domingo, outubro 07, 2007

Puro acto de ilusionismo

Convenhamos que sim. E que todos o devíamos saber. Que todos devíamos saber que a política é a arte do possível. Ou como gostava de dizer e de repetir jornalista há décadas migrado nos Estados Unidos da América, a política é a ciência das putices. Que o seja, que o possa continuar a ser. E, sendo-o, podendo sê-lo, também permite a um político dizer hoje uma coisa e, amanhã, precisamente o inverso, o contrário. Para o efeito, para dizer hoje o contrário do que afirmou ontem, nem precisa de mudar de casaco nem de gravata. . Muito menos de óculos ou de cara. Quer dizer que, com a cara com que hoje diz sim, amanhã pode dizer não. No campo do real, trata-se de um sim e de um não que em nada faz mudar nada. Nem a temperatura do ar, nem o ritmo das marés, nem o ciclo de vegetação das plantas, menos o período reprodutivo dos animais. Assim, desta forma, sim e não significam o mesmo. Anulam-se reciprocamente. E, ao anularem-se, excluem-se. É como se nunca tivessem existido. Sendo mais claro, se ainda é possível: O não existiu em função de um sim. Como o sim não teve razão para existir, logo, por exclusão de partes, o não também não existe. No calendário do tempo, é como se tivéssemos parado antes do sim. De lá até cá, poderíamos convencionar nada ter acontecido. Mas, de facto, como o sim existiu, não é possível evitar reconhecer que existiu o não. Mas, tem mais e talvez de mais difícil solução. O sim transmite uma energia positiva. O não emite uma energia negativa. Deste jeito, sendo que a energia negativa não consegue anular a energia positiva, fica como prevalecente o sim.


Há poucos dias, fez anunciar o presidente da RENAMO o seu desejo de participar nas cerimónias alusivas ao Dia da Paz. Não em todas. Excluiu as que entendeu excluir. Não muito depois, algumas dezenas de horas mais tarde, fez saber que não estaria presente em nada que fosse comemoração do 4 de Outubro. Terá repensado a sua posição e terá mudado de ideias. É seu legítimo direito assim proceder. Só que os argumentos para a mudança de posicionamento parecem pouco coerentes. Pouco convincentes. Serão canhestros e de alguma ingenuidade. Pouco condicentes com o estatuto de dirigente do maior partido da oposição. Falamos, como se entende óbvio, dos argumentos tornados públicos. E, os argumentos tornados públicos dizem da pressão das bases. Falam dos aconselhamentos feitos à direcção do partido pelos membros de base. Mas, como assim? Como é que no espaço de algumas dezenas de horas, essas bases deram a conhecer o seu desejo, a sua vontade à liderança do seu partido? E como é que esse partido inverte, por completo, uma posição publica anteriormente assumida? É muito bem possível ter havido algum erro estratégico na tomada da primeira posição. Depois, o recurso ao argumento da pressão das bases pode ser, de alguma forma, reconfortante. Afinal, o que parece pretender dizer-se são duas coisas simples mas contraditórias. A primeira, é a de que o partido possui uma base de sustentação social que está, a todo o momento, atenta a qualquer possível desvio do seu presidente. A segunda, é a de que o presidente, quando alertado para erro de percurso ou decisão contrária à vontade, ao desejo das suas bases, logo muda de posicionamento. Pura ilusão. Puro acto de ilusionismo.