sábado, abril 15, 2006

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Abril 16, 2006

antes e depois

Luís David

não é caso único

Nos últimos têm sido, entre nós, sistemáticos, os apelos ao passado. A um passado recente. Desejamos, ao que parece, regressar ao passado. Viver no passado. Porque, pensam e dizem os nostálgicos, o passado foi bom. No passado tudo foi bom. O presente, esse é mau. No presente, tudo é mau. Aqui, parece implícita uma falta de capacidade de leitura da história e de interpretação da história. De contextuar a história. Mesmo quando recente. E, isto, para perceber, para entender, que o aconteceu ontem, num determinado contexto, não se pode repetir hoje, em contexto diferente. Por mais forte que seja o nosso desejo, por mais sincera que seja a nossa vontade de repetição. E, esta saudade do passado, este desejo quase mórbido de ver o passado ser presente, pode não ser mais do que a falta de capacidade para encarar o futuro. Talvez reflicta, até, um inconsciente medo do futuro.

Em “O Mundo é Plano”, bestseller nos EUA, Thomas L. Friedman, oferece-nos “Uma breve história do século XXI”. Livro interessante, por demais interessante, que nos permite entender a que velocidade alguns países caminham para produzirem riqueza. Alguns, repita-se. Assim como as reformas a que procederam, onde e quando tiveram sucesso. Assim como e onde não tiveram. Por exemplo, depois de explicar como a China ultrapassou o México como principal fornecedor dos Estados Unidos, escreve: A China não quer apenas enriquecer. Quer ser poderosa. A China não quer apenas aprender a fabricar automóveis da General Motors (GM). Quer ser a GM e retirar a GM do negócio. Quem quer que duvide disto devia passar algum tempo junto dos jovens chineses. E, logo a seguir, citando Luis Rubio, Presidente do Centro de Investigação e Desenvolvimento do México: Quanto mais autoconfiança temos, mais as nossas mitologias e complexos diminuem. Um dos aspectos mais fantásticos do México no início da década de 90 foi o facto de os mexicanos terem percebido que eram capazes de fazer as coisas. Opina o mesmo mexicano que a falta de autoconfiança leva a que um país continue virado para o passado e que a falta de confiança que existe no México significa que a mentalidade prevalecente é a que os Estados Unidos os vão reduzir a empregados de limpeza. O autor do livro, cita um humorista norte americano do século XX, Will Rogers, a dizer: “Mesmo que estejas no caminho certo, serás atropelado se ficares sentado”. E, conclui: Quanto mais plano e mundo se torna, mais rapidamente isso irá acontecer. O México conseguiu entrar no caminho certo com as reformas “por atacado”, mas, depois, devido a inúmeras razões tangíveis e intangíveis, ficou sentado e as reformas “a retalho” não aconteceram. Quanto mais tempo o México ficar sentado, mais facilmente será atropelado, e não será caso único. Concordemos que não será caso único. Admitamos que não é caso único.
Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Abril 9, 2006

antes e depois

Luís David


abrimos mais uma porta à dependência externa

Somos, sem a menor dúvida, um país cuja população está exposta às mais variadas e diferentes doenças. Mas, para além de todas as muitas doenças que todos conhecemos, das muitas doenças contra as quais nos procuramos prevenir, há outras. Outras doenças, igualmente mortais, que constituem ameaça de morte. Uma delas é a raiva, que “ameaça saúde pública no país”, segundo o “Notícias” ( edição de 5 do corrente, primeira página). O mesmo matutino informa que “No ano passado cerca de 40 pessoas morreram vítimas da doença”. E, para que não restem dúvidas sobre os perigos da dita doença, para que os já cautelosos se acautelem ainda mais, começa por escrever que “o aparecimento de animais vadios, como cães, macacos, gatos e ratos em diferentes pontos do país coloca em perigo a vida de muitos cidadãos”. Ao que parece, estaremos perante um perigo nacional. Um perigo para a saúde pública. Mais um. Outro, que querem fazer acreditar também perigo para a saúde pública, foi inventado muito recentemente e foi localizado na Praia do Bilene. Há quem queira, teimosamente, afirmar e repetir que as águas da lagoa estão contaminadas por óleo. Que constituem perigo para a saúde pública. Só que não conseguindo provar a sua tese, passaram à segunda fase da mentira. Passaram a dizer que as águas estão contaminadas pelos esgotos. Ora, e parece muito difícil provar o contrário, o fenómeno que provocou a morte de peixes e o aparecimento de algas à superfície na Lagoa do Bilene terá sido o mesmo que, na mesma ocasião, cobriu as águas da Baía de Maputo com algas. Para os mais teimosos e aos ignorantes, fica o desafio de provarem que os fortes ventos sentidos no Bilene, fez sexta-feira última um mês, não provocaram a eliminação do oxigénio nas águas da lagoa. Causa única, até prova em contrário, da morte de peixes e de algas. Depois terão igualmente de provar, como trabalho suplementar de investigação, qual o fenómeno que motivou que ramos de árvores, plantas e, sobretudo milho estavam, sábado, secos. Deixemos de ser alarmistas.



