba o acto de patriotismo. Muito recentemente, a polémica foi reacendida. Talvez de forma muito localizada. Talvez de forma provincial ou provinciana. Quando na cidade da Beira foi entendido, como justo e correcto, atribuir nome de André Matsangaíssa a praça local. Que sim, que o faça quem tem poder para o fazer. Mas parece necessário deixar claro, desde já, que desejo e vontade não serão, exactamente, o mesmo que poder. Caso contrário, sempre que se verifique alternância política na governação teremos novas mudanças. Seria a confusão instalada.


Declarações públicas recentes de alguns fundadores da RENAMO, parece tenderem para acalmar a polémica. Reduzir o campo da dúvida. É que se, até aqui, a versão que tínhamos da história era, unicamente, a versão dos vencedores, agora começamos a ter a versão dos vencidos. Primeiro, foi Máximo Dias. Depois, o segundo a vir a público com a sua versão, foi Carlitos Relógio. Ambos se assumem como fundadores da RENAMO. E ambos estão de acordo em que os objectivos do movimento que criaram não era o que lhe foi destinado. Por factores e por forças externas. Diz Carlitos José (“Notícias” de 29.06.07), que quando alguns de nós, incluindo o Doutor Máximo Dias, fundámos a Resistência Nacional de Moçambique, hoje partido Renamo, a ideia foi lutarmos para acabarmos com algumas práticas comunistas como as aldeias comunais, a lei do chamboco, a proibição de praticarmos livremente e religião e outros males que até certo ponto atentavam contra as liberdades mais fundamentais dos cidadãos. E, acrescenta que quando a determinado momento da luta somos confrontados com actuações piores do que as do comunismo, então começamos a interrogarmo-nos sobre a essência da luta que travávamos. Em nenhum momento a RENAMO original tinha como objectivo promover matanças, violações, destruições e sabotagens a alvos vitais para a economia nacional. (...). Colocada a questão nos termos e nos limites das declarações dos dois fundadores da RENAMO, podemos avançar por exclusão de partes. Não sabemos ainda, temos dúvida, sobre quem deve ser considerado herói nacional. Não temos dúvida e sabemos, já sabemos quem não é herói nacional.

Estão sempre a ir e vir

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Junho 27, 2007

antes e depois

Luís David

Depois de, em 2006, haver editado “Crónica da Rua 513.2”, João Paulo Borges Coelho oferece-nos agora “Campo de Trânsito”. São pouco mais de 200 páginas para romancear, a história, a desdita ou a dita, que tem como protagonista um tal de J. Mungau. Um trabalhador, como tantos outros, que numa certa noite é acordado com pancadas ritmadas na porta do seu apartamento. Era, assim o diz o romance, o Bexigoso e seus acompanhantes, que o fazem descer as escadas e o transportam até ao comando. Ao longo do percurso, Mungau interroga-se várias vezes, sobre de que o acusam. Admite, em pensamento, chega a admitir, que possa ter havido engano. Depois, é confrontado com uma comunicação do seu despedimento. Que, sem alternativa, acaba por assinar. Aqui, começa a longa viagem a permanência no “Campo de Trânsito”. Possa ou não parecer, trata-se de uma história actual e de um tempo recente, do país que todos somos. Onde não falta, sequer, o conflito entre tradição e modernidade. Levado ao desconforto do quase ridículo das posições de alguns dos intervenientes. Como se ou a defenderem tradição como algo de estático. Antes de passar além, dizer apenas que o romance em questão merecia uma tiragem bem maior do que os 500 exemplares da primeira edição. Aguardemos para ver o que o futuro lhe reserva.


