domingo, março 27, 2011

Informal com capa de formal

Informal com capa de formal


Parece não haver dúvida que há pequenas coisas, pequenos problemas, que devem resolvidos logo quando detectados. Quando sejam ainda pequenos. Caso tal não suceda, quando assim não sucede, acontece, exactamente, o que podemos ver com os buracos nas artérias de Maputo. Hoje, são pequenos. Quase imperceptíveis. Pouco visíveis. Amanhã já são maiores. Vão crescendo em diâmetro e em profundidade. Passadas poucas semanas já são buracos de dimensões enormes. Já viraram crateras. Se e quando não tapados em tempo útil. O que sucede com mais frequência do que se pode desejar. Ora, o que se regista com os buracos no asfalto, acontece em várias outras situações. Em diferentes e diversos outros casos. E, entre esses muitos outros casos, está o da ocupação de passeios por parte de vendedores. Dos mais diversos artigos e produtos. Ocasionais, uns. Permanentes, outros. Também por artesãos e prestadores de serviços. Como é o caso de sapateiros, relojoeiros e detentores de telefones móveis. Afinal, tudo gente útil ou que o procura ser. Ao próximo e à sociedade de que faz parte. Procurando assim, ao prestar um serviço, ganhar o seu sustento de forma honesta. O seu pão de cada dia. Embora, muitas vezes, ocupando espaços a que julga ter direito. E a que terá, a que tem dentro de uma certa perspectiva. Dentro de uma certa lógica. A lógica africana de ver e de resolver os problemas da comunidade. Embora seja, ou possa ser uma lógica diferente, uma lógica contrária à lógica e à visão ocidental. À lógica da chamada comunidade doadora. Quanto a nós, se muitos desses problemas persistem, se parece não terem solução ou se a solução enfrenta resistências, tem uma razão simples. É que, teimosamente, continuamos e persistimos, em ver os nossos problemas através de olhos europeus. Ocidentais. Por muitos séculos que tenhamos pela frente, nunca haveremos de resolver nada. Nunca haverão de resolver o mais pequeno problema, a mais pequena dificuldade, que um qualquer velho, um qualquer “sábio” local está em condições de apontar.


Vender em mercados formais ou em passeios e em esquinas, são as duas faces de uma mesma moeda. Simplifiquemos a questão para refrescar memórias empedernidas. Que pararam no passado. Digamos, então, que a lógica do vendedor está em colocar-se o mais perto possível do potencial comprador. É por isso que o vemos a circular pelos passeios a propagandear os seus produtos. A anunciar os seus produtos. Quando não a subirem escadas e a baterem-nos à porta. Para oferecerem tudo o que lhes parece vendível. Por necessário. Desde o camarão ao peixe fresco, desde a fruta aos legumes. Sem esquecer roupa ou sapatos usados. Todo um mundo de vendedores em movimento. Já aludi, neste espaço, em diferentes ocasiões, à inutilidade e ao desperdício de energias e de dinheiro que é, em minha opinião, a construção de mercados. Um pouco por todo o país. Sem se ter em atenção as realidades culturais locais. Mesmo quando e com direito aplacas alusivas ou comemorativas da inauguração. Fiquemos por três exemplos recentes. E bem próximos de nós. A poucas centenas de quilómetros de Maputo. Mas que podem ser representativos da realidade do país. Assim, temos, o majestoso e moderno mercado da Manhiça, as bancas construídas, longe da estrada, antes de se chegar à Macia e, finalmente, o mercado do Bilene. Em todos estes três locais não há, no seu interior, um único vendedor. Todos estão por perto. Mas não no seu interior. O que significa, em última e derradeira análise, que algo está errado. Em termos de visão africana dos problemas. Também em termos de economia de subsistência. Talvez melhor, de sobrevivência pessoal e familiar. Ora, perante o pouco que foi dito e o muito que ficou por dizer, resta uma questão simples. Digamos, como parece ser moderno dizer, fica o ponto fulcral. E, o ponto fulcral está em perceber qual o motivo pelo qual esses homens e mulheres pobres e humildes são, estão a ser acusados e acossados. Enquanto, num mesmo tempo e num mesmo espaço, está a ser permitida a instalação de barracas com publicidade a uma marca de refresco internacional. Tantas e em tão diferentes locais, que nem dá para contar. Como sucedeu, anteriormente, com as barracas para venda de pão e, alegadamente, de galinha nacional. Ambas espalhadas por passeios de diferentes artérias de Maputo. E que ninguém sabe dizer, que ninguém quer dizer, se são legais ou ilegais. Como foram conseguidas as licenças para a ocupação desses espaços. E, se tal ocupação está fazer aumentar as receitas municipais. E, em quanto. Esperamos não se tratar de mais um caso de negócio informal. De informal com capa de formal.

