segunda-feira, outubro 17, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no jornal Domingo de Outubro 16, 2005

antes e depois

Luís David


Mesmo quando não tenham de ser assinados papéis

O Acordo de Roma foi assinado fez treze anos. Não será, não terá sido, poderá não ter sido um Acordo perfeito. Mas, não há acordos perfeitos. Há acordos possíveis. Simplesmente possíveis. Que, bons ou maus, em situações semelhantes, permitem assegurar uma situação de paz. Como foi o caso, até hoje, até à data presente. Um acordo que, na sua essência e no seu espírito, terá sido respeitado, durante treze anos, por ambas as partes. E, isto, muito provavelmente, por ambas as partes haverem concluído não haver mais espaço, nem motivo nem razão para continuarem com a guerra. Ora, repetindo o que parece ter-se tornado lugar comum, digamos que a paz veio para ficar. Então, recuando no tempo e para sermos justos e honestos, o Acordo de Roma não deve conter, não pode conter cláusula que permita a uma das partes manter homens armados clandestinos. Homens armados escondidos nas matas. Por ser contra os princípios que regem qualquer Estado de Direito. Menos sentido parece fazer, sentido nenhum faz, hoje, tentar nova interpretação para o que foi escrito e assinado fez treze anos. Não podemos, hoje, defender que o referido Acordo quis dizer, pretendeu dizer, o que nele não foi nem está, certamente, escrito. Sob pena e risco de desonestidade moral e intelectual. Sob pena e risco de se estar a tentar falsificar a história recente. De Moçambique.


Após encontro, recente, com o Ministro do Interior, o presidente da RENAMO é citado a dizer (“Notícias” de 13 do mês corrente): Podemos entregar as armas e os homens para formação, desde que eles continuem sob nossa alçada. Não vamos entregá-los em definitivo ao Governo. Preferimos manter a nossa segurança porque “os segurança” da Frelimo não fazem o que deve ser feito em matéria de segurança para os elementos da Renamo. Somos espancados na presença da polícia, daí que preferimos que eles sejam treinados e equipados mas continuam sob o nosso comando. Ora, a afirmação é, em primeira e em última análise, confusa. Digamos, mesmo, que faz pouco sentido. Que faz sentido nenhum. Que não tem lógica, que não prima pela lógica. Ora, interroguemos, coloquemos a dúvida: Que Estado, que Estado de Direito, pode aceitar treinar e integrar elementos nas suas forças de polícias que, posteriormente, obedeçam ao comando de um partido da oposição. Que Estado de Direito aceita, ou aceitou, integrar nas suas fileiras elementos que não controla. Claramente, nenhum. Por se tratar de uma aberração. Que dirigentes de partidos da oposição tenham direito a segurança pessoal, faz todo o sentido. Que essa força de protecção seja treinada, integrada nas forças da Polícia, paga pelo Estado, e obedeça não a um comando central mas ao dirigente de um partido de oposição é, no mínimo, ridículo. Não faz sentido. E sabe, perfeitamente, que não faz sentido quem defende esta posição, como sabe que não faz sentido quem a aconselha, quem está a aconselhar, e a pagar. A paz em Moçambique, a paz moçambicana, só pode ser efectiva e continuada com o diálogo sob a copa de árvore frondosa. O Acordo de Roma foi apenas um acidente. Foi uma etapa no processo. Indispensável. Mas, sejamos claros, o verdadeiro Acordo de Paz terá de ser firmado cá dentro. Mesmo quando não tenham de ser assinados papéis.

segunda-feira, outubro 10, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Outubro 9, 2005

antes e depois

Luís David


um fenómeno nacional difícil de entender

De verdade, nem sempre podemos dizer que a Natureza nos seja favorável. Porque não é. Porque muitas vezes não é. Fustiga-nos, agride-nos, maltrata-nos, com demasiada frequência. Secas hoje, inundações amanhã, ciclones e vendavais ao terceiro dia. Hoje, aqui ou além, a terra fica seca ou ressequida. Plantas, animais e homens não resistem. Sucumbem. Amanhã, chove em demasia. Plantas animais e homens são impotentes para enfrentar a força e a fúria das águas. Depois, os ventos que tudo varrem, tudo levam na sua frente. Tudo arrastam com a sua força destruidora. Guardamos, certamente, todos, ou muitos de nós, memórias recentes das consequências de uma e das outras situações. Memórias de dramas humanos. Memórias de sofrimento, de desespero, de dor. Memórias de ontem a que se sucedem imagens de hoje. Já de produção e de alento. Imagens de e da vontade de vencer. De se não entregar como vencido. Imagens dos frutos e com os frutos dessa vontade de vencer. Dos frutos de se não ter dado por vencido.