Penso que, na maioria dos casos, se afigura presunção fazer crítica a obra literária. Principalmente quando o autor não é novato nem estreante. E conta com quase uma dezena de obras editadas. Mas já pode ser interessante transcrever um dois parágrafos, uma dezenas de linhas da sua obra. Então, retiradas das duas últimas páginas do livro, aqui ficam: Começa a cair uma chuva miudinha que ajuda a apagar o resto das fogueiras, quase cinza. A sombra da noite esgueira-se para os lados da ponte, ali onde a horda invadirá o Campo de Trânsito. No chão, arrastam-se os mais valentes, homens e mulheres capazes ainda de algum movimento, os primeiros que irão descobrir que tudo tem um fim. E, na página seguinte e última: De cima do camião do Bexigoso, pronto a partir, Mungau vê-os chegar enquanto atira furtivamente as colheres que tem no bolso para os desacordados prisioneiros, como se as semeasse. Para se ver livre delas e para que eles possam enfrentar as papas do futuro – se ainda as houver – de colher na mão. E, a terminar, mesmo que terminar possa não ter como significado atingir o fim: O Bexigoso acena-lhes de longe. Está tão ansioso por regressar à cidade que resolveu partir mesmo antes de o combate acontecer. Houve-se, mero acaso, mera especulação, necessidade de concluir algo, de ir para além do que o autor de o “Campo de Trânsito” escreve, seria para acrescentar que este país teve muitos `bexigosos`. Que partiram antes de o combate acontecer. Mas que, como o Bexigoso da história, do romance, também estão sempre ansiosos por regressar à cidade. Digamos que partiram mas não foram. Partiram não indo. Partiram ficando. Partiram por convicção. Ficaram por interesses. Por isso regressam. Estão sempre a regressar. Estão sempre a ir e vir.

terça-feira, junho 19, 2007

o pai que temos da democracia que não queremos

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Junho 17, 2007

antes e depois

Luís David

Cada qual, cada um de nós é livre de ter a concepção de democracia que melhor lhe aprouver. Sendo, embora, que democracia não é um conceito elástico. Nem uma realidade que se adapte ao desejo e à vontade de quem a proclama. Ou dela, da democracia, se proclama. Por exemplo, não tem sentido, não faz sentido, que alguém apele à violação de códigos ou de leis para se afirmar, publicamente, como democrata. Que apele à violação de lei ou de código em defesa e protecção do violador. Que apele à autoridade legalmente constituída para violar a lei. Que apele à autoridade, legalmente constituída, para violar lei, em defesa de pretensos valores democráticos. Em defesa de conceitos pessoais de democracia. Ora, aqui e agora, não estamos a defender a democracia. Mas, muito provavelmente o contrário. O inverso. Estamos, podemos estar, a defender o contrário da democracia. E, podemos estar a abrir a porta de entrada que dá acesso à estrada larga do vazio do poder. Ou, o que pode ser mais perigoso, para um poder pessoal e autoritário.


Foi, há dias, o líder da RENAMO, vítima de acidente de viação. Internado, acamado, recebeu em leito hospitalar a visita do Presidente da República. De quem recebeu palavras de solidariedade. De apoio. Depois, dias mais tarde, terá vindo a público, através de porta-voz. pedir a libertação do causador do acidente. Do condutor da viatura que embateu naquela em que se fazia transportar, Por, ao que se diz, não ter respeitado o sinal vermelho de paragem obrigatória. Logo, por haver cometido infracção punível por lei. Ora, é aqui que reside a questão. Se o líder da RENAMO quer ou não quer ser indemnizado dos prejuízos que sofreu, trata-se de uma questão pessoal. Está no seu direito em dizer que não. Que nada quer receber. O que já não pode, pelo menos não deve, é de, em caso de ter havido crime público, influenciar para que não seja feita justiça. E, desta forma, passar a ser normal, passar a norma violar, avançar quando o sinal vermelho obriga a parar. Ora, a ser assim, a vir a ser assim, estaríamos perante aquilo a que poderíamos chamar de “lei da selva”. De resto, registemos se estamos, ou não, perante um acto de democracia ou de populoso político. Talvez estejamos perante o pai que temos da democracia que não queremos.

compreender a diferença entre roubo e sabotagem

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Junho 10, 2007

antes e depois

Luís David

Em termos de língua de comunicação, temos de convir, nem sempre nos entendemos. Ou, na melhor das hipóteses, entendemos menos bem. Sendo que a culpa não pode ser atribuída à língua portuguesa, só pode ser atribuída a nós próprios. Que empregados ou utilizamos mal determinada palavra ou expressão num certo contexto. Por exemplo, perante acontecimentos recentes em Moçambique, fala-se muito de roubo. A questão é se estaremos, de facto, perante casos de roubo ou de sabotagem. Aqui é ou parece claro que, em termos psicológicos, roubar é coisa do quotidiano. Todos os dias há notícias de quem rouba e quem é roubado. Sabotar, não. Sabotar, parece palavra mais arredia do léxico popular. Mesmo do entendimento de muitos. Então, o que pode acontecer é que ao definirmos, ao classificarmos, certos acontecimentos como roubo, estarmos a aligeirar o seu real objectivo.