domingo, março 20, 2011

Exercer o seu direito de cidadania

Com demasiada frequência, somos surpreendidos com o conteúdo de certos anúncios. Também com o conteúdo de certos avisos e comunicados. Emanados de entidades oficiais. Isto, por serem pouco claros. Nada claros. Para não dizer confusos. Que podem ter efeitos contrários ao pretendido alcançar. Intencionalmente ou não. O que pode o que agora acontece com um comunicado. Feito divulgar nos últimos dias e em diferentes jornais. A sua origem é o Instituto Nacional de Viação. Com data de 14 do corrente mês. E, diz o seguinte: “O Instituto Nacional de Viação, informa a todos os importadores e fabricantes de veículos automóveis e reboques da Cidade e Província de Maputo e o público em geral que os veículos que receberem as respectivas matrículas a partir de 21 de Março de 2011, deverão ostentar a nova chapa de matrícula. [...] Nos termos do Decreto número 51/2007, de 27 de Novembro a nova chapa de matrícula é metálica, reflectiva e de fixação inamovível. Nela deve constar o Emblema da República de Moçambique. [...] De recordar que as novas matrículas estão sendo implementadas na Cidade e Província e Maputo desde 2009.”.


Colocados perante o conteúdo do texto citado, algumas questões podem e devem ser colocadas. A primeira, está em saber se o mencionado Decreto é aplicável apenas na Cidade e Província de Maputo. A segunda, se o mesmo fixa ou não a data do início da sua aplicação. Da sua entrada em vigor. Se não, se não fixa, se não determina, então tudo bem. Que cada um e cada qual façam aplicar Decretos e Leis quanto muito bem lhe apetecer. Quando tal aplicação ou não aplicação esteja de acordo com os seus interesses umbilicais. Talvez, por hipótese, familiares ou económicos. Se fixa, se o Decreto fixa a data da sua entrada em vigor, estamos perante uma outra questão. Que é de saber o motivo do agora. Do só agora. E, logo, da sua legalidade. As perguntas não são colocadas por mero acaso. Nem por ingenuidade. E merecem e exigem respostas claras. Por parte de quem deveria tutelar e colocar dentro dos carris o funcionamento de um organismo que já pouco surpreende pelos seus sucessivos desmandos funcionais. Da mais completa desorientação e desorganização. Quando não do exercício ilegal das suas atribuições ou de abuso dos poderes que lhe estão atribuídos. Se, como parece, mesmo em análise superficial, estamos perante abuso de poder ou de usurpação de poderes, ainda há tempo para recuar. De resto, um Direito constitucional do cidadão é o de não obedecer a ordens ilegais. Digamos, em matéria automóvel, começamos a ficar demasiado cansados da ilegitimidade, da arrogância, da incompetência e da arbitrariedade. Que nos tenta cercar para alargar o campo, o espaço da corrupção. Repita-se e deixemos claro que não obedecer a ordens ilegais é um direito de cidadania. Que todos e cada um saibam exercer o seu direito de cidadania.

domingo, março 13, 2011

Evitemos que alguma vez possa ser tarde de mais

Aconteceu há alguns anos. Muitos. Na África do Sul. Aconteceu um tipo de crime ou de burla, novo. Até então por processos desconhecidos. E que consistia na manipulação de contas bancárias por funcionários que a elas podiam ter acesso. E, tinham. Pessoas sérias e bem posicionadas na vida, como eram, não roubavam. Eram bem mais espertas e bem mais inteligentes do que os conhecidos ladrões que praticam os seus crimes com recurso a armas de fogo. Que, por norma, habitualmente, entram de rompante em uma escolhida dependência bancária. Armas em punho. Encapuçados. Mandam deitar os clientes. E que, sob a ameaça das mesmas, das ditas cujas, exigem que lhes seja entregue o dinheiro. Existente nas caixas ou na casa forte. Muitas das vezes depois do assassinato de seguranças. Nada disto. O que aconteceu, o que referimos ter acontecido foi bem mais sofisticado. Aconteceu com recurso à informática. Prova de que sempre que haja possibilidade e liberdade para tal, se manifesta a iniciativa criadora. No caso em apreço, consistiu num processo aparentemente simples. Os funcionários bancários faziam transferir para as suas contas pessoais elevadas quantias de dinheiro. Depositadas e pertença de diferentes clientes. Esses valores assim obtidos, eram depositados a prazo. Por diferentes períodos de tempo. Os juros iam cair nas contas dos bancários. O capital que lhes dava origem regressava, então, aos legítimos donos. Passado um certo tempo. Tratou-se de um crime aparentemente perfeito. Só que os crimes perfeitos não existem. E, mais cedo ou mais tarde são descobertos. E os seus autores detidos. Como aconteceu.


