sábado, fevereiro 18, 2006

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Fevereiro 19, 2005


antes e depois

Luís David


O problema inicial será de mais difícil solução


Está o país dotado de um vasto conjunto de leis, na maioria dos casos recentes. Que têm como finalidade regular as relações entre cidadãos ou entre os cidadãos e diferentes instituições. Convenhamos, desde já que grande parte, ou parte significativa da legislação existente, não é aplicada. Talvez, melhor dizendo, não é cumprida. Ou, quando o é, é apenas parcialmente. Os motivos, obviamente, podem ser vários. E, serão. O primeiro, pode estar no seu desajustamento em relação à realidade. O segundo, entre vários outros, na falta de poder ou de mecanismos para a fazer cumprir. E, aqui, convém esclarecer que quando falamos em falta de poder, estamos a querer dizer falta de vontade política. Ou, em última análise, que há um completo desajuste, que há um completo desencontro, entre o desejo e a vontade de quem legislou e o desejo e vontade de quem por dever fazer aplicar a fazer cumprir o que está legislado Exemplos, se os quisermos, não faltam. E, recentes. Um, está na não aplicação, por parte do Estado e, logo, no não cumprimento do Regulamento do Regime Jurídico do Condomínio. Outro, está na legislação que limita o acesso de menores a locais de diversão nocturnal. Bem entendido, o que se apresenta como válido a nível nacional, não deixa de o ser a nível municipal. Salvaguardando, como é claro, as devidas proporções.


Depois de longo período de paragem, o Conselho Municipal da Cidade de Maputo retomou a “Operação Espelho”. Pretende fazer retirar de diferentes artérias vendedoras e vendedores, que ocupam espaços públicos com os seus negócios. Mais, pretende que essas vendedoras e vendedores passem a fazer os seus negócios em bancas de mercados. Partamos, desde já, do princípio que o objectivo em si, que o objectivo a atingir é, a todos os títulos, louvável. Tenhamos, no entanto, em conta que se trata de um objectivo impossível de atingir a curto prazo e, mesmo, de duvidoso êxito a médio e a longo prazos. Face à sua complexidade, mas não só nem principalmente. Face, se quisermos, a toda uma envolvente social, cultural e económica. A questão de fundo é, pelo menos parece ser, que nem todos os funcionários e agentes municipais, aos mais diversos níveis, comungam ou partilham do mesmo sentimento, da mesma vontade. Que nem todos estão convictos ou convencidos sobre a necessidade de executar esta “Operação Espelho” nos moldes e na forma que é suposto que tenha continuidade. A este propósito, não deixa de ser curiosa a intervenção de um deputado da Assembleia Municipal (“Notícias”, de 17.02.06), quando afirma que os administradores dos distritos municipais não podem continuar alheios a esta operação. Para este deputado, os administradores devem responder pela “Operação Espelho” nas suas áreas de jurisdição. Ressalta daqui, ressalta das palavras do deputado, que terá havido falta de algum trabalho interno, de um profundo trabalho de sensibilização e de integração dos administradores distritais. Ou, em terreno oposto, que os administradores distritais não concordem com a “Operação Espelho”. Se assim, ela terá pouco ou nenhum sucesso. E, mesmo quando possa integrar uma componente repressiva, não será mais do que uma forma para desgastar energias, criar tensões e desviar a atenção de outros problemas. A situação, em si, que se pretende combater, irá continuar. Pior, o problema inicial será de mais difícil solução.
Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Fevereiro 12, 2005

antes e depois

Luís David


Outra Vez?

