domingo, julho 26, 2009

a democracia começa a ter demasiados pais

Ele há livros e há livros. Há livros que nos dizem pouco. Que nos dão pouco de novo. Outros, são o inverso. Como é o caso de “Memórias de um Combatente”. Que tem como segundo título E a verdade sobre a fundação da Resistência Nacional Moçambicana. Trata-se de um livro escrito pelo jornalista João Ferro Dias, baseado em relatos de Rodrigo Carlos Guedes. Nascido na então Vila Pery, em 1951. Na contracapa, pode ler-se que Por acreditar nas causas nobres (...) foi – e ainda o é – um homem de ideais, lutando por eles a todo o custo, e sem desejar qualquer retorno. E, logo a seguir: Primeiro como voluntário operacional em Vila Pery, depois como guerrilheiro enviado para combater os comunistas e os cubanos na guerra civil em Angola. Ainda no texto de apresentação: Por último, como membro do verdadeiro grupo fundador da Resistência Nacional Moçambicana, lutando contra as tropas da Frelimo no país onde nasceu e permaneceu até ao início da sua vida adulta (...).


Em “Nota do Autor” (pag.10), podem ler-se alguns elogios, de entre os quais a Evo Fernandes e sua viúva que, hoje, também se reclama de fundadora da RENAMO. André Matsangaíssa, também merece referência, na qualidade de primeiro comandante da Resistência Nacional Moçambicana. Ao longo de mais de 100 páginas, o narrador descreve o seu percurso de vida. Desde que saiu da antiga Vila Pery, onde foi membro da Organização Provincial de Voluntários e Defesa Civil de Moçambique (OPVDCM), até ao seu regresso à Rodésia, donde partira. Após ter sido ferido em Angola, onde combateu nas fileiras da FNLA. “Homem de direita”, como a ele próprio se define (pag. 123), transcreve a carta por si assinada (pag. 137) e dirigida ao Comandante – Chefe das Forças Armadas da Rodésia. A pedir apoio para desencadear acções de guerra e derrubar o regime vigente em Moçambique. Depois de relatar como foi escolhido o nome para o grupo de que fazia parte, escreve que Mas, como génese, foi este o genuíno grupo que deu início a um caminho longo e penoso. Como foi nosso também o primeiro panfleto distribuído em território moçambicano onde se fez a referência original à Resistência. É também referido o auxílio prestado pelo Especial Branca (SB), e, não sem surpresa: Afinal parecia que o SB já se teria adiantado, pois iniciara, sem nós sabermos, a dita preparação de um grupo de negros. E nós a julgar que eles demoravam na resposta (à carta) porque estariam hesitantes.... Quanto a datas, pode ler-se que Nos primeiros dias de 1977, passava então a fronteira o grupo armado pioneiro da Resistência Nacional Moçambicana (...). Quanto à liderança, teria de ser obrigatoriamente um negro, para que lhe pudéssemos passar o testemunho da liderança, porque tínhamos perfeita noção de que uma força de oposição ao regime encabeçada por brancos seria permanentemente enfraquecida pelo estigma da ligação umbilical à antiga potência colonizadora. O comandante André, como parece ser carinhosamente tratado, seria, como pareceu natural, o almejado líder ((pag. 175). Concluindo, esta pode ser, apenas, mais uma versão da história. A ser verdadeira, será uma história que poderá vir a fazer rever a história. Para se saber, em definitivo, quem é o verdadeiro pai da democracia. Para esclarecer. Como as coisas estão, a democracia começa a ter demasiados pais.

