domingo, novembro 20, 2011

O gás da nossa amargura

Temos vindo a assistir, com repetida frequência, à divulgação de novas descobertas de carvão e de gás natural. Em território moçambicano. E, consequentemente, de novos e vultosos investimentos na exploração dos referidos recursos. Sobre a exploração de gás natural, o jornal “Notícias”, na sua edição do passado dia 15 (página 8), titulava: “ENI anuncia 50 mil milhões de dólares para Rovuma”. E logo a seguir escrevia: “O grupo italiano ENI vai investir 5 mil milhões de dólares no desenvolvimento das reservas de gás natural descobertas em Moçambique visando a exportação para os mercados asiáticos. [...] A ENI anunciou recentemente a descoberta de reservas com mais de 22,5 biliões de pás cúbicos de gás natural em Moçambique, na bacia do Rovuma.”. Convenhamos que 50 biliões de dólares são algo incontáveis em termos físicos. Que é um montante demasiado elevado. Mais acrescenta a local que “(...) está a ser ponderada a construção de diversas unidades de liquefacção do gás natural, que se destina a ser vendido na Ásia.”. Sem dúvida, o que parece estar a dar é vender para a Ásia. Quer se trate de carvão ou de gás. Ou, se assim se preferir, de responder às necessidades de desenvolvimento dos países daquela região do Globo. O que nada tem de mau, o que até tem tudo de bom. Desde que estejam devidamente acautelados os interesses nacionais. O que não é completamente pacífico que esteja a acontecer. Pode, até, admitir-se que já estejamos a pagar pelo crescimento de outros.



Na sua edição do mesmo dia, o referido matutino titulava na página 1: “Gás de cozinha começa a chegar”. Uma boa notícia após um longo período de penoso calvário. De impossibilidade de adquirir o referido produto. Mas, logo a seguir contrariada. Negada. Segundo o que nos foi dado ler, “A IMOPETRO retomou ontem a importação das primeiras quantidades de gás de petróleo liquefeito (GPL), vulgarmente conhecido por gás de cozinha. Mesmo assim – e é aqui que começa a desilusão de todos nós – não se espera que o mercado esteja suficientemente abastecido de imediato, porque se tratou de uma ruptura de ‘stocks’ prolongada que vai exigir algum tempo a sanar”. Numa aparente tentativa de atenuar a nossa desilusão, a notícia termina assim: Para além do produto importado das refinarias sul-africanas, a IMOPETRO espera que até ao próximo dia 24 comece a chegar GPL, descarregado a partir de Port Elizabeth, que leva cerca de dez dias a ser transportado até Maputo. Afinal, tudo parece indiciar tratar-se de má notícia. E não de boa. De resto, tentar perceber o país em que vivemos também se apresenta como pouco fácil. Deixando de lado esta já longa e fastidiosa novela da falta de gás doméstico, do gás que vem e que depois talvez venha, existem questões de fundo. Uma, e que parece primária, é a de saber os motivos pelos quais o nosso gás beneficia outros e não nos beneficia a nós, Os motivos pelos quais quando o nosso gás é exportado a história acaba. Não são acautelados os interesses nacionais. A segunda questão, e que pode parecer não menos perversa, é a de saber que motivos ou que interesses impedem que o gás de Pande possa ser transformado em gás doméstico. De resto, com tanta incongruência e com tanta falta de coordenação das políticas sectoriais, esperemos que essa vontade de aumentar o número de viaturas movidas a gás seja mais do que isso. Seja mais do que um desejo. Até, falar de gás, é estar perante o gás da nossa amargura.