quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 5 de Fevereiro, 2006


antes e depois

Luís David


discussão fútil e inútil

Acabámos de comemorar o 3 de Fevereiro. Dia dos Heróis. Dia dos Heróis Moçambicanos. Diz-nos a História, nossa e dos povos, que a definição de herói aparece sempre ligada ao passado. Que herói só é herói quando está, porque está morto. O nosso conceito de herói é ,na sua essência, um conceito vitimista. Fatalista. E, a razão, o motivo de assim ser, parece simples de explicar. É que temos, todos nós, um medo terrível, um medo fóbico, de apontar como herói um vivo. Pela razão primária e primeira de que ao elegermos um vivo como herói ele nos venha dizer, ele nos possa vir dizer que não é um modelo de virtudes, que não reúne as virtude que, nós outros, pensamos ser necessárias reunir para se ser classificado como herói. Ora, é este medo, esta cobardia nossa, pessoal e colectiva, que nos leva, nos motiva e nos obriga a só eleger como heróis pessoas mortas. De facto, os mortos não podem defender-se. Não podem vir dizer-nos que não foram, exactamente, aquilo que nós pensamos que foram. Mas, sim, que foram homens com defeitos e com virtudes. Naturalmente, muitas. E que, tendo vivido num determinado tempo, histórico, souberam tirar proveito de circunstâncias particulares, ocasionais ou de momento, para se distinguirem, para serem diferentes dos seus pares. De outros seus semelhantes ou seus iguais.


Aqui, como em qualquer outro país do mundo, não é mais difícil nem mais fácil definir quem deva ser considerado herói nacional. É igual. O que temos de perceber é, entre nós, que uma comissão ou um Ministro da Educação e Cultura, por mais educado e culto que possa ser, não tem legitimidade para apresentar proposta nenhuma sobre o conceito de Herói Moçambicano. O conceito de herói é, convenhamos, um conceito mítico. Os povos, todos os povos, necessitam de criar e de alimentar os seus mitos. E, depois de criarem os seus mitos, necessitam de os ritualizar. É o rito que alimenta e perpetua o mito. E, em sociedades como a nossa, em sociedades como a moçambicana, de forte pendor rural, o mito funciona como elemento de equilíbrio e de estabilização entre as sociedades dos vivos e dos mortos. Entre o viver dos vivos e o estar dos mortos. Herói não pode, pois, ser definido por decreto. Herói é, pura e simplesmente, exemplo. E, mesmo que forçosamente, tem de ser símbolo de unidade. A Nação que queremos e desejamos ser, não se revê nem se reencontra neste tipo de discussões de comissários. A democracia, em si própria, pode não ser um dado adquirido ou irreversível. Mas, temos, hoje, um grupo de anciãos, um grupo de conselheiros, agrupados no Conselho de Estado, que pode, com toda a legitimidade, dizer-nos, caso a caso, quem deve ser considerado Herói Nacional. O resto, tudo o resto, pode não passar de simples manobra de distracção. Ou de discussão fútil e inútil.