domingo, julho 19, 2009

haja coragem para ouvir os vivos

O assustador número de mortes provocados por acidentes de viação, nas últimas semanas, já não pode deixar ninguém indiferente. De consciência tranquila. Possam e sejam diferentes as formas de interpretar as suas origens. Possam e sejam diferentes as formas para evitar a sua repetição. Responsáveis da Polícia de Trânsito e do INAV foram, semana que passou, assediados por rádios e televisões. Para darem as suas opiniões sobre o que se está a passar. Sobre o que se está a passar de errado. Se fosse forçoso resumir em poucas palavras o que foi ouvido, diríamos que falaram muito e disseram pouco. Ou, disseram nada. Pelo menos é a conclusão que se pode tirar de dois debates televisivos. Em que não se passou, em que não se foi além do discurso retórico. De uma desculpabilização das instituições. De tentativas, inúteis e canhestras, no sentido de tentar demonstrar que o que está legislado e regulamentado corresponde à prática. Mas, infelizmente, assim não acontece. E, como se sabe, de boas intenções e por melhores que sejam está o planeta repleto. E não é por isso, não é por assim ser que são reduzidas as mortes nas estradas moçambicanas. Há, já, bem claras, tentativas de escamotear a verdade sobre as causas das mortes. Por exemplo, em reunião realizada na cidade da Beira (“Notícias”, 15.07.09), em que se sabe terem participado, em círculo fechado, Polícia e INAV, terá sido concluído que há muita ignorância por parte das populações sobre as normas de estrada. Na referida reunião, terá, também, sido repetidamente falado em erro humano. Já no programa “Tudo às 10” da TVM (15.07.09), o representante da Polícia de Trânsito terá dito que estamos perante acidentes fora do vulgar. Disse, também, que o número de acidentes diminuiu mas que o número de mortes aumentou. O que não disse, como se esperava que dissesse, é o que se está a fazer para diminuir o número de acidentes e de mortes nas estradas. Qual é estratégia para evitar as mortes nas estradas nacionais . Salvo melhor opinião, não está a ser feito nada. Ou, se assim se preferir, em teoria muito, na prática nada. De resto, e não menos interessante, seria saber-se quem são os verdadeiros proprietários destas viaturas que tantas mortes causam. Muito provavelmente, serão, também agentes das polícias. E, por aí acima.


Na quarta-feira que passou, o Procurador Geral da República visitou a Enfermaria de Ortopedia do Hospital Central de Maputo (Telejornal da TVM). Onde metade dos pacientes internados foram vítimas de acidentes de viação. Augusto Paulino terá dito, na ocasião, que não se pode tolerar casos de acidentes de viação por condução em estado de embriagues, por falta de destreza ou por deficiência de formação por parte dos automobilistas. Ao que parece, as causas dos acidentes de viação, admitidas pelo PGR, diferem das apontadas por outras instituições. Mas, isso até pode ser irrelevante. O que parece importante, o que importa realçar, é que ele foi ouvir, pessoalmente, sobrevivos de acidentes de viação. Certamente, numa tentativa de perceber a origem do fenómeno. Ele foi ouvir pessoas que estão vivas e que podem ajudar, com as suas experiências, quase ao certo traumáticas, com as suas opiniões, no criar de condições para evitar mais mortes nas estradas. Mas que, curiosamente, ou por interesses pessoais e mesquinhos, nunca são chamadas a dar a sua opinião. Seja em debates públicos ou em reuniões tipo “pescadinha com o rabo na boca”. Como terá sido a referida realizada na cidade na Beira. Como muitas outras, em que a conclusão dos debates é que a culpa é sempre dos outros. Em homenagem aos mortos nos acidentes de viação, haja coragem para ouvir os vivos.

domingo, julho 12, 2009

É possível alterar a situação

Ele há assuntos, ele há questões, em relação às quais parece nunca ser de mais insistir. Repetir chamadas de atenção. É o caso dos acidentes de viação. Do número, assustadoramente, crescente de acidentes de viação. Com correspondente e aumentado número de vítimas humanas. Homens e mulheres. Velhos, jovens, crianças. Em muitos casos, perdas irreparáveis num país que tanto investe na Formação, na Saúde, na Educação. Num país em que o combate á pobreza não pode – como o não pode em nenhum -, ser feito com mortos. Ora, em parte significativa, estes acidentes que tantas pessoas separam do nosso convívio diário, são provocados pelos chamados “chapas”. Em Moçambique, parece, morrer na estrada está a tornar-se banal. Não uma fatalidade. Mas, uma banalidade. Dados tornados públicos pela Polícia, só numa semana, até à passada quarta-feira. 63 pessoas haviam perdido a vida na estrada. Além dos mortos, foram registados 120 feridos num total de 110 acidentes rodoviários (“Notícias”, 08.07.09). Trata-se de dados oficiais. De dados divulgados pela Polícia. As causas, como quase sempre, são vagas e difusas. São apontadas de forma generalizada. Fala-se de desrespeito pelas regras de trânsito, de excesso de velocidade, de corte de prioridade, de condução em estado de embriaguez, de excesso de lotação, de ultrapassagens irregulares, de deficiência mecânica das viaturas. E, por aí em diante. O menu é vasto. Parece ter sido elaborado para servir a todos os gostos. Mas, não convence, não passa de conversa fiada, de lengalenga.


