domingo, janeiro 30, 2011

Que responda quem sabe

Nas últimas semanas, o país parece ter sido alertado para um novo fenómeno. Talvez para um fenómeno que vinha sendo visto como marginal. Ou que, pura e simplesmente não vinha sendo visto. Por ser subterrâneo. Referimo-nos, como é óbvio, à questão dos imigrantes ilegais. Que aqui chegam às centenas. Segundo dados oficiais. E sem contar com os muitos mais que por aí devem andar camuflados. Ou escondidos por alguém. Que ninguém sabe ou quer dizer quem. Mas que deve gozar da necessária protecção para não ir dormir na cadeia. Ou, ir e logo a seguir fugir. Sair. Recordemos, então, os dados oficiais. Na sua edição do passado dia 26, o “Notícias” titula em primeira em primeira página: “PRM apresenta rescaldo de detenções dos ilegais”. Que resume em oito linhas de texto. Assim: “A PRM deteve na semana passada 316 imigrantes ilegais em várias regiões do país. Segundo noticiou a AIM, citando um comunicado do Comando - Geral da PRM, do grupo constam 167 somalis, 68 paquistaneses, 44 etíopes, 33 bengalis, dois tanzanianos e um ruandês”. O mesmo documento refere que “Além destes temos ainda a referir que no mesmo período foram detidos no Aeroporto Internacional de Maputo 64 imigrantes ilegais de nacionalidade bengali desembarcados num voo da companhia Ethiopian Airlines”. Digamos, antes de passar em diante, que se o comunicado nos coloca ou nos aproxima da real dimensão, é demasiado vago. Nestas circunstâncias, pede-se mais do que números. É importante conhecer os resultados das investigações subsequentes. Para não se ficar a ver e a conhecer a penas a ponta do icebergue.


Desde que a questão dos ilegais passou a ser destaque na Informação, passou, também, a ser matéria de debate e de análise públicas. Que, de uma forma geral, coincidem na necessidade de combate a este género de ilegalidade e de crime. É assim que, o mesmo “Notícias” na sua edição do dia seguinte (27, página 7), ao reproduzir uma longa entrevista com um docente universitário e pesquisador, titula: “Não há indulgência para imigrantes ilegais”. E, logo a seguir escreve: “Indivíduos que entram ilegalmente no país, sob qualquer pretexto, não merecem indulgência das autoridades estatais e devem ser imediatamente repatriados à sua proveniência”. Perante um tão claro pronunciamento, como vários outros semelhantes, algumas questões, algumas dúvidas devem ser colocadas. A primeira, é para saber quais os motivos que impelem alguns senhores a invocarem vazios legais na tentativa de protegerem bandidos e criminosos internacionais. A segunda, a segunda pergunta também é bem simples e fácil de responder. Recordando, recuando no tempo, terá sido preso o dono ou locatário de uma casa, no Bairro do Aeroporto. Onde estavam acoitados, escondidos, dezenas de imigrantes ilegais. Esse homem, terá, depois, fugido da décima oitava esquadra. Importa saber como e em que circunstâncias. Rebentou fechaduras e cadeados para fugir ou, em alternativa, alguém lhe abriu as portas. E o mandou sair. Pelo simples facto de, amanhã, poder vir a ser voz incómoda se levado a Tribunal. De poder vir, como costuma dizer-se, a “dar com a língua nos dentes”. E, denunciar quem era o verdadeiro dono da residência. E, também, quem estava por detrás da entrada ilegal em Moçambique de tão elevado número de estrangeiros. Qual o seu destino final e quanto os intermediários recebiam por cada uma das operações concluídas com sucesso. Deixemos o repto. Que responda quem sabe.

