domingo, dezembro 18, 2011

Uma questão de humildade


Até há poucos dias, tudo parecia correr pelo melhor. Era grande a confiança e maior o optimismo. No que respeita à produção nacional e ao abastecimento do mercado. Em diferentes produtos de grande consumo. Repetiram-se declarações entusiásticas no sentido de garantir que nada iria faltar. Que o mercado estava suficientemente abastecido. E, também, dando conta dos esforços organizativos desenvolvidos, a níveis, para assegurar a estabilidade dos preços ao consumidor. Ou seja, que os especuladores não iriam ter campo de acção fácil. Dito por outras palavras, que estava desencadeada uma campanha do “bem contra o mal”. Como se esta não devesse ser uma acção de todos os dias. E de todos os dias do ano. Em defesa e em favor do indefeso e desprotegido consumidor. Mas, como todos sabemos e assim o diz a sabedoria popular, no “melhor pano cai a nódoa”. Isto quando verificamos que algumas empresas nacionais começaram a vir a público informar que estão a enfrentar constrangimentos no seu processo de produção. É o caso da Coca-Cola, da Fizz e da Agricom. Provavelmente de várias outras de menor dimensão. Constrangimentos que têm origem nos repetidos cortes no fornecimento de energia eléctrica. O que, também, já se tornou normal um pouco por toda a cidade, durante o dia ou a noite. E que a todos afecta de igual modo. Com maior ou menor gravidade. Por períodos mais ou menos longos. Mas, sem fim à vista. Ou, no mínimo, um esclarecimento público sobre as causas desta anomalia e desta anormalidade. Trata-se, afinal, de uma elementar questão de respeito pelo cliente. Que merece muito mais. Mas que, em diferentes ocasiões e publicamente, chega a ser tratado como inimigo do fornecedor. Coisa de mentalidades doentias.


Na sua última edição, o semanário “Magazine” dedica amplo espaço (páginas 24 e 25) à questão dos preços na quadra festiva. Texto que, provavelmente, terá tido diminuta leitura. Ou, provavelmente, pouca ou nenhuma compreensão. Por falta de capacidade para tal. Logo, o não haver qualquer tipo de contestação ou de debate sobre as ideias expostas. O jornal cita o presidente da associação dos importadores informais (Mukeristas), a dizer “em nenhum momento será possível controlar a margem de lucro enquanto o Governo e os agentes das Alfândegas não mudarem de postura. Numa economia de mercado o papel do Governo é controlar os produtos fora do prazo e facilitar o ambiente de negócio. Não se pode meter em negócios privados”. Quem fala assim, acrescentemos, não é gago. E, sequer, poderia ser mais claro. E, mais directo. Mas, a questão não é tão pacífica como possa parecer. Porque pode colocar-se a dúvida se se trata de posição oficial do Governo. Ou se alguns ou de alguns de seus agentes. Em defesa de interesses pessoais. Umbilicais. Ainda segundo o representante dos Mukeristas, “Não há nada que o Governo está a fazer para que os moçambicanos tenham festas condignas, pelo contrário eu sinto que está a proferir discursos que infelizmente incentivam os agentes económicos a aumentarem os preços, como quem diz que é o momento para fazer lucros”. E, em tom de desafio pouco habitual por parte de quem não está no poder, o entrevistado termina: “Será que são os dias de hoje que o Governo vai ensinar o povo a festejar?”. É pouco o espaço para ir muito mais além em comentários ou em transcrições. Só concordar que “Não é controlando o preço de um produto importado, que o Governo vai dizer que está a trabalhar”. E, também, que “Por isso este ano os preços não vão deixar de subir”. Simplesmente, uma afirmação apenas realista. Para não dizer sábia. Que nela meditem os que não sabem ou que sabem menos. Nem todos poderão vir a ser sábios. Mas, sem dúvida, os que sabem menos podem e devem aprender com os que sabem mais. Trata-se de uma questão de humildade.

Acordar os fantasmas

Há coisas, há situações, há fenómenos que todos conhecemos. E que alguns pensam ter solução. Ter a solução para alterar o seu desenvolvimento e o seu curso. Mas que, na prática, no campo prático parece não terem solução. Logo, o que não tem solução, solucionado está. Parece ser o caso da estabilidade ou do aumento dos preços dos produtos que todos compramos. Que todos necessitamos de consumir. Para viver. Ou sobreviver. É que a questão dos preços depende mais de leis objectivas do que do desejo ou da vontade humana. Seja essa vontade corporizada pelo simples cidadão comprador ou por uma qualquer instituição governamental. Sendo assim, e assim está a ser mais uma vez, a promoção de reuniões com produtores e com importadores, mais aqueles e mais outros, não passam de acções cosméticas. De pura perda de tempo. De gastos desnecessários de dinheiro. De puras manobras de diversão. De tentativas para desviar a atenção do problema real. Em última análise, de tentativas barrocas para conquistar espaços em jornais, rádios, televisões. Que é como quem diz, afinal aqui estou. E, se estou é porque existo. Assim, sou. Para o bem e para o mal, sou. Muito provavelmente, mais para o mal do que para o bem. Na perspectiva do cidadão comum. Para este, nem sempre o que parece é. E, quantas vezes, não se sabe através de que artes mágicas, o que lhe dizem que é, não parece ser. Mas, por imposição dogmática, o que não parece ser, é.



