domingo, abril 22, 2007

as autoridades estão a ser esvaziadas de poder

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Abril 22, 2007

antes e depois

Luís David

A realidade de um país é dúplice. E, invariavelmente, comporta vários aspectos. Uns bons, outros maus. Comporta lados melhores e lados piores. Mas, ao que parece, todos, ou quase todos, não contornáveis. Ainda na semana que passou, vieram ao de cima, vieram à tona, foram atirados para a superfície, dois aspectos do lado mau. Duas situações ou duas realidades do país real, que país que temos e que somos. Duas realidades que nos obrigam a termos de meditar, de reflectir, no que somos. Que vão para além ou que, por hipótese, se situam num campo diverso do crescimento económico, da inflação baixa, da chamada boa governação. Que nada, neste caso nem por hipótese, têm a ver com dados de macroeconomia. Duas realidades que podem, só por si, comprometer todo um esforço para dar de Moçambique uma imagem positiva. Mesmo quando se sabe que pode bem ser a derradeira forma para apresentar como boas certas políticas, que o podem ser menos. Mas que a permitir-se dizer que o não são ou que o são menos, colocaria em risco lugares e cargos de funcionários de organismos e de organizações internacionais. Digamos que a esta forma de verdade não é alheia a realidade. Ou que, indo pela inversa, a realidade é o resultado e a consequência desta hipótese de verdade.


O país pode, até e muito bem, não ser o que parece. Ou o que alguns dizem ser. Ou pretendem que fosse. O país é, simplesmente, o que é. Porque é real. Muito por hipótese, possa não ser de todo reconfortante ter de aceitar o real. E, aqui, o real, é extinção da chamada “Brigada Mamba”, pela Polícia. A referida brigada havia sido criada há mais de cinco anos para combate ao crime violento. Na origem da decisão, terão estado as emboscadas constantes aos seus integrantes, dez dos quais perderam a vida. Dito por outras palavras, e sem querer ser demasiado duro, as redes do crime organizado já haviam tomado a iniciativa. E dominavam um terreno, um território, que era suposto ser ocupado e defendido pela Polícia. Mas, perceber e entender esta realidade custou dez vidas humanas. Também no campo do real, ouvimos o que o Procurador-Geral da República disse no Parlamento. E não pode deixar de causar preocupação o ter reconhecido, entre outros aspectos não menos graves, que há arguidos que se recusam a comparecer a audiências legais. Ora, se recusam é pela simples razão de terem poder para recusar. E por estarem convictos que consequência alguma advirá da sua recusa. Aqui chegados, podem surgir dúvidas sobre a utilidade, actual e futura, do Gabinete Central de Combate à Corrupção. Ou se, por hipótese, não será correcto admitir a possibilidade de vir a ter o mesmo fim que foi encontrado para a “Brigada Mamba”. Temos de convir que estas são facetas do país real. Haveremos de reconhecer que as autoridades estão a ser esvaziadas de poder.

domingo, abril 15, 2007

Os abutres já estão a ser atraídos pelo cheiro do sangue fresco

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Abril 15, 2007

antes e depois

Luís David

Foram tornadas públicas, quinta-feira que passou, as conclusões da comissão de inquérito, criada pelo Presidente da República para investigar as causas das últimas explosões no Paiol de Malhazine. Transcrevemos do jornal “Notícias”, do dia 13 passado: Uma combinação de vários factores, entre os quais o período de vida útil dos artefactos, as condições de manuseamento, armazenamento e conservação, os efeitos climatéricos (exposição ao sol, calor chuva e frio) e erro humano terão sido as eventuais causas das explosões ocorridas no passado dia 22 de Março no paiol de Malhazine. No mesmo texto, que cita um comunicado da Presidência da República, afirma-se que as conclusões são partilhadas na essência, pelo Chefe do Estado, Armando Emílio Guebuza, que depois de analisar preliminarmente o relatório, concordou em considerar as recomendações nas medidas organizativas em curso. Ora, se recordarmos que, anteriormente, já o Governo havia aprovado a criação de um gabinete para apoiar as vítimas, significa isto que o Estado assumiu, na sua plenitude, os estragos e as consequências dos danos causados pelas explosões. Nem seria de esperar diferente sabendo-se que, também aqui, o Estado se preocupa em ser pessoa de bem. Possa, embora, haver quem procure dar imagem contrária. Muito provavelmente, para consumo externo. Muito provavelmente para, assim procedendo, conseguir lugar em aéropago internacional.


