domingo, junho 26, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Junho 26, 2005

Antes e depois

Luís david

A hipocrisia é uma arma e um truque barato dos imbecis

Moçambique comemorou, ontem, trinta anos como país independente. Há trinta anos, com a independência de Moçambique passava a existir mais um país no seio das nações. Nesse dia, foi feita a despedida de uma bandeira e o içar de uma outra. Nova e diferente. Um momento histórico e sem repetição da história de um povo. Daí, as lágrimas do choro da alegria. As lágrimas ampliadas pela chuva que fez questão de cair. Que caiu, copiosamente, nessa noite, no Estádio da Machava. E, depois, os tiros. Os tiros, as rajadas das armas libertadoras, disparados para o ar. Como afirmação da vitória. Tiros de alegria. Como de alegria eram as expressões faciais de um povo libertado. De um povo liberto. Os abraços e os risos, os sorrisos, eram, afinal o culminar de um sonho lindo. Bonito. Primeiro, de uns poucos. Depois, de muitos. Por fim, de todos. África e o mundo contavam, a partir de 25 de Junho de 1975, com mais uma nação. Portugal, perdia a sua segunda colónia. Depois da independência unilateral, reconhecida pelas Nações Unidas, da Guiné-Bissau. Seria o fim, a derrocada, do Império Colonial Português, com a posterior independência de Angola.


Vista há distância de trinta anos, a independência de Moçambique é um acto inquestionável. E é, constitui, até ao momento presente, a festa maior do povo moçambicano. Vista numa perspectiva de unicidade. Naturalmente, pode e deve questionar-se o que foi e o que não foi feito em trinta anos. Como pode levantar-se a questão de saber pela qual o que foi feito de uma determinada maneira não foi feito de maneira diferente. Questione-se o Governo. Pelo que fez e como fez. Também, pelo que não fez. Mas, tenhamos presente que, o Estado que somos e a nação que estamos a construir, são realidades objectivas para além do pensamento de certas mentes deformadas. De cá e de lá. E, neste contexto, a questão parece simples. É que quando se critica, quando se insinua que Moçambique fez pouco, que poderia ter feito mais em trinta anos de independência, devemos colocar alguns termos de referência. Ora, Portugal, segundo a história, tornou-se independente em 1143. Séculos mais tarde, por motivos que aqui não importa referir, passou a ser domínio de Espanha. Passados sessenta anos, libertou-se do domínio espanhol. Definitivamente. E, caminhou, depois, num sentido mais universal. De acordo com o pensamento e o conhecimento da época. A queda da Monarquia, é sucedida por muitos governos provisórios. E, quando Salazar chega ao poder, na década de trinta, Portugal era um país rural e endividado. Sendo que o ditador equilibrou as finanças públicas, não modernizou o país. Mais de vinte anos depois do seu consulado, água potável era bem raro, energia eléctrica era luxo de minorias. Predominavam a vela de cera e o petróleo de iluminação. Também a lenha e o carvão, como combustíveis, para ter alimentos quentes. Pode, de facto, Moçambique ter feito pouco em benefícios das populações, nestes trinta anos de independência. Mas, fez o que lhe foi permitido fazer. Fez o que lhe deixaram fazer. E, terá feito pouco aos olhos de estrangeiros fazendo, em três décadas, o que os colonialistas não fizeram em séculos. De dominação e de exploração. A hipocrisia não passa de um truque barato da política. A hipocrisia não mata a fome nem ajuda o desenvolvimento. A hipocrisia é uma arma e um truque barato dos imbecis.

domingo, junho 19, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Junho 19, 2005