Registaram-se no país, nos últimos tempos, um conjunto de acontecimentos difíceis de explicar. De difícil de explicação e de difícil entendimento. Um, terá sido esclarecido. O das explosões do Paiol. Outro, o do incêndio no Ministério da Agricultura, parece em vias de o ser. Também. Estranhamente, os casos dos roubos de componentes dos sistemas de iluminação das pistas do Aeroporto de Nampula e do acesso ao Porto de Nacala, terão sido encarados como simples “casos de polícia”. Como simples casos de roubo. E quando não há esclarecimento, parece justo e obrigatório colocar a dúvida. Interrogar, se, de facto, estamos perante aquilo que pode ser definido como um roubo normal. Ou não. Se estaremos, isso sim, perante casos de sabotagem. Se isto pode, de alguma forma, contribuir para o aclarar do fenómeno, desde já se deixe claro que uma coisa é roubar um pato ou uma vaca, um telefone móvel ou um carro. Coisa bem diferente, é roubar um míssil. Como o fizeram os dois majores do Exército do Botswana detidos na fronteira de Machipanda. E, por isso, extraditados para serem julgados no seu país. Na mesma lógica, uma coisa é roubar umas tantas lâmpadas de iluminação pública e algumas dezenas de metros de cabo de transporte de energia num bairro de qualquer cidade. Outra coisa, e bem diferente, é colocar fora de serviço todo o sistema de iluminação das pistas de um aeroporto internacional. Ou o sistema de iluminação da balizagem de acesso nocturno a um porto. Como aconteceu com o de Nacala. Muito provavelmente, há uma grande diferença entre os objectivos e as consequências do roubo do pato ou da vaca e os do roubo de componentes dos sistemas de iluminação dos acessos a instalações áreas e portuárias. Isto para dizer que é necessário compreender a diferença entre roubo e sabotagem.

O fundamentalismo ganha terreno

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Junho 3, 2007

antes e depois

Luís David

Numa das minhas poucas idas a Portugal, a companhia em que fiz transportar acabava de proibir o consumo do cigarro a bordo. Em conversa com o pessoal de cabina, houve quem me disse que a decisão tinha mais a ver com a economia de combustível do que, propriamente, com questões de saúde. Se sim ou se não, é uma dúvida que nunca procurei esclarecer. O que é facto é que, aparentemente algo revoltada com a decisão, a hospedeira me permitiu fumar. Viajava eu, como sempre, na última fila de cadeiras. A dado momento, já devia ir no terceiro cigarro, tocou-me delicadamente no ombro e disse: “Já chega”. Respeitei o que me era dito. Já no regresso, as coisas foram bastante diferentes. Não houve nem momento nem oportunidade para fumar. E a ordem de não fumar teve de ser cumprida. Mas, aconteceu algo de curioso e que me parece revelador dos interesses em torno do negócio do tabaco. Interesses muitos e variados. Aconteceu, então, que servida a refeição o pessoal de cabina começou a fazer circular os carrinhos com os vários artigos disponíveis a bordo. Desde relógios a isqueiros, passando pelos lenços de seda até aos cigarros. Cigarros, exactamente. Quer dizer, a bordo do avião não se podia fumar, mas era possível adquirir cigarros. Quando abordado sobre se desejava algum artigo, respondi afirmativo. E perguntei se ao comprar um volume de tabaco podia fumar um cigarro. A resposta foi um, óbvio não, acompanhado com um sorriso amarelado. Pensei e disse, que me parecia provocação oferecer cigarros a quem fuma e num local onde não lhe é permitido fumar. Durante muitas horas. Aliás, uma provocação sádica.



