domingo, agosto 28, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Agosto 28, 2005

antes e depois

Luís David


qualquer momento é bom para corrigir um erro

Ouve-se hoje, lê-se, vê-se. Sem necessidades de óculos. Há uma acentuada e progressiva degradação dos imóveis que constituíram o Parque Imobiliário do Estado. Principalmente nas cidades de Nampula, Beira e Maputo. Em tempos passados, houve a expectativa do início de um processo de recuperação. Mas, não passou de promessa nunca cumprida. Dinheiro havia e em mais de uma dezena de condomínios da capital do país foi efectuado o levantamento das necessidades. Por empresas da especialidade. Que apresentaram as suas propostas de cotação em sessão pública. Mas, num repente, tudo mudou. E, com a mudança de ideias, talvez de interesses, desvaneceu-se e ficou por cumprir mais uma promessa. A promessa de que os edifícios só passariam para a administração dos condóminos depois de reabilitados. Naturalmente, e no mínimo, as Comissões de Moradores sentiram-se traídas e enganadas. É que para trás, ficavam, como inúteis, muitas horas de trabalho. Horas de trabalho retiradas ao descanso diário ou semanal. De muitas dezenas de voluntários. Que acreditaram estar a participar num processo sério e honesto. Mas, aparentemente, não. É que não só nunca lhes foi explicada a razão da mudança da política governamental, como ninguém nunca explicou o destino dado ao dinheiro que existia com um fim determinado. Melhor, às perguntas e questões colocadas, publicamente, a resposta foi, sempre e até hoje, o silêncio. Mas, mesmo tendo passado o tempo que passou, não é tarde para um esclarecimento. Nunca é tarde para se dizer a verdade.


A mudança de ministro, veio criar alguma expectativa e trazer alguma esperança. Principalmente na abertura de diálogo. Desde há muito recusado. Digamos, acrescentemos, na abertura de um diálogo, franco, aberto e construtivo, entre as partes. Entre todas as partes. Ademais, se há coisa que não custa dinheiro é o dialogar, é o falar, é o conversar. Como cavalheiros, como pessoas de palavra, como cidadãos. E é, sem dúvida, através do diálogo que podem ser resolvidos alguns dos problemas artificialmente criados. Estamos a falar, no caso concreto, da necessidade de revisão do Regulamento do Regime Jurídico do Condomínio. Que, repetimos neste espaço, nada tem a ver com a realidade moçambicana. Que não é nem pode ser aplicado à realidade moçambicana. Que não passa de trabalho de copista desempregado. E, muito por hipótese, pouco sério e pouco honesto. Também muito por hipótese, quase de certeza, pretendendo deixar em texto legal benefícios que as nacionalizações haviam eliminado Mas, essa é questão secundária. E, de nada importa, por ora, averiguar se o referido regulamento era o texto necessário e que se impunha ou se, como parece, foi texto imposto. Teimosa e arrogantemente imposto. De fora para dentro. Por interesses estranhos a Moçambique, por interesses lesivos a interesses dos moçambicanos .Mas, se foi apenas um erro, e não queremos acreditar que possa ter sido mais do que erro, não há erro sem correcção. E, mais do que isso, qualquer momento é bom para corrigir um erro.

sexta-feira, agosto 26, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Agosto 21, 2005

antes e depois

Luís David


um crescimento que deve ser destacado


A cidade de Brazavile, capital da então República Democrática do Congo, albergava, na época, uma das sedes regionais africanas da Organização Mundial de Saúde. Moçambique, como os restantes países que haviam sido colónias portuguesas, estavam ali representados. Por tal motivo, a língua portuguesa viria a ser adoptada como língua de trabalho. A par das línguas inglesa e francesa. A necessidade de produzir documentos em português e, também, de defender os interesses de cada um dos países falantes de português, ditou a decisão, por parte da OMS, de criar um núcleo português. Constituído, naturalmente, por jovens enviados pelos Governos de cada um dos referidos países. Mas, chefiados por um cidadão português, quadro efectivo da OMS. Profissional incontestável. Excelente, como companheiro e como amigo. E que, em tempo de reuniões ministeriais, era apoiado por tradutores oficiais. Contratados fora dos países ali representados. Que faziam o que era mister ser feito. Aquilo de que eram incumbidos. Mas que nenhum moçambicano ou angolano estava preparado para fazer. Para realizar. Porque, verdade seja dita, não sabia fazer. Não tinha conhecimentos para fazer. Neste tempo, neste tempo ido, de gatinhar e de começar a conquistar postos e lugares em instituições internacionais, era então Ministro da Saúde Pascoal Mocumbi.


Hoje, decorridos, que são tantos anos, talvez mais de duas décadas, parece ser tempo de olhar para trás. Parece ser tempo para reflectir. Para perceber como é difícil enumerar e apontar o número de moçambicanos que ocuparam, ou ocupam, cargos, ou missões, ao mais alto nível, em diferentes organizações internacionais. Desde a ONU e suas agências, ao Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) e à SADC. Naturalmente, pode não ser bem interpretado, pode não ser bem acolhido, citar aqui nomes como os de Joaquim Chissano e de Tomaz Salomão. Mas, no seu conjunto, todas estas e outras escolhas, estas nomeações, representam, prestígio para Moçambique. Comprovam a capacidade moçambicana em moderar conflitos internacionais e em gerir interesses regionais. E, neste campo, nesta área, houve um significativo crescimento. Moçambique é escutado, a palavra e a posição de Moçambique é tida em conta. Gostem ou não, uns ou outros, na área diplomática, houve um crescimento que parece mal ignorar. Houve um crescimento que deve ser destacado.