Descartada, posta de lado, que parece estar, qualquer hipótese de as explosões do Paiol terem resultado de mão criminosas ficam, mesmo assim, algumas dúvidas a pedir esclarecimento. Diz a respeitável comissão de inquérito, que realizou um trabalho a todos os título louvável, que as armas explodidas não tinham mercúrio. Ora, se não tinham mercúrio, ficamos sem saber o que tinham. Por hipótese, poderiam ter urânio. Mas, e ainda no campo das hipóteses especulativas, se não tinham mercúrio nem urânio, falta dizer, falta tornar público que tipos de armas explodiram, quantos engenhos explodiram e quantos ainda estão em condições de explodir. Nisto, na divulgação destes dados, não está em questão nenhum segredo de Estado. Muito menos, a segurança do Estado. Está, isso sim, a segurança de centenas ou de milhares de cidadão que vivem nas proximidades das zonas de desmazelado armazenamento de artefactos de guerra. Excluindo, pois, a possibilidade de sabotagem nas explosões e, por exclusão de partes, quaisquer benefícios para a máfia russa, parece necessário algum sinal tranquilizante. Tranquilizador. E, aqui, a questão está em saber qual o destino que irá ser dado a todos aqueles terrenos. Aos terrenos do chamado Paiol de Malhazine. Aos terrenos que, hoje, bem podem estar já a ser objecto de negociatas e de tráfico de influências para a construção de mais um condomínio. Talvez o senhor Presidente da República deva declarar esses terrenos como Reserva do Estado. Ou, terrenos de domínio ou de utilidade pública. Para que, nesses terrenos, ou nessa terra, possa ser construído algo de memorável. Ou, por hipótese, coisa nenhuma. Mas, sobretudo para que essa terra ensanguentada, sangrenta e sangrada de Malhazine seja, por hipótese, terra, terreno de especuladores. Os abutres já estão a ser atraídos pelo cheiro do sangue fresco

apanhar a última carruagem com o combóio em movimento

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Abril 8, 2007

antes e depois

Luís David

Tem este país, Moçambique, alguns aspectos de originalidade. Digamos que aqui despontam, crescem, vivem, multiplicam-se alguns fenómenos. Podemos traduzir fenómeno por coisa anormal. Por anormalidade. Se de outra forma se preferir, por monstruosidade ou por aberração. Ora, uma das aberrações existentes neste país parece ser o de existiram duas aposições ao poder legalmente constituído. Uma, legal, oficial, parlamentar. Resultante do simples facto de tendo concorrido a eleições as não ter vencido. Por isso, como segundo partido mais votado, se constitui, por força do resultado apurado nas urnas, em oposição. A outra, a outra oposição, formou-se por si própria e a si própria se classificou de construtiva. Lá terá as suas razões e as suas motivações para adoptar o qualificativo pelo qual optou. Acontece que esta segunda oposição, a chamada oposição construtiva, não terá gostado de algumas declarações públicas do líder da primeira. Da primeira e da única oposição, de facto. Vai daí, se bem pensou, rápido agiu. E como é público e conhecido, apresentou queixa - crime na Procuradoria Geral da República. Com o argumento de incitação à violência. Ora, é bom, é tranquilizador, é tranquilizante, sabermos o que ficámos a saber. Que há, que existe neste país um Bloco de Oposição Construtiva atento aos pronunciamentos dos membros da outra oposição. Da verdadeira e única. E que quando lhe parece a membros daquela que membros desta última se excedem em termos de linguagem, logo os processa. Naturalmente, em defesa dos legítimos direitos de todo o povo. E, como se dizia, em tempos de triste memória, a Bem da Nação.


