domingo, julho 18, 2004

Publicando em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 18 de Julho, 2004
 
antes e depois
 
Luís David
 
 
vigarista é sempre vigarista

 
 
Todos nós sabemos, todos nós conhecemos a história. Por este país fora, há diversos e muitos produtos a ser vendidos que não possuem um mínimo de qualidade. Outros, estão fora de prazo. Foram comprados ao desbarato em países vizinhos ou na Europa. Mas, aqui chegados, a Moçambique, são vendidos por alto preço. Como produto de alta qualidade. A par destes, dos importados, começa também a aparecer o mau produto moçambicano. Que é vendido como se tivesse qualidade. Como se fosse de alta qualidade. Caso paradigmático, é o da água engarrafada. Por certo, por haver alguém que descobriu que, vender água engarrafada, mesmo que seja água igual àquela que sai da torneira é como possuir uma mina de ouro. Outros, alguns outros, ditos novos empresários, terão descoberto que abrir um furo seria bem mais lucrativo. Vai daí, não precisaram pensar duas vezes. Abriram mesmo o furo. Em terreno, agora, ocupado por gado. Bem anda e bem se esforça o Ministério da Saúde. Para colocar fim a estes desmandos. Para defender os direitos do consumidor e a Saúde Pública. Mas, ao que parece, até ao momento sem grande êxito. Ou com relativo sucesso. É que, em certos casos, e pode ser o presente, não basta a multa. É necessário ir mais longe. É necessário mandar pôr fim à actividade. Por mais elevado que possa ter sido o investimento. A defesa da saúde não se compadece com medidas tímidas. Com meias medidas. O mesmo é dizer que mandar encerrar todas essas linhas de engarrafamento de água é um dever.
 
 
Há coisas, há atitudes e há comportamentos, que não podem ser atribuídas a pessoas de bom senso. Que não podem ser atribuídas a pessoas que estejam no seu perfeito juízo. Que não podem ser atribuídas a pessoas que se guiam, nas suas actividades empresariais, como se exige, por um código de honestidade. É que, ganhar dinheiro honestamente é uma coisa. Tentar enganar para roubar, é outra. E bem diversa. È que, no primeiro caso, está o empresário honesto. Que investe, trabalha, paga impostos e procura ter o seu lucro. No segundo, está o vigarista e o trambique. Aquele que nada produz e muitas vezes nada investe de seu. E, impostos também não paga. Mas que se diz, de si próprio, ser empresário. Mesmo quando, para evocar essa qualidade, teve de falsificar assinaturas de dirigente do Estado. Não importa a que nível. A verdade, é que falsificou. Onde chegámos!!!. Chegámos, exactamente, ao ponto de ter de saber uma coisa muito simples e muito clara. Continuamos numa guerra de comunicados, estilo agora dizes tu, agora digo eu,  ou foram tomadas medidas concretas. E, as medidas concretas e imediatas, entre outras, é mandar selar a tal linha de engarrafamento de água. É mandar retirar do mercado toda a água por si engarrafada. É proibir esta suposta empresa, e outras,  de continuarem a colocar água no mercado. E é, levá-la a Tribunal por crime de falsificação de assinatura de dirigente do Estado. E, de crime contra a Saúde Pública. Tenhamos a coragem de não nos deixar amedrontar pelos vigaristas. Sendo verdade que vigarista é sempre vigarista. 
  
  
 

domingo, julho 11, 2004

Publiado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 11 de Julho, 2004

antes e depois

Luís David


Cuidado


Já lá vão muitos anos, muitos mesmo, o número de funcionários era dois. Depois, passou a um. A capacidade e o espaço físico para atender o público consumidor foi reduzido. Em cinquenta por cento. Depois, alguém terá pensado que esta coisa de funcionário recebedor e consumidor poderem olhar-se de frente, não seria muito higiénico. Vai daí, terá imaginado que colocar um vidro entre ambos seria a fórmula ideal para evitar a passagem de bacilos. E, logo, cortar pela raiz qualquer hipótese de contaminação via oral. Só que, hoje, passados que são muitos anos, lá permanecem as ripas de madeira de pinho. Toscas e mal ajeitadas. O vidro, talvez por ser caro, nunca chegou a ser colocado. Também é de há muitos anos, a memória de as facturas apresentadas a pagamento receberem certificação mecânica. Depois, as máquinas avariaram, foram avariando. Em sua substituição, registou-se um recuo para o milénio anterior. Isso mesmo. Um ou uma funcionária diligente, mas, repetidamente, sonolentos e, por certo, muitas vezes cansados, lá vão manuscrevendo os recibos. Com a consequente perda de tempo para quem vai pagar. Trocos, isso é coisa que não existe. Quem leva dinheiro trocado paga e sai. Quem não leva, espera, em bicha, como nos tempos do racionamento, pelos trocados de alguém. Naturalmente, qualquer semelhança entre o que fica descrito e o que se passa nos postos de cobrança da empresa Águas de Moçambique é pura realidade. Daí, aqui chegados, as saudades que guardamos do tempo em que o engenheiro Miguel Alves dirigia a Empresa. Do tempo em que Empresa se escrevia com letra maiúscula.


