domingo, maio 25, 2008

o melhor é mesmo perder a memória

Por vezes, a memória não resiste ao tempo. Ao tempo que passou. Que vai passando. E, se isso acontece, se isso pode acontecer, com testemunhas ou declarantes em sede de Tribunal, também pode assim suceder com o jornalista. No caso concreto, prejuízo nenhum acarreta recordar ou não a data do acontecido. Recordar ou não recordar a semana o mês e o ano do acontecido. Importa, isso sim, saber que aconteceu. E, de facto aconteceu. Foi neste mesmo espaço, em tempo sem memória de data, que se escreveu o que se escreveu. Talvez nem uma nem única vez. E, o que se escreveu, neste espaço, está escrito. Consta de arquivo. Talvez recordar que o que foi escrito em tempo passado, foi que Aníbal dos Santos Júnior não havia fugido da prisão. Foi que, por estas ou por palavras diferentes, que lhe haviam abertos a porta para sair. Ou, se se preferir, que o haviam mandado sair. Quem e porquê o possa ter feito, era secundário. À data do escrito. Embora fosse evidente. Mais do que evidente, o quem e o porquê. Hoje, passados anos, depois de um julgamento à revelia e outro presencial, é o próprio condenado que nos vem dizer: Eu nunca escapei. Eu era sempre retirado. (Magazine, 21 de Maio de 2008).


As declarações que têm vindo sendo feitas no decorrer do julgamento do chamado “Caso Albano Silva podem causar algumas preocupações. Levantar dúvidas, até. E, muitas. Uma das dúvidas é, até que ponto as revelações feitas nas últimas semanas em Tribunal podem ou não fazer rever processos e repetir julgamentos. Transitados em julgado ou não. Isto é, até que ponto, em nome da Justiça, se deve ir mais além para fazer Justiça. E, para desmentir ou confirmar afirmações repetidas, tantas vezes feitas. Segundo as quais, há presos que deviam estar fora da prisão e há quem estando em liberdade deveria estar detido. Depois, por fim, para concluir, parece ser importante esclarecer um outro e não menos importante aspecto. É o do assassinato de Siba-Siba Macuácua. Logo se existe, ou se existiu, ligação alguma entre a forma como o dinheiro foi retirado, dos cofres de uma e de outra instituição bancária. Ou seja, dos extintos Banco Comercial de Moçambique e Banco Austral. Há, em todos este processos, muitas áreas de penumbra. Daí as dúvidas sobre onde começa e onde acaba o crime organizado. Ou, até, se ele existe. Que há quem não poupe esforços, nem dinheiro, para fazer divulgar as suas posições em jornais da praça, é um facto. E entre perder a vida e perder a memória, o melhor é mesmo perder a memória

domingo, maio 18, 2008

deixem trabalhar quem quer trabalhar

De tempos em tempos surgem, entre nós, notícias que muito bem nos poderiam deixar alarmados. Preocupados. Mas não, não devem. Não haverá razão, não haverá motivo para tanto. É que, aparentemente, tentam ser denúncias. Denúncias do que se pretende sejam ilegalidades. Denúncias do que se pretendem sejam violações de direitos consagrados universalmente. Por convenções. Mas, as convenções são isso mesmo. São convenções. São convénios. São acordos de princípios. Não são leis. Salvo quando inclusas no ordenamento jurídico interno de um Estado. Assim, as denúncias, muitas dessas pretensas denúncias de pretensas violações podem não ter em vista a defesa dos direitos dos hipotéticos violados. Podem ter objectivos outros. Em completo alheiros aos seus interesses, como pessoas, e ao interesse nacional. Serão, então, denúncias fomentadas e alimentadas por interesses outros. Como começa a tornar-se frequente. Demasiado habitual. Passam uns bons pares de anos, recordo, foi noticiado um caso de prostituição infantil em Chimoio. Que envolvia soldados das Nações Unidas em missão de paz. Notícia que, nas custou perceber, na época, terá sido incentivada por quem queria impor-nos determinados valores morais. Falsos. De falsa moral. Ou, na pior das hipóteses, assentes em premissas falsas. Valeu, na altura, a corajosa intervenção do actual Ministro das Obras Públicas e Habitação. À época governador provincial. Ao explicar que não se tratava de crianças mas de adolescentes. E, por aí em diante. Com argumentos suficientemente convincentes. Para se perceber, para alguns terem percebido, que a moral não é um valor em absoluto. Que não é um valor em si. Ou, se assim, convenhamos, não passa de um valor relativo. Ou variável.


