domingo, abril 18, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 18 de Abril de 2004

antes e depois

Luís David


é necessário perder o medo de escutar as crianças



Se alguém nos perguntasse que tipo de pais somos, que tipos de pais fomos, quase de certeza ninguém iria dizer ter sido mau pai. Poucos, ou nenhum, teríamos a coragem para o admitir. E, isto porque aquilo que fazemos, ou não fazemos, é sempre para o bem dos nossos filhos. Assim o afirmamos, porque assim o pensamos, assim o desejamos e assim o sentimos. Porque assim o fizeram nossos pais, porque assim procederam nossos avós em relação a nossos pais. E, daí para trás. Então, continuamos a sentir ter o direito de falar e decidir em nome dos nossos filhos, sejam eles crianças ou já não. Sobretudo, e principalmente, gostamos de ver crianças muito bem comportadas. Adultos em miniatura. O reflexo do que somos, ou pensamos ser. Nós, para nós mesmos, somos o modelo a seguir. Temos dificuldade em aceitar o pensar e o agir de forma diversa, de forma outra. Porque pensamos saber mais, saber tudo. É perante esta dificuldade em aceitar o ser criança e o ser criança diferente que recorremos, quantas vezes, à repressão. No verdadeiro sentido do termo. Muitas das vezes, quase sempre, sem perceber que ao reprimir estamos a destruir a evolução normal de pequenos seres, as suas iniciativas. E isto acontece, quando acontece, naturalmente, por falta de capacidade ou desinteresse em acompanhar o desenvolvimento da criança. E em corrigir erros e desvios de comportamento de forma didáctica e pedagógica. Um fenómeno que podendo ser universal demonstra temor e receio, talvez medo, de deixar a criança ser ela mesma. Ser criança.


Foi em 2001 que as crianças moçambicanas discutiram os seus problemas no Primeiro Parlamento Infantil. Consideraram, então, como questões prioritárias, como questões que mais as preocupava, o acesso aos serviços de Saúde e à Educação, assim como a protecção contra os abusos sexuais e a exploração. Amanhã, segunda-feira, e depois de amanhã, terça-feira, vai acontecer o Segundo Parlamento Infantil. E vai reunir, precisamente, na Assembleia da República. Local onde os mais de cem jovens parlamentares nos irão dizer o que foi e o que não foi feito em relação ás recomendações do Primeiro Parlamento Infantil. E, também, escutar aquilo que o Parlamento, o Governo e a sociedade civil tem a dizer em relação às suas preocupações actuais. Convenhamos que não é um exercício fácil. Convenhamos que, a muitos de nós, falta capacidade para aceitar mudanças. Mesmo quando lentas e progressivas. Mesmo quando digam respeito à defesa dos mais elementares direitos da criança. Estaremos, quase certamente, aqui, como em muitas outras áreas, em primeiro lugar, perante um conflito entre tradição e modernidade. Como poderemos estar perante um conflito de gerações ou um conflito entre pais e filhos. As notícias de todos os dias sobre raptos, crimes e actos discriminatórios assim o parece indicar. Sabendo que ouvir é uma virtude, estejamos preparados para escutar o que as crianças têm para nos dizer. Porque é necessário perder o medo de escutar as crianças.

terça-feira, abril 13, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 10 de Abril, 2004

antes e depois

Luís David


evitar mais feridos e mortos



Somos um país de campanhas. De semanas comemorativas ou alusivas a. De marchas, contra ou a favor. Para assinalar isto ou aquilo. Depois, depois, voltamos à normalidade. Caímos na rotina. E os males para os quais chamámos a atenção. Os males contra os quais marchámos, ficam. Permanecem. Quando não pioram, quando não se agravam. Planos de acção concertados, sobre questões, sobre males, para o combate ao ilegal e ao imoral, que a todos afecta, não há. Se, acaso os há, não se notam. Daí a degradação de valores morais e cívicos a que assistimos. E, também ao renascer da perigosa e inaceitável prática de fazer justiça pelas próprias mãos. É que abater uma árvore numa qualquer artéria deixou de ser crime. Como imoral parece ter deixado de ser urinar na via pública. Mesmo quando muitos estão a ver. Ilegal parece, também, ter deixado de ser abandonar ou estacionar a viatura em local que impede a passagem de outras. Afinal as luzes de presença, esses “amarelos” acessos servem para indicar que por ali está gente importante. A gente a quem polícia algum ousa incomodar. Como não incomoda o autor do pequeno furto. Tudo isto acontece. Como acontece muito mais. São os novos hábitos dominantes. Mas, maus hábitos. Claro.


