domingo, setembro 19, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 19 de Setembro, 2004


antes e depois

Luís David


o 25 de Setembro não está em questão.


De uma forma geral, a história que melhor conhecemos é a história que nos contaram na escola. E, é esta história que nos marca para toda a vida. Quer se trata da história do nosso, quer se trate da história de outros países. Ora, a história que conhecemos, a história que nos contam é, invariavelmente, a história dos vencedores, é uma história de vencedores. Todos sabemos, hoje, que nos Estados Unidos há uma história dos colonizadores e há uma história dos índios. Que na URSS foram publicadas sucessivas edições de manuais “corrigidos” em que os heróis de ontem são os renegados de hoje. Que em África existe a história dos brancos e a história dos negros. E, no que atrás fica escrito, sigo de perto o texto de apresentação de “Falsificações da História” , da autoria Marc Ferro, director de estudos na École des Hautes Études en Sciences Sociales. Onde se pode ler, também, que era urgente proceder a uma confrontação naquilo que essas histórias têm de real e de ilusório, antes de os poderes dominantes – Estados ou igrejas, interesses privados ou partidos políticos – nos apresentarem a todos, na era dos mass media, um passado falsificado, “ limpo”, manipulado, uniforme. Portando, convenhamos, se este é o momento de proceder à revisão da história recente de Moçambique, que assim se proceda. Mas que se encarregue os historiadores da tarefa.


Em texto publicado numa revista portuguesa e transcrito num semanário de Moçambique, Boaventura de Sousa Santos escreve sobre o livro “Uria Simango: Um Homem, uma Causa”. O autor do artigo, com o título “Moçambique por contar”, considera o livro perturbador. Mas, esquece de dizer para quem é que é perturbador. Depois de várias outras considerações, com base em factos que são públicos desde há muitos anos, o autor do referido artigo diz que, em suma, o livro “cheira” a verdade. E, este “cheira”, assim entre aspas, permite concluir que B.S.S. não tem a certeza sobre a verdade do livro. Sobre a verdade que o livro nos pretende transmitir. Em última análise, que não tem certeza absolutamente nenhuma. Ora, se não tem certeza nenhuma nem certeza sobre nada, está a partir de uma premissa falsa. Mais, está a reconhecer que partindo de uma premissa falsa pretende obter uma conclusão verdadeira. Ao propor a criação de uma Comissão de Verdade e de Reconciliação. O que não sendo, naturalmente, uma proposta impensada, uma proposta feita por um ignorante, pode permitir a conclusão de que se trata de uma proposta intelectualmente desonesta. Santo Agostinho, quando escreveu “Acerca da doutrina cristã”, foi bem mais prudente, foi bem mais cauteloso, foi bem mais reconciliador. Muitos, não terão lido os seus textos. Outros, podem ter lido e fazem por esquecer. Assim convém, para si próprios, no presente momento. Como convém não esquecer, para evitar ou espantar os abutres da história, que há factos que são inquestionáveis, que há datas que são inquestionáveis. Que não estão em discussão, nem são discutíveis. A primeira, é a do início da luta armada. A segunda, é a da assinatura dos Acordos de Lusaca. A terceira, é a da proclamação da independência nacional. E, esta trilogia de datas, que representam factos e acontecimentos muito concretos, goste quem gostar, não goste quem não gostar, está acima e para além de qualquer questionamento. Possa ou não um livro “cheirar” a verdade, a história de Moçambique não pode por isso, só por isso, ser revista. E nem pode isso, ser transformado, aproveitado, utilizado, como factor de desestabilização. De uma nação em processo de construção. Digamos, para eliminar dúvidas, que o 25 de Setembro não está em questão.

domingo, setembro 12, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 12 de Setembro, 2004

antes e depois

Luís David


fiquemos de olhos abertos

Dizer que nada está a ser feito para mudar a face de Maputo, seria tremenda injustiça. Dizer que tudo mudou, que tudo está diferente, seria elogio barato, bacoco. Seria, em última instância, uma mentira. Convenhamos que foram feitos grandes esforços de organização e financeiros na recolha do lixo e na limpeza da cidade. Concordemos que foi travada essa onda selvagem que permitiu a colocação dos mais aberrantes painéis publicitários em tudo quanto é espaço público. Muitos dos quais, já deviam, até, ter sido removidos, destruídos. Estamos, alguns de nós, de acordo com o trabalho desenvolvido no sentido de embargar construções ilegais ou que não obedeciam ao que tinha sido licenciado. E, aqui, quando digo que estamos de acordo alguns de nós é, precisamente, por já não haver unanimidade. Por se terem começado a fazer ouvir vozes discordantes. Vozes discordantes em defesa dos interesses, possivelmente corruptos, instalados. Vozes que nos tentam convencer que se os dirigentes de ontem cometeram ilegalidades, se se pautaram o seu mandato um uma conduta de irregularidade, os de hoje, os dirigentes de hoje, devem deixar tudo como está. Nada devem corrigir. Quer dizer, devem ser coniventes com a violação da Lei e das Posturas. Entendo que se está a tentar ir longe de mais. Que se está a tentar insinuar que, afinal, os desmandos praticados nas mais diferentes áreas de gestão da capital do país não foram tão graves como se pretende que tenham sido. Mas foram. E foram bem mais graves do que muitos possam imaginar.


