domingo, outubro 30, 2011

Medidas irracionais

Há que saudar e elogiar aqui. Que criticar e fazer chamadas de atenção ali. Acolá. Em relação a medidas e a decisões tomadas aos mais diversos níveis de governação. O objectivo, como se compreende, não é o da crítica pela crítica. É o da crítica como forma e como fórmula de contribuir para melhorar e para aperfeiçoar a gestão da coisa pública. Na perspectiva do cidadão. Que, afinal, é a razão de ser do Estado. Da base ao topo. Ora, voltemos a falar sobre as medidas tomadas com o intuito de facilitar, de melhorar a circulação automóvel na capital do país. Para evitar os crónicos congestionamentos. A determinada horas e em diferentes locais. Digamos que foram bem-vindas. E que foram bem recebidas. Agora, já outras, nem tanto assim. Até parece que o legislador perdeu de vista o interesse comum, perdeu de vista as necessidades e os direitos do cidadão. E que não passam de incongruências e de acabado disparate. Fique a tentativa de desejar fazer bem. E o tempo para corrigir erro grosseiro. O disparate.


Anda por aí à conquista de espaço e de apoio uma ideia de senhores milagreiros. Segundo a qual limitando ou reduzindo os espaços de estacionamento fica mais espaço para circulação. Parece verdade. Mas não é. Não passa de pura magia. Sendo que possa não ser de magia negra. Apenas de pura ilusão. Pelo simples facto de que a inversa também é verdadeira. Isto é, que reduzindo o espaço de circulação fica mais espaço para o estacionamento. E, parece ser aqui que radica o conflito. Entre quem pretende circular rápido e entre quem pretende estacionar fácil. O árbitro da questão, decidiu. Fácil e rápido. Lesto. Mas só que quem decidiu, foi juiz em causa própria. Não quis ouvir aqueles nem estes. Simplesmente, decidiu. E, ao que parece, terá decidido mal. De resto, não se decide bem quando se decide em causa própria. Pelo menos e em princípio, há quem fica a perder e quem fica a ganhar. Sobre esta matéria, o “Notícias” do passado dia 21 (página 3), escreve que “As vias de sentido, desde há três semanas, passam a admitir estacionamento apenas numa das bermas”. Elucida a local que “Os agentes da Polícia Municipal estão autorizados a rebocar as viaturas estacionadas em locais proibidos, o que se crê conferirá maior capacidade às vias, reduzindo, deste modo a pressão por exemplo a nível da Avenida Samora Machel e na área da Praça da Independência.”. Esta questão, que parece simples não o será tanto assim. Pergunte-se, em primeiro lugar, qual o instrumento legal que permite à chamada Polícia Municipal rebocar viaturas. Se é que esse instrumento legal existe, e todos queremos acreditar que sim, que nos informem onde o poderemos obter. Para que, amanhã não sejamos alvos de chantagem e de tentativas de corrupção. Para que possamos viver dentro das leis aprovadas pelos nossos eleitos. Uma outra questão. Não menos importante. Trata-se de saber como, perante tanta falta de espaço para estacionamento, há tanto espaço concedido para a venda de viaturas usadas. Esses chamados parques de venda que por aí abundam e desbundam. Em todas as zonas da cidade. Até nas chamadas zonas nobres. E de saber, também, que alternativas de estacionamento criou o Conselho Municipal. Que espaços de estacionamento criaram antes de anunciar as medidas demagógicas e irracionais que tem vindo a tornar públicas. Medidas essas ilegítimas. E, até prova em contrário, ilegais. Pelo rumo que a situação nos aponta como futuro, estamos mal. Corremos o risco de sermos todos classificados como ilegais. Caso não nos tenha sido concedido o privilégio de viver num condomínio fechado. A partir de agora, a partir de há poucos dias, ficámos todos a saber que o que nos espera é muito simples. Ou será muito simples. Quando regressarmos a casa, depois de um dia de trabalho, ir comer e dormir carregando o carro debaixo do braço. Por falta de espaço para estacionamento. Resultantes de medidas irracionais.

