terça-feira, setembro 07, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 5 de Setembro, 2004


antes e depois

Luís David


um exercício inútil


Parece estarem a registar-se, nos últimos tempos, múltiplas tentativas de rever e de branquear a história recente de Moçambique. Recente, de umas poucas de décadas. De há três/quatro décadas, que o conhecimento e a memória de muitos de conserva vivos factos e acontecimentos. Ora, se esse rever é, sem si próprio, um exercício positivo por poder trazer a público factos novos ou uma interpretação diferentes de factos antigos, o mesmo não é possível dizer do branquear. E, o que estamos a assistir, hoje, é a sucessivas tentativas de branquear a história recente. A tentativas para tentar demonstrar que o colonialismo não foi tão mau como alguns pretendem dizer que tenha sido. Ou, e parece ser esta questão de fundo, que o colonialismo português não foi tão mau como outros colonialismos. Ora, muito claramente, não existiram sistemas de colonização bons e maus. Na sua essência, e pelos objectivos que perseguiam, todos os sistemas de colonização foram maus em si próprios. Isto, obviamente, do ponto de vista do colonizado. A quem pouco importava se a bandeira que tinha de respeitar era inglesa ou francesa, espanhola ou portuguesa, italiana ou alemã. O trabalho forçado, a palmatória, a escravatura foram, durante décadas, processos comuns. Digamos, então e para que fique claro em certas cabeças, que o colonialismo em momento algum foi melhor de que outros. Pelo contrário. Poderá ter sido bem pior, a partir do momento em que passou a reprimir, através da PIDE e da PIDE/DGS, toda e qualquer tentativa de independência. Em que começou a matar, a massacrar e a assassinar. Em Moçambique, como em Angola, como na Guiné-Bissau. E, contra factos não existem argumentos.


Há, por aí, quem nos esteja a tentar convencer que a construção da Barragem de Cahora Bassa foi uma coisa muito boa para Moçambique, para os moçambicanos. E, seguindo esta linha de pensamento, que devemos estar, todos nós, agradecidos ao colonialismo. Que devemos pagar dívidas, que devemos pagar as mordomias de gestores. Que devemos, inclusive, pagar os custos resultantes da destruição das torres de transporte de energia para a África do Sul. Só que, Cahora Bassa não era isto, nunca foi isto, que, hoje, nos tentam fazer acreditar que foi. Cahora Bassa tinha e teve, fundamentalmente, objectivos de estratégia militar. A Barragem de Cahora Bassa não foi construída na perspectiva de trazer quaisquer benefícios ou melhoria nas condições de vida dos moçambicanos. A este propósito e para dissipar dúvidas, se é que ainda existem, creio ser importante transcrever o que escreveu Dalila Cabrita Mateus na sua tese de doutoramento. O livro, tem como título “A PIDE/DGS na guerra colonial -1961-1974”. E diz, na página 362: Em princípios de 1971, Ian Smith, acompanhado pelos chefes dos serviços de informações militares e por um intérpetre, visitou Moçambique para conversações com o General Kaúlza de Arriaga, então no quartel-general de Nampula. Kaúlza vangloriou-se dos êxitos do Exército Português durante a Operação Nó Górdio, a maior operação já realizada contra a FRELIMO. Falou dos planos para o vale do Zambeze, onde se previa a fixação de um milhão de colonos vindos da Metrópole. E afirmou que a Barragem de Cahora Bassa, uma vez construída, seria uma barreira intransponível para os guerrilheiros que tentavam penetrar no distrito de Tete, através do Zambeze. Concluindo: Rever a história é um exercício útil. Pedagógico e didáctico. Tentar mentir sobre a história é um exercício inútil.