O Dia Mundial Sem Tabaco foi também, como é natural, assinalado em Moçambique. Os malefícios do consumo de tabaco são, hoje, por demais conhecidos. Daí que muitos países estejam a aprovar legislação que limita o número de locais onde é permitido fumar. Mas, convenhamos, só isso ou pouco mais do que isso. Do que foi dito em Moçambique, por ocasião da data, retivemos algumas palavras do Governador de Sofala. Considerou o Alberto Vaquina o vício do tabaco uma epidemia global que está de uma forma crescente a invadir os países e regiões em vias de desenvolvimento. Noutro passo da sua intervenção, alertou que a indústria do tabaco continua a lançar no mercado novas formas de apresentação do tabaco, de forma mais disfarçada, aparentemente pouco prejudiciais à saúde e mais atraentes para os consumidores. Não podiam ser nem mais justas, nem mais acertadas, nem mais correctas as palavras do médico Alberto Vaquina. Só que a problemática do tabaco não começa nem acaba no fumador. Os malefícios do tabaco, esses sim, parecem exclusivos do fumador. Mas o fumador é, em último capítulo, a face visível de uma complexa teia. De interesses os mais diversos. E perversos. É, na generalidade, uma vítima. Uma vítima de um sistema complexo de cruzados interesses económicos. Mas, muitas das vezes também políticos. O cultivador da planta do tabaco, o intermediário, o industrial, o armazenista, o vendedor, não são elementos marginais à sociedade. E tanto o não são que, como sucede em Moçambique, se socorrem do Governo, se acolhem ao Governo, para tentar fazer valer os seus interesses. De resto, a forma, em muitos casos absolutamente iníqua, como se encara o combate ao consumo de tabaco, é prova de que quem menos importa é o fumador. De resto, fumar é um direito de quem quer fumar. Com a única condição de não prejudicar nem atentar contra o direito de quem não quer fumar. Mas, o realismo começa a ser nenhum. O fundamentalismo ganha terreno.

quinta-feira, maio 31, 2007

um caso por encerrar

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Maio 27, 2007

antes e depois

Luís David

Com maiores ou menores intervalos no tempo, jornais e jornalistas recordam-nos que existe, preso, um criminoso que ficou conhecido e que se assume como “Anibalzinho”. Com reconhecida capacidade de imaginação e de pretenso realismo, procuram transportar-nos para a realidade do detido. Fazem suposições e levantam suspeitas. No mínimo, sugerem. Publicam texto manuscrito com autoria atribuída ao preso. Foi assim esta semana em pelo menos dois semanários. Que dedicaram largos espaços ao tema “Anibalzinho”. Pode ter sido simples coincidência. Como pode não. Considerando que num dos jornais o objectivo parece ter sido o de alertar, o de precaver, uma possível eliminação física do condenado. No outro, a tónica aponta mais para o drama, para o melodramático. É aqui que o preso aparece a dizer que “fui muito usado pela fraqueza de ser pobre”. E, mais, que “hoje prefiro ser fuzilado por tudo o que estou a passar e a sofrer neste comando da Policia”. Pela retórica do texto, se mais não houver, ficamos a saber que ser pobre é uma fraqueza. E que a morte é o melhor processo para eliminar o sofrimento.


Parece não ser pelo retomar periódico do assunto “Anibalzinho” que algo de novo veio a público sobre o que foi provado no julgamento do chamado “Caso Carlos Cardoso”. Sequer parece ter havido, até hoje, arrependimento dos criminosos. Muito menos revelações novas e públicas que possam levar a pensar não terem sido justas as penas. Ou, em caso extremo, podermos estar perante um hipotético erro judicial. O que há, pelo menos o que parece existir, são enormes zonas de penumbra nas quais ninguém deseja penetrar. Nem o próprio condenado que tenta, que procura, neste presente, chamar a atenção pública para as suas condições prisionais. Que tenta, ou alguém por ele, apresentar-se como vítima de uma situação em relação à qual pouco tem a ver. As coisas não são, nunca foram bem assim. É para além do crime, pela prática do qual foi condenado, o assumido “Anibalzinho” saiu duas vezes da cadeia. Enquanto decorria o julgamento. E é neste aspecto que pode contribuir para esclarecer o muito que ficou por esclarecer. É no dizer quem lhe facilitou a saída da prisão. E, sobretudo, no dizer quem lhe criou a logística necessária para entrar e permanecer na África do Sul. Mais tarde, para chegar ao Canadá. Talvez, quem o sabe, a troco de algumas revelações possa passar a ter direito a banhos de sol diários. Até lá, há o direito de admitir que estamos perante um caso por encerrar.