domingo, outubro 23, 2011

Fogo-de-artifício para turista curtir

A questão da produção, manipulação e consumo de tabaco é algo polémica. É incontestável e está fora de qualquer discussão que o tabaco faz mal à saúde. É inimigo de boa saúde. Daí o serem vem vindas, serem de aplaudir as iniciativas que tenham em vista eliminar ou reduzir os riscos provocados pelo consumo de tabaco. Sem fundamentalismos. Tendo presente, sem perder de vista, que fumar também é um direito. Por parte de quem queira esse risco. Consciente de que está a atentar contra a sua saúde. Trata-se, aqui, do direito à diferença. O jornal “Notícias”, edição da última quinta-feira, anunciava para o dia seguinte, sexta, a realização de um seminário sobre o controlo do tabaco em Moçambique. Com destaque de primeira página e sob o título “Controlo do tabaco vai a debate”, a local acrescentava tratar-se de uma iniciativa da Associação Moçambicana de Saúde Pública (AMOSAPO) (...) Podia ler-se, a seguir, que “O evento, segundo uma nota daquela agremiação, vai reunir parceiros interessados na campanha antitabaco em ambos os sectores de trabalho (público e privado) e tem como objectivo reforçar a campanha e fortalecer a rede de combate ao tabagismo no país, com vista à ratificação do primeiro tratado internacional de saúde pública (Convenção Quadro de Tabaco – CQCT, da OMS), pela Assembleia da República, para assegurar a redução do impacto nefasto do consumo do tabaco na geração presente e futura, principalmente nas camadas sociais mais vulneráveis expostas voluntariamente ao fumo do tabaco.”. Digamos que sim. Que em termos de princípios estamos todos de acordo. Principalmente quando se trata de proteger, de defender a saúde pública. Mas, manda a verdade de dizer que de “boas intensões está o mundo cheio”.


Nesta como em muitas outras e diferentes matérias, a questão de fundo não está na falta de legislação. Está, muito pelo contrário, na falta de capacidade em fazer aplicar a legislação aprovada. A já existente. Ou na falta de vontade em a fazer aplicar. Por interesses pessoais. Ou por conflito de interesses. Demos um exemplo. Existe legislação que proíbe a venda de cigarros e de bebidas alcoólicas a menores de idade. Quem fiscaliza para que assim seja. Ninguém. De resto, a questão está em saber como e com que meios fiscalizar esses muitos milhares de vendedores. De cigarros, de bebidas e futilidades. Na maioria dos casos, tudo importado. Agora, maioritariamente da China. A baixo mas de pouca ou nenhuma qualidade. Logo, de pouca duração. Até parece que os governantes, aos mais diversos níveis, ainda não perceberam que vivemos num país de compra e venda. Que Moçambique é um grande bazar. No mau sentido do termo. Porque vende o que não produz. Que só vende o que importa. Legal ou ilegalmente. Ora, parece contra natura e de pouco sentido limitar ou proibir a venda de um produto que aqui se produz em grandes quantidades. Legalmente. Com benefícios para os produtores, para muitos dos quais constitui cultura de rendimento, e pagando impostos ao Estado. Estamos a falar do tabaco. Se o tabaco faz mal à saúde e, de facto, parece que faz, que se comece por proibir a sua produção em território nacional e a sua transformação em cigarros. Isto, apenas, por uma questão de coerência. Por uma questão de princípios. Até porque nós temos o dever de nos afirmarmos como pessoas de princípios. De resto, se a legislação que se pretende fazer aprovar nada tiver com a realidade, é legislação que irá cair no vazio. Será como “chuva sobre pato”. A dúvida que se deve colocar é para quê mais legislação. E se todo este exercício passa de mero fogo de artificio. Fogo-de-artifício para turista curtir.

domingo, outubro 16, 2011

Faça fazer justiça

Anualmente, os salários dos trabalhadores do Estado são actualizados. O mesmo acontece com os trabalhadores das empresas públicas. Critério idêntico é seguido em relação aos reformados do maior empregador nacional. O Estado. Embora em percentagens diferentes. O que parece significar, o que pode ser interpretado como um critério justo e racional. Como o desejo e a intensão de manter o poder de compra dos reformados. De permitir que estes possam fazer face ao constante e permanente aumento do custo de vida. Que a todos atinge de maneira igual. Quer se trate de trabalhadores no activo ou em situação de reforma. Já critério semelhante ou igual não é seguido pelo Instituto Nacional de Segurança Social (INSS). Aqui, os reformados há vários anos que não sabem o que é actualização das suas reformas. Nem, sequer, em um metical. Isto, depois de várias décadas de descontos. Depois de terem visto descontados nos seus salários muitos milhares de contos. Dinheiro que, a ter sido aforrado ou colocado em depósito bancário, teria hoje uma muito mais justa retribuição. Sem qualquer hipótese de desmentido. O motivo pelo qual as reformas pagas pelo INSS não são actualizadas, ninguém conhece. Nesta área, neste campo, tudo parece secreto. Ninguém sabe, ninguém conhece, como é gerido e aplicado o dinheiro dos reformados. Por forma a poder gerar mais dinheiro. E, assim, permitir a actualização das reformas. Uma coisa parece certa. No INSS já deixou de haver um mínimo de respeito pelos reformados. Pelos direitos adquiridos dos reformados. Através ou por motivo dos descontos que lhes fizeram ao longos de muitas décadas de trabalho. Com base em legislação que uns foram obrigados a cumprir e outros violam. Impunemente. Neste campo, para além dos aspectos legais seguir, sobre o que é público, parece haver outros não menos pertinentes. Mas que já entram na competência do Conselho de Ministros. E, em última instância, como soberano, do Presidente da República.



