domingo, abril 29, 2012

A política do facto consumado é uma arma terrível

Depois de uma reunião ministerial dos países falantes do português, realizada em Luanda, surge a esperança de que algo possa mudar em relação ao polémico Acordo Ortográfico (AO). De novo o escritor Vasco Graça Moura, presidente do Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, vem dizer de sua justiça. Manifestar a sua opinião. A que o “Notícias” de Maputo concedeu espaço (edição de 23 do corrente mês, página 39). Sob o título “Crítico do Acordo Ortográfico esperançado numa revisão”, o diário escreve que o escritor português “afirma-se convicto de que o documento será revisto levando à correcção de ‘muitas asneiras’.”. O mesmo texto acrescenta que Vasco Graça Moura “salientou que a última posição do Governo português (...) mostra que há ‘grandes divergências num conjunto de normas aplicadas à grafia no espaço da língua portuguesa’.”. Na opinião do escritor, “pode haver um volte-face porque a própria declaração final dos ministros vai nesse sentido, de que é preciso fazer ajustamentos, leia-se revisão”. O texto que estamos a citar, acrescenta que “Para o antigo escritor, o actual acordo é ‘um crime que lesa profundamente a língua portuguesa, tal como é falada no espaço português e africano, em todo o espaço onde se fala a língua portuguesa, menos no espaço brasileiro’. “. Pode ler-se, em seguida que o novo acordo se deveu a “uma irresponsabilidade de políticos que não percebem nada do que estão a fazer, já desde os anos de 1980, em especial nos anos de 1990, e depois de gente que não tem mais nada que fazer, como os senhores que integram a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa”. Tal como aqui defendemos, há algumas semanas passadas, o intelectual português diz que “Há que esperar por algum bom senso e que de facto seja promovido aquilo que á chamado em língua oficial reajustamentos porque sendo revisto o acordo significará uma revisão do tratado internacional que o representa e, se for revisto, certamente há muita asneira que será corrigida”. Por cá, pouco ou nada tem sido dito, discutido e escrito sobre tudo quanto se relaciona com o AO. Não se conhece como os moçambicanos reagem a estas críticas. Algumas ferruginosas. Pelo menos publicamente. Não se sabe se as aceitam e as assumem. Ou não. Se, simplesmente preferem assobiar para o ar. Ou ficar na cómoda posição de que os “cães ladram e a caravana passa”. Em suma, internamente, não só não há discussão como não há debate de ideias. Menos ainda polémica. O que ao longo dos tempos, em todas as épocas, se veio a mostrar como salutar. Como fundamental para o avanço da Humanidade. No seu todo. Esta passividade, esta aridez intelectual, esta falta de coragem em assumir o pensar diferente, pode parecer que remete para o conformismo. Para a aceitação tácita e pacífica do chamado Acordo Ortográfico. Que todos sabemos a quem serve. E a quem não serve. Na sua versão actual mas pouco divulgada. Digamos claramente, sem receios, que a nós, moçambicanos, não serve. Porque nada tem a ver com a nossa realidade. Quer cultural quer linguística. Tal, até não passe de um atentado ao nosso ser e aos muitos nossos saberes. Poderemos estar perante uma armadilha. Mas, ainda com tempo e com espaço para recuar. Amanhã, já poderá ser tarde. Quando viermos a ser, por hipótese, colocados perante o facto consumado. Já sem espaço e sem tempo para recuar. E para poder pensar diferente. Nacional. A política do facto consumado é uma arma terrível.

domingo, abril 22, 2012

Dominados e controlados por um bando de candongueiros.

