domingo, novembro 27, 2011

Desobedecer é um dever de cidadania

Há quem diz que água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Seria bom que sempre assim fosse. Mas, parece não ser. Não é mostra ter demasiada cera nos ouvidos. E nada ouvir, nada querer ouvir. Ou, como também afirma a sabedoria popular, “fazer ouvidos de mercador”. Ou “orelhas moucas”. Como apresenta-se ser, e é, o caso concreto de certos dirigentes do Conselho Municipal da Cidade de Maputo. Que mesmo quando alertados para o erro e para a aberração de certos comportamentos nada faz. Nada faz para alterar a situação. Para corrigir os desvios comportamentais. Pelo contrário. Persiste em continuar a apadrinhar a violação dos direitos dos cidadãos. Em plena via pública. A qualquer hora do dia. Permitindo que o anormal se transforme em normal. Apetece perguntar se alguém sabe explicar em que cidade vivemos. A que mundo pertencemos. E o motivo pelo qual as entidades que têm por dever garantir a ordem e a nossa tranquilidade, procedem como procedem. Ou seja, de forma objectivamente inversa. Fechando os olhos e os ouvidos aos sucessivos apelos no sentido de impedirem as sucessivas violações dos direitos dos cidadãos. Quando apoiando ou sendo coniventes com essas violações. Quando não, pela via do silêncio cúmplice.



Neste mesmo espaço, faz tempo, já alertámos para a situação. Outros jornais também já o fizeram. Sob diferentes perspectivas. Estamos a falar desses grupos de jovens fardados que, nas mais diversas artérias de Maputo. Nos mandam parar. Nos estão constantemente a mandar parar. Através de descabidos e desabridos gestos com os braços. Tal como sucede com muitos dos doentes mentais que, de quando em quando, tudo fazem para nos interromper a marcha. Outras vezes, esses jovens, tanto eles como elas, recorrem ao que tanto pode ser classificado como brinquedo de criança ou instrumento de trabalho. Trata-se, no caso concreto, de coloridos apitos. Vai daí, assistimos a um festival de apitadelas. Muitas outras vezes, à paragem junto a sinal luminoso, somos abordados com modos pouco educados e de forma desabrida. Para nos exigirem a carta de condução. Quem são, donde vieram, para onde vão estes grupos de jovens fardados, ninguém sabe. Nunca alguém explicou publicamente nada. Nem coisa nenhuma. Quem os comanda e a quem prestam contas, também constitui segredo. Se fazem parte de alguma nova estrutura do Conselho Municipal, também está por saber. Como não se sabe se, pelo contrário, são membros, são a face visível de alguma sociedade secreta. Criada entre nós. Sociedade essa, com características fascistas Como o são, comprovadamente e sem receio de desmentido, os estranhos métodos que utilizam no desempenho da sua estranha tarefa. Perante tantas questões colocadas, todas elas por responder publicamente, parece irrelevante colocar várias outras. Entre as quais uma. E a mais pertinente: Que lei, que legislação permite a estes grupos de jovens fardados actuarem e interferirem em matérias de trânsito. Digamos que nenhuma. E que estamos perante uma situação de abuso de poder. De usurpação de poderes. No concreto, importa acrescentar que o que queremos dizer é que estamos cansados de ser incomodados e violentados na via pública. Muito provavelmente, estas e outras más actuações, estes e outros comportamentos errados, estão na base de um outro fenómeno. O de um movimento sem líder visível. Que aponta no sentido de recolocar Eneas Comiche à frente dos destinos da capital do país. Se a ideia é válida ou não, se tem pernas para andar ou não, o tempo o dirá. Neste momento, a única coisa que importa acrescentar, é que a todos nós, como cidadãos, assiste o direito constitucional de desobedecer a ordens ilegais. Que perante a actuação ilegal desses pseudo polícias de trânsito, temos o direito de desobedecer. Ou seja, neste caso concreto, desobedecer é um dever de cidadania.

domingo, novembro 20, 2011

O gás da nossa amargura

Temos vindo a assistir, com repetida frequência, à divulgação de novas descobertas de carvão e de gás natural. Em território moçambicano. E, consequentemente, de novos e vultosos investimentos na exploração dos referidos recursos. Sobre a exploração de gás natural, o jornal “Notícias”, na sua edição do passado dia 15 (página 8), titulava: “ENI anuncia 50 mil milhões de dólares para Rovuma”. E logo a seguir escrevia: “O grupo italiano ENI vai investir 5 mil milhões de dólares no desenvolvimento das reservas de gás natural descobertas em Moçambique visando a exportação para os mercados asiáticos. [...] A ENI anunciou recentemente a descoberta de reservas com mais de 22,5 biliões de pás cúbicos de gás natural em Moçambique, na bacia do Rovuma.”. Convenhamos que 50 biliões de dólares são algo incontáveis em termos físicos. Que é um montante demasiado elevado. Mais acrescenta a local que “(...) está a ser ponderada a construção de diversas unidades de liquefacção do gás natural, que se destina a ser vendido na Ásia.”. Sem dúvida, o que parece estar a dar é vender para a Ásia. Quer se trate de carvão ou de gás. Ou, se assim se preferir, de responder às necessidades de desenvolvimento dos países daquela região do Globo. O que nada tem de mau, o que até tem tudo de bom. Desde que estejam devidamente acautelados os interesses nacionais. O que não é completamente pacífico que esteja a acontecer. Pode, até, admitir-se que já estejamos a pagar pelo crescimento de outros.



