domingo, fevereiro 28, 2010

Adormecer no arquivo do esquecimento

Vezes sem conta, tomamos os nossos desejos por realidades. Fazemo-lo, até, muitas vezes. E, depois, à custa de tanto repetir os nossos desejos, imaginamos estar a modificar a realidade. Acreditamos estar a modificar a realidade. Embora, muitas das vezes, inconscientemente, estejamos perante um equívoco. Um engano. E, assim, nos estejamos a enganar a nós próprios. E a outros. É que a nossa convicção, séria e honesta, na mudança, não muda nada. Não muda coisa alguma. Porque mudança exige acção. Como exige, antes de tudo o mais, vontade para mudar. Como todos sabemos, mudar, foi, sempre, desde tempos que se perdem na memória dos homens. Um acto de coragem. Sem perder de vista que, toda e qualquer mudança provoca resistência. Sendo que a resistência à mudança é um fenómeno natural. É um fenómeno lógico. Resultante de medos e de receios. Por parte de quem teme perder poder e direitos. Que julga adquiridos, intocáveis e inatacáveis. Neste campo, nesta área de resistência a mudanças, não precisamos de importar exemplos. Nem de pagar consultorias. Temos suficientes exemplos nativos. Que até poderemos vender. Exportar.


Em diferentes circunstâncias e nas mais diversas ocasiões, todos nos sentimos vítimas. Na qualidade de simples consumidores. De simples cidadãos. Seria fastidioso enumerar todos os casos em que pagamos preço elevado por serviços de má qualidade. Ou que sequer são prestados. Entre outros, os mais visíveis são, sem dúvida, os fornecimentos de água e de energia eléctrica, e o de recolha do lixo. Existem, igualmente, os casos de muitas bombas de combustíveis. Terá sido no sentido de alterar a situação, em defesa e em benefício do consumidor, que o Conselho de Ministros aprovou legislação apropriada. Na sua última e mais recente sessão. Legislação essa que, segundo o jornal “Notícias” (edição de 24 de Fevereiro), Para alívio dos consumidores, Viciação das medidas com dias contados no país. Acreditamos que sim. Acreditamos ser uma medida acertada e a todos os títulos louvável. E, desde já, na qualidade de consumidores, saudemos, sem reservas, a iniciativa. Digamos, igualmente, também, sem reservas, que acreditamos que esta nova legislação irá ser aplicada a todos quantos utilizam pesos e medidas. De forma igual. Em todas e as circunstâncias. Todos sabemos, em Moçambique, que os problemas que enfrentamos, neste como em outros domínios, não resultam de falta de leis. Resultam da não aplicação ou da aplicação deficiente das leis existentes. Em última análise da falta de fiscalização das leis aprovadas. Exemplos de assim, são mais do que muitos. Uns recentes, outros não tanto. Todos sabemos, nós outros que cumprimos as leis, da proibição de circular em viaturas com vidros fumados. Mas, circulam por aí às dezenas ou às centenas sem que os seus condutores sejam incomodados. Desejamos poder acreditar que a legislação ora aprovada, dita de defesa do consumidor, não vá seguir o destino de muitas das suas antecessoras. Ou seja, adormecer no arquivo do esquecimento.

domingo, fevereiro 21, 2010

Não constitui ideia original nem peregrina

As notícias sobre o tema são frequentes. Por vezes, alarmantes. E, têm origem nos mais diversos pontos do país. Coincidem, todas elas num aspecto comum. Todas elas se referem ao abate de árvores e da sua transformação em combustível. Em carvão vegetal, muito concretamente. Este abate contínuo e continuado de árvores, cria diversos problemas e problemas de diferentes dimensões. Principalmente ambientais e de erosão. Mas, a questão não deve nem pode ser vista numa perspectiva unilateral. Sequer é tão simples. Aconselha o bom senso que se analise o problema de diversos ângulos e em diferentes perspectivas. Parece claro que em nada e a ninguém aproveitaria proteger o ambiente pelo simples objectivo de protecção do ambiente. Proteger o ambiente só faz sentido em função de uma realidade concreta. De uma população. Caso contrário, poderemos caminhar para posições radicais. Fundamentalistas. E de não de estar a proteger a quem se diz pretender proteger.