A par dos citados e, eventualmente, de muitos outros aspectos positivos da presente governação da cidade de Maputo, há alguns aspectos negativos. Que importa, desde já começar a colocar. Com frontalidade. Assim, o combate aos chamados vendedores de esquina não se trava com medidas administrativas nem com o recurso a ameaças de intervenção da Polícia Municipal. Este é, no seu todo, um exercício inútil. Porque o fenómeno é, antes do mais, social. Logo, é necessário entender as suas causas. Depois, o gasto de dinheiro que está a ser feito com a pintura da sinalização horizontal em certas artérias, é um gasto inútil. Por melhor que seja a intenção, o que está a ser feito é repetir o que foi feito por ignorantes em termos de legislação rodoviária. Os sinais que estão a ser avivados, são sinais que devem ser violados. Como única forma de protecção de quem conduz e deseja não provocar acidentes de viação. Só um ignorante, ou um criminoso, pode ter mandado pintar os sinais que se encontram na Lenine, na Nyerere, na descida do viaduto, na zona da Escola Náutica. Entre muitas artérias da capital. Por fim, não se compreende, é difícil de compreender, como continua a haver tanta falta de capacidade para fiscalizar a reposição do pavimento quando determinadas empresas o partem para instalar cabos ou tubos. Com objectivos económicos, seus. Um exemplo, claro e recente: a Águas de Maputo abriu, mais uma, vala transversal na artéria de vai da Nyerere para o Clube Naval. E, dizemos, mais uma por, anteriormente, ter aberto várias outras. Que nunca tapou. Mas, convenhamos, que nunca ninguém terá obrigado a tapar. Talvez por aquilo a que chamámos de interesses instalados. Todos sabemos, fazem-se fortunas pessoais, empresas há que apresentam lucros fabulosos pelo fechar de olhos a estas “pequenas” coisas. Mas, talvez seja altura de abrirmos os olhos, antes que nos venham impor mais taxas. Para isto e para aquilo. Para pagar o desleixo de uns e a corrupção de outros. Então, fiquemos de olhos abertos.

terça-feira, setembro 07, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 5 de Setembro, 2004


antes e depois

Luís David


um exercício inútil


Parece estarem a registar-se, nos últimos tempos, múltiplas tentativas de rever e de branquear a história recente de Moçambique. Recente, de umas poucas de décadas. De há três/quatro décadas, que o conhecimento e a memória de muitos de conserva vivos factos e acontecimentos. Ora, se esse rever é, sem si próprio, um exercício positivo por poder trazer a público factos novos ou uma interpretação diferentes de factos antigos, o mesmo não é possível dizer do branquear. E, o que estamos a assistir, hoje, é a sucessivas tentativas de branquear a história recente. A tentativas para tentar demonstrar que o colonialismo não foi tão mau como alguns pretendem dizer que tenha sido. Ou, e parece ser esta questão de fundo, que o colonialismo português não foi tão mau como outros colonialismos. Ora, muito claramente, não existiram sistemas de colonização bons e maus. Na sua essência, e pelos objectivos que perseguiam, todos os sistemas de colonização foram maus em si próprios. Isto, obviamente, do ponto de vista do colonizado. A quem pouco importava se a bandeira que tinha de respeitar era inglesa ou francesa, espanhola ou portuguesa, italiana ou alemã. O trabalho forçado, a palmatória, a escravatura foram, durante décadas, processos comuns. Digamos, então e para que fique claro em certas cabeças, que o colonialismo em momento algum foi melhor de que outros. Pelo contrário. Poderá ter sido bem pior, a partir do momento em que passou a reprimir, através da PIDE e da PIDE/DGS, toda e qualquer tentativa de independência. Em que começou a matar, a massacrar e a assassinar. Em Moçambique, como em Angola, como na Guiné-Bissau. E, contra factos não existem argumentos.


Há, por aí, quem nos esteja a tentar convencer que a construção da Barragem de Cahora Bassa foi uma coisa muito boa para Moçambique, para os moçambicanos. E, seguindo esta linha de pensamento, que devemos estar, todos nós, agradecidos ao colonialismo. Que devemos pagar dívidas, que devemos pagar as mordomias de gestores. Que devemos, inclusive, pagar os custos resultantes da destruição das torres de transporte de energia para a África do Sul. Só que, Cahora Bassa não era isto, nunca foi isto, que, hoje, nos tentam fazer acreditar que foi. Cahora Bassa tinha e teve, fundamentalmente, objectivos de estratégia militar. A Barragem de Cahora Bassa não foi construída na perspectiva de trazer quaisquer benefícios ou melhoria nas condições de vida dos moçambicanos. A este propósito e para dissipar dúvidas, se é que ainda existem, creio ser importante transcrever o que escreveu Dalila Cabrita Mateus na sua tese de doutoramento. O livro, tem como título “A PIDE/DGS na guerra colonial -1961-1974”. E diz, na página 362: Em princípios de 1971, Ian Smith, acompanhado pelos chefes dos serviços de informações militares e por um intérpetre, visitou Moçambique para conversações com o General Kaúlza de Arriaga, então no quartel-general de Nampula. Kaúlza vangloriou-se dos êxitos do Exército Português durante a Operação Nó Górdio, a maior operação já realizada contra a FRELIMO. Falou dos planos para o vale do Zambeze, onde se previa a fixação de um milhão de colonos vindos da Metrópole. E afirmou que a Barragem de Cahora Bassa, uma vez construída, seria uma barreira intransponível para os guerrilheiros que tentavam penetrar no distrito de Tete, através do Zambeze. Concluindo: Rever a história é um exercício útil. Pedagógico e didáctico. Tentar mentir sobre a história é um exercício inútil.