Nesta época do ano, nesta época chamada de quadra festiva, a situação repete-se. Como se repete o discurso de governantes. A diferentes níveis. Num tom monótono, monocórdico, repetitivo, sem um mínimo de imaginação. Sem nada de novidade, sem nada de novo, ano após ano. Pior. Revelador de uma assustadora falta de capacidade de análise. Com recurso a experiências e à realidade do que aconteceu em anos anteriores. Por isso, há uma repetição de erros do passado. Em momento algum terá sido noticiado haver sido convidado, mais uma vez este ano, um consumidor, um cidadão, pagador de taxas e de impostos, para participar nesses propagandeados debates sobre aumentos de preços. Para que os senhores que dirigem a cidade, a província, a terra e os homens percebam, definitivamente, que os aumentos de produtos de primeira necessidade se sucedem ao longo de todo o ano. Como acontece com o aumento das taxas de recolha de lixo ou da rádio. Como acontece com os aumentos dos custos da energia ou de água. O que pode ser, perfeitamente, controlado pelas autoridades governamentais. Ao invés de andarem a perder tempo e a gastar dinheiro com esta outra tentativa ilusória, fantasiosa e inglória de tentar controlar a actividade dos chamados mukeristas. Ao Governo, aos dirigentes governamentais, aos mais diversos níveis, não lhes está atribuída, pessoalmente, tal missão. Ao que os factos indicam, existem neste espaço tentativas de protagonismo pessoal. Em prejuízo da boa governação e da boa gestão dos negócios públicos. Esta falaciosa questão de combater os aumentos de preços, nesta ocasião do ano, surge como algo estranho. E a justificar profunda investigação. Pelo que é público, este pseudo combate aos aumentos de preços tem como objectivo um acordar de fantasmas. Há quem tenha pensado, talvez erradamente, ter muito a ganhar com o seu acordar os fantasmas.

domingo, dezembro 11, 2011

Os cães ladram e a caravana passa

Há notícias, ou textos apresentados como tal, de difícil entendimento. De difícil compreensão. Muitas vezes, fica a dúvida se estamos perante uma notícia ou de outra coisa qualquer. Por exemplo, de publicidade encoberta, de tentativa de manipulação da opinião pública, de texto pago ou produzido por serviços secretos. Cuja publicação visa objectivos diversos e diferentes da informação. E permite, posteriormente, ampliar e multiplicar a sua divulgação por outros e diferentes meios. Em outros e diferentes locais. Por forma a funcionar como elemento de pressão. Sobre este ou aquele sector. Sobre esta ou aquela autoridade ou entidade. Vejamos um exemplo. Entre muitos outros possíveis. Na primeira página da sua edição do passado dia 2 do corrente mês, na secção BREVES,
o jornal “Notícias” titulava: “Alargamento da ‘J. Nyerere’ gera receios”. A local, com um único parágrafo, dizia “Algumas embaixadas manifestaram preocupação com o projecto visando a reabilitação e alargamento da Avenida Julius Nyerere, receando que as obras possam afectar a qualidade de vida dos residentes. A estrada, cuja reabilitação deverá arrancar dentro em breve, vai ter duas faixas de rodagem, um separador central e passeios nos dois lados, a partir da rotunda da Praça do Destacamento Feminino até à Praça dos Combatentes.”. Aliás, como foi planificado e estava previsto desde os anos em que a actual cidade de Maputo se chamava Lourenço Marques. Hoje, parece que queremos regredir, mais do que regredir no tempo. Na pior das hipóteses, estamos a enfrentar inimigos do progresso. Vejamos. Se sim ou se não.