Com o título “Carvão vegetal escasseia em Nacala”, o matutino “Notícias” (edição de 16 do corrente), acrescenta que a “Carência é de tal modo crítica e jamais vista, o que periga as reservas florestais dos distritos vizinhos”. Situação, aliás semelhante há de muitos outros pontos do país. Pode ler-se, mais adiante, na citada local, que a referida cidade (...) está a enfrentar uma escassez sem de carvão vegetal para fins domésticos, situação que coloca em perigo a existência das reservas florestais nos distritos circunvizinhos com implicações bastante negativas para o meio ambiente. Nada vem dito sobre o mais que provável aumento do custo do produto. Mas, isso sim, está escrito (...) que a escassez de carvão naquela cidade portuária serviu de incentivo para que os produtores daquele combustível, baseados em Nacala-a-Velha, Memba e Monapo, entrassem no negócio com uma postura mais agressiva, pois as oportunidades que o mercado oferece actualmente são vastas do ponto de vista do preço. A realidade parece mostrar que, aqui, como em quase todo o país a vasta maioria das famílias depende do carvão vegetal para cozinhar as suas refeições. Sequer a cidade de Maputo poderá ser apontada como excepção. Aspecto há não menos importante, que não pode ser perdido de vista. Trata-se do aspecto de a produção e revenda de combustível lenhoso ter um peso importante na renda de muitos milhares de famílias. O combate à erosão e a protecção das florestas não pode ter um sentido único. Carece de alternativas. Uma das quais poderá ser a introdução de carvão vegetal no mercado. O que, de resto, não constitui ideia original nem peregrina.

domingo, fevereiro 14, 2010

Avançar com os pés assentes na terra

Na sua última sessão, o Conselho de Ministros decidiu alterar a forma de pagamento da energia a pagar pelos agricultores estabelecidos em sistemas de regadio. Alterar, aqui, tem o sentido de baixar. De reduzir. De ajustar à realidade do consumo efectivo. E, não da potência instalada. Com o decreto ora aprovado, pretende o Governo incentivar a produção agrícola. O mesmo é dizer, pretende reduzir importações. Mais. Pode se ir mais além. Pode dizer-se, sem receio de erro, que existe um outro fim em vista, um outro objectivo. E, esse fim e esse objectivo consistem em criar condições para motivar ao trabalho. Para criar condições no sentido em que as energias despendidas tenham uma justa compensação. E, isto, naturalmente, porque, todos o sabemos, só o trabalho gera riqueza. Como também sabemos, que o homem não vive para trabalhar. Como nos tempos idos da escravatura. Trabalha, isso sim, para viver. E, para melhorar as suas condições de vida e da sua família. Para poder ter amanhã o que ainda não tem hoje. As estatísticas, as taxas de inflação, dados sobre o crescimento económico, são, meramente questões periféricas. Apenas questões periféricas. Que pouco ou nada têm a ver com o país real. Com o país do camponês. Com a vida do camponês. Lá. No campo. Não do camponês de quem muitos falam. Por aí. Em tudo quanto seja hotel de luxo. Mas que não conhece. Por nunca ter visitado. Na companhia de quem nunca passou uma refeição.