domingo, janeiro 23, 2011

O lugar dos criminosos é na cadeia

Primeiro, vinham por terra. Atravessando as nossas vulneráveis fronteiras. Nos mais diversos pontos. Eram homens e mulheres. Por hipótese, crianças. Todos oriundos de países em guerra. Ou afectados pelas mais diversas calamidades. Alguns, por puro oportunismo. E com o objectivo de encontrarem em Moçambique o que não tinham nos seus países. De facto, encontraram acolhimento e refúgio. Nas condições possíveis. Não nas ideais. Prova disso, prova dessa vontade e desse desejo de acolher, é a existência do campo de refugiados existentes na província de Nampula. Onde vivem muitos milhares de refugiados. Com as mais diversas nacionalidades. E aqui chegados pelos mais diversos motivos. De onde, depois, também, procuram fugir às centenas. Com objectivos e destinos pouco claros. Depois, mais tarde no tempo, para além de continuarem a utilizar as nossas vulneráveis fronteiras terrestres, procuraram passar a entrar por mar. O que para além dos motivos alegados pelos migrantes anteriores, pode já indiciar um fenómeno novo. Pode já apontar para um processo mais organizado. Parece ter havido uma mudança qualitativa, uma nova forma de organização. No sentido de ao desejo e à vontade individual, embora massivos, se estar a suceder um novo processo. Um modelo que assente na manipulação de vontades e necessidades individuais. Avançando no tempo, chegamos ao tempo presente. E, aqui, parece estarmos perante uma nova estratégia. Os clandestinos já não chegam por terra nem por mar. Já não são homens e mulheres esfarrapados, rotos e esfomeados. Agora, já nos são enviados pelo ar. De avião. Estão bem vestidos e estão bem nutridos. Segundo imagens televisivas e fotos de jornais.


A mais recente vaga de migrantes ilegais chegou a Maputo proveniente da Etiópia. Através de um voo que ninguém sabe que interesses serve. São cerca de uma centena e vieram todos a bordo de avião daquele país. E todos, igualmente, com vistos falsos. São de várias nacionalidades mas, predominantemente, bengalis. Foram, todos eles, detidos ao pisarem território moçambicano. Como amplamente e em detalhe tem vindo a noticiar a STV. Num trabalho exemplar de reportagem televisiva. Que bem merece ter continuidade e fazer escola. De resto, foi através da STV que este caso foi despoletado, tornado público (noticiários da noite de 18 e 19 do corrente mês). Certamente com alguns incómodos para alguns. Mas, foi por esta via que ficámos a saber que alguns dos utilizadores de vistos falsificados se apresentaram como investidores. Outros, disseram vir fazer turismo. Que só uma minoria falava inglês, para além do bengali. Que, segundo um dos entrevistados, vieram para Moçambique por aqui ser fácil ganhar dinheiro e fazer fortuna. Por último, que um dos clandestinos tentou obter a libertação do grupo pagando 1.500 dólares norte-americanos a um repórter STV. Já no dia imediato (dia 20), o “Notícias”, (página 3) titulava que “Polícia investiga tráfico de pessoas”. Segundo a local, e citando o porta-voz da PRM, “A Polícia de Investigação Criminal está a investigar a rede de tráfico de pessoas no nosso país (...) ” depois da “detenção de 93 imigrantes ilegais na capital moçambicana.”. Mais adiante, pode ler-se que “Estamos perante uma rede de crime organizado. Não tenho receio de dizer e que há gente da corporação envolvida neste crime”. Ora, se se reconhece que há crime também tem de haver criminosos. E o lugar dos criminosos é na cadeia.

domingo, janeiro 16, 2011

Podemos e devemos combater os piratas da terra

A partir da cidade de Pemba, o matutino “Notícias” noticiou, na sua edição do passado dia 12, como principal destaque, ter sido “Abortada saída ilegal de madeira”. Mais dizia, que um navio da grande tonelagem se encontrava retido no Porto de Pemba, por se suspeitar que a carga transportada é ilegal, “nomeadamente 161 contentores de 20 pés de madeira em toro extraída na província de Cabo Delgado e que tinha como destino países asiáticos”. Dizia, ainda, haver “uma ordem de descarga dos contentores, que entretanto não iniciou porque os CFM, proprietários do porto e única entidade que pode efectuar a descarga, pretende saber quem pagará a operação”. Já no dia seguinte, o mesmo matutino acrescentava, igualmente em notícia de primeira página, ter sido “Descoberto marfim na carga verificada”. Dizia a noticia que, numa operação paralela, “Foram encontrados 29 contentores, alguns dos quais com marfim, no recinto do Porto de Pemba, carga que é pertença da Miti, Lta (...)”. Ainda no mesmo dia, já na página 21, página dedicada às cartas dos leitores, o mesmo ‘’Notícias” dá espaço à preocupação de um seu correspondente sobre a produção de artesanato em marfim. Escreve este leitor que “Há cerca de três ou quatro meses li a notícia de que tinham sido abatidos por caçadores furtivos cerca de 13 elefantes na província do Niassa e na semana passada li novamente que sido apreendidas no aeroporto de Banguecoque, na Tailândia, cerca de 400 quilos de marfim provenientes de Moçambique”. Afirma o autor da missiva que “Para que autoridades tailandesas possam afirmar que o marfim vem de Moçambique é porque algum documento, provavelmente uma carta de porte, acompanhava essa mercadoria”. Ora, para bom entendedor, mais não é necessário escrever.