Depois de muitos e longos anos sem se poder chegar ao Xiquelene pelo chamado prolongamento da Julius Nyerere, vamos voltar a poder fazê-lo. Em modesto entender de cidadão comum da urbe, trata-se daquilo a que se pode chamar uma boa notícia. Que demorou anos, longos anos para se transformar de desejo em realidade. Porém, parece não ser este o entendimento de todos. Ou seja, o que para uns se apresenta como bom para outros não passa de mau. De duvidoso. A avaliar pelo que lemos e que atrás foi transcrito. Embora a questão possa não ser tão simples como parece. Vejamos. O autor da referida local, começa por escrever que “Algumas embaixadas manifestaram preocupação (...)” Só que se esqueceu de nos informar quais são essas “algumas embaixadas”. Mais, quantas são e onde estão situadas. Como se esqueceu de dizer onde, quando e perante quem o fizeram. Será que o fizeram apenas perante o jornalista em ocasional sessão de copos? Ou, hipótese pouco provável, formalmente ao Ministério moçambicano dos Negócios Estrangeiros? Questão não menos importante, é aquilo que o jornalista e os seus preocupados informadores entendem como “a qualidade de vida dos residentes”. Em primeiro lugar, importa questionar quais residentes. Será que se está a falar dos residentes que vivem em condições pouco mais do que precárias? Ou daqueles residentes que ocuparam ilegalmente espaço público em benefício próprio? Transformaram o público, o que a todos nós pertence, em território privado e pessoal. Veja só, e nem é necessário ter óculos com lentes de aumentar, quantos metros de terreno público está transformado em jardins e parques de estacionamento privados. Resta regozijar o Conselho Municipal pela obra de reabilitação e de construção que se propôs realizar. Em benefício público. E que saiba, que tenha a necessária firmeza para resistir a este tipo de pressões desestabilizadoras. Através de textos anónimos e apócrifos. Acreditemos que os cães ladram e a caravana passa.

domingo, dezembro 04, 2011

Cultura de impunidade

Falar da construção de obras públicas, é falar de um dos maiores cancros deste país. Especialmente de alguns tipos de obras públicas e em determinados locais. No caso concreto, escolas, instalações sanitárias, pequenas pontes e por aí em diante. Quando construídas, quando edificadas longe das grandes cidades, longe dos principais centros urbanos. Dizer que na grande maioria dos casos primam pela má qualidade é apenas uma parte da realidade. Casos há, como todos o sabemos e é público, em que os construtores iniciam mas não concluem os trabalhos a que se propuseram. Desaparecem. Pura e simplesmente desaparecem. Depois de receberem, depois de terem recebido parte ou a totalidade do valor da adjudicação. O motivo pelo qual estas situações se repetem, nunca é claramente explicado. Não se apresentam, publicamente, explicações convincentes. A tecla mais batida é a da falta de honestidade. Dos ditos cujos construtores. Sendo assim, sendo esta a verdade, fica por saber o motivo pelo qual a boa e correcta aplicação dos dinheiros do Estado não é devidamente acautelada. Os motivos pelos é, continuamente, feita de forma tão lasciva. Dito por outras palavras, que papel e que responsabilidade cabe aos funcionários do Estado neste arrastar de coisas. Para que serve a abertura de concursos públicos. Como, a quem e porque processos é feita a adjudicação dos trabalhos. Ao longo do país, são muitas as obras públicas que não apresentam um mínimo de qualidade. Que desabam com o cair de meia dúzia de pingos de chuva. Às vezes nem é necessária chuva. Simplesmente, desabem. Como castelos de areia construídos à beira mar. Ao que parece, segundo o que se sabe, nunca terá sido aberto um inquérito. Nunca terá sido feita uma investigação. Séria e honesta. Para se ficar a saber o motivo pelo qualquer as coisas acontecem como acontecem. Repetidamente. Com elevados prejuízos para o Estado. Mais. Se há ou não o envolvimento de funcionários do Estado ao longo destes processos. Ao que se sabe, nunca terá sido processado nenhum. Tanto por negligência como por incompetência. Menos ainda por corrupção.


Na sua edição de quarta-feira da passada semana (página 4), o jornal “Notícias” fazia-se eco de uma situação registada na província de Tete. E, titulava: “Salas de aulas desabam e ferem examinandos”. E, logo a seguir, escrevia: “Quinze alunos contraíram, há dias, ferimentos entre graves e ligeiros em consequência de lesões causadas pelo desabamento de quatro salas de aulas numa Escola Primária do distrito de Mutarara, província de Tete. Os alunos foram colhidos de surpresa pela calamidade a escassos minutos de terminar um dos exames que prestavam da sétima classe, estando neste momento fora de perigo.”. A local embrenha-se, depois, sobre algumas questões técnicas relacionadas sobre a globalidade dos exames. E admite a possibilidade de o referido grupo de alunos poder vir a “ser submetido a exames de segunda época”. Infelizmente, para nós, que estamos longe do local do incidente, pouco ou nada ficámos a saber sobre as causas ou as origens do mesmo. A não ser que “os alunos foram colhidos de surpresa pela calamidade (...)”. Curioso é termos ficado a saber que o desabamento de salas de aulas já tem o estatuto de “calamidade”. Há quanto tempo e quem construiu as referidas salas de aulas, surge como questão irrelevante. Como irrelevante é saber as causas do seu desabamento. Importante é termos ficado a saber que o desabamento de escolas mal construídas constitui “calamidade”. Cá por mim, é bem pior do que isso. Trata-se de uma epidemia sem cura e sem vacina. Pelo rumo que as coisas estão a tomar, estamos a caminhar no sentido de uma lógica da impunidade. Com base na qual será construída uma cultura de impunidade.