Uma outra moda nos tempos que correm, uma outra moda alarmistas, é a da gripe das aves. Há quem diga que sim, que constitui um perigo, como há quem diga que não, que constitui perigo nenhum. Ao que parece, em resumo, dizer que sim, dizer que a gripe das aves é coisa perigosa, alimenta vários tipos de negócio. Gastar dinheiro na elaboração de planos de prevenção da gripe das aves é, em definitivo, um exercício inútil. Sejamos mais claros, um exercício ridículo. E é, em definitivo e sem hipótese de desmentido, um exercício que procura desviar as atenções dos grandes problemas nacionais, dos grandes objectivos nacionais. A gripe das aves não é um problema, muito menos um perigo nacional. E, parece ser difícil tentar provar o contrário. Talvez acrescentar, fazer recordar aos que tentam fazer por esquecer, que o vírus da gripe das aves foi descoberto há nove anos no Vietname. Desde então, morreram apenas nove pessoas em todo o mundo. E, mais, não está provado que a gripe das aves se transmita aos humanos. O que há a certeza, isso sim, é que por detrás desta alarme, talvez deste falso alarme, se escondem fabulosos negócios de venda de medicamentos. Houve, já, compra e venda de marcas de medicamentos e de laboratórios. Criaram-se monopólios, por detrás dos quais estão insuspeitas figuras da política mundial. Questionemos, por fim, que interesse servem ou procuram servir esta posição alarmista nacional, esta postura alarmista indígena. Não é, certamente, por ingenuidade, que estamos a abrir mais uma porta para a dependência externa. Que abrimos mais uma porta à dependência externa.
Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Abril 02, 2006

antes e depois

Luís David


assim não iremos longe

O desporto nacional é de fraca qualidade. Talvez, por hipótese, o desporto nacional atravessa o seu período de mais baixa qualidade desde que Moçambique é país. Quase todas as modalidades, quando não mesmo todas, atravessam um período de declínio. De aparamento. È, como se não existissem. Quer sejam modalidades colectivas, quer sejam individuais. Como excepção, única e honrosa, temos Lurdes Mutola. O que é pouco, demasiado pouco para a dimensão e em relação à população do país. Depois, exceptuando Lurdes Mutola, a caminhar para o apogeu da sua carreira, temos nada. Temos pouco. Muito pouco. Temos pouco a nível de África, temos nada a nível mundial. Esta nossa realidade é devida, deriva, entre outros possíveis factores, da ausência de uma política de fomento desportivo. Mas, também, de organização, de incentivos, de apoio. Digamos, com mágoa e tristeza, o desporto entre nós não é. Foi. Ora, organizar o CAN/2010 pode ser bom. Pode trazer prestígio ao país. Mas não vem, muito longe disso, resolver o problema do desporto nacional. Organizar o CAN/2010 pode transformar Moçambique em notícia a nível de África e do mundo. Mas, apenas durante alguns dias, durante poucas semanas. Podemos colher dividendos políticos durante uns poucos dias ou algumas semanas. Não mais do que isso. Depois, depois dessa irrealidade, desse sonho, desse desejo de ser o que não somos, haverá que se sobrepor a realidade. A nossa realidade.