o retorno dos fascistas

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Maio 20, 2007

antes e depois

Luís David

Vive o moçambicano, grande número de moçambicanos, cativo das flutuações dos preços. Pelo menos, o moçambicano urbanizado. Por motivo das importações, em razão de parte substancial do seu consumo serem produtos importados. E, importados com recurso a uma moeda cuja tendência é, maior parte das vezes, a da depreciação. Raramente, quase nunca, a da apreciação. As estatísticas, que valem o que valem, dão-nos aumentos, agravamentos insignificantes nos preços. Logo, de pouco ou nenhum significado no aumento do custo de vida. Mas, o aumento do custo de vida não é medível, não é mensurável através de dados estatísticos. Por mais sérios, honestos e credíveis que possam parecer. Que possam ser. O aumento, o agravamento do custo de vida, na prática, tem a sua última e única expressão na contabilidade doméstica. Quando cada um de nós verifica, quando cada cidadão se apercebe que com o salário do mês corrente só pode comprar menos produtos ou serviços dos que adquiriu em mês anterior. Caso contrário, caso pretenda comprar o mesmo a preço mais elevado, entra, fatalmente, num processo de endividamento. Ora, sair desta realidade, desta dependência exige, em primeiro lugar, produzir mais. Produzir mais e com menores custos de produção. Mas, sobretudo, produzir.


A partir de amanhã, segunda-feira, o pão está mais caro. O pão, como todos os sabemos, é feito com farinha de trigo. E, também como todos sabemos, o trigo, de que é feita farinha, é importado. Ao longo dos tempos, terá aumentado de custo. No exterior. Não está aqui em questão a justiça do aumento imposto por panificadores. Embora seja importante referir que se trata, na generalidade, de um aumento na ordem dos 40 por cento. Também, neste mês de Maio, a gasolina subiu de preço. O mesmo é válido para a energia eléctrica. Quer dizer, não temos solução outra que não seja comprar, hoje, menos combustível e consumir menos energia do que a que tínhamos acesso, ontem, com o mesmo dinheiro, com o mesmo vencimento, com o mesmo salário. Pior, mais grave, é o que acontece com a nova taxa de recolha de lixo. Aqui, em muitos casos, o agravamento é superior a 300 por cento. Como se o consumo de energia eléctrica fosse, em algum momento ou em alguma circunstância, directamente proporcional à produção de lixo doméstico. Não foi e não é. Para satisfação de alguns, talvez poucos, nunca o será. A justiça social, sobretudo na nossa realidade concreta, exige parâmetros de avaliação mais claros e mais objectivos. Perante esta realidade, que é a de tantos e tão significativos e profundos aumentos, fica por saber qual a percentagem de aumento que irá ter o salário mínimo. É que, mesmo sabendo que quem aufere o salário mínimo não vive nos prédios da capital, repugnam e enojam algumas afirmações dos novos colonialistas. Algumas, profundamente racistas. Como, por exemplo, a de que quem não dinheiro para viver no prédio, deve voltar para a palhota. Todos o sabemos, para os portugueses, no tempo presente, Salazar ainda existe. Foi um grande homem. Terá sido um homem bom, o maior, o salvador da pátria. Não está vivo mas vive na alma, no ser e no estar, nas recordações e nas memórias de muito saudosistas do fascismo. São estes, são estes fascistas, muitos deles antigos agentes da PIDE, que retornam. Que estão a retornar. Aparentemente, quase na realidade, estamos perante o retorno dos fascistas

O direito de poder pensar

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Maio 13, 2007

antes e depois

Luís David

Hoje mesmo, nesta tarde de sexta-feira, alguém me perguntou o significado de antes e de depois. Tive dificuldade em responder. Não só tive, como tenho. Continuo a ter. Porque o que para muitos parece claro, o não é para outros. Antes, não é mais do que isso. É antes. Depois, também não é mais do que isso. É depois. Antes, é sempre o que já aconteceu. É o acontecido, é o ido. É o ido e o acontecido. Que não podemos modificar nem alterar. O depois é o futuro. Talvez o presente futuro. Mas, se por hipótese presente não é presente, havemos de nos haver entre passado e futuro. De esquecer, de ignorar, o presente. Neste contexto, nesta realidade concreta, o antes é precisamente isso. O que sabemos e o que não conhecemos do antes. O depois não pode ser diferente nem diverso. É o que somos ou parecemos ser a partir do que sabemos, ou julgamos saber, do antes. Do que foi, embora o que foi possa parecer o que não foi.. Ora, digamos, o que parece ter sido, pode não ser o que, realmente, é. Por exclusão de partes, tudo o que não é, é. Digamos, assim, que não pode haver um antes sem que lhe suceda um depois, sem que o depois tenha antecedido um antes.. Mas, cuidado. Se para haver um depois tem de haver um antes e se a existência de um antes obriga a existência de um depois, caso não exista um antes, também não haverá espaço para a existência de um depois.