Antes e depois

Luís david


é perigoso brincar com a história

Desde há alguns anos, vários historiadores e investigadores, consagrados, publicaram versões diferentes da história que era suposto ser a verdadeira. Vaclav Ravel escreveu a “Arena”, obra que bem poderá ser considerada como pioneira e de referência sobre a matéria e em que, fundamentalmente, faz uma comparação entre os crimes cometidos por Hitler e por Estaline. E, na sua versão, que encontra suporte em estudos posteriores, Estaline mandou matar muitos mais seres humanos do que Hitler. Devendo precisar-se, desde já, que estamos a falar numa escala de milhões e que estes dois grandes criminosos da história recente são responsáveis pelo desaparecimento físico de milhões de seres humanos. Depois, continuando a falar sobre livros, também surgiu “Os Dez Maiores Monstros da História”. Mais recentemente, em Fevereiro do corrente ano foi editado, em língua portuguesa, “Anatomia do Terror”, que tem como subtítulo “Uma história do Terrorismo” . Seu autor é Andrew Sinclair e, pelo verso da contra capa, ficamos a saber que vivemos numa época de terror. (...) Que nunca houve, desde o tempo de Homero à era de Ossana Bin Laden. Logo na abertura do livro, em página ainda sem numeração, o autor cita William Blake: Dizem que este mistério nunca acabará: O sacerdote fomenta a guerra, e o soldado a paz. Estamos perante uma análise profunda sobres as causas das guerras ao longo dos séculos. Fundamentalmente, das suas causas religiosas. É assim que, logo no capítulo 2, com o título “Os textos do terror religioso”, o autor escreve: Das três religiões fundamentais do Próximo Oriente, o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo, só os Judeus fundaram Israel devido a uma forma de genocídio. Moisés afirmou que o Senhor ordenara o aniquilamento e a submissão dos habitantes originais de Cannaã numa guerra santa. E, a seguir, cita que o que foi escrito no Deuteronómio. Parece não existirem muitas dúvidas, no momento presente, que as guerras actuais, todas as guerras dos tempos recentes, são guerras religiosas. São guerras santas. São guerras provocadas, em última análise, por interpretações fundamentalistas da Bíblia, do Corão e da Tora.


A história dos movimentos de libertação africanos é, terá sido, um percurso sinuoso e sangrento. Neste contexto, não é possível excluir ou diferenciar as realidades de, fundamentalmente, Guiné-Bissau, Angola, Moçambique. Porque sendo percursos históricos não simétricos são, todos eles, todos os três, percursos semelhantes. E, são semelhantes pela necessidade de afirmação nacionalista. Como podem não o ser pelas escolhas para essa afirmação. Do pensamento e da acção, situados no seu tempo histórico e num determinado espaço. Falamos de um Eduardo Mondlane, de um Amilcar Cabral, de um Agostinho Neto, de um Samora Machel. Sendo pouco, quase nenhuma, a investigação feita por moçambicanos nesta área, também aqui portugueses se anteciparam. Ana Cabrita publicou, pelo menos, duas obras sobre o tema. Que justificam uma leitura atenta. Enquanto nós, por cá, continuamos, ao que parece, a brincar com a história. E, temos alguma dificuldade em passar do diz-que-diz. Da intriga política de ocasião para o assumir da história. A história, todos o sabemos, não mata a fome, não enche barriga de quem tem fome. Mas, a história, quando volta a ser mal contada, ou contada numa versão que é difícil comprovar, pode alimentar ódios recalcados. Pode, sobretudo, acordar fantasmas que estavam adormecidos. Que estavam acomodados. Esta forma de tentar baralhar a história recente não passa de uma brincadeira. Mesmo quando todos sabemos, ou deveríamos saber, que é perigoso brincar com a história.

terça-feira, junho 14, 2005

Publicado em Mpauto, Moçambique no Jornal Domingo de Junho 12, 2005


Antes e depois

Luís david


Ser coerente não dói nada


Os estudos, as sondagens, as amostragens, têm o valor que têm. No fundamental, têm um valor relativo. Valem o que valem. Mas, valem sempre alguma coisa. Quanto mais não seja quando chamam, quando nos chamam a atenção para algo que não sabíamos. Para algo que não estávamos sensibilizados em saber que existia. Que era realidade. Que era quotidiano. Que era parte da nossa vida, do nosso viver, da nossa vivência. Sem mais ser necessário elaborar, um estudo recente, divulgado esta semana, sobre o consumo de drogas em quatro escolas de Maputo, trouxe a público a realidade nessas escolas. Que pode, muito bem, ser diferente e diversa da realidade do país. Da maioria das escolas do país. Mas, o que nos diz esse estudo é que, dos estudantes inquiridos, e foram mil, cerca de 60 por cento consomem drogas. Entre lícitas e ilícitas. Nas drogas lícitas, os autores do estudo incluem o tabaco e as bebidas alcoólicas. Nas ilícitas, todas as restantes, as chamadas drogas pesadas. Pois bem, pensando seguir o raciocínio dos autores do referido estudo, podemos questionar qual o motivo que impediu que fosse questionado quem consome, em excesso, por exemplo, café, coca-cola ou rebuçados. Temos de aceitar, é necessário aceitar que temos, todos nós, a maioria de nós, muitos vícios. Que somos, a maioria de nós viciados. Pela simples razão de que temos, a maioria de nós, muitos defeitos.