Exemplo da nossa falta de organização, exemplo da nossa desorganização desportiva, está aí. Mais uma vez evidente. Exemplo, mais um. E, exemplo fresco. Como fresco é o peixe acabado de sair do mar. A provar que a improvisação dominou, continua a dominar, a organização. È assim, por falta de organização ou por força do improviso, que a Taça da Liga já não começa hoje. Como havia sido previsto começar. Dizem, publicamente e sem vergonha, os senhores que mandam no futebol nacional não terem conseguido os necessários e previstos patrocínios. Que haverão de os conseguir. E que quando os conseguirem, então sim, haverá, haverá de haver Taça. Ora haja, venha a haver ou não haja Taça, haja ou não haja patrocínio para a Taça, fica mais uma mancha no futebol nacional. Dizer que a organização do CAN/2010 não poderá ser afectada por esta incompetência interna, por esta desorganização, provavelmente organizada, é pura ingenuidade. No desporto, como na política, as coisas não acontecem por acaso. São programadas. Mas, convenhamos, assim não iremos longe.
Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Março 19, 2006

antes e depois

Luís David


o país real não se afasta de nós


Fala-se e escreve-se muito sobre inflação. Defendem-se teorias, as mais diversas, sobre os benefícios e os malefícios de uma inflação baixa. Entre nós, inflação baixa foi elevada ao nível do mito. Como se, aqui como em qualquer outra parte do mundo, manter a inflação baixa pudesse ser sinónimo de boa governação. Não o é. Objectivamente, nunca o foi em parte alguma do mundo e nunca o poderá ser aqui. Tenhamos presente, à partida, que uma coisa é inflação baixa e outra coisa, por completo diferente, é inflação controlada. Controlar a inflação é, sem margem para qualquer para dúvida, bom. Muito bom. Manter a inflação pode não ter qualquer significado. Ou, em alternativa, pode significar, muito simplesmente, um travão ao desenvolvimento da economia. Tendo presente, e parece importante destacar este aspecto, que pode haver crescimento sem haver desenvolvimento. Neste contexto, Moçambique pode ser um caso paradigmático. Pode ser visto, pode ser apresentado como o exemplo de um país que apresentando um elevado nível de crescimento, tal nível, tal apregoada percentagem de crescimento, nada tem a ver, pouco tem a ver com crescimento. Pouco tem a ver com a melhoria do nível de vida das populações. E, aqui, parece residir o grande defeito da teoria neo-liberal. Da forma como a teoria neo-liberal tem vindo a ser executada em nós. Em Moçambique. Que é, muito simplesmente, a de não entender, de não aceitar, que qualquer reforma ou qualquer reajustamento estrutural, só faz sentido quando se caminha para que os pobres fiquem menos pobres. Quando se caminha para reduzir as ilhas de pobreza e não para as aumentar como tem sido, objectivamente, o caso moçambicano. Talvez não seja descabido concluir que a política económica moçambicana tem vindo a ser, nos últimos muitos anos, uma política de subserviência, uma política de submissão a interesses e a modelos externos. E que o modelo imposto e que, repetidamente, nos dizem ser bom, só poderá gerar dividendos para quem o impôs. Não passsamos ou, por outras palavras, não somos mais do que aquilo a que se chama uma economia obediente. Vencer a pobreza, como todos desejamos, implica eliminar falsos conceitos e falsas concepções de desenvolvimento económico. Implica ter coragem para provocar a ruptura. E ter coragem para mostrar que há alternativas.


Só muito recentemente se admitiu que, no ano passado, que a inflação ultrapassou os 14 por cento. Até então, nunca havia atingido os chamados dois dígitos. Como se isso tivesse alguma coisa a ver com que chega ou já não chega às nossas barrigas. Mas, mesmo que os ditos 14 por cento não passem de uma ilusão, de uma miragem, que sejam um número que peca por defeito, atentemos na realidade. Olhemos para a realidade dos nossos todos os dias. Atentemos na realidade dos preços do peixe e da carne, da farinha e do leite condensado, da energia eléctrica e da água. Dos transportes colectivos, também. Mas, se quisermos ser mais realistas, teremos de sair do centro das nossa cidades. Teremos de ir até onde começa o país real. E, não é necessário percorrer quilómetros muitos. Basta percorrer algumas dezenas, por estrada de alcatrão. Então, fica a saber-se quanto custa, hoje, uma pequena bacia de mandioca ou de batata doce, de citrinos ou de tomate. E, então, fica a perceber-se que custa quase o dobro do que custava há meia dúzia de meses atrás. E, é pegar ou largar. Não há espaço para discutir o preço. Não á desconto. Não vale a pena pedir para diminuir o preço. Este é, em definitivo, o país real. Este é o país que não consta nas estatísticas. Este é o país que foge à lógica da análise das teorias neo-liberais. Assim sendo, por muito que isso possa custar, sendo que posa não ser fácil deglutir, muitos de nós, talvez alguns de nós, estão a afastar-se do país real. Mesmo assim, talvez por isso mesmo, o país real não se afasta de nós.