Parece irrelevante repetir, hoje, as condições em que foram mortos, recentemente, três cidadãos na zona da Costa do Sol, cidade de Maputo .O que há de relevante é o de saber, é o de repetir, que foram mortos com tiros na cabeça. Disparados a curta distância. E sem possibilidade de defesa. Dos vário inquéritos mandados instaurar sobre o incidente, resultaram posições diferentes. Diversas, No concreto e em resumo, mesmo que se aceite não haver esquadrões da morte como tal, há um fenómeno que preocupa. E esse fenómeno, essa realidade, provada e confirmada, é a de haver quem tem acesso e usa armas de fogo e a viaturas com matrícula policial para matar supostos criminosos. De forma sumária. Ora, quando chegamos a este ponto, quando chegamos a um ponto que parece incontroverso, só acrescem duvidas. Acrescem mais duvidas, Só restam duvidas. E, perante a duvida, cada qual, cada um, é livre de pensar o que quiser. Pelo menos, ainda resta a cada um o direito de pensar. O direito de poder pensar.
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terça-feira, maio 08, 2007

muita coisa irá ficar encoberta

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Maio 6, 2007

antes e depois

Luís David

De tempos em tempos, somos confrontados com o conhecimento de determinados crimes violentos. Digamos, com assassinatos de certo modo espectaculares. Praticados entre ou contra estrangeiros. Alguns praticados em plena via pública e em pleno dia. Na maioria dos casos, parecendo apontar para ajustes de contas. Hipoteticamente, entre grupos rivais. Entre grupos que possam estar a disputar um mesmo negócio. Entre grupos que possam estar a entrar ou tenham entrado em terreno que outro pretenda seu. Em exclusivo. Curiosamente, trata-se de um tipo de crime cujo resultado da investigação não consta alguma vez ter vindo a público. Ou porque nunca tenha sido conclusiva, ou porque possa ser mais forte o desejo para fazer esquecer do que para clarificar o crime. Neste campo, nesta área, diga-se de passagem, também a investigação jornalística em nada tem contribuído para ajudar a esclarecer o fenómeno. Em nada tem sido mais feliz do que a investigação policial. E, parece importante que o tivesse sido ou venha a sê-lo. Quanto mais não seja para limpar e desfazer muitas das especulações que se sucedem a este tipo de casos de morte violenta.


Parece haver, na maioria destes casos de crime violento, alguns aspectos comuns. Alguns aspectos coincidentes. Um deles, é o das vítimas serem identificadas como empresários ou comerciantes. Outro aspecto, é o de serem identificados como cidadãos de origem paquistanesa. Ainda um outro aspecto, ao que parece, também comum em todos os casos recentes, é o de tanto as vítimas como os assassinos serem portadores de armas de fogo. Aliás, na foto publicada pelo jornal “Savana”, na sua última edição, é bem visível uma arma no interior da viatura da vítima. Logo, é possível concluir que a vítima circulava armada, em pleno dia e em plena cidade de Maputo. O que fica por esclarecer, até que os investigadores o esclareçam, o digam publicamente, é se a arma é legal ou é ilegal. Se está registada e, caso sim, em nome de quem foi passada a licença. Depois, seria importante conhecer que tipo de actividade legal exercia a vítima mortal e o seu acompanhante ferido. E, por fim, saber se essa actividade legal justifica, em circunstância alguma, que as vítimas circulassem armadas em pleno dia, em plena cidade de Maputo. É que, aceitando, simplesmente, ter o assassinato resultado de um ajuste de contas, muita coisa fica por esclarecer. Ou, entrando no campo das especulações e dito de ponto de vista inverso, muita coisa irá ficar encoberta.