Começa a ser frequente encontrar, em alguns jornais nacionais, títulos e artigos que, por vezes, chocam. Títulos que podem ter nada a ver com o conteúdo da notícia. Notícias e comentários que mais parecem insultos primários. Ofensivos e atentatórios à dignidade dos visados. Como seres humanos, como cidadãos. Digamos que a ética e a deontologia nem sempre são observadas. Que deixaram, ou tendem a deixar, de ser património do presente, que pertencem ao passado. Com a agravante de que, agora, até permitimos que qualquer estrangeiro nos insulte a partir da sua terra. Que um burocrata da ASDI em Estocolmo, como o próprio se classifica, nos brinde com uma página de generalidades e de banalidades, escrita no bom, e ao que parece ainda não desaparecido, estilo eurocentrista. Muito embora, temos de lhe reconhecer essa virtude, a determinado passo tenha a franqueza de afirmar: Acho incontestável que a comunidade doadora também teve um papel no desenvolvimento da corrupção em Moçambique. Infelizmente não há muita vontade da parte dos doadores em discutir essa cumplicidade. Ora, como autor também nos diz, um dos doadores de Moçambique é a Suécia, através da ASDI. Afinal, tudo claro como água.

O artigo em questão vem publicado na última edição do jornal “ Savana”. Ao longo de uma página, o autor defende a sua “dama” e a sua concepção de cooperação. Como ele gostaria que fosse feita a cooperação com Moçambique. E, como já vimos, aproveita o espaço para enviar alguns recados para o interior do seu país. Talvez para o seu Governo. Talvez por este não se ter apercebido que Está bem patente que isso (a origem dos fundos) é um aspecto que muito manda-chuvas moçambicanos que roubam dinheiro da ajuda não estão cientes. O dinheiro da ajuda não cai do céu. Vem das carteiras dos trabalhadores e funcionários bem intencionados (...). Ora, até aqui estamos todos de acordo. Como de acordo estamos quando afirma que Não há dúvida nenhuma que a corrupção é um problema muito sério em Moçambique. Mas, já não estamos de acordo quando afirma que Muitos suecos que trabalharam em Moçambique nos anos 80 desconfiam do presidente Guebuza. È que, muitos parece demasiado vago. Muitos, tanto pode significar 10, 50, 500 como mil ou 10 mil. Aqui, de todo em todo, seria necessário quantificar. Na mesma linha populista e demagógica, o autor ainda nos brinda com este brilhante naco de prosa: Alguns compatriotas fazem um comentário sobre Guebuza e a corrupção: “Ele é o mais corrupto de todos. Como é que ele pode lutar contra a corrupção?”. A conclusão seria brilhante, não fosse o vago alguns. Forma primária mas ultrapassada de tentar fazer agitação. Ou pior do que isso, ausência de ética e falta de imaginação para alinhar meia dúzia de linhas coerentes. Com dados e factos. Que, quase de certeza, até existem. Só assim faria sentido, só assim teria justificação o título Outra Vez?.

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 5 de Fevereiro, 2006


antes e depois

Luís David


discussão fútil e inútil

Acabámos de comemorar o 3 de Fevereiro. Dia dos Heróis. Dia dos Heróis Moçambicanos. Diz-nos a História, nossa e dos povos, que a definição de herói aparece sempre ligada ao passado. Que herói só é herói quando está, porque está morto. O nosso conceito de herói é ,na sua essência, um conceito vitimista. Fatalista. E, a razão, o motivo de assim ser, parece simples de explicar. É que temos, todos nós, um medo terrível, um medo fóbico, de apontar como herói um vivo. Pela razão primária e primeira de que ao elegermos um vivo como herói ele nos venha dizer, ele nos possa vir dizer que não é um modelo de virtudes, que não reúne as virtude que, nós outros, pensamos ser necessárias reunir para se ser classificado como herói. Ora, é este medo, esta cobardia nossa, pessoal e colectiva, que nos leva, nos motiva e nos obriga a só eleger como heróis pessoas mortas. De facto, os mortos não podem defender-se. Não podem vir dizer-nos que não foram, exactamente, aquilo que nós pensamos que foram. Mas, sim, que foram homens com defeitos e com virtudes. Naturalmente, muitas. E que, tendo vivido num determinado tempo, histórico, souberam tirar proveito de circunstâncias particulares, ocasionais ou de momento, para se distinguirem, para serem diferentes dos seus pares. De outros seus semelhantes ou seus iguais.