Desde há muito, desde sempre, que é questionada a forma como é gerido o INSS. Como são geridos os dinheiros do INSS. O mesmo é dizer como são geridos dos dinheiros descontados por milhares de trabalhadores moçambicanos. Ao longo de décadas. Com direito a voto. Para poderem ter, na velhice, uma reforma digna. E condigna. Ao sabor dos ventos e dos equilíbrios dos poderes do momento, foram sendo mudados gestores do INSS. O que permite concluir, à luz da realidade de hoje, que mudaram as moscas mas que não mudou a merda. Gostemos ou não, possa ou não parecer radicalismo, o INSS há muito que deveria ter sido extinto. Processados os seus gestores de então, Caso houvesse matéria para tanto. E substituído por uma instituição independente. Com suficiente autonomia. Em todos os campos. Não deixa de ser estranho que, perante sucessivas denúncias públicas, sobre o que se passa no INSS, nada mude. Tudo continue como dantes. Poderá tratar-se apenas de uma questão de lentidão da nossa Justiça. Mas, poderá ser que não apenas. Ainda na sua última edição, o jornal “Zambeze” titulava que, em resultado de auditoria externa, “PGR investiga escândalo financeiro no INSS”. E acrescentava que “Dinheiro da instituição escangalhado na aquisição de luxuosa viatura e imóvel para o PCA”. Na mesma local, são citadas algumas declarações do PGR sobre o assunto. Entre as quais que “Preocupam-nos bastante as informações desabonatórias quanto à gestão dom INSS, sobretudo quando temos plena consciência de tratar-se dos dinheiros dos pensionistas”. É isso mesmo senhor PGR. De dinheiro descontado por nós, velhos. De resto, o lugar de ladrões e de corruptos é na cadeia. Como está a acontecer com outros que eram considerados intocáveis. Se, mais uma vez se se trata ou não de um acto de coragem, fica a questão. Como fica o pedido de faça fazer justiça.

domingo, outubro 09, 2011

Travestir em documento milagreiro

Há quem diz que, em Moçambique, a terra não se vende. Que é propriedade do Estado. Mas também há, todos os dias, quotidianamente, quem nos mostre, quem nos demonstre precisamente o contrário. Seja, que em Moçambique a terra é matéria, é objecto de venda. E que, logo, pode ser comprada. Que mesmo contra o que é Lei, contra o que diz a Constituição, a terra é matéria e objecto de negócio. Sendo-se claro e preciso. Em Moçambique a terra vende-se. A terra compra-se. É objecto de negócio com fins lucrativos. Muito embora não seja, não constitua, por si só, um bem de capital. É certo que, de quando em quando, surge um dirigente político a afirmar que a FRELIMO lutou para libertar a terra e os homens. Que lutou, lutou. Incontestável e definitivamente. Que tenha conseguido esses dois objectivos, que tenha conseguido essa apregoada vitória, já não é líquido nem pacífico. Tão incontestado. É que os desejos, os objectivos apregoados, são uma coisa. A realidade actual, e realidade em que nos movimentamos, pode ser e muitas das vezes é, outra. Mesmo quando ou se, esses declarações públicas e solenes são feitas para apaziguar espíritos ou almas defuntas. Se o conseguem, constitui matéria questionável. Muito provavelmente, não. Não conseguem. O que, mesmo assim, em nada altera o curso da história. Pelo menos da história que já o é. Resta e fica por saber o que nos trará o porvir. Sendo que o futuro só depende dos vivos. Que só aos vivos pertence. Mesmo quando comece por ser sonho. Ou utopia. Até porque, como diz o poeta no seu poetar, no seu saber, no seu pensar saber ou no seu ser utópico, é o sonho que comanda a vida. De resto, sem sonhos e sem utopias nunca teríamos chegado aonde já chegámos. Em termos humanos e civilizacionais.