A leitura, sem necessidade de ser muito atenta, destas notícias não permite evitar algumas perguntas. A primeira, é de como e em que circunstâncias foram abatidas tantas árvores. Muito provavelmente, quase de certeza, espécies preciosas. A segunda, é como essas árvores foram embaladas e transportadas até ao Porto de Pemba. A terceira, é como 161 contentores de elevada tonelagem foram embarcados, carregados. Num navio que os haveria de levar, pelas largas estradas dos mares, até países asiáticos. A quarta, a quarta pergunta, é se nenhuma autoridade moçambicana viu, em tempo útil, o que se estava a passar. Desde os fiscais ou agentes das Florestas, passando pelos agentes policiais. Para terminar nos agentes alfandegários, nos transitários e nas autoridades portuárias. Pergunta final e inevitável é se todos estes agentes do Estado foram subornados. Para saber se foram subornados para não cumprirem a sua missão ou se, em alternativa, emitiram documentos falsos. Seja como seja, estamos perante um caso de Polícia. Estamos perante um caso que merece e justifica profunda investigação. Como se dizia no antigamente, “a nível da Nação”. Que pode, até, exigir o recurso às chamadas “toupeiras”. Para se conhecerem, para virem a público, nomes e rostos destes agentes do crime organizado. Que, em Cabo Delgado, parece não ser caso virgem. Se assim não for, se assim não se fizer, corremos sérios riscos. O primeiro e principal dos quais é o de, perante a nossa realidade interna, os piratas do mar não passarem de meros “aprendizes de feiticeiros”. Quando, obviamente, comparados com os piratas que destroem e delapidam a nossa flora e a nossa fauna bravia. Do que já parece restar poucas, ou nenhumas dúvidas, é que há piratas do mar e piratas da terra. E, se não temos meios para combater aqueles, parece possível combater estes últimos. Podemos e devemos combater os piratas da terra.

domingo, janeiro 09, 2011

Levante o braço

O novo, o ano de 2011, parece ter começado sob um signo diferente. Pouco habitual. Pelo menos a nível da cidade de Maputo. Trata-se do signo da bicha. Da longa fila de espera junto das mais diversas instituições que prestam serviços ao cidadão. Por exemplo, obter o Bilhete de Identidade obriga, desde há meses, a permanecer em longas filas de espera. Bem visíveis a partir das 6 horas da manhã de todos os dias. O mesmo cenário repete-se para a troca da carta de condução. Aqui, muitas das vezes, em vez de fila de espera pode ver-se uma multidão. Aparentemente algo desordenada e com largas dezenas de metros de extensão. Quanto aos pais que procuram obter cédulas de nascimento para efeitos de matrícula escolar dos seus filhos são, igualmente, obrigados a passar pela situação de longa espera. Também no presente ano, o Conselho Municipal da Cidade de Maputo está a surpreender. Pela negativa. Pagar o Imposto sobre viaturas, obriga a uma longa espera. Afinal, o pagamento até pode ser feito em outros e diferentes locais. O processo está descentralizado. Existem mais cinco locais de pagamento para além da tesouraria municipal. Só que esses locais não são conhecidos do público. Por não ter sido devida e amplamente divulgada a sua localização. No que se refere ao pagamento do Imposto Predial Autárquico, a situação apresenta-se como bem pior. Simplesmente não está, ainda, a ser cobrado. Motivo: As instalações onde deveria proceder-se ao respectivo pagamento, estão em obras. Por incrível que pareça, houve quem decidiu que a cobrança deste imposto só terá início no mês de Fevereiro. Mas para se obter esta informação, para se saber do que fica dito, só mesmo indo ao local. Aí, pode ouvir-se o barulho de martelos e picaretas usadas pelos operários. E ler a informação colocada na porta, segundo a qual os impostos são pagos no primeiro andar. Algum, como já foi dito. Em termos de conclusão, dizer que há, no mínimo, um grande défice de comunicação. Entre quem dirige e entre quem é dirigido. Entre quem manda e quem deve obedecer.