Na sua edição do mesmo dia, o referido matutino titulava na página 1: “Gás de cozinha começa a chegar”. Uma boa notícia após um longo período de penoso calvário. De impossibilidade de adquirir o referido produto. Mas, logo a seguir contrariada. Negada. Segundo o que nos foi dado ler, “A IMOPETRO retomou ontem a importação das primeiras quantidades de gás de petróleo liquefeito (GPL), vulgarmente conhecido por gás de cozinha. Mesmo assim – e é aqui que começa a desilusão de todos nós – não se espera que o mercado esteja suficientemente abastecido de imediato, porque se tratou de uma ruptura de ‘stocks’ prolongada que vai exigir algum tempo a sanar”. Numa aparente tentativa de atenuar a nossa desilusão, a notícia termina assim: Para além do produto importado das refinarias sul-africanas, a IMOPETRO espera que até ao próximo dia 24 comece a chegar GPL, descarregado a partir de Port Elizabeth, que leva cerca de dez dias a ser transportado até Maputo. Afinal, tudo parece indiciar tratar-se de má notícia. E não de boa. De resto, tentar perceber o país em que vivemos também se apresenta como pouco fácil. Deixando de lado esta já longa e fastidiosa novela da falta de gás doméstico, do gás que vem e que depois talvez venha, existem questões de fundo. Uma, e que parece primária, é a de saber os motivos pelos quais o nosso gás beneficia outros e não nos beneficia a nós, Os motivos pelos quais quando o nosso gás é exportado a história acaba. Não são acautelados os interesses nacionais. A segunda questão, e que pode parecer não menos perversa, é a de saber que motivos ou que interesses impedem que o gás de Pande possa ser transformado em gás doméstico. De resto, com tanta incongruência e com tanta falta de coordenação das políticas sectoriais, esperemos que essa vontade de aumentar o número de viaturas movidas a gás seja mais do que isso. Seja mais do que um desejo. Até, falar de gás, é estar perante o gás da nossa amargura.

domingo, novembro 13, 2011

Carvão para fartar a vilanagem

O último relatório do PNUD sobre o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em Moçambique está a provocar polémica. Devido à posição atribuída a Moçambique na listagem geral. Alegadamente por não ter sido usada a informação produzida pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Logo, sucedem-se explicações e justificações. Por parte de quem se ente lesado. Injustiçado. Uma das primeiras explicações, uma das primeiras justificações públicas, terá vindo por via da TVM. Através de entrevista a funcionário superior do INE. No decorrer de um serviço das 20 horas. Só que o bom do funcionário do Estado em vez de se limitar ao que ia, ao tema que justificou a sua presença em estúdio, decidiu começar a tratar da machamba própria. Da machamba pessoal. Vai daí, por se estar em dia de festa muçulmana, entendeu ser seu direito, ou seu dever, deixar uma mensagem. A sua saudação pessoal sobre a efeméride. O que se foi surpresa total para quem o escutava, não pareceu menos surpresa para o entrevistador. Que se quedou queda e muda durante todo o tempo que durou o perorar do mensageiro religioso. Este tipo de comportamento é, em primeira análise, pouco ou nada ético. É que não se entende, nem se compreende, que um espaço e um tempo destinados a tratar de assuntos do Estado, da coisa pública, sejam partilhados com questões religiosas. De propaganda religiosa. Por única e mesma pessoa. Por sinal, agente do Estado. Parece, surge aos olhos de quem vê e aos ouvidos de quem ouve, uma mistura promíscua. Para não se falar em relação incestuosa. Estado e Religião – seja ela qual seja – podem e devem coabitar em harmonia. Através do respeito mútuo e do respeito às leis que os separam. Não através de processos de concubinagem.



