domingo, julho 31, 2011

Tabus a ser quebrados são mais do que muitos



Há coisas, há situações, que todos sabemos. Que é suposto todos sabermos. Como reais e como verdadeiras. Mas que alguns recusam aceitar como factos consumados. Pelo menos publicamente. Em termos de governação vem sendo assim desde há anos. Muitos. Para se ser mais preciso, desde a adesão de Moçambique ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial. Nesse então, várias foram as vozes que se fizeram ouvir, vários os questionamentos sobre as implicações de tal adesão. Sobre exigências e imposições que se colocavam ao governo nacional moçambicano. Em jeito de resposta e com palavras mais ou menos evasivas sempre foi dito que não. Sempre foi dito que as duas referidas instituições vinham para nos ajudar. Vinham trazer dinheiro para apoiar a realização dos programas do governo. O que era apresentado como uma maravilha. Ou, melhor, a maravilha das maravilhas. Qual “galinha dos ovos de ouro”, que nos havia caído lá dos céus. Por obra e graça divina. Como benesse, como prova de gratidão, como reconhecimento a um seu povo eleito. Terão acreditado alguns, não muitos, certamente, que o que se estava a passar não seria, exactamente, o que se dizia. Ou como se dizia. Muita coisa soava a falso. Parecia e seria generosidade a mais. E, segundo o dito popular, “quando a esmola é grande, o pobre desconfia”. Rodaram os anos. Muita água passou por debaixo das pontes e se foi perdendo no mar. Mas, demore o tempo que demorar, a verdade parece sempre vir à tona. Ao de cima.



Demore o tempo que demorar, parece ser verdade que os tabus acabam sempre por ser quebrados. Derrubados. E, neste contexto, tabu era não aceitar, não querer admitir que a ajuda financeira externa tinha regras. Impunha condições e limitações na execução dos programas traçados pelo governo. À agenda do governo. Ontem, como hoje. Só que há aqui uma diferença entre o ontem e o hoje. Uma diferença que justifica atenção. Basta ler e reflectir sobre o que disse o Primeiro - Ministro ao jornal “Zambeze” (edição de 4 do corrente, página 2). Em resposta a uma questão sobre a concretização dos Objectivos do Desenvolvimento do Milénio (ODM), Aires Ali disse que “Penso que vamos conseguir concretizar os ODM, claro, em alguns sectores conforme a nossa aposta e temos isso como nossa principal aposta, principalmente nos objectivos que definimos no nosso manifesto eleitoral e no nosso programa de governação (...)”. E, logo a seguir, terá acrescentado: “Eu gosto de frisar isto ‘que estamos a cumprir uma agenda que nos é imposta de fora. Devemos cumprir a nossa própria agenda, aquilo que nós temos como nosso objectivo, aquilo que é fruto das nossas aspirações”. Outra conclusão não surge como lógica, se não a de que o governo está a governar com limitações. Condicionado por imposições que lhe são exteriores. Vindo tal afirmação de voz autorizada, como veio, surge como verdade o ter sido quebrado um tabu. O da não ingerência nos assuntos nacionais. Convenhamos que é bom e encorajador assistir a este tipo de tomadas de posição. Mesmo quando se reconheça que tabus a ser quebrados são mais do que muitos.

domingo, julho 24, 2011

Um falso problema


Desde há uns tempos a esta parte, que a situação nos transportes urbanos não é das melhores. Não é o que todos esperavam que deveria ser, não é o que desejavam que fosse. Principalmente a nível da capital do país. Sem ter de se recuar muito no tempo, anote-se só como os “chapas” de caixa aberta parecem ter ressurgido para ficar. Sem se vislumbrar força ou vontade para os fazer voltar a fazer parquear. Assim, mesmo sem licença e sem pagamento de impostos vão continuando a circular. Transportando dezenas de pessoas por cada carrada. Sem um mínimo de conforto nem de comodidade, muito menos de segurança dos transportados. Sinónimo, igualmente, da desorganização e da desorientação a que chegou o sector dos transportes públicos a nível da cidade de Maputo, está na recente tentativa de aumentar os preços por viagem. Travada, em tempo útil, quase de certeza, para evitar previsíveis levantamentos populares. Tentativa de aumento, que sendo um acabado e refutado disparate, levou à suspensão do Conselho de Administração dos TPM. Uma medida pontual mas que, em nada, aponta para uma solução do problema que é estrutural. Salvo melhor opinião, o problema dos transportes públicos urbanos é um problema estrutural. Trata-se de ter de cortar o mal pela raiz e não, simplesmente, de cortar os ramos velhos e as folhas amarelas da árvore. A mais recente manifestação de mau estar nos TPM, surgiu com a ameaça de greve por parte dos trabalhadores da empresa. Por motivos de aumentos salariais. Se justos ou não, deixemos a questão para os entendidos na matéria. Que tenham posição e opinião sobre a matéria.


