domingo, fevereiro 27, 2011

Todos somos a favor da transparência na governação

A crise dos transportes públicos urbanos, a nível das cidades de Maputo e Matola, parece ter vindo para ficar. Para se instalar. Se não definitivamente, pelo menos por longo período, por longo prazo. Perante e devido a uma gritante falta de soluções. De um plano elaborado com competência, por técnicos competentes. Por gente de e com saber. Que saiba, de facto, sobre a matéria. O que assistimos, o que temos vindo a assistir, não passa de remendos. Do recurso a paliativos. Do recurso a aspirinas para curar a doença. Ora, como todos sabemos, a aspirina se pode fazer baixar a febre ou atenuar momentaneamente a dor não cura doença nenhuma. A cura da doença, a cura de uma qualquer doença, exige terapia adequada, especializada. Em termos de transportes públicos, parece não ser isso o que está a acontecer. A solução do problema, do grave problema, parecer ter sido entregue a um estagiário. Ou, por hipótese, a um falso médico. Um entre esses tantos que, de tempos a tempos, são por aí descobertos em diferentes hospitais. Titula o jornal “Zambeze” na sua última edição (página 13), “Articulados dos TPM tecnicamente inoperacionais”. Segundo o mesmo jornal, trata-se de veículos “Recentemente adquiridos pelo Governo”. E, abre a local com a informação de que “Dois dos oito autocarros articulados comprados recentemente pelo Governo moçambicano para reforçar a frota de machim bombos da empresa Transportes Públicos de Maputo (TPM) estão tecnicamente podres”. A local cita, mais adiante, o porta-voz dos TPM a confirmar que “dos 8 autocarros recebidos dois já registarem avarias mecânicas”. E, mais adiante, que “Não sabemos se os autocarros vão aguentar ou não com as condições que as nossas estradas apresentam” Mais disse o bom do porta-voz “que estes autocarros articulados não são novos, mas são muito úteis nesta situação de carência de meios de transporte”. Podemos estar todos de acordo com o princípio. Só que a realidade mostra e prova coisa diferente. Demonstra o contrário. Demonstra, primeiro que os autocarros referidos poderiam não estar em boas condições mecânicas. Como parece ter sucedido. Segundo, não haver conhecimento sobre se os mesmos podem aguentar com as condições das nossas estradas. Quer dizer, terá sido um negócio feito com os olhos fechados. Embora utilizando dinheiros do Estado. O nosso dinheiro. Foi como se eu houvesse ido a um qualquer mercado informal comprar tomate. E, quando chegado a casa tivesse verificado que o tomate estava podre. Que tinha utilidade nenhuma. Em termos de lógica, a culpa terá sido inteiramente minha. Não do cozinhado que pretendia preparar, menos ainda do tacho ou da panela onde deveria conhecer o contacto com o lume.


É muito bem provável que os mais jovens não o recordem. Os jovens que hoje, como os de ontem, que necessitam de se fazer transportar para chegarem à sua escola. Onde, é suposto, irão adquirir conhecimento e saber. Mas manda a verdade dizer que autocarros articulados a circularem na cidade de Maputo não constitui novidade. Não é novidade. Pelas mesmas artérias, íngremes ou planas, circularam, não chaços como os actuais, mas viaturas adquiridas em primeira mão. Adquiridas directamente na fábrica. O porquê de não terem respondido às expectativas, de não terem proporcionado os resultados previstos, deveria, hoje, ser matéria de estudo. É que um estudo sério e descomplexado sobre os fracassos de outros tempos pode ajudar a evitar novos fracassos. Como os actuais. Uma outra e final questão parecem útil colocar. Importa saber em que estudos foram baseados as importações de tão variados tipos e marcas de viaturas. Para, depois, não se vir dizer, com ingenuidade infantil, ou senil, que se desconhece se podem aguentar com as condições das nossas estradas. E, talvez, também, no nosso clima. Não menos importante, fica a questão de saber se houve ou não abertura de concurso público para a aquisição das referidas oito viaturas. E das muitas outras que por aí irão vir. No final, trata-se de uma questão de simples transparência administrativa. Governativa. Dos negócios do Estado. E, como é público, como é de conhecimento público, todos nós defendemos a transparência da governação. Todos somos a favor da transparência na governação.