Já se tornou hábito. Já se está a transformar em tradição. Parece vir a querer ser mito. Isto de autoridades ligadas ao comércio, a nível central e municipal, nos virem tentar tranquilizar sobre manutenção de preços e quantidades de produtos alimentares disponíveis. Isto todos os anos. Principalmente, durante as quadras festivas do fim do ano. Numa aparente e nunca desmentida procura de visibilidade. De protagonismo. Ou seja, de tentar mostrar ao chefe que estão a trabalhar. Que estão preocupados com a população. Com povo. E de tão convictos que estão sobre a utilidade da sua actuação, nunca terão verificado que o seu discurso político está desfasado da realidade. Que os seus desejos são contrariados sistematicamente pela prática. E que são os candongueiros, os especuladores, que dominam o comércio, o mercado, as trocas comerciais. E não as autoridades legalmente constituídas. Agora, já depois de há muito ter terminado a quadra festiva, surgiu mais um exemplo da falta de capacidade governamental em matéria de comércio. Estamos a referir-nos à chamada “crise do tomate. Que resultou de um facto bem simples e que bem poderia ter sido evitado se o Governo tivesse actuado como e quando lhe competia. Face à reduzida produção nacional. Utilizando os meios, as estruturas e as empresas que controla. Para abastecer correctamente o mercado Com a autoridade que lhe assiste. Não o fez. O que abriu espaço para que, perante a fraca produção interna de tomate, uns tantos importadores do produto se tivessem organizado para impedir a entrada do produto. Nas quantidades necessárias para ao normal abastecimento do mercado. Produzido na vizinha África do Sul. E, através desta acção, deste expediente, feito fazer subir, artificialmente, o preço pago pelo consumidor. E, nós, consumidores, tivemos de pagar. Ficámos com os bolsos mais vazios se quisemos comer tomate. Alguém, alguns, deve estar com os bolsos a abarrotar de dinheiro. Que não resulta de trabalho. Resulta da especulação. Da chantagem e do negócio ilícito. O que é punido por lei. Quando a lei funciona. Quando a lei é aplicada. O que pode não ser o caso. Há quem parece acreditar que a chamada “crise do tomate” está ultrapassada. Na sua edição do passado dia 17, titula o jornal “Notícias” (página 3), que “Abastecimento de tomate à beira da normalização”. E escreve que “O abastecimento do Mercado do Zimpeto em tomate que escasseia desde a primeira semana de Março está à beira da normalização, sanadas as divergências que opunham importadores baseados naquela praça e graças à intervenção das autoridades para pôr ponto final ao boicote”. O enigma, aqui, está em saber quais foram as autoridades que intervieram “para pôr final ao boicote”. Muito menos vimos essas autoridades personificadas nas pessoas de um ministro ou um director. Em declarações públicas. Em jornal, rádio ou televisão. Mesmo tendo de pagar para ter a possibilidade de ser visto. Esta chamada “crise do tomate” tem contornos que ultrapassam o espaço e o âmbito de um mero e despretensioso comentário. Pode, muito bem, inserir-se no plano da estabilidade social nacional. Ou da desestabilização. Esta chamada “crise do tomate”, faz-me recuar no tempo. E recordar aquilo que ficou conhecido como a “guerra das panelas”. Acontecida no Chile. Há já muitas décadas. Se a comparação faz ou não sentido, cada um, cada leitor que pense por si. É seu dever pensar. Agora, sobre o que parece não ser necessário pensar muito, quanto esta questão do tomate e do não tomate, apresenta-se como bem mais simples. E primário. Ë que, sem receio de desmentido, estamos a ser dominados e controlados por um bando de candongueiros.