Hoje, são visíveis sinais de mudança. O último, é esse a que nos referimos. O de Conselho de Ministros ter decretado a redução dos custos de energia eléctrica a pagar pelos agricultores integrados em sistemas de regadio. Trata-se, certamente, de uma decisão que não saiu de seminário nem de reunião realizada em instância turística. Dessas muitas onde se come bem bebe melhor. Até cair morto. Terá resultado, permita-se-me a especulação, de observação directa e pessoal. Por parte do Primeiro-Ministro. Que, nos últimos tempos, cirandou por terras ricas mas mal aproveitadas. Em termos de produção. Como que a dizer, ou a dizer, mesmo, que podemos fazer mais e melhor. E, a afirmar, sem o dizer, que existe espaço para o Governo intervir. Que há muito espaço para o Governo poder intervir na produção de riqueza. Para além do que possam ser condicionantes ou falsas condicionantes. Dos chamados doadores. Muitos dos quais, contando com apoios internos, nunca esconderam estar contra o chamado Fundo de Desenvolvimento Local. E que não perdem a oportunidade para mostrar que estão ressentidos com o sucesso dos resultados do mesmo. Por receio e por medo de terem de aceitar que existem capacidades e espaços de manobra internos para fazer mais e melhor. Do que aquilo que são as suas imposições. Os seus modelos. Falhados e falidos. É preciso continuar a avançar com os pés assentes na terra.

domingo, fevereiro 07, 2010

O regresso das caravelas

Até tempos recentes, cultivámos uma ilusão. Cultivámos a ilusão de que tudo o que era gestão ou serviço prestado pelo Estado era mau. Pela inversa, tudo o que fosse gestão ou serviço prestado por privados seria bom. A realidade e o tempo estão a encarregar-se de demonstrar não ser tanto assim. Estão a se encarregar de desmistificar o mito. ‘E, hoje, conhecido e público o esforço desenvolvido pelo Estado no sentido de melhorar a qualidade dos serviços que presta aos cidadão. Como é conhecido e público que, em certas áreas, onde o Estado decidiu contratar terceiros, o serviço prestado aos cidadãos caiu. E caiu na vertical. Isto, em certas áreas onde o Estado reconheceu não ter capacidade ou não ter competência para servir bem. Acontece que esses acordos têm contornos pouco claros. É que do seu conteúdo, pouco se conhece. Para além do tempo de duração. Por alguma razão, por algum motivo deverá ser assim. O que nada abona em termos da transparência da governação.



Na semana que passou, vieram a público duas notícias de cariz diferente. Digamos, na perspectiva do cidadão comum, uma boa e outra má. A primeira refere que Novo operador vai gerir sistema de água no Grande Maputo (Notícias de 5 de Fevereiro). A título de comentário, digamos, apenas, que não era sem tempo. Mas, a questão é que ainda vamos ter de esperar até 2014 para que tal aconteça. Finalmente. De qualquer forma, saudar desde já quem tomou a sábia decisão. A segunda, a segunda notícia, tem como título Bagunça na inspecção de veículos (Notícias de 4 de Fevereiro). A local informa que É assim que se pode caracterizar o ambiente vivido na última segunda-feira, segundo dia de funcionamento do Centro de Inspecção periódica e Obrigatória de Veículos Automóveis e Reboques, instalado no Bairro de Malhamplsene, Município da Matola, Província de Maputo. O projecto tem tudo para dar certo mas, de forma inexplicável, as entidades responsáveis não de prepararam para a organização da bicha das viaturas. Resultado: os automobilistas envolveram-se numa tremenda confusão com troca de palavras que em alguns casos descambaram mesmo em vias de facto. Mais se pode ler, que cada inspecção custa 600 meticais, mais 17 por cento de IVA, que a inauguração deste Centro foi orientada pelo Ministro dos Transportes e Comunicações e que as inspecções de viaturas foi concessionada por 25 anos, cabendo ao INAV fiscalizar e garantir o serviço público aos moçambicanos. Convenhamos que uma concessão por 25 anos é pouco menos tempo que o tempo concedido pelos portugueses às companhias majestáticas. Para explorarem e governarem vastas áreas do território moçambicano. Há quem admita, hoje, com alguma lógica de pensamento, que com este tipo de concessões, poderemos estar a regredir no tempo. Que poderemos estar o perante o regresso das caravelas.