domingo, junho 26, 2011

É tempo de separar as águas



É líquido, é pacífico, que estando diversas pessoas a analisar um mesmo assunto, um mesmo tema, não se entenderem. Que cada qual tenha entendimento diferente das outras. Que não cheguem a consenso nem a entendimento comum. Embora todas utilizando a mesma língua. Utilizando as mesmas palavras e expressões. É assim que, quando falamos de trabalho infantil em Moçambique, estamos a falar todos da mesma coisa. Que podemos questionar se no nosso país há ou não trabalho infantil. Para que não fiquem dúvidas, e no que respeita ao que é visível, enquadro-me no grupo dos que dizem que não. Entendendo trabalho infantil como um trabalho devidamente organizado e estruturado. Como um trabalho em que crianças são contratadas por um patrão. Sujeitas a um horário de trabalho mediante o pagamento de um salário. Muito inferior ao que seria pago a um adulto para efectuar o mesmo trabalho. Sujeitas a um processo de exploração em relação ao qual não têm qualquer hipótese de se defender. Nem conhecimentos para o poderem fazer. Trabalho infantil não é, por conseguinte, o trabalho realizado, voluntariamente, por essas crianças que, aqui e além, se oferecem para prestar pequenos serviços. Para transportar pequenos volumes, em curtas distâncias e por curto espaço de tempos. A troco de uma moeda com que irão, posteriormente, comprar o caderno escolar, o lápis ou a esferográfica. Aos olhos de muitos estrangeiros, as coisas não são vistas desta forma. Para eles e para elas, trata-se de trabalho infantil. Não dizem esses e essas arrivistas, para quem trabalham e quem explora estas crianças. Muito menos, que estas crianças sendo vítimas da sua própria pobreza são, também, a razão de ser dos relatórios que lhes mandaram fazer. A maioria das vezes relatórios falsos. A troco de muitos milhares de dólares norte-americanos. Se assim não for, se assim não continuar a ser, estes falsos humanitaristas, estes falsos samaritanos, só ficam com uma solução. A de regressarem aos seus países de origem na condição de desempregados. E com tempo suficiente para meditarem. E para pensarem sobre a forma paternalista como olham as crianças africanas. O Homem africano, no geral. Para perceberam, definitivamente, de uma vez para sempre, que esse paternalismo, de que fazem bandeira, não passa de racismo primário.



Trabalho infantil na Índia, na China, na Europa, não pode ser visto nem definido como aquilo que definem ser trabalho infantil em Moçambique. De resto e de uma forma geral, de uma forma global, a luta contra o trabalho infantil não visa fins humanitários. Muito menos altruístas e muito menos preocupação com os direitos da criança. Visa, isso sim, proteger determinados interesses económicos. Visa evitar que os pobres, por todas as maneiras ao seu alcance, passem a ser menos pobres. Através do trabalho. Até porque, todos o sabem, embora alguns tenham dificuldades em o reconhecer, só o trabalho gera riqueza. Neste contexto, nesta necessidade de contribuir para a definição moçambicana do que deve ser entendido como trabalho infantil, terá andado bem a Ministra do Trabalho. Terá dito Helena Taipo, durante uma reunião da OIT, realizada em Genebra, segundo o jornal “Notícias” (edição do passado dia 21, página 5), que “apesar dos desafios que o trabalho infantil representa no mercado do trabalho moçambicano, o país sempre defendeu uma intervenção coordenada e ajustada à realidade local sobre a matéria, pois o trabalho em famílias africanas é um assunto histórico - tradicional, porque e começa desde criança”. E, para que não restem dúvidas, referiu, noutra passagem: “(...) a criança nas famílias africanas é sujeita a um leque de práticas socioculturais, incluindo de natureza laboral, partindo da perspectiva de que é com o trabalho que se integra a criança na vida de adulto e a prepara para o futuro.”. Quem assim se expressa está, de facto, a usar uma linguagem que todos nós, cá por casa, entendemos. E a dizer que é tempo de separar as águas.