Para além da realidade que o estudo referido revela, para além do que não revela, há, existem, realidades outras. Que são as realidades do país real, as realidades do país que somos. E as realidades do país que somos são, em última análise, aquilo que somos. Nada existe, nada pode existir, para além nem para aquém do somos. E, o país real, o país que somos, é um país onde a cultura do tabaco é uma cultura de rendimento. Onde cultivar tabaco faz parte do combate à pobreza. Onde cultivar, manipular e exportar tabaco é permitido por lei. Mais, é incentivado. Mais ainda, a realidade, a nossa realidade quotidiana é a de um país onde o consumo de tabaco e de bebidas alcoólicas são publicitados publicamente. Ora, a questão que parece pertinente colocar, é a de saber o que impede que se elimine a publicidade a estes produtos nocivos à saúde. Muito possivelmente, o facto de serem negócios milionários. Mais do que milionários. Poderá haver quem argumente perda de receitas. Aceitemos que sim. Mas aqui, também aqui, parece possível pensar diferente. Que se crie e aplique uma taxa sobre o consumo de cigarros e de bebidas alcoólicas. Que pode constituir, sem dúvida, uma inestimável fonte de receita para órgãos de Informação que prestam serviço público. E uma alternativa às chamadas taxas. O que temos de ser, o que devemos ser é, no mínimo, coerentes. O que não podemos é permitir publicidade a marcas de cigarros e de bebidas alcoólicas e, logo a seguir, gastar dinheiro em seminários e em inquéritos para tentar demonstrar que o seu consumo trás perigo para a saúde humana. Afinal, ser coerente não custa dinheiro. Ser coerente não dói nada.
Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Junho 5, 2005

Antes e depois

Luís david


consciências pouco tranquilas

A língua que utilizamos como oficial, é uma língua viva. É uma língua em permanente evolução, em permanente mudança. É uma língua que todos os dias absorve novas palavras. É uma língua aberta à criação e à inovação dos seus falantes. Que somos, afinal, muitos milhões. Enraizados por todo o mundo. E, todos nós, cada um de nós, tem o direito de criar palavra nova. De apadrinhar ou de amadrinhar um neologismo. Ou, se assim se entender, a utilizar com significado diferente do encontrado em dicionários, palavras antigas. A escolha é livre. Depende do critério de cada um. Dizer, neste contexto, que palavra muito utilizada, nos últimos tempos, em certos órgãos de Informação, tem sido a palavra bufo. Mais recentemente, passou, até, a falar-se de bufaria. Ora, se no contexto em que a palavra bufo tem sido empregue parece significar apenas polícia secreta, em termos de calão pode ser aceite como significando delator ou denunciante. Isto, estas dúvidas, terão existido até dias muito recentes em relação a bufo. Mais ainda, repita-se, a bufaria. É que, parece, mais correcto, seria escrever bufoaria. Mas, deixemos os neologismos para quem deles gosta.



As dúvidas sobre o significado de bufo e de bufaria, parece terem começado a desaparecer. Esta semana. Finalmente. Finalmente, houve um esclarecimento. E, ficamos todos a saber que, hoje e agora, bufos não são só os polícias. Que, afinal há mais, que há por aí muito profissional que, como classe, cabe na definição de bufo. Quem o afirma é o “Zambeze”, na sua última edição, com o título “Agitação na bufaria: sem necessidade”. E, o articulista, em texto que parece pretender ser didáctico e pedagógico, também analítico e tranquilizador, para si próprio, procura ser claro: A agitação tomou conta dos bufos, classificados e entendidos aqui como sendo, na generalidade, profissionais que lidam com a informação classificada e sensível do País. ] [ Como se vem notando desde há cerca de três – quatro anos, os bufos não são apenas os gendarmes nem os dos serviços secretos.] [ Bufos, nos tempos que correm, são os investigadores que manejam informação sensível, tais como jornalistas, os próprios da secreta, os polícias, os advogados e procuradores de vários níveis. Quero acreditar que, por esquecimento ou omissão, não terá ficado ninguém de fora na lista, na definição de bufos. O que a acontecer, a ter acontecido, até poderia parecer injustiça. E, grave. Num momento em que parece começarem a revelar-se muitas consciências pouco tranquilas.