Moçambique registou, no ano de 2003, 5.402 acidentes de viação. Em consequência, 1.123 pessoas perderam a vida. Uma média de cerca de quatro por dia. Isto é, em cada dia que passa, há quatro pessoas que morrem nas estradas e artérias citadinas de Moçambique. Muitas outras contraem ferimentos, graves ou ligeiros. Dos custos materiais e indirectos não falam, também, as estatísticas. Depois, as causas, os motivos dos acidentes e das mortes, são quase sempre evasivos. De quando em vez, quando parece estar a iniciar-se trabalho sério e concertado, tudo não passa de ilusão. Recordemos: Recentemente, várias dezenas de viaturas foram mandadas parquear por circularem com documentos obtidos ilegalmente. Mais depois, foi divulgado o afastamento de alguns polícias de trânsito que não cumpriam com a sua missão. Ou, como se disse, eram corruptos. O resultado destas campanhas, destas operações cosméticas, parecem poucos. Até ao momento não são visíveis. Estamos em plena “Semana” comemorativa do Dia Mundial da Saúde que, este ano, tem como lema “Pela Segurança Rodoviária, Evite o Acidente”. Hoje mesmo, Domingo, Maputo deverá estar a ser cenário de uma marcha inserida numa campanha de informação. Mas, cuidado senhores manifestantes: Tomem as necessárias precauções para não serem atropelados. Por um qualquer automobilista que não respeita as regras de trânsito, que corta a prioridade a quem a tem, que avança com o vermelho, que circula, enfim e se lhe apetecer, por cima dos passeios. Ademais, o que pedimos, o que temos o direito de pedir, não é que não se manifestem, não é que não marchem. Tem pleno direito para o fazer. Mas, o que vos pedimos, antes do mais, é para que actuem. Por forma a evitar mais feridos e mortos.

domingo, abril 04, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo
3 de Abril 2004

antes e depois

Luís David

no melhor pano cai a nódoa



Por ocasião ou a propósito da recente visita do Primeiro-Ministro de Portugal a Moçambique, alguém sugeriu, alguém escreveu sobre a possibilidades e a utilidades de serem enviados professores para o nosso país. Dos muitos que lá não conseguem colocação. Ao abrigo de um acordo de cooperação. Pagos por Portugal. Mas, professores de língua portuguesa. O que até parece uma boa ideia, o que se afigura como sugestão útil. Afinal, assim deveria ser, melhor do que ninguém são os portugueses que sabem a sua língua. Ou deveriam saber e dominar. Para a poderem ensinar. Como mais ninguém. Acontece, porém, como por todos é sabido, que a língua portuguesa é uma língua traiçoeira. Para não dizer traidora. É uma língua cheia de subtilezas, de rasteiras, de matreirices. É uma língua, que não cede com facilidade os seus pergaminhos ao querer de certos doutores. Por muito competentes, por muito sábios que o sejam nas mais variadas esferas do conhecimento. É uma língua, enfim, que não se deixa dominar por interesses outros que não sejam os seus. Os do bem falar e os do bem escrever.


Ministros do Gabinete do Primeiro-Ministro de Portugal, assessores e outro pessoal qualificado multiplicaram esforços para assinar acordos e protocolos. O tempo era pouco, o tempo urgia. Em todos, ou quase todos, esses documentos a assinar por ambas as partes, aparecia uma palavra, um termo, por muitos desconhecido. Um termo que ninguém, em Moçambique conhecia. O termo assumpção. E, a provar que a referida palavra “povoou” os textos dos documentos oficiais está a local do jornal “Savana” (pag. 3) desta semana. Na verdade, na realidade, o referido termo não consta na maioria dos principais Dicionários da Língua Portuguesa editados, em Portugal, no último meio século. Existem, entre outros, assumir, assumpto (assumido) e assunção (acção de assumir). Mas, assunção sem p e com n no lugar do m. Assim, assumpção não passa de neologismo, barato e ridículo. De termo inventado, à última hora, para baralhar e confundir quem, de facto, em África, sabe e domina a língua portuguesa. Mas, também podemos aceitar que não. Que não passa de um erro. Que não passa de ignorância. Até porque, como todos sabemos, no melhor pano cai a nódoa.