Já muito depois, passemos ao recentemente. Ao hoje. Ao tempo em que há por aí uns tantos de híbridos e de híbridas que, a coberto de capas de bem fazer, vieram em frente com campanhas a favor do coitadinho. E, o coitadinho é o miúdo ou o jovem que, em mercados ou junto de estabelecimentos comerciais, se propõe transportar compra de quem comprou. A troco de algumas moedas. Não, não se pode ver mal nisso. Ninguém de boa fé pode ver como mal a prestação de um serviço a troco de pagamento. Já no plano inverso, sim. A concepção de coitadinho e a expressão estamos aqui para ajudar, só queremos ajudar, comportam profunda carga racista. Pode ser, e será, involuntária. Inconsciente, até. Mas é, objectivamente, um posicionamento racista. Primário. Ainda esta semana (quarta-feira), o jornal “Notícias” escrevia que “Orfandade propicia mão-de-obra infantil”. E relatava o caso de alguns jovens, dos seus 13 anos, que, na cidade da Beira, vendem ovos para apoiar o sustento familiar. Ora, se os jovens fazem negócio por conta própria, como parece ser o caso, tem mal nenhum. E deveria, isso sim, ser louvada a sua iniciativa. Como deveriam ser divulgadas, enaltecidas e encorajas todas as iniciativas de trabalho. Individual e colectivo. Afinal, do que mais precisamos são de incentivos ao trabalho socialmente útil. Continuamos, cá entre nós, com muitos pruridos importados sobre o trabalho. Uma vezes são as crianças, outras as mulheres, outras ainda a defesa de interesses mesquinhos. Tudo, no conjunto, para impedir de trabalhar quem pretende trabalhar. E, objectivamente, em defesa, não dos direitos de quem trabalha mas de direitos inversos. Então, deixem trabalhar quem quer trabalhar.

domingo, maio 11, 2008

uma linguagem moderada

Parece que já não restam muitas dúvidas. Talvez nenhumas. É que estamos perante um crise alimentar. E, uma crise global. Não uma crise circunscrita. Não uma crise limitada a determinados países ou a determinadas regiões. Não uma crise anunciada. Não uma crise que há-se ou pode vir. Estamos perante uma crise. Que é real, já nos nossos dias. E que poderá levar à morte de muitas centenas de milhões de seres humanos. Uma crise que, segundo o Secretário-Geral das Nações Unidas, se não for tratada adequadamente (...) pode-se desdobrar em múltiplas crises afectando o comércio, o desenvolvimento e mesmo a segurança sócio-política do mundo. A subsistência de centenas de milhões de pessoas está ameaçada. Na opinião de Ban-Ki-moon seria importante estimular o desenvolvimento agrícola, particularmente em África e noutras regiões mais afectadas. Por isso, devem ser tomadas medidas que facilitem o acesso de pequenos produtores rurais a sementes, fertilizantes e outros insumos. De resto, esta crise não começou do nada. Cresceu de mais de uma década de negligência e de políticas ineficazes de desenvolvimento. Precisamos recomeçar, segundo escreve o jornal “Notícias” na sua edição de 7 do corrente.


