domingo, fevereiro 04, 2007

o significado das palavras também muda com o tempo

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Fevereiro 4, 2007

antes e depois

Luís David


Seja pelo qual motivo tenha sido, ao longo dos anos fui dando comigo a comprar dicionários. Não a coleccionar, entenda-se. Apenas a comprar. Sobre os temas mais diversos. A começar num de calão, terminando num de sinónimos, precioso auxiliar para decifrar palavras cruzadas. Pelo meio, ficam muitos outros, como um de expressões idiomáticas ou o anti-loroteiro, de Pitigrilli. É bom de ver, um dicionário não se lê como se lê um romance ou um livro de história. Não impede tal que, tenha eu lido alguns. Alguns dicionários, claro. E um dos primeiros dicionários que li, da primeira à última página, foi o Dicionário de Calão, da autoria de Albino Lapa. Mais de quarenta anos depois dessa primeira leitura, o livrinho, com cerca de 200 páginas tem já as folhas muito amarelecidas. Mas conserva, no meu entender, todo o encanto e actualidade. Aquilino Ribeiro, no prefácio da obra, escreve a determinado passo: O calão, a meu ver, começou por ser uma linguagem de defesa do fraco contra o poderoso, do preso contra o carcereiro e algoz, do conspirador contra o juiz e o tirano. Mais adiante, escreve Mestre Aquilino: (...) O calão será pois tudo aquilo, linguagem secreta, arbitrária e parasita. Completamente parasita, não, pois que atende a uma necessidade.



Tenho para mim, que as palavras mudam, ou podem mudar de significado com o tempo, ao longo dos tempos. Que há palavras que se ontem tinham um significado, hoje podem ter outro, por completo diferente, diverso. Até contrário. Parece não ser, também, menos correcto poder afirmar-se que algumas palavras possuem uma profunda carga política, Mesmo ideológica. Ou que, certas palavras, tendo surgido como necessidade de comunicação entre uma determinada classe, num determinado momento, quando as causas que ditaram o seu surgimento desaparecem, deixam de ter significado. Ou, em alternativa e na pior das hipóteses, passam a ter outro. Entre nós, surge, no tempo presente, com frequência, na Imprensa, a palavra Bufo. No já citado Dicionário de Calão, Albino Lapa define Bufo, como Delator, Denunciante, Polícia, Buraco. Naturalmente que sim. Naturalmente que os significados são correctos em relação à realidade de Portugal fascista dos anos cinquenta. A questão que se coloca, é a de saber se o termo pode ser aplicado a instituições e personalidades moçambicanas, no pós - independência e neste novo milénio, com mesmo sentido e com o mesmo significado. Ou se, e pelo contrário, não encerra, não contém hoje, uma carga pejorativa contrária à realidade nossa e de hoje. Parece útil ter presente que o significado das palavras muda com o tempo. Que as palavras também envelhecem com o tempo. E, sobretudo, que as palavras ontem boas, podem hoje ser menos boas. E, quem escreve, quem se entrega ao exercício de escrever, tem o dever de saber que, da mesma forma que os homens podem mudar, que os homens mudam, o significado das palavras também muda com o tempo.