domingo, fevereiro 20, 2011

O mundo em que somos obrigados a viver

A malária continua a ser uma das principais causas de morte em Moçambique. O facto, só por si, justifica o amplo e aturado trabalho de prevenção e investigação. Desde há vários anos realizado no país. Este último, muito especialmente na Manhiça. Mas, ao que parece, com poucos ou fracos resultados. Com resultados pouco animadores. Ou, por hipótese não totalmente descabida, não divulgados. Publicamente. Por a sua divulgação, também por hipótese, poder colidir com interesses económicos instalados. Com interesses económicos nacionais ou de multinacionais do sector farmacêutico. E, em última instância, afectar os seus lucros. Ir contra interesses monopolistas. Tanto no controlo do saber e do conhecimento. Como no da produção e comércio dos medicamentos. Também e fundamentalmente na questão dos preços de venda. Neste campo, como em muitos outros, não precisamos de importar nada. Absolutamente nada. Temos exemplo concreto dentro de portas. Exemplo, como parece ter passado correctamente político afirmar, “Made in Mozambique”. E, neste campo, exemplo acabado é o da fábrica de anti-retrovirais. Não da sua construção e funcionamento mas da sua não existência. Qual “milagre brasileiro”. Adiado. Por hipótese, definitivamente adiado. É que, neste em múltiplos campos não basta, não é suficiente querer. É preciso poder. É preciso poder para transformar o querer em realidade. Comprovadamente, não basta, já, falar em democracia. Falar em nome do povo, dos povos. Pode estar a acontecer que o actual modelo de democracia representativa esteja esgotado. E que as actuais revoltas populares em diferentes países sejam uma via para impor, mesmo que temporariamente e de forma violenta, um modelo de democracia participativa. O recente golpe palaciano, executado pelos militares egípcios, deveria, entre nós, merecer aquilo a que alguns se habituaram a chamar “estudo de caso”. E, o caso, aqui, foi um simples “putche”.


Voltemos ao princípio, regressemos ao início. Para falar da malária, essa doença endémica tão ou mais causadora de mortes que as crescentes revoltas populares. E, aqui chegado, não resisto a recorrer a José Saramago. E a reproduzir o que o português e Prémio Nobel da Literatura em 1998, escreveu (Cadernos de Lanzarote, Diário – IV, terceira edição, página 263): “Há tempos, Manuel Patarroyo, um biólogo colombiano, descobriu uma vacina contra a malária que, infelizmente, ainda não é possível encontrar no mercado. As razões? Ele mesmo as explica: [...] ‘Sem o pretender, achei-me confrontado com os poderes económicos anglo-saxónicos. A minha vacina custa 50 escudos para adultos e 25 para crianças, mas eles pretendem vendê-la a 12.500 escudos para os turistas e a pouco mais de 3 mil para o Exército. Insinuam-me que a vacina deveria ficar limitada aos turistas, deixando-se os negros de fora. Viajam ao Quénia, em cada ano, 20 milhões de turistas, e se no bilhete de cada um se passarem a incluir 100 dólares pela vacina, os lucros ficariam garantidos’. [...] Conclui José Saramago acreditar que “esta informação será bastante útil às pessoas que dizem ter dificuldade em compreender o mundo em que vivemos...”. Não me atrevo, como se apresenta lógico, substituir as reticências do autor e avançar qualquer conclusão. Adivinhar-lhe o pensamento no exacto momento da escrita. Digamos, apenas que este é o mundo em que vivemos. O mundo em que somos obrigados a viver.

domingo, fevereiro 13, 2011

A excepção confirma a regra

Já havia feito chegar à Redacção o texto publicado na edição anterior quando li algo que me deixou estupefacto. Sob o título ‘”Chapas” sem licença não permitidos’, o “Notícias” (edição de 5 do corrente, página 3) fazia eco da afirmação do vereador do Conselho Municipal da Cidade de Maputo para a área dos Transportes. E escrevia, em título: “Uma confusão está lançada à volta dos “chapas” não licenciados ou carrinhas de caixa aberta para o transporte de passageiros face à crise de transportes em Maputo. Os motivos, desta confusão eram desvendados através do texto, que começava assim: “A Polícia Municipal diz que aqueles podem circular, mas a vereação do pelouro afirma que não são permitidos. (...) porta-voz da Polícia Municipal, reafirmou ontem ao nosso jornal a abertura de excepções para os transportadores semicolectivos de passageiros não licenciados (sublinhado meu) exercerem a actividade entre as 6 e as 9 horas e das 15 às 20 horas, alegadamente para aliviar a carência de transportes. Ainda segundo o mesmo responsável policial “Abrimos uma excepção para a circulação de viaturas sem licença dada a falta de transporte, mas todos os operadores devem cumprir com as rotas estabelecidas”. Estamos, sem sombra de dúvida, perante um pensamento e uma forma de actuação que nunca lembraram a Maquiavel. Nem a qualquer cidadão moçambicano normal que pense estar a viver num Estado de Direito. Onde as Leis e as Posturas devem ser, obrigatoriamente, cumpridas por todos. E não podem, de nenhuma forma, ser alteradas por prazer ou gosto de um qualquer agente policial. Ocasionalmente em posição de poder botar falácia. Dizer o que lhe vai na alma. Mesmo quando sendo real disparate. Utilizando o mesmo espaço noticioso, fez bem e foi claro o vereador municipal da respectiva área quando “negou categoricamente as alegações do porta-voz da Polícia Municipal, uma estrutura que se subordina à autarquia. Terá sido suficientemente claro quando “indicou que não há permissão de circulação dos “chapa” ilegais e/ou de caixa aberta para o transporte de passageiros na cidade de Maputo”. Só nada disse, e deveria tê-lo feito, sobre o destino a este insubordinado. Este confuso.