Perante as notícias que nos chegam, todos os dias, a conclusão a tirar é a de que estamos perante uma crise alimentar geral. Global. Que já se manifesta em diferentes países e região do mundo. Também em Moçambique. Como parece óbvio. Que temos que produzir mais comida, que temos que produzir maior quantidade de produtos agrícolas no mesmo espaço de terra, sim. Concordemos que sim. Digamos que, em boa hora, a Revolução Verde foi lançada com esse objectivo. Um objectivo que, sem reservas, todos temos o dever de apoiar. Mas, digamos, também, que a Revolução Verde não é, nem pode ser, um processo voluntário. Um processo voluntarioso. Caso contrário, deixaria de ser revolução. De resto, das revoluções verdes bem sucedidas, podemos citar um exemplo. O da Índia. País onde às pachorrentas vacas sagradas era concedido o direito de fazerem parar o trânsito. E onde, a partir de certa altura, foram, obrigatoriamente encurraladas pelos seus donos. Caso não, o Estado assumiu o direito de as abater. Mesmo indo contra hábitos e tradições ancestrais. Contra mitos, tradições e tabus. Uma revolução, seja ela rotulada de verde, cultural, amarela ou azul é, sempre e inevitavelmente, um processo violento. Mas legítimo. Não se faz através de lei nem de decreto. E, como processo, pode ser mais ou menos longo. Mas, não um processo ligeiro ou que possa ser aligeirado. Ora, num contexto de crise alimentar global, o que não devemos é criar falsas expectativas. Criar ilusões. E vir dizer, como já se houve dizer, que podemos vir tirar benefícios dessa crise. Não podemos e, infelizmente, não haveremos de retirar. Em diferentes graus, a crise irá afectar ricos e pobres. Muito menos uns, muito mais outros. Mas, sem dúvida, a gravidade e a dimensão do problema aconselha à ponderação. À reflexão. À calma e a uma análise objectiva e realista. Sobretudo, também, a uma linguagem moderada.

domingo, maio 04, 2008

um modelo desadequado à realidade

Começou o Primeiro de Maio por ser uma data e um símbolo da luta dos trabalhadores. Luta por melhores condições de vida, por melhores salários. Por salários considerados mais justos e, também e fundamentalmente, pela redução do número de horas de trabalho. Digamos, para ser mais concretos, por uma jornada de oito horas diárias de trabalho. Feriado Nacional em alguns países, o Primeiro de Maio sempre foi dia escolhido para manifestações em outros. Desfiles grandiosos ali, dia de repressão aqui. Como se o capital pudesse ter finalidades diferentes. Objectivos diferentes. Em sistemas sociais diferentes. Sistemas sociais, sim. E, entenda-se, o socialismo, até prova em contrário, nunca terá sido um sistema económico. Terá sido um sistema social. Talvez possa não ter sido mais do que uma utopia. No mínimo, e no longo prazo, não conseguiu afirmar-se nem encontrar forma, ou fórmula, para distribuir a riqueza produzida de forma equitativa. Mais justa. Ou não quis, ou não o quiseram os homens. Então, ao que se sabe hoje, nunca esteve ausente nos modos de produção de qualquer país do mundo. Que o socialismo não terá sido mais do que um capitalismo de Estado. E que, passada essa fase, aí temos hoje uma China e uma Índia a disputarem a partilha de quanto se lhes apresenta essencial ao seu desenvolvimento. Desde o petróleo às terras cultiváveis, desde os mercados comerciais aos mercados de trabalho. É que crescer, já cresceram o suficiente. Agora, estão a lutar por se desenvolver.


Em termos de comemorações do Primeiro de Maio, Moçambique poderá ter sido modelo. Em anos seguintes e próximos da independência. Foram grandes e grandiosas as manifestações. Concorridos os comícios. E, diga-se em abono da verdade, ia quem queria ir. Participava quem queria participar. Mesmo quando possa afirmar-se que era obrigatório estar presente, já não era obrigatório mostrar alegria. Nem acenar com bandeiras e com dísticos. Entender que assim foi, implicar recuar no tempo. Situarmo-nos no tempo. Em que a maioria das empresas haviam sido privatizadas. Eram pertença do Estado. A esta fase, decorridos anos, sucedeu uma outra. O que terá, inevitavelmente, provocado um diferente posicionamento dos trabalhadores. E, àquilo que terão sido o que se chamou jornadas de festa e de luta, sucederam-se, apenas, jornadas de luta. Se justa ou não, é outro aspecto. Neste contexto, parece pertinente colocar a questão de saber se o actual modelo de comemorações é válido. Se é justificável. Se é, como se gosta de dizer, sustentável. Se, numa sociedade capitalista, como a nossa, faz sentido presidirem às comemorações do Primeiro de Maio membros do Governo, sindicalista, empresários. Muito provavelmente, estaremos perante um modelo ultrapassado. Digamos, um modelo desadequado à realidade.