Parece ser de cair na tentação de tentar comparar a forma como são geridos e executados todos estes processos e um outro. E, esse outro é o processo de recenseamento eleitoral. Ou, no plural, os processos eleitorais. Muito provavelmente, não poderá ser feita comparação nenhuma por não serem comparáveis. Agora, o que parece possível, o que é desejável, é que aqueles que sabem pouco procurem aprender dos que sabem mais. Que tenham a humildade de querer saber e de quer aprender. Cá entre nós. Talvez através deste processo de transmissão de conhecimento, de nacional para nacional, possam ser eliminados muitos desperdícios de tempo. Grande parte do tempo que milhares, dezenas de milhar, centenas de milhar de moçambicanos, por todo o país, passam em filas de espera para serem atendidos. Em diferentes serviços públicos. Sem motivo justificado. Sem justificação. Convenhamos, a terminar, não ser com tão elevado número de horas retiradas do trabalho, para conseguir um qualquer documento, que se irá conseguir aumentar a produção e a produtividade. Muito menos combater a pobreza. Não é. Apetece dizer, quem está contra que levante o braço.

domingo, janeiro 02, 2011

A mentira tem pernas curtas

Há coisas que acontecem e que não deviam acontecer. Há coisas que acontecem e nos deixam pasmados. Que nos deixam como que estúpidos. De boca aberta. Quando não de boca fechada. Para evitar comentários. Talvez inconvenientes. Outrossim, por o insólito, de tão insólito que é, não permitir qualquer comentário. E exigir, isso sim, esclarecimento. Cabal e público. Exigir uma explicação fundamentada. Séria e credível. Infelizmente, nem sempre assim acontece. Raramente assim acontece. De tal jeito que ao erro se vai sucedendo o erro. Ao abuso se vai sucedendo o abuso. Ao desmando se acrescenta novo desmando. Que já são mais do que muitos. Atenhamos num exemplo recente. Aqui se escreveu. Não passa muito tempo sobre esses contentores monstros. Colocados em vários passeios da cidade de Maputo. Um deles, que havia sido instalado na avenida 24 de Julho, mudou de poiso. “Voou” até defronte das barracas do Museu. Aí permanece, quedo e mudo. Hermeticamente fechado. Cadeado. Das galinhas, que era objectivo serem vendidas no voador contentor, nada. Nem as penas são visíveis. As galinhas nacionais, as modestas mas saborosas galinhas nacionais, parece terem decidido entrar em greve. E não se deixarem sair dos aviários. Em sinal de protesto. Contra tudo e contra todos. Mas e sobretudo contra os gastos em champanhe. Contra o desperdício que foi o champanhe utilizado na inauguração desses mastodontes. Mas, enfim, ainda há quem pensa que ficará para a história por coisas pequenas. Como o é, sem dúvida, inaugurar um contentor elevando uma taça de champanhe.


Champanhe é, entre nós, bebida corriqueira. Normal. E, como todos sabemos, cerimónia que queira ser apelidada de cerimónia, só mesmo assinalada com champanhe. Selada com um brinde com champanhe. É pouco claro donde vem, donde foi importado este hábito. Ao certo, não se trata de tradição local. Nacional. Deixemos que um dia, os investigadores esclareçam a dúvida. E nos digam mais sobre a matéria. A provar este hábito. A provar este gosto mórbido pelo champanhe, aí tem exemplo mais recente. Fresquinho. Como, segundo os apreciadores, deve ser bebido o champanhe. É que o que não faltou nem falhou foi o champanhe para a cerimónia da inauguração do Estádio Nacional. As imagens emitidas pela TVM (Notícias das 9.00 horas do passado dia 28), são elucidativas. O que falhou, isso sim, foi a cerimónia da inauguração. Simplesmente, não se realizou. Logo, o primeiro a abandonar o local, o primeiro a regressar aos balneários, foi o champanhe. Certamente para desgosto e desprestígio de muitos dos presentes. Entre os quais se encontravam dois ministros e um vice – ministro da República. Ora, sobre os reais motivos do adiamento da inauguração foi dito pouco. Quase nada. Afirmar-se que “proximamente poderemos realizar a cerimónia” ou que esta não foi realizada por “motivos não previstos”, é o mesmo que dizer nada. Sentimos que devemos saber mais. Que temos o direito de saber mais. De saber os motivos, reais, que impediram a inauguração do Estádio Nacional. Os motivos que obrigaram três membros do governo moçambicano a terem de abandonar o local sem participarem na inauguração. O que foi dito, publicamente, até agora, não passa de um escamoteamento da verdade. Nesta, como em outras áreas de governação e de gestão da coisa pública, aconselha-se alguma moderação. Mais cuidado. Até porque, como todos sabemos, a mentira tem pernas curtas.