quarta-feira, agosto 17, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Agosto 14, 2005

antes e depois

Luís David


uma oportunidade perdida


As nossas cidades e, talvez, de forma mais gritante a capital do país, estão a ser, progressivamente, desapossadas de espaços públicos. Espaços públicos destinados ao lazer, ao convívio, ao desporto. Numa cidade com cerca de dois milhões de habitantes, pergunte-se, faça-se um inquérito para saber quantos jovens praticam desporto. Serão, certamente, poucos. Muito poucos. Sabemos todos, sentimos alguns, que em bairros onde era hábito, em dias de descanso semanal, haver espaços onde jovens e menos jovens se entregavam á prática desportiva, esses espaços desapareceram. Desapareceram como espaços de utilização comunitária. Como espaços de confraternização desportiva entre vizinhos de um mesmo bairro, entre gentes de diferentes bairros. Dizer que não há apoio, menos ainda incentivo à prática desportiva, parece elementar. Pergunte-se quantos alunos praticam desporto nas suas escolas e quantas escolas têm competições entre si. Muito provavelmente, a resposta será desoladora. Pergunte-se quantos trabalhadores praticam actividades desportivas, regulares, a nível de suas empresas. Pergunte-se quantas empresas têm uma secção desportiva organizada e a nível de que modalidades. Parece podermos concluir, para já, que não existe qualquer política desportiva. Que não existe qualquer política de massificação do desporto. Que não existem ideias, menos ainda planos, para motivar os jovens moçambicanos para a actividade desportiva. Em diferentes modalidades.


No charco de águas podres, no pântano em que mergulhou, há muitos anos, e parece continuar mergulhado, o desporto nacional, o torneio de futebol juvenil BEBEC bem pode ser considerado excepção. Uma excepção em vias de se expandir para outras cidades do país. Como nota positiva, de intercâmbio e de confraternização entre jovens desportistas de todo o país, apontemos, também, a realização dos Jogos Desportivos Escolares. Que acontecem, como todos sabemos, de dois em dois em dois anos. Questionemos, tenhamos a coragem de questionar, os jovens que participam nesses jogos nacionais, sobre o tipo de desporto que praticam no intervalo dos Jogos. E com que frequência o praticam. A resposta, a resposta, poderá ser bem desoladora. Digamos, mesmo, comprometedora para quem dirige o desporto nacional. Depois, fácil pode ser concluir que se não temos massificação, menos ainda competição interna, pouca ou nenhuma possibilidades temos de competir no plano regional e internacional. Que difícil será fazer içar a Bandeira de Moçambique, por onde haja competição de atletismo, quando Mutola decidir abandonar as pistas. Queiramos ou não, somos, continuamos a ser, demasiado ingratos. Mas, mais do que ingratos, mesquinhos. Talvez altistas. Muito de certeza, sem visão de futuro. Pois, e esta é a realidade pública, por não querermos despender uns poucos milhares de dólares, para permitir um estágio da selecção nacional de hóquei em patins em país estrangeiro, podemos ter comprometido a permanência de Moçambique entre os maiores do hóquei mundial. É facto que, quem pode manda. Embora possa mandar mal. E, se mandou mal, se decidiu mal terá, no mínimo, de arcar com a responsabilidade moral de Moçambique não continuar no grupo dos maiores do hóquei mundial. Temos de saber aproveitar as oportunidades que se nos apresentam. E, esta, foi uma oportunidade perdida.

quarta-feira, agosto 10, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Agosto 7, 2005


antes e depois

Luís David


trabalho não significa emprego


A maioria dos distritos da província de Maputo e do sul de Gaza são, essencialmente, agrícolas. Ou, melhor dizendo, agro-pecuários. Todos o sabemos, durante décadas abasteceram as populações dos principais centros urbanos do sul do país. Excepto, talvez, em batata reno. Depois, veio a guerra.. Já durante a guerra, em anos distantes mas, também recentes, o Chókwé continuava a produzir significativas quantidades de tomate. E de outros produtos agrícolas. Que eram escoados, que chegavam a Maputo, escoltados por blindados militares. Certamente, com elevados custos financeiros. Depois, terá havido uma viragem, uma abertura, ou uma necessidade de, aos países vizinhos, donde passou a ser importado tudo e nada. Até do que produzíamos internamente e corria o risco de apodrecer nos campos de produção.


O conflito de interesses que estalou, recentemente, entre pequenos e grandes produtores de tomate da zona do Limpopo e importadores informais, veio trazer à superfície um problema a que o Governo, desde há muito, vinha fechando os olhos. Vinha ignorando. E que é o da necessidade, e da obrigação que tem, de proteger os produtores nacionais. Principalmente, os chamados pequenos produtores. É que, não faz qualquer sentido continuar a permitir a importação de um vasto conjunto de produtos que são produzidos internamente em significativas quantidades. Mas que, na maioria dos casos, não encontram escoamento dos locais de produção para os de consumo. E, aqui, para além do tomate, podem mencionar-se a manga, a papaia, o abacaxi, a banana, a pêra abacate, o limão, a tangerina, o pimento, a mandioca, a batata doce, o mel, a galinha, o cabrito e, em certa medida o bovino. O que faz sentido, o que parece fazer sentido, é incentivar a produção deste, e de outros produtos nacionais e criar condições para a sua comercialização. Mais do que isso, criar condições para o seu aproveitamento integral, para a sua conservação e transformação. Localmente. E, transformar em compotas, em doces, em sumos, em concentrados. Com o recurso a indústrias caseiras, familiares, semi- industriais. A pobreza combate-se através do trabalho. Não com o recurso a importações desnecessárias. Combater a pobreza passa, sobretudo, pelo apoio e o incentivo ao trabalho. Tendo, sempre, presente que trabalho não significa emprego.