Bom imitador que somos, bons “aprendizes de feiticeiro” que queremos ser, também por cá vai sendo tentado algo de semelhante. Igualmente com recurso à informática. À manipulação de dados informatizados. É assim que se fazem alterações nas datas de pagamento de empréstimos bancários. Que as datas desses pagamentos vão sendo antecipadas mês após mês. Na mais primária e boçal violação do contracto assinado entre o cliente e o banco. É assim que funcionários menos honestos se permitem retirar dinheiro das constas dos clientes. Para suprir despesas pessoais de momento. Principalmente aos fins-de-semana. Mas, não só neste período. Pior ainda, é que este processo de fazer passar dinheiros alheios para contas pessoais pode estar a alastrar. Pode estar a contaminar diversas empresas. Públicas ou privadas. Até sociedades anónimas. Comprovadamente com uma inestimável e comprada folha de serviços prestados ao país. Sociedades com uma gestão acima de qualquer suspeita. Por idónea que sempre foi. No cumprimento dos seus deveres e das suas obrigações. Para com os seus servidores, para com os seus trabalhadores, para com os seus reformados, para com os seus avençados, para com os seus colaboradores. Ao longo de muitas décadas de existência. Mas que, hoje, pode estar a ser manchada. Por um qualquer pateta que decidiu, por iniciativa própria e pessoal, cativar esses dinheiros de tantos eus, muito provavelmente, em proveito pessoal. De retardar, em mais de dois meses, pagamentos de quem sempre cumpriu prazos na entrega de textos. Ainda se está a tempo de parar. De parar e de olhar para dentro. De nós próprios e da nossa organização. Mais tarde, pode ser tarde. Pode ser tarde de mais. Evitemos que alguma vez possa ser tarde de mais.

domingo, março 06, 2011

Evitar que o feitiço se revolte contra o feiticeiro

Em boa hora decidiu o Centro de Integridade Pública (CIP) proceder a uma investigação sobre a actuação da Polícia de Trânsito (PT). Ou, talvez melhor, sobre as suas diferentes formas de actuação. E, tornar público, divulgar, os resultados do oportuno trabalho que realizou. Não por nos ter vindo trazer grandes novidades. Não por nos ter vindo mostrar ou revelar algo que qualquer condutor não soubesse. Não saiba. Desde há muito. Mas por tal divulgação poder vir a ser importante contributo no fazer mudar comportamentos. No fazer alterar métodos e processos de actuação. Assim haja vontade, capacidade e força para agir. Voltando ao tema, a primeira parte da referida investigação veio publicada na edição do passado dia 3 do jornal “Notícias” (página 2). Titula o matutino: “Arbitrariedades e extorsões: A mácula da Polícia de Trânsito”. E, inicia a local com o seguinte texto: “O grosso dos agentes da Polícia de Trânsito (PT) continua a seguir comportamentos menos abonatórios, apostando na corrupção em forma de detenções arbitrárias, chantagem e extorsão”. E, para nos situar melhor sobre a dimensão do problema, que para além de problema adquiriu a dimensão de catástrofe, acrescenta: “Isto acontece a par do banho de sangue nas estradas nacionais e da existência de alguns polícias exemplares e incorruptíveis”. Aqui, também eu sou testemunha de que sim. E, entendo, em meu modesto entender que tais comportamentos deveriam ser registados e apontados como método de trabalho a seguir. Deveriam constituir norma de trabalho. Por exemplo, das muitas vezes que fui e sou mandado parar em plena cidade de Maputo, me foi dito coisa simples. E, também bonita: “Papá pode seguir. Já não tem idade para roubar carros”.



Sem ter tido acesso à totalidade do texto da investigação, parece oportuno começar por tecer algumas considerações sobre aspectos parciais. Sobre determinados aspectos. Aliás, já aqui e em diversas ocasiões abordados. Como é o da presença, actuação e protagonismo concedido à Polícia de Protecção (PT). Sobre a matéria, diz a investigação que “A concorrência a estes locais (de controlo), denominados postos bancos, é forte, traduzindo-se numa luta titânica envolvendo PT e PP, embora estes últimos estejam munidos de armas do tipo AK-47 com a missão de proteger os agentes de trânsito ou reagir em caso de fuga ou reacção armada por parte dos automobilistas, bem como efectuar revistas em viaturas suspeitas. [...] Todavia, ao invés de garantirem a protecção dos agentes de trânsito e ou revistas às viaturas suspeitas, os mesmos fazem-se passar por agentes de trânsito e interpelam os condutores, munidos de AK-47, exigindo cartas de condução e simulando a passagens de multas, sem no entanto possuírem algum livro de aviso de multas”. Aqui, de novo, levantam-se duas questões. A primeira, é para saber o motivo pelo qual uma multa não pode ser paga no local da transgressão. Real ou hipotética. É que assim, a continuar-se a proceder como se está a proceder, é o Estado que está a fomentar a corrupção. A segunda, a segunda questão, consiste em saber o motivo pelo qual se permite que a PT, os chamados “cinzentinhos”, por si sós, tenham autoridade, legitimidade e poder para travar a marcha, a circulação de um qualquer e pacato automobilista. Respondamos que autoridade e legitimidade não têm. Poder tem. É o poder de lhes terem concedido o porte de uma AK-47. Que muito provavelmente mal sabem manejar. Por serem miúdos e imbecis. O que tanto pode resultar de um erro como de uma opção. Para tentar justificar essas tantas balas perdidas. Que tanto matam. Até um dia. Até ao dia em que o feitiço se decida revoltar contra o feiticeiro. Ainda estamos a tempo de evitar que o feitiço de revolte contra o feiticeiro. Temos de evitar que o feitiço se revolte contra o feiticeiro.