domingo, abril 15, 2012

Todos nós somos diferentes

O chamado “dossier Cahora Bassa” parece ter sido encerrado. Finalmente. Embora os seus contornos possam não ser muito claros. Pelo menos publicamente. Quem cedeu e em que áreas, só o tempo o dirá. De qualquer forma, a importância do acordo ou do acordado, justificou a vinda do primeiro-ministro de Portugal a Moçambique. Mais concretamente a Maputo. Pena não tenha ido ao Songo, a Cahora Bassa. Para aí assinar com o Presidente moçambicano os documentos que rubricou na capital do país. Os motivos para tal posição podem ser vários. E, serão com certeza. Um dos quais, o de não querer mexer mais, de não querer reavivar feridas antigas. Já que, ao que agora, de quando em vez por aí se diz, o empreendimento nunca teve qualquer objectivo social nem económico. Trata-se, aqui, de uma versão que não passa de uma tentativa de branqueamento da história. É bom recordar aquilo que todos sabemos. A ideia que presidiu à construção da barragem teve como objectivo a estratégia militar do exército português na época. Que visionava poder travar o avanço da guerrilha para o sul do Zambeze. E através da construção de um conjunto de mais cinco barragens até ao Índico, estabelecer, assim, uma linha de água artificial, partir Moçambique em dois e criar condições para a fixação de um milhão de colonos. O general Kaúlza de Arriaga, em várias ocasiões e em vários espaços elaborou sobre este projecto megalómano e lunático. Que nunca viria a concretizar-se. Segundo o que já foi divulgado, o primeiro ministro de Portugal, Pedro Passos Coelho, ainda virá este ano mais duas vezes a Moçambique. Uma, para participar na Cimeira da CPLP. A outra, por motivo da realização da Cimeira bilateral Moçambique – Portugal. É sempre bem-vindo quem vem por bem. Façamos votos para que da mesma forma como soube concluir com êxito as complexas e melindrosas negociações sobre Cahora Bassa, nos traga novidades sobre outras áreas. Como, por exemplo, a do Acordo Ortográfico (AO). Nem que seja para nos vir dizer o que já muitos sabemos: Que se trata de uma aberração linguística e de uma monstruosidade jurídica. Em relação a cada um de todos os abrangidos por imposição brasileira. Estranha imposição, aliás. Até porque as línguas não tem dono. Têm, isso sim, falantes. E falantes que a falam e recriam de acordo com realidades especificas. Realidades e necessidades de comunicação locais. Indígenas. De resto, não deve ser por uma qualquer vaidade pessoal ou presidencial que os dicionários instalados nos computadores reflectem essas realidades e essa versatilidade. É assim que aí, nesses dicionários, por exemplo, as línguas francesas e inglesa, apresentam, cada uma mais de 15 versão. Tal como o são escritas em diferentes países. E nas quais todos se entendem. Sem necessidade de terem de recorrer a chauvinismos. A imposições dogmáticas. Para não ter de dizer mais, de ir mais além. Não se esqueçam de um direito fundamental inerente à natureza humana. Não se trata do direito, que não existe, de ser igual. Trata-se do direito de ser diferente. E todos nós somos diferentes.

domingo, abril 08, 2012

Estamos a tempo de evitar um país de clones

O tão badalado Acordo Ortográfico (AO) continua a ser notícia. Desta vez a partir de Luanda. Ali reunidos recentemente, os ministros da Educação da CPLP debruçaram-se sobre o assunto. E, segundo o jornal “Notícias”, edição do passado dia 4 (página 31), “(...) manifestam empenho na adopção”. Segundo o matutino de Maputo, “No final dos trabalhos, em declarações à Lusa, o ministro Nuno Crato, que representou Portugal no encontro, destacou o facto de os oito estados membros terem declarado ‘o empenho em levar para a frente o processo do acordo ortográfico’.” . O que bem pode, muito simplesmente, não passar de um desejo. De uma simples declaração de intenções. Se outros valores mais altos, se outros interesses não vierem a ser colocados. É que o tempo passa e não há qualquer hipótese de poder vir a ser recuperado. Recordemos que o AO foi aprovado em 1990 e entrou em vigor no início de 2009, no Brasil, e em 13 de Maio de 2009 em Portugal. Em ambos os dois países, terá sido estabelecido um período de transição em que tanto as normas anteriormente em vigor como as introduzidas por esta nova reforma são válidas: esse período é de três anos no Brasil e de seis anos em Portugal. Até aqui parece que está tudo bem. Que tudo é pacífico e cordato. Que todos os oito estão cordatos e que navegam em águas calmas. De diferentes mares, de diferentes oceanos. Mas, como não há regra sem excepção, surgiu a excepção. E, segundo a notícia citada, “À excepção de Angola e de Moçambique, todos os restantes países da CPLP já ratificaram todos os documentos conducentes à aplicação desta reforma.”. No referido encontro, Angola terá fundamentado a sua posição em dificuldades baseadas em estudos por si realizados. Perante o que parece ser um impasse, mas que também pode ser discordância ou desacordo, ficámos a saber ter sido recomendado “(...) a constituição de um grupo técnico, que integrará académicos, que vão fazer estudos adicionais e identificar, de acordo com o governante angolano, ‘os obstáculos que podem dificultar a aplicação do AO’. “. De facto, nada custa parar para pensar. Para pensar melhor. E para reflectir melhor sobre a realidade de cada um dos espaços geográficos em que alguém um dia decidiu dever ser aplicado o AO. Para além do Brasil. A aplicação do AO em cada uma das antigas colónias portuguesas, não é, meramente, simples questão de lei. De se dizer, a partir do dia tantos, do mês tal, do ano de, passamos todos a escrever desta ou daquela forma. Passamos todos a escrever igual. Ou seja, em termos de lógica, passamos a ser todos iguais. O que não passa de uma mentira, em primária apreciação. Em secundária avaliação, a luta do ser humano não é para ser igual. É para ser diferente. O direito à diferença é fundamental e o fundamento para o progresso. Em todos os campos da vida humana. Noutro contexto, coloquemos questão simples. A de saber quanto custa, em termos financeiros, levar à prática o AO. E o que é que tem a ver a sua aplicação com a maioria do povo moçambicano. Em grande percentagem camponesa e analfabeta. Ou semi. Ou seja, o que é que isso, o que é que o AO contribui ou pode vir a contribuir para a melhoria das condições de vida do rural. Respondamos sem receio de desmentido: Em nada, em lugar nenhum e em momento algum. Mas, como todos sabemos, será esse camponês, esse rural, que irá de ter de suportar, em grande percentagem, a aplicação de uma decisão governamental. Através do pagamento dos seus impostos. Para além destes e de outros aspectos, parece ser aconselhado, parece ser ajuizado ponderar sobre o que têm vindo a dizer e a escrever intelectuais e constitucionalistas portugueses. Muitos e bem identificados. E reconhecer, se assim for o caso, que sabemos reconhecer e corrigir o nosso erro. Caso não, corremos o risco de deixar que nos transformem num país de clones. Estamos a tempo de evitar um país de clones.

