domingo, outubro 09, 2011

Travestir em documento milagreiro

Há quem diz que, em Moçambique, a terra não se vende. Que é propriedade do Estado. Mas também há, todos os dias, quotidianamente, quem nos mostre, quem nos demonstre precisamente o contrário. Seja, que em Moçambique a terra é matéria, é objecto de venda. E que, logo, pode ser comprada. Que mesmo contra o que é Lei, contra o que diz a Constituição, a terra é matéria e objecto de negócio. Sendo-se claro e preciso. Em Moçambique a terra vende-se. A terra compra-se. É objecto de negócio com fins lucrativos. Muito embora não seja, não constitua, por si só, um bem de capital. É certo que, de quando em quando, surge um dirigente político a afirmar que a FRELIMO lutou para libertar a terra e os homens. Que lutou, lutou. Incontestável e definitivamente. Que tenha conseguido esses dois objectivos, que tenha conseguido essa apregoada vitória, já não é líquido nem pacífico. Tão incontestado. É que os desejos, os objectivos apregoados, são uma coisa. A realidade actual, e realidade em que nos movimentamos, pode ser e muitas das vezes é, outra. Mesmo quando ou se, esses declarações públicas e solenes são feitas para apaziguar espíritos ou almas defuntas. Se o conseguem, constitui matéria questionável. Muito provavelmente, não. Não conseguem. O que, mesmo assim, em nada altera o curso da história. Pelo menos da história que já o é. Resta e fica por saber o que nos trará o porvir. Sendo que o futuro só depende dos vivos. Que só aos vivos pertence. Mesmo quando comece por ser sonho. Ou utopia. Até porque, como diz o poeta no seu poetar, no seu saber, no seu pensar saber ou no seu ser utópico, é o sonho que comanda a vida. De resto, sem sonhos e sem utopias nunca teríamos chegado aonde já chegámos. Em termos humanos e civilizacionais.



Na sua edição do dia 30 do mês findo, publicou o jornal “Notícias” (página 8), um anúncio publicitário paradigmático. Melhor e mais elucidativo do que este, só alguma das muitas tabuletas de madeira, que parece ter virado moda pregar em qualquer árvore de uma qualquer artéria de Maputo. Impunemente e sem o pagamento de qualquer taxa por ocupação de espaço público. Municipal. Ora, o anúncio publicitário feito publicar no referido matutino diz, textualmente ou sic), o seguinte: “TERRENO na Catembe, Km 18, com 8230m2, (8,2ha, na orla marítima, c/450m de praia, vedado em processo de emissão do DUAT, vende-se. Contacto:....... (particular)” Naturalmente, a omissão, neste texto, do número de telefone, é propositada. Já que em nada altera o que se pretende concluir. E, o que se pretende concluir é que, em Moçambique, a terra, parece que pode ser e parece que é vendida. Logo, também pode ser comprada. Basta, ter-se um DUAT. Seria interessante e reconfortante saber quais as acções que estão a ser desenvolvidas pelas autoridades municipais e da Justiça para esclarecer esta situação. E muitas outras que lhe podem ser semelhantes. Até ao momento, o silêncio pode querer dizer que nada. Ou que, mais do que isso, que quem tem DUAT tem tudo, quem não tem um DUAT tem nada. Pode até acontecer, como hipótese, que com a bênção de alguma dessas muitas igrejas que por aí proliferam. E que desenvolvem os seus cultos com apoio ao mais alto nível da governação. Com tanto milagre está por aí a noticiar-se, fica por saber se conseguir obter um DUAT não será também obra de um qualquer deus. Um milagre. Ou se conseguiu obter carta de alforria. Para se travestir em documento milagreiro.