Com data do mesmo dia 5, emitiu o Conselho Municipal da Cidade de Maputo um comunicado. Assinado pelo respectivo Presidente, e publicado no referido matutino no dia 8, sob a forma de publicidade. O texto começa por informar sobre o trabalho que está a ser realizado para “melhorar as condições de transporte público de passageiros na Cidade de Maputo”. Perde-se, de seguida, em prosa laudatória e desculpabilizadora em relação aos confusos. Aos confusionistas. E acrescenta: “No entanto, para dissipar prováveis equívocos sobre as normas vigentes no Município de Maputo, informa-se que, apesar das dificuldades de transporte que se registam nas horas de ponta, nenhum transportador será permitido exercer a actividade de transporte semicolectivo de passageiros, de carga ou táxi sem a devida autorização e sem respeitar os demais princípios em vigor no Município. O Conselho Municipal de Maputo reitera que a fiscalização da actividade de transporte semicolectivo de passageiros é feita no intuito de garantir que os munícipes possam viajar em condições mínimas de segurança, respeitando os princípios legais estabelecidos na República de Moçambique e no Município de Maputo em particular.”. É, este texto, no seu todo, omisso sobre procedimentos futuros. Sobre quem ou sobre a estrutura que o motivou. Num país onde ninguém é demitido por incompetência, para não ir mais além, parece ter chegado o momento de agir. No bom sentido. Haja, para tanto, coragem. E para que possamos dizer que a excepção confirma a regra.

domingo, fevereiro 06, 2011

O Estado tem deveres para com o cidadão

De quando em quando, de quando em vez, somos tocados por uma réstia de esperança. Anima-nos uma réstia de esperança. E se e quando olhamos em frente, parece que estamos a ver luz ao fundo do túnel. Talvez, apenas, uma ténue e trémula luzinha. Que depois desaparece do nosso olhar e concluímos não existir. Nunca ter existido. Não passar, não ter passado de ilusão. De prestidigitação. De tentativa de nos confundir através de acto de magia. Mal ensaiado. Pior executado. De se tratar, apenas de exorcismos. De se tratar apenas de palavras ou de um tipo de discurso que pouco ou nada têm a ver com a realidade. E sem qualquer possibilidade ou poder para mudar, para modificar, para transformar essa realidade. A nossa vida, o nosso viver quotidiana. O nosso dia-a-dia. Foi assim sobre o abastecimento de produtos durante a última quadra festiva. No que respeita à garantia de quantidades e estabilização de preços. Em ambos os casos verificaram-se excessos. Houve demasiados produtos perecíveis. Grandes foram as quantidades que se estragaram antes de chegarem ao consumidor. A preços acima do normal. Acima do poder de compra do consumidor. E que não mais baixaram. Até Ao momento presente. Depois, tivemos uma inexplicável carência de gás doméstico. E, até hoje inexplicada. Ou, se assim se preferir, mal explicada. Não obstante, cá vamos indo. Cantando e rindo, como diz o outro. Já sem luzinha ao fundo do túnel. E perante uma nova realidade. Que é a de nos estarem a aumentar taxas e impostos. Sem sabermos que mal fizemos nós. Sem nos terem explicado o motivo de tal agravamento. Claro, acreditamos, os homenzinhos do fisco são pessoas sérias e honestas. Também, bons pais e bons chefes de família. Logo, o que nos afecta, o nosso mal, não terá partido deles. Não terá sido ideia deles.


Seria bom, seria demasiado bom, se em termos de desgraças, de coisas más fosse tudo. Mas não é. Manda a verdade, manda a realidade acrescentar a situação actual dos transportes públicos. Sobretudo na capital do país. Que estão a ir de mal a pior. Com a entrada em circulação, em grande número, das chamadas carrinhas de caixa aberta. Que oferecem condições nenhumas para o transporte de seres humanos. Mas que homens e mulheres, velhos ou não tanto são forçados a utilizar. Sob pena e risco de terem de percorrer quilómetros e mais quilómetros a pé. Para o cumprimento das suas obrigações laborais. Ou outras necessidades de deslocação. Aqui, neste campo, nesta área, começa a ser cada vez mais difícil avistar a tal luzinha ao fundo do túnel. Talvez porque ela não exista. Nunca tenha existido. Tudo o que se vê são tentativas de lançamento de balões de ensaio. Que rebentam a baixa altura. Antes de começarem a subir. Foi o que aconteceu com os barcos e com as viaturas movidas a gás. Que sequer têm onde abastecer. Posto onde abastecer. Agora, estamos perante um novo balão de ensaio. Dá pelo nome de veículos multiuso. A par de tudo isto, há o discurso demagógico sobre o combate ao encurtamento de rotas. Perante esta realidade, os operadores dos chamados “chapas” devem estar a rir-se. Quase de certeza, continuam e irão continuar a rir. E, irão continuar a rir por muito mais tempo. Por terem percebido que entre o discurso oficial, a realidade e a prática, existe um vazio total. E que esse vazio joga a seu favor e a favor dos seus interesses empresariais. Pelo simples facto e pela simples razão de o Estado estar a tentar transferir para si, o que é dever seu. Dever do Estado. Deveres do Estado para com o cidadão. O Estado tem deveres para com o cidadão.