Em nome da mais elementar justiça, digamos que tem sido muitos os esforços para alterar a situação. No sentido de ser prestado um melhor serviço ao cidadão, ao utente dos transportes urbanos públicos. É assim que entendemos a anunciada transformação das actuais empresas de transportes públicos, tuteladas pelo Estado, em empresas municipais. Em termos emocionais, todos batemos palmas e todos damos vivas à sábia decisão. Já em termos legais, as coisas podem ser menos simples. Mais complicadas. Comecemos então por questionar coisa que se apresenta como simples. E, aqui, o simples é que sendo os TPM propriedade do Estado, com que base e em que lei, com que base legal, o Estado transfere essa propriedade para os municípios. E, não menos importante, ao transferir o que propõe transferir, e que manifesta ser seu desejo transferir, que deveres e que direitos reserva para si. E quais aqueles que transfere também. Com base em que lei. Ao que parece, há por aqui muitos aspectos legais que não estão a ser devidamente acautelados. Devidamente considerados. Como, por exemplo, quem vai suportar os défices de exploração das novas empresas a serem criadas. Se serão os municípios ou o Estado. Ou, por outras palavras, como o Estado e através de que mecanismos irá subsidiar os transportes públicos urbanos. Porque, em todos os países do mundo, como todos deveríamos saber, os transportes públicos urbanos são deficitários. Se funcionam, e funcionam como funcionam, é por serem subsidiados pelo Estado. Em Moçambique, a situação não será diferente. Não é. Assim, tudo não passa de confusão. Tudo não passa de um falso problema.

domingo, julho 17, 2011

Histórias para adormecer criancinhas



Hoje, podemos dizer que vivemos num país que, em diferentes áreas já formou muitas dezenas de milhares de jovens. A diferentes níveis. Basta ler e ver as sucessivas cerimónias de graduação. Realizadas pelas muitas universidades. Em diferentes pontos do país. Questão outra, é a de saber se esses e essas jovens são ou não competentes nas respectivas áreas. No caso em apreço aqui, o mínimo que se pode dizer é que serão homens e mulheres com capacidade para analisar os acontecimentos e os fenómenos que se desenvolvem em seu redor. Na sociedade em que estão inseridos. Há, porém, quem parece pensar de outra forma. E que a formados e doutores e a não formados e a não doutores, a todos procure tratar como crianças. Como meninos e meninas do ensino primário. Ignorando, talvez, que as crianças têm um sentido critico e de justiça muito apurado. E que não aceitam sem questionar, todo e qualquer tipo de justificação para o que não parece lógico nem plausível. Justificável. Queiramos ou não, pese o que pesar, trata-se de exercícios que resultam em puras perdas de tempo.