Na sua edição do dia 30 do mês findo, publicou o jornal “Notícias” (página 8), um anúncio publicitário paradigmático. Melhor e mais elucidativo do que este, só alguma das muitas tabuletas de madeira, que parece ter virado moda pregar em qualquer árvore de uma qualquer artéria de Maputo. Impunemente e sem o pagamento de qualquer taxa por ocupação de espaço público. Municipal. Ora, o anúncio publicitário feito publicar no referido matutino diz, textualmente ou sic), o seguinte: “TERRENO na Catembe, Km 18, com 8230m2, (8,2ha, na orla marítima, c/450m de praia, vedado em processo de emissão do DUAT, vende-se. Contacto:....... (particular)” Naturalmente, a omissão, neste texto, do número de telefone, é propositada. Já que em nada altera o que se pretende concluir. E, o que se pretende concluir é que, em Moçambique, a terra, parece que pode ser e parece que é vendida. Logo, também pode ser comprada. Basta, ter-se um DUAT. Seria interessante e reconfortante saber quais as acções que estão a ser desenvolvidas pelas autoridades municipais e da Justiça para esclarecer esta situação. E muitas outras que lhe podem ser semelhantes. Até ao momento, o silêncio pode querer dizer que nada. Ou que, mais do que isso, que quem tem DUAT tem tudo, quem não tem um DUAT tem nada. Pode até acontecer, como hipótese, que com a bênção de alguma dessas muitas igrejas que por aí proliferam. E que desenvolvem os seus cultos com apoio ao mais alto nível da governação. Com tanto milagre está por aí a noticiar-se, fica por saber se conseguir obter um DUAT não será também obra de um qualquer deus. Um milagre. Ou se conseguiu obter carta de alforria. Para se travestir em documento milagreiro.

domingo, outubro 02, 2011

É tempo para actuar com o rigor da lei

Nos últimos tempos, o Conselho Municipal da Cidade de Maputo (CMCM) tem vindo a tomar um conjunto de medidas em matéria de trânsito. Em matéria de circulação automóvel. Para tentar inverter, com a finalidade de alterar aquela que é a situação de caos actual. A situação de caos em tínhamos sido condenados a viver. Ou, melhor, a circular. Devido a vários factores. O principal dos quais será o aumento rápido e crescente do número de viaturas em circulação. Num mesmo espaço e sem que tenham sido criadas, igualmente, alternativas de estacionamento. A mais recente, a última dessas medidas do CMCM, foi a adopção da circulação em sentido único em várias e diferentes artérias da capital. Dois dias depois da entrada em vigor das alterações, ainda não há tempo suficiente para se fazer uma avaliação definitiva dos resultados da medida. Definitiva e consciente. Diga-se, porém, repita-se, como parece ser o caso, que a introdução das novas medidas veio criar situações novas. Veio, já, mostrar haver necessidade de harmonização entre o que é novo e o que é velho. Isto é, que há casos, que há situações, em que a antiga sinalização vertical ou luminosa está em contradição com a nova. Com a sinalização agora introduzida. Digamos que há situações em que antigas e novas sinalizações se contradizem. Se anulam mutuamente. O que pode justificar confusão e protestos sonoros. Como tem vindo a acontecer. O que pode ser evitado. Com facilidade.



Uma outra medida recente do CMCM, foi a proibição da circulação de veículos pesados de carga nas artérias da cidade. Durante o dia e sem a devida e necessária autorização camarária. Aqui, ou a decisão não foi devidamente divulgada ou não foi compreendida. Ou, simplesmente, está a ser ignorada. É fácil ver, não custa verificar que assim é. Basta querer ver. Hoje, como sempre aconteceu, veículos de grande tonelagem continuam a circular pelo centro da cidade. A qualquer hora do dia. Transportem contentores ou qualquer outro tipo de mercadorias. Depois, param, estacionam, onde muito bem lhes apetece ou julgam ter o direito de o fazer. Mesmo quando esse direito viole o direito de muitos outros. De nós todos. De podermos circular em espaços definidos como públicos. De espaços onde não existem restrições à circulação impostas por lei. Até parece, e bem poderá ser isso, que em “terra de cegos quem tem um olho é rei”. Em situações não muito diferentes, haverá quem pense, quem possa pensar, estar numa “república de bananas”. O curioso, o caricato, é que tudo isto se passa perante o olhar impávido e sereno dos agentes das nossas muitas polícias. Que parece ter adoptado a postura do macaco. Que para evitar qualquer tido de conflito, está simbolizada em peças de artesanato, para turista ver e comprar. E que se pode traduzir por “não sei, não vi, não ouvi”. Todos nós sabemos que o nosso problema, o nosso grande problema, não é de falta de legislação sobre as mais diversas matérias. O nosso problema reside na falta de capacidade ou de vontade em aplicar a legislação existente. E aprovada com toda a legitimidade. Poderá, até, ser, em último extremo, de falta de coragem. Mas, como diz o adágio popular, “quem não deve não teme”. Logo, em termos de lógica, parece não restarem dúvidas que são tempo para actuar com o rigor da lei.