Por ocasião e para participar nas comemorações dos 25 anos da morte do primeiro Presidente de Moçambique, esteve entre nós um personagem até então desconhecido por estas bandas. Segundo o jornal “Notícias” (página 6 de 9 do corrente), que terá retirado a notícia da Internet, “Samora ‘brasileiro’ gostou de Moçambique”. Ao que pode ler-se, trata-se um jovem brasileiro de 25 anos, de seu nome completo Samora Machel Messias da Silva de Almeida. Ele “encontrou-se com o casal Mandela, pela primeira vez em 1998, em Brasília, quando tinha 9 anos.”. E, pela segunda vez em 2010 em São Paulo. Segundo a local, nesta ocasião, “Graça Machel, ex-esposa de Samora Machel, fez o convite para participar nas festividades que aconteceram em Outubro.”. Ignoro, por completo, qual a reacção da esposa de Nelson Mandela e viúva de Samora Machel ao ver-se tratada como ex-esposa do seu falecido marido. Possivelmente, até terá considerado não se tratar de uma desconsideração. Mas de pura ignorância. De falta de conhecimentos da língua portuguesa. Sobre todos os seus aspectos. Afinal, o tão badalado mas funesto acordo ortográfico pode servir para muito. Mas não chega para tudo. Não chega, no mínimo para encobrir e para cobrir os incompetentes. E as suas públicas incompetências. Oxalá, seja, em breve, arrumado nas gavetas dos nados mortos. Como parece ter acontecido com a promessa brasileira de construir uma fábrica de anti-retrovirais em Moçambique. Assunto de já ninguém fala. Ou não quer falar. Para não ferir susceptibilidades. Afinal, o que dá, o que está a dar é mesmo negócio do carvão. E nós até temos muito carvão. Temos suficiente quantidade de carvão para fartar a vilanagem.

domingo, novembro 06, 2011

Arranjar lenha para se queimarem

Já me haviam contado a história. Tive alguma dificuldade em acreditar no que estava a ouvir. Fiquei na dúvida, fiquei com dúvidas se seria mesmo verdade. Até que há poucos dias fui eu o protagonista ou a vítima de situação semelhante. Ou igual. Circulava, calmamente, pela avenida 24 de Julho. A meio de uma tarde e em direcção à avenida Nyerere. E, quando digo que circulava calmamente, quero dizer que circulava a uma velocidade muito abaixo da permitida por lei e pela faixa do lado direito. Obedecendo à sinalização luminosa, parei num semáforo que mudou para o vermelho quando me aproximava. Acto contínuo, vejo uma jovem fardada a correr na minha direcção. Pela divisória central das duas faixas de rodagem. Ao chegar junto da minha viatura, disparou em voz bem alta e num tom arrogante: “Peço a carta de condução”. Surpreso com o pedido, respondi com um “como”, interrogativo. Como resposta, escutei a repetição da solicitação anterior. No mesmo tom de voz inalterável, como que produzida e ensaiada em laboratório. E, com a mesma arrogância: “Peço a carta de condução”. Perante a repetição, confirmei não estar a ouvir mal. Tratava-se, afinal, de um disparate. De uma atitude boçal. Resolvi questionar: “Mas a senhora é polícia”. Respondeu-me a jovem: “Sim, sou polícia”. Com uma longa fila de carros atrás de mim, fiquei sem o necessário tempo para continuar o diálogo. Para ficar a saber a que Polícia pertence, quem é o seu comandante e qual é a sua missão. É que o sinal luminoso passara do vermelho para o verde. Arranquei para evitar prolongada buzinadela. Antes, ou nesse momento exacto, ainda tive tempo para dizer à jovem agente policial, que pode não ser mais do que objecto utilizado com fins obscuros: “Não lhe mostro carta de condução nenhuma”. E segui o meu destino.



Estas e estes jovens, podem ser vistos, hoje, junto de muitos semáforos de diferentes artérias da capital do país. Para segurança dos citadinos, seria importante saber-se, publicamente, quem são, a que organismos pertencem, qual o objectivo da sua actuação, que instruções estão a cumprir e a quem prestam contas. Aparentemente, e pelo que nos é dado observar, parecem agir por vontade própria. Ou a soldo de alguém que não quer dar a cara. A par destes estranhos personagens introduzidos no quotidiano da cidade de Maputo, temos outros. Aparentemente, os filhos mais pobres. Trata-se dessas dezenas ou centenas de cidadãos, a quem foi concedida uma braçadeira vermelha. A coberto da qual pensam poder fazer e desfazer em tudo o que seja ordem pública. Incluindo afrontar-se e confrontar-se com seguranças privados de empresas privadas. Em alguns casos, comprovadamente, sob o efeito de álcool ou de drogas. Os critérios que levaram à atribuição dessas braçadeiras também não são conhecidos publicamente. Muito menos como é controlada a sua utilização. Ou como não é. E, de facto não é. Ninguém sabe se quem transporta uma dessas braçadeiras vermelhas é a pessoa a quem a mesma foi atribuída. Ou um amigo, um primo, um cunhado ou um tio. As tarefas, os direitos e os deveres de quem usa as mesmas, não passa de segredo. Não segredo de Estado. De segredo de quem decidiu colocar esses homens e mulheres na via pública. Na rua. Com o fim claro e objectivo de provocar agitação social. Que, como todos sabemos, poderá atingir proporções de difícil controlo. Torna-se urgente, é necessário que os senhores do Conselho Municipal consigam abandonar a sua já tradicional letargia. E agirem por antecipação aos acontecimentos. Caso contrário, correm o risco de estar a arranjar lenha para se queimarem.