o informal não é um caso de polícia

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Abril 29, 2007


antes e depois

Luís David

Durante muitos anos, funcionaram em Moçambique escolas chamadas de artes e ofícios. Escolas destinadas a preparar jovens com alguns saberes. Sobretudo, com o saber fazer. Tiveram, naturalmente, os deméritos e os méritos que um tal tipo de ensino podia ter na época em que funcionou. Por razões históricas, que no contexto em que se escreve pouco adianta abordar, foram desaparecendo. Desapareceram, por completo. Mais recentemente, num tempo presente e actual, começou-se a ouvir falar em ensino técnico - profissional. Não como simples hipótese de um novo tipo de ensino, não como abordagem programática. Mas, e ao que tudo indica, como estratégia governamental de preparação para o trabalho. E, sem que este modo, este género de ensino possa ser considerado como substituto do anterior, os seus objectivos são, no essencial, idênticos. Ou seja, o que se pretende, neste presente actual, é dotar os jovens com habilidades, competência, saberes e conhecimentos que lhes permita desenvolver uma actividade produtiva. E, logicamente, lucrativa. Não se trata, ao que nos é dado entender, de preparar jovens para conseguirem emprego. Ou, como se diz por terras das europa, para conseguirem o primeiro emprego. Trata-se, pela inversa, de preparar jovens para o trabalho. De preparar jovens para que, começando por ser simples trabalhadores, possam, eles próprios, encontrar forma de dar trabalho a outros jovens. Muito por hipótese, fora da ultrapassada concepção de emprego. Mas, ao abrigo da concepção, hoje já universal, do informal.


Temos vindo a navegar, muitos de nós, nas águas nem sempre límpidas e nem sempre calmas, que dificultam permitir perceber os significados de emprego e de trabalho. No tempo de hoje, na realidade espacial moçambicana. Mas, também e não só. Em termos mais latos, em termos universais, se por aí formos, o emprego tende a desaparecer. Pode, até deixar de existir. Hoje, quem tem emprego, conserva-o, defende-o, protege-se para o conseguir manter. Quem o não tem, poderá nunca o conseguir ter. Por muito que lute. É que a verdadeira batalha deixou de ser para conseguir emprego mas, muito simplesmente, para ter trabalho. De resto, o combate à pobreza passa muito mais pelo trabalho do que pela criação de empregos. É, pois, neste sentido, que merece reflexão a entrevista concedida pelo director geral do Instituto Nacional de Emprego e Formação Profissional ao jornal “Magazine” (edição da última quinta-feira). Contrariando aquela que pode ser definida como a concepção dominante, começa por afirmar: O perfil social da mão-de-obra moçambicana mostra que não está desenvolvida de uma forma colectiva a cultura do empreendedorismo, do ponto de vista do emprego. Os recursos humanos estão tradicionalmente preparados para procurar emprego e não para criar o seu próprio emprego. Ainda na resposta à mesma pergunta, e depois de reflectir sobre a situação global e nacional, afirma: Estas pessoas precisam de oportunidades para serem produtivas para si, suas famílias e para a sociedade. Hoje, o sector informal é a esponja que absorve essencialmente a mulher empreendedora em Moçambique e assegura a saída de muitas famílias dos níveis de pobreza absoluta. Certamente que sim. Claramente que estamos de acordo. Pelo menos nós os dois. Em termos de princípios e de objectivos. Mas, causa alguma preocupação, provoca alguma dor, a forma como os informais continuam a ser tratados. Diria eu, talvez em termos abusivos, discriminados. Parece, diz-se por aí, há muita inveja. Então, tudo se faz, tudo é feito no sentido de o informal nunca passar disso mesmo. É que sendo e permanecendo informal, tem direito nenhum a crédito para desenvolver o seu negócio. Mas tem o dever de pagar taxas legais e protecções ilegais. Isto é, fica obrigado a dividir parcos lucros com corruptos e, logo, sem qualquer possibilidade de criar, por si, capital próprio. Para poder desenvolver e ampliar o seu negócio. Para conseguir sair do que alguns chamam de informal, e passarem para o que chamam de formal. Isto é, passar do lado dos maus para se acolher no lado dos bons. Se nega, se procura sair deste ciclo diabólico, leva porrada. A nível da cidade de Maputo, esta realidade é particularmente gritante. Vergonhosa. E, justifica e exige intervenção ao mais alto nível. A barreira entre comércio informal e formal, na nossa realidade concreta, pode não passar de uma questão psicológica. Uma forma de perceber e entender, mal ou bem, certos fenómenos sociais. De perceber, antes de qualquer outra concepção, que o informal não é um caso de polícia.