Aqui, como em qualquer outro país do mundo, não é mais difícil nem mais fácil definir quem deva ser considerado herói nacional. É igual. O que temos de perceber é, entre nós, que uma comissão ou um Ministro da Educação e Cultura, por mais educado e culto que possa ser, não tem legitimidade para apresentar proposta nenhuma sobre o conceito de Herói Moçambicano. O conceito de herói é, convenhamos, um conceito mítico. Os povos, todos os povos, necessitam de criar e de alimentar os seus mitos. E, depois de criarem os seus mitos, necessitam de os ritualizar. É o rito que alimenta e perpetua o mito. E, em sociedades como a nossa, em sociedades como a moçambicana, de forte pendor rural, o mito funciona como elemento de equilíbrio e de estabilização entre as sociedades dos vivos e dos mortos. Entre o viver dos vivos e o estar dos mortos. Herói não pode, pois, ser definido por decreto. Herói é, pura e simplesmente, exemplo. E, mesmo que forçosamente, tem de ser símbolo de unidade. A Nação que queremos e desejamos ser, não se revê nem se reencontra neste tipo de discussões de comissários. A democracia, em si própria, pode não ser um dado adquirido ou irreversível. Mas, temos, hoje, um grupo de anciãos, um grupo de conselheiros, agrupados no Conselho de Estado, que pode, com toda a legitimidade, dizer-nos, caso a caso, quem deve ser considerado Herói Nacional. O resto, tudo o resto, pode não passar de simples manobra de distracção. Ou de discussão fútil e inútil.
Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Janeiro 29, 2006

antes e depois

Luís David


não alimentemos ilusões a nós próprios


O fenómeno acidentes de viação e mortes na estrada, é universal. As causas é que podem ser várias e diferentes. Variarem de país para país. Mas, no geral, são factores a ter em conta o estado mecânico das viaturas, o estado das estradas, a perícia dos condutores e a falta de respeito pelas regras de trânsito. Mas, podem juntar-se a condição sob o efeito de drogas e de bebidas alcoólicas, o excesso de velocidade e muitas outras. Ora, não é Moçambique excepção a esta realidade. Como todos sabemos, todos os anos centenas de pessoas perdem a vida em acidentes de viação. Uma situação que urge alterar. Uma situação que só pode ser alterada com a união de esforços de todas as entidades ligadas ao controlo da circulação automóvel. Mas, talvez, não só. E que passa, inevitavelmente, e talvez em primeiro lugar, por campanhas de sensibilização dos automobilistas. Pela sua educação, como automobilistas e, em primeiro lugar, como cidadãos. Que passa pela tomada de consciência, por parte de cada um, sobre o que, obrigatoriamente, deve respeitar. E que deve começar por campanha de educação dos automobilistas. Para, depois, castigar quantos ponham em perigo a vida de terceiros.



