domingo, março 22, 2009

Ultrapassar a vontade e os interesses da hierarquia castrense

A lista seria, necessariamente, longa. Digamos, mesmo, fastidiosa. A lista a que me refiro, clarifico desde já, é a lista dos golpes de Estado. E dos assassinatos políticos. Em África. Desde a data em que os territórios até então dominados pelas, então, potências coloniais europeias, passaram a ser governados por elites nacionais. Sob qual tenha sido a forma de governação escolhida. Para o caso em apreço, para o caso que importa agora, há duas situações. As mais recentes. Que podendo parecer diferentes são, exemplarmente, iguais. A primeira situação, foi a registada na Guiné-Bissau. Onde o Presidente da República foi assassinado por militares. Barbaramente assassinado. E, clarifique-se, esta declaração não contém qualquer juízo de valor. É independente de o Presidente poder ter sido bom ou mau governante. A segunda situação, registou-se aqui bem mais perto de nós. Em termos geográficos. Foi em Madagáscar. Onde não terá havido mortos. Onde não terá havido derramamento de sangue. Mas onde os militares terão forçado o Presidente a dissolver o Governo e a abandonar o poder. E a entregar-lhes a si, militares, o poder. Em ambos os casos, parece estarmos perante um tipo de democracia que não deve vir a fazer escola. Que não deve vir a constar, futuramente, em manuais e compêndios escolares. Por ser uma democracia que assenta na ponta das espingardas. Por ser a negação da democracia.


Na Guiné-Bissau, aconteceu logo após o assassinato do Presidente da República. Militares de elevada patente apareceram perante as câmaras de televisões. A dizer que o sucedido não era, exactamente, o que parecia ter sucedido. Que sim, que o Presidente da República tinha sido assassinado por militares. Mas que os militares não queriam tomar o poder. Não explicaram o que queriam os militares que assassinaram o Presidente. Muito menos quem foram ou a mando de quem actuarem. De abertura de inquérito, sequer vale a pena falar. Disseram, isso sim, sem terem conseguido explicar ou justificar, que não tinha sido golpe de Estado. Terão dito, segundo relatos da Imprensa, que não queriam o poder. E, a teoria dos militares guineenses parece ter encontrado seguidores. Mesmo para além do minúsculo e ingovernável Estado africano do Atlântico. Europeus houve, ao que se ouviu, que terão apadrinhado a tese. E que terão gasto precioso tempo a tentar justificar, sem glória nem virtude, que quando se assassina um Presidente de República não estamos perante um golpe de Estado. Eis quando, em Madagáscar, também os militares, também militares, decidem pressionar um Presidente eleito. A abandonar o poder. E decidem, como parece terem decido, fazer sentar na sua cadeira um outro cidadão. Não eleito. Mas que parece ser da sua simpatia. Não gostaria de estar, e não estou, ao lado daqueles que irão ter muita dificuldade para justificar a legitimidade da mudança de poder na Guiné-Bissau e em Madagáscar. Os contornos ou as motivações que levaram os militares a tomarem o poder podem ser diferentes. Agora, o que é visível é que em ambos os países foram militares que tomaram o poder. Se se tratou de golpe de Estado, de golpe palaciano ou de putche, a resposta virá com o tempo. De concreto, estamos a saber que há descontentamento entre os comandos militares africanos. Mas, a democracia tem se saber ultrapassar a hierarquia castrense. Ultrapassar a vontade e os interesses da hierarquia castrense.