Na nossa política caseira, doméstica, nativa, indígena, o que parece de todo original é a capacidade imaginativa e criativa. De resto, ninguém poderá negar ausência de talento ou falta de espírito de iniciativa quando, como é o caso, se cria o que é chamado e ficou conhecido como Bloco de Oposição Construtiva. Em termos práticos e na realidade, trata-se de uma oposição à oposição. Mais claramente, de uma oposição fictícia à oposição real. Em termos de lógica, a oposição à oposição não pode ser diferente de oposição à oposição. Logo, e por exclusão de partes, a oposição à oposição parece não poder encontrar outra definição e outro espaço que não seja o de posição. Sendo, assim, a oposição à oposição, posição, logo é concordante com maioria parlamentar e, por inclusão de partes, com as políticas governamentais e com as suas formas de aplicação. Na nossa realidade política interna actual, perante a forma como estão distribuídos os assentos no Parlamento, não há espaço para uma terceira força. Que, em termos reais, nunca poderia ter força alguma. Acreditar que sim, é alimentar uma ilusão. A ilusão de que, fazendo oposição à oposição, é possível ganhar espaço e ter lugar na posição. Arranjar aquilo a que, em linguagem popular ou chula, se chama de tacho. Não um tacho, de barro, alumínio ou esmalte, para fazer comida. Mas, muito simplesmente um tacho. E, um tacho, em termos de política e neste caso, equivale a dizer que um tacho é um tacho. Ou que há quem procure apanhar a última carruagem com o combóio em movimento.

podemos pensar e agir diferente

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Abril 1, 2007


antes e depois

Luís David

Em termos de mortos e de feridos, resultantes das explosões do Paiol de Malhazine, parece haver já um balanço definitivo. O mesmo não acontece em termos de prejuízos materiais. Aqui, uma avaliação real, objectiva e séria, irá levar meses. Quando não, mesmo, anos. O que não implica nem invalida que, no imediato, comece a ser prestado auxílio às vítimas. Até porque, antes ou para além de qualquer considerando, constitui uma obrigação moral. Do Estado. Não é deste ou de qualquer outro Governo. Entendamos bem, é do Estado. Mas, a verdadeira dimensão das explosões do Paiol ultrapassam, vão muito para além da contabilidade dos mortos e dos feridos, dos prejuízos materiais. Muito provavelmente, a verdadeira dimensão da catástrofe que foram as explosões só serão conhecidas daqui a muitos anos. Ou, por hipótese, talvez, até, nunca o venham a ser. Referimo-nos, às centenas ou milhares de crianças e de adultos que possam ter ficado afectados psicologicamente pelos rebentamentos. Pela fuga desordenada, pela perda de contacto com familiares ou com a sua morte. Também ao número daqueles que, hoje, se queixam de problemas respiratórios e outros. Naturalmente, a louvável iniciativa de montar uma tenda a servir de enfermaria nas proximidades do Paiol, não passa disso mesmo. De uma iniciativa louvável. Dizer, à partida e no local, que este ou aquele sintoma, este ou aquele mal estar, de que se queixam residentes na área, não é resultado das explosões, parece conclusão abusiva. Dizer que mercúrio ou urânio não provocam tais sintomas é, no mínimo, procurar situar-se longe da verdade. No mínimo, poderão ser problemas psicológicos. E, se assim, como tal deverão ser encarados. E tratados.


No após das explosões, decidiu o Conselho de Ministros decretar três dias de Luto Nacional. Período durante o qual, a Bandeira da República deveria ser colocada a meia haste nos edifícios públicos. Naturalmente, durante o dia, dado ser prática o seu arrear ao fim da tarde. Hora, tendo o fim-de-semana sido coberto pelo período de Luto Nacional, consta ter havido alteração nenhuma na programação das casas de diversão e de espectáculos nocturnos. Muito provavelmente, estamos perante uma situação de vazio legal. Logo, se não há legislação sobre a matéria, também não há violação de legislação nenhuma. E, o que possa parecer violação, de facto e no concreto, é apenas uma questão moral. Não passível de qualquer punição. Podem até, como aconteceu em Maputo, os artistas subirem ao palco e solidarizarem-se com as vítimas. Depois, cantarem, rirem, galhofarem, contarem anedotas. Sem se preocuparem com o facto de, bem perto, jazer quase uma centena de corpos sem vida. Corpos de crianças, de mulheres, de chefes de família. Chorados por centenas ou milhares de vivos, seus familiares ou amigos, que da sua presença se viram afastados de forma tão repentina e brutal. Neste contexto, perante uma realidade concreta, nacional, nossa, o que importa saber é o que abrange e a quem abrange a declaração de Luto Nacional. De concreto, os Cínicos dariam um resposta contundente. Mas, podemos pensar e agir diferente.