Perante a gravidade da situação, o Governo decidiu chamar a si o enfrentar do problema. Só que sendo o problema um problema complexo, a solução não poderá deixar de ser complexa. Pode até acontecer que, sendo o problema complexo, como o é, a sua análise por um único ângulo, por um único prisma, impeça que a solução venha a ser eficaz. Digamos, mesmo, em última análise, errada. Ou que poderemos a estar a administrar analgésicos para curar uma doença que exige tratamento de choque. Ora, hoje, a grande discussão, o cerne da questão dos acidentes de viação provocados por condutores embriagados, parece ter sido desviado para as bombas de combustível que foram autorizadas a vender bebidas alcoólicas. Naturalmente, admitamos que sim, não custa conceder o benefício da dúvida, podem ser parte do problema. Mas não são o problema. O problema está, em primeiro lugar, em quem bebe e conduz. Depois, em quem faz muito pouco para que quem bebe não seja impedido de conduzir. Se há abusos nas bombas, que se punem esses abusos. Mas, sejamos muito claros. No dia em que se deixar de vender bebidas alcoólicas nas bombas de combustível, surgirá outra forma de a oferta satisfazer a procura. Por ali perto, a poucas dezenas de metros. Seja dia, seja noite. O negócio não irá acabar. Vai, isso sim, apenas mudar de mãos, mudar de dono. E, se não for muito imaginativo assim pensar, qualquer bombeiro prestável não irá recusar servir de intermediário na compra de bebidas para um cliente de combustível. Até poderá montar negócio próprio e criar suplemento salarial com um simples colmam. Aconteça ou não aconteça assim, o que não podemos é pensar, criar a ilusão, que o problema das mortes na estrada será resolvido ou atenuado com esta interdição. Porque não está. Então, não alimentemos ilusões a nós próprios.
Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Janeiro 22, 2006

antes e depois

Luís David


Nada mais que a intenção


A ideia é boa. Pode não ser nova, não ser inédita. Mas, é boa. Também não interessa, neste caso concreto, saber donde partir a iniciativa. Diga-se, apenas, que o projecto “Jovem no Distrito” é uma iniciativa louvável. Que os objectivos que se propõe atingir são meritórios. Daí, certamente, o facto de ter motivado o interesse e a adesão de duas centenas e meia de estudantes universitários. De estudantes universitários que pretendem passar cerca de trinta dias das sua férias escolares em diferentes distritos do norte do país. Afinal, uma forma de ensinar e de contribuir para reduzir carências de conhecimentos onde elas são mais gritantes. Mas, também, de aprender, de tomar contacto com o país real. De conhecer o outro e o diferente. De aprender a vencer dificuldades. Lá, onde existem e muitas serão. Para tanto, para saberem ao que iam, para lhes dar a conhecer as realidades e as dificuldades do distrito, foi organizado um seminário. Que encerrou com discurso, elogioso, do titular da pasta da Educação. Assim como que em jeito de benção pela atitude, pelo gesto. De terem sabido assumir responsabilidade como jovens. Mas, também, por quererem compartilhar a sua responsabilidade na melhoria das condições de vida dos cidadãos.



Naturalmente, a nossa realidade não é feita apenas de boas notícias. Também é feita de más notícias. E, a má notícia surgiu logo no dia imediato (Notícias, 19.01.2006, pag. 6). Tinha como título: Garantida ida de apenas 12 dos 80 jovens previstos, para os distritos. O motivo, como é possível de adivinhar, reside na falta de fundos para a compra de passagens. Ora, ao que parece, dos 250 voluntários, dos 250 jovens que se ofereceram, que acreditaram no projecto “Jovem no Distrito”, estava previsto fazer deslocar apenas 80. Sendo assim ou não, terão sido 250 os estudantes que participaram no seminário de capacitação. E, terão sido 250 os estudantes para quem o Ministro da Educação e Cultura falou. A quem elogiou. Não se compreende, custa a entender como é possível mobilizar e criar expectativas a tão elevado número de universitários sem estarem criadas as necessárias condições para a sua deslocação. Como não de compreende, custa a entender como é possível levar um Ministro a falar para jovens que acreditaram no projecto “Jovens no Distrito”. Um projecto que, afinal, não existe. Um projecto que nunca terá existido. Ou, acaso tenha existido, não era, como nos tempos correntes se diz, um projecto sustentável. O mais provável é que tenha existido projecto nenhum. Ou que possa ter sido, apenas, uma forma matreira e ardilosa para tentar dizer ao chefe que estamos a trabalhar. Não. Não é por este caminho que vamos chegar a parte alguma. A ideia é boa, mas ficou pela intenção. Nada mais que a intenção.