domingo, abril 01, 2012

Chuva em cima de pato

A polémica sobre o polémico Acordo Ortográfico (AO), avança. Cresce. Internacionaliza-se. Como é moderno dizer. Isto, por ter deixado de ser questão interna de Portugal. Questão entre portugueses. E contar, agora, com a participação do Brasil nos debates. Para dizer de sua justiça. Para tentar reafirmar e impor como devemos passar a escrever. A falar não, por isso ser impossível. No fundo da questão, estaremos apenas perante um aspecto mesquinho de vaidade humana. De uma tentativa para afastar e escorraçar fantasmas. De uma manifesta e comprovada forma de tentar escamotear complexos de inferioridade. Através de atitudes e manifestações de pretensa superioridade. Para não ter de utilizar expressão que a muitos parece incomodar. Digamos coisa simples e historicamente incontestada. Incontestável. A independência de todas as colónias de países europeus nas Américas, foram declaradas pelas burguesias colonizadoras. Pelos filhos de colonos. O Brasil não foi excepção. Excepção, única, foi o Haiti. Já em África, no Continente Africano, o processo decorreu de forma diferente. Todos os países se tornaram independentes com a entrega negociada do poder às elites locais. Nacionais. Ou de processos de luta armada. Por demais prolongados e por demais violentos e sangrentos para as partes envolvidas. É aqui que se pode enquadrar o caso de Moçambique. Voltemos ao absurdo AO. Há dias, foi divulgado na internet um texto que o jornal “Notícias” publica na sua edição de 27 do corrente (página 31), com o título: “Resistência de Portugal preocupa brasileiros”. Elucida o matutino de Maputo que “Um artigo publicado do sítio O Globo relembra o caso do intelectual português Vasco Graça Moura e defende que Portugal resiste ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”. Depois de vários considerandos, que em nada importa aqui referir, o mencionado texto acrescenta que “Um artigo publicado no sítio O Globo (...) revela que aumentam os receios que as novas regras sejam implementadas apenas no Brasil”. O que a vir a acontecer – e desejamos que assim possa acontecer – seria demasiado mau para o ego de muitos brasileiros. No referido texto afirma, também, que “O temor é reforçado diante da resistência de diversos sectores da sociedade portuguesa, que vem levantando acalorados debates nos últimos anos”. Ainda sobre o posicionamento do referido intelectual português, ficámos a saber que condicionou a publicação de uma entrevista que concedeu ao jornal brasileiro ao “respeito da ortografia portuguesa sem modificações do Acordo Ortográfico.”. Hoje, parece bem claro para muitos de nós que esta questão do AO não é uma simples questão de ortografia. Não é mera questão de comunicação na língua em que todos nos devíamos entender. Se assim, quando assim seja, seria bom começar a separar as águas como os angolanos já começaram a fazer. O que pode querer dizer que, de facto, se assim se pode concluir, há uma grande diferença entre ter como recurso natural petróleo ou carvão. Mas, se é verdadeiro que tudo o que por aí dizem, sempre vale mais ter carvão do que ter nada. Possa até não ser o carvão da Vale uma simples miríade. Mas, Talvez, uma questão de negócio entre comadres e compadres. Ou, como se pode concluir pelas evidências, chuva em cima de pato.