Na sua edição de 6 do corrente mês, o jornal “Notícias” abre a primeira página com um texto a sete colunas (o máximo da largura) e título a cinco. E isto para nos informar que na cidade de Maputo, Condóminos assinam contratos com “Águas”. E, quantos assinaram? As primeiras linhas da prosa, presumivelmente encomendada e, como tal, paga, são esclarecedoras: Pelo menos dois condomínios da capital já formalizaram os seus contratos de fornecimento de água aos espaços comuns dos seus prédios junto à empresa Águas de Moçambique (AdeM). Que maravilha. Que pérola jornalística. Verdadeiramente digna de figurar no livro dos recordes da burrice e da estupidez. Não nos esqueçamos que estamos numa cidade com cerca de dois milhões de habitantes. E com muitas dezenas, talvez centenas, de edifícios que a APIE diz, sem conseguir provar, que são condomínios. Mas, não nos deixemos distrair. Um director da tal empresa, que por questão de respeito evito citar o nome, disse e o matutino faz-se eco: São condições indispensáveis para a celebração do contrato (...) uma factura antiga para a localização do cadastro, uma carta da APIE que formaliza a transferência de responsabilidades para o condomínio, uma carta da comissão de moradores e fotocópia autenticada da pessoa (sic) responsável pela assinatura. Ora, podendo parecer que estas exigências são exageradas, podem não o ser. Por certo, nem o são. É que fosse eu gestor da Águas de Maputo e, como tal, tivesse um vencimento mensal de muitos milhares de dólares norte-americanos, haveria de exigir muito mais. Para garantir que... Mesmo sem perceber nada de qualidade de água. Menos, ainda de gestão da empresa fornecedora do chamado “precioso líquido”. Haveria eu, como gestor e para minha defesa, de exigir que, para além do já dito, fosse obrigatório apresentar certidão de registo criminal, certificado de vacina contra a cólera, documento comprovativo de ter cortado as unhas dos pés e da vacina dos cães que, eventualmente, possa ter em casa. E, também, documento comprovativo de não ser portador de HIV/SIDA. A captação, a distribuição e venda de água é assunto demasiado sério. Para ser deixado ao critério de empresas estrangeiras. Geridas por interesses colonialistas. Cuidado.

segunda-feira, julho 05, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Julho 4, 2004

antes e depois

Luís David

uma situação primária de distribuição da riqueza


Parece ter tido, finalmente, decisão definitiva a construção da catedral da IURD, em Maputo. Melhor dizendo, da não autorização para a construção e da chamada catedral. E, da chamada catedral, porque isto de construir uma catedral não é para todos. Não é para quem quer. Porque o termo catedral tem um significado, preciso, exacto, que nenhum dígito pode comprar. Abreviando, a Assembleia Municipal decidiu não autorizar a construção da referida chamada catedral na Avenida Julius Nyerere. Recuando, um pouco, no tempo, teremos de colocar uma outra questão. O conjunto de construções que existiam no local estavam ou não classificada como património cultural edificado da cidade de Maputo. Faziam ou não faziam parte da história da cidade de Maputo. Parece que sim. O bom senso manda dizer que sim. Daí, a dificuldade em entender-se a persistência com que o antigo presidente municipal continua a vir a público defender a legalidade da obra. Poderá ter recebido não um, nem dois, nem três, mas muitos relógios de ouro. Já agora, e porque todos sabemos que as perguntas não incomodam mas que o que incomoda são as respostas, deixemos mais algumas questões. E, estas, são para saber como e em que condições parte dos terrenos do antigo viveiro municipal foram alienados. Como foram concedidos os terrenos, igualmente para construção, do chamado “caracol”. Por fim, fazendo eco das más línguas cá do burgo, seria importante saber como e em que condições foram concedidos os terrenos na Baixa da cidade, em frente ao antigo bairro da Marinha, para a construção de um centro comercial. Verdade ou mentira, consta que naqueles terrenos existem, subterradas, construções com valor arqueológico. O que terá motivado que, até tempos recentes, nunca tenha sido autorizada qualquer construção no local. Sem dúvida, questões interessantes para a brigada anti-corrupção investigar. Confiemos que sim.



É notório o esforço que está a ser desenvolvido pelos actuais gestores municipais. No sentido de alterar a situação que herdaram. E, o que herdaram é pior do que mau. Não se trata, por conseguinte, de partir do que havia sido feito e avançar, construir, fazer mais e melhor. Trata-se, em muitas áreas, de ter destruir o que foi feito ou deixado fazer. Em outras, de partir do zero, de partir do nada, e fazer alguma coisa. E, quando se parte do zero, alguma coisa, pouca que seja, é sempre muito. Sinais de trabalho, existem. Valas de drenagem, aumento da frota de viaturas para recolha do lixo, limpeza de sarjetas, desde há anos entupidas, alteração de alguns locais de paragem dos chamados e indisciplinados “chapas”, tentativas para disciplinar vendedores, e por aí em diante. Sem esquecer a construção de novos passeios – parece que desta vez o cimento não foi roubado, como aconteceu, em tempos idos, na Karl Max – e a criação de espaços ajardinados em várias outras artérias. Tudo isto, exige trabalho e necessita dinheiro. Falando de dinheiro, torna-se importante saber se e quanto rendem ao Município todos esses espaços de estacionamento privados em diferentes artérias e todos esses painéis publicitários. É que, ou pagam, e pagam bem, sendo essa receita gerida e distribuída em benefício de todos ou, caso não, caso não paguem, torna-se necessário começar a pensar na inutilidade da sua existência. Sem ter de ir mais longe, sem ter de elaborar mais, estamos perante uma situação primária de distribuição da riqueza.