As imagens e as notícias de regiões onde os efeitos da seca podem ser, e muitas vezes são, dramáticos, também têm o seu oposto. E, o oposto, são as imagens e as notícias de regiões onde o incentivo à produção agrícola deu resultados positivos. Significativamente positivos. Mas, também aqui, com um outro senão. O de essa produção não estar a ser devidamente comercializada, não estar a ser encaminhada para os mercados consumidores. Com um aspecto agravante. Importamos, continuamos a autorizar a importação, de países vizinhos – e, em alguns casos, nem só de países vizinhos – conseguimos transportar de países vizinhos e de outros de mais de longe, o não conseguimos fazer transportar dentro de Moçambique. Conseguimos – assim parece ser a nossa realidade, resultado da nossa mentalidade – fazer o transporte de mercadorias entre o mar e o interior, entre o mar e os países vizinhos. Também entre os países vizinhos e o mar. Mas, temos dificuldades em transportar o nosso produto, o que produzimos no país, entre distritos, entre províncias, entre o norte e o sul. Naturalmente, é difícil entender esta continuada ausência de protecção ao produto, à produção nacional. Mais. É preocupante saber que a batata reno e o ananás, a batata doce e o tomate, a cebola e o pimento, para citar, apenas, exemplos primários, produzidos por agricultores moçambicanos correm o risco de apodrecer, ao sair da terra. Por falta de uma política de comercialização. Por falta de uma política de incentivo ao agricultor e, no geral, ao produtor nacional. Sobretudo, também, por falta de medidas restritivas a importações de produtos que, produzidos no país, com muito melhor qualidade, correm o risco de apodrecer antes de chegarem ao mercado mais próximo. Convenhamos, não estamos perante uma calamidade, não estamos perante um fenómeno natural que não possamos dominar. Estamos, isso sim, perante um fenómeno nacional difícil de entender.

domingo, outubro 02, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Outubro 2, 2005

antes e depois

Luís David


a hipótese de existência de petróleo é sempre uma tentação

Desde a Segunda Guerra Mundial, todas as guerras, todos os conflitos armados, foram classificados como conflitos de baixa ou de pequena intensidade. Por peritos e por especialistas militares. Isto é, de guerras onde se procura investir o mínimo de dinheiro e envolver o menor número possível de homens e de armas. Contudo, não deixam de ser guerras sangrentas, não deixam de ser guerras destruidoras. Não deixam de ser guerras que provocam dezenas, centenas de milhares de mortos. Não deixam de ser guerras que levam à destruição de indispensáveis infra-estruturas sociais colectivas. Que provocam, em última análise, a destruição do tecido social. Na Ásia e em África, principalmente, todos guardamos memórias recentes de conflitos, de confrontos armados sangrentos. Por motivos étnicos, por motivos religiosos, por motivos raciais, por motivos políticos ou ideológicos. Também por motivos económicos. E, aqui, o petróleo, parece ser, é, determinante na maioria dos casos, na maioria dos conflitos. Seja qual tenha sido o motivo, Moçambique viveu um período de treze anos de conflito armado. Um conflito entre moçambicanos desentendidos, desavindos.


Amanhã, melhor, depois do amanhã, completam-se treze anos que em Roma foi assinado o Acordo Geral de Paz. Significa isto, entende-se, assim, que passam treze anos que vivemos em paz. Mas, esta paz, acordada em Roma, parece ser, cada dia que passa, uma paz jugulada. Uma paz cativa de ameaças e de pronunciamentos belicistas. Uma paz assente na chantagem. Sobre a possibilidade, talvez hipotética e remota, do retomar da guerra. Entre irmãos, entre famílias moçambicanas. De voltar a opor moçambicanos a moçambicanos. De dar ordens a moçambicanos para assassinarem moçambicanos. A paz, objectivamente, passa por caminhos diferentes. Talvez opostos. Passa, para além do silenciar das armas, por saber trilhar o caminho da reconciliação. Caminho difícil, sem dúvida. Mas, talvez único para quem se assuma como patriota. Sejam de quem sejam as culpas, os acontecimentos de Montepuez e Mocímboa da Praia constituem perigosos incidentes. Talvez, mesmo, perigosos precedentes. Mas, pior, mais perigoso, parece ser continuar a permitir, segundo declarações públicas, que existem homens armados, que existem exércitos privados em determinadas regiões do país. O Estado, o Estado moçambicano, sendo, que é, um Estado unitário, não deve nem pode permitir estes desafios. Não deve, nem pode, permitir este tipo de provocações. Não deve e tem obrigação de impedir manobras que tenham como objectivo desencadear guerras de secessão. Sendo que o espaço para tal seja cada dia mais reduzido, a hipótese de existência de petróleo é sempre uma tentação.