O último acidente rodoviário grave, aconteceu na madrugada da última terça-feira. Na EN-4. Causou oito mortos e 16 feridos. A viatura levava 25 pessoas. Mas, tinha capacidade legal para apenas 16. Mais uma vez, e como sempre, ninguém fala, ninguém falou, em responsabilidade criminal. Habitualmente, neste género de acidentes rodoviários, não é atribuída responsabilidade criminal. A ninguém. Não são feitos inquéritos, nem peritagens às viaturas. Quem morreu, morreu. E, se acaso não aparecem familiares a reconhecer os corpos das vítimas, sempre há uma solução. E, a solução é a vala comum. Instituto Nacional de Viação, Polícias, Governos provinciais, Conselhos Municipais e Ministério do Interior, que têm a obrigação legal de controlar os agentes sob seu comando, não estão isentos de responsabilidade. Da responsabilidade moral pelo que se passa nas nossas estradas. Algo está a impedir que condutores sem licença continuem a conduzir. E que viaturas sem registo continuem a circular. E a matar. Inocentes. É preciso agir. É preciso agir e é preciso responsabilizar, quem está a provocar tão elevado número de perda de vidas humanas. Ao que assistimos, algo está a impedir, algo está a manietar, quem tem por função agir. Agir em função do cumprimento da Lei. E, enquanto este mistério não seja desvendado, enquanto permanecer esta pacividade, iremos ter muitos mais mortos nas estradas. E morrer nas estradas não pode, nem deve, ser encarado como uma fatalidade. É possível alterar a situação.

domingo, julho 05, 2009

uma humildade nacionalista

Em tempo de crise financeira mundial, digamos de depressão, é bom, é salutar, alguma leitura. É positivo ler o que outros escreveram sobre a crise e sobre crises. Ler, o que outros, que sabem muito mais do que nós escreveram, para, há muito, alertarem sobre erros. Que também poderemos estar a cometer. É o caso de Paul Krugman. Autor de “O regresso da economia da depressão e a crise actual”. Nesta sua obra, o Prémio Nobel da Economia de 2008, começa por nos situar na Grande Depressão da década de 1930, que classifica como uma tragédia injustificada e desnecessária. Indo por aí em diante, analisa as crises recentes, verificadas em diferentes países da América Latina e da Ásia. Aponta origens, causas, efeitos. E, também, erros nas tentativas de alterar as situações. Na sua obra didáctica, acessível mesmo a quem não seja economista, escreve Krugman (pag. 109): Acompanhem o meu raciocínio. Existem três coisas que os gestores macro-económicos pretendem para as suas economias. Querem discrição na política monetária, de forma a poderem combater as recessões e dominar a inflação. Querem taxas de câmbio estáveis de forma a que as empresas não tenham de enfrentar demasiadas incertezas. E querem manter a liberdade do comércio internacional – em especial permitir que as pessoas possam trocar dinheiro como lhes apetecer -, de forma a não se intrometerem no sector privado. O que a história do globo e da sua queda nos ensina é que os países não podem satisfazer todos os três desejos; no máximo, poderão satisfazer dois. (...). Crítico acérrimo do recurso aos fundos especiais de investimentos, o autor escreve (pag. 130), que os referidos fundos pagaram a jornalistas e editores para que estes publicassem artigos a sugerir que o dólar de Hong Kong ou o renmimbi chinês estavam prestes a ser desvalorizados. Resumindo, estavam a tentar deliberadamente provocar uma corrida à moeda.


Período houve, entre nós, em que se afirmou ser necessário saber tirar benefícios da crise financeira mundial. Agora já se diz que a crise está a afectar a nossa Balança de Pagamentos (“Notícias”, 01.07.09). Como se diz que há perdas nas reservas em divisas. O que poderá, eventualmente, ser compensado, através dos muito contestados, por Krugman, fundos especiais de investimentos. Vale a pena, para terminar, transcrever mais algumas linhas do referido livro. Do Nobel da Economia de 2008. Escreve ele (Pag. 133): Em 1787, a Imperatriz Catarina da Rússia visitou as províncias do Sul do Império. De acordo com a lenda, o seu primeiro ministro, Grigori Potemkin, seguia um dia à frente dela, instalando frontarias falsas que transformavam aldeias miseráveis e as faziam parecer vilas prósperas. Depois da passagem da soberana, desmontava as telas e ia montá-las no destino seguinte. A partir de então, a expressão “aldeia Potemkin” tem sido usada para descrever ambientes aparentemente felizes, que na realidade, são apenas fachadas, sem qualquer relação com que está por detrás delas. O tempo que corre, corre rápido. Corre veloz. Mas é um tempo que, ainda, permite evitar erros que muitos já cometeram. Evitar erros, na nossa realidade presente, e em termos de economia, implica uma atitude de humildade. Mas, convenhamos, de uma humildade nacionalista.