Nos últimos dias, assistimos a dois casos paradigmáticos. Primeiro, foi o da tentativa de aumento das tarifas dos Transportes Públicos de Maputo (TPM). Por parte do respectivo Conselho de Administração e à revelia do ministério de tutela. Cujos responsáveis se terão desdobrado em movimentações e acções para, num curto espaço de tempo, travar a disparatada e incompetente decisão. Que, muito provavelmente iria conduzir a agitação social de imprevisíveis consequências. A decisão ministerial foi mais longe. Mas pouco. Suspendeu o CA dos TPM e nomeou, em sua substituição, uma comissão de gestão. Terá, desta forma, como costuma dizer-se, deitada água na fervura. Tivesse presente, tivesse tido a lembrança de que estamos no “Ano Samora Machel” e teria procedido como ele muitas vezes aconselhou. Ao afirmar que a “incompetência demite-se, a incompetência criminosa pune-se”. Sem que tenha sido esgotado o que poderia dizer-se sobre este caso, passemos a um segundo. Igualmente relevante na vida nacional. Trata-se da ruptura no stock de combustível que impediu a realização de vários voos das Linhas Aéreas de Moçambique (LAM). Que (“Magazine”de 13 do corrente) “ (...) acumularam no último fim-de-semana prejuízos incalculáveis, derivados da alteração dos seus voos normais quer dentro quer fora do país, em consequência de uma aguda falta de combustível para o abastecimento das suas aeronaves”. Acrescenta o semanário que “A falta do JET condicionou a realização dos voos da companhia entre sábado e domingo, e a partir desta segunda-feira a transportadora calculava que a situação voltaria ao normal, depois que o navio transportando o combustível foi descarregado e chegou aos aviões.”. A demora na chegada do navio deveu-se, segundo o que também foi noticiado, ao mau tempo no Canal de Moçambique. Tudo isto, todas estas versões, todas estas desculpas para o acontecido, que foram dadas ao longo dos dias, poderão nada mais ser do que meias verdades. Ou, simplesmente, mentiras. E esta interpretação, esta leitura dos factos, parece ser a que foi feita, em devido tempo, por um dos administradores das LAM. Quando, “Notícias”, de 11 do corrente) em relação ao futuro deixou um recado bem claro e inequívoco. Ele “apelou às gasolineiras a serem mais cautelosas no fornecimento e stockagem de combustíveis pelo facto de problemas similares terem ‘impacto negativo num sector sensível como a aviação civil’.”. Quem assim se expressa, quem assim fala, não é gago. Nem está a contar histórias para adormecer criancinhas.

domingo, julho 10, 2011

Ver com olhos próprios



Há problemas que parecem ser de difícil solução. Que parecem não ter solução. Ou, muito provavelmente, até têm solução. Trata-se apenas de procurar a solução no momento próprio e no local mais adequado. É sabido por todos, é do mínio público, a má qualidade de grande, de elevado número de obras públicas. Estamos a falar de postos de saúde, de escolas, de estradas, de pontes. E por aí além. Mesmo quando menos visíveis ou menos vezes noticiadas. Muitas das vezes, trata-se obras realizadas por construtores, por empreiteiros, sem um mínimo de qualificações. Para realizarem determinado trabalho, determinada construção. Noutros casos, noutras situações, trata-se de construtores desonestos. Do género dos que antes de terem concluído o trabalho já desapareceram. Já sumiram com grande parte do dinheiro nos bolsos. Nestes casos, se há ou não alguma conivência, algum compadrio, entre quem executa e quem manda executar a obra, ainda é pouco claro. Ou, até, por hipótese, como hipótese de investigação, seria interessante saber se, em vários casos, quem manda executar e quem executa podem ou não ser a mesma pessoa. Embora com nomes diferentes ou como se fossem entidades diferentes. Ou seja, para clarificar o raciocínio e facilitar a compreensão do problema, quem não haverá por aí que se esteja a fazer pagar a si próprio. Que alguma coisa não estará certa, que alguma parece não ir bem, existem sinais. É assim que já houve ministro e que há governadores que, repetidamente, têm vindo denunciar publicamente este género de situações. De resto, como é fácil de compreender, não pode haver fumo sem fogo.


Desde há anos, muitos, que este tipo de situações são tornadas públicas. E, como se repetem, pode permitir a conclusão de não terem encontrado o necessário e desejado sucesso. Fica por investigar para se saber o porquê. Desse sucesso ainda e sempre adiado. Talvez já seja tempo de se começar por mais e maiores exigências na abertura dos concursos públicos. Quer em termos documentais, quer em termos de capacidade técnica e financeira dos futuros construtores e prováveis construtores. Assim como uma rigorosa investigação para evitar incompatibilidades e conflitos de interesses. Para evitar situações como as muito frequentes em que acontece ninguém saber quem era o construtor. Muito menos para onde foi ou onde se encontra. De resto, parece também não ser segredo que a construção de obras públicas, em qualquer ponto do país, pode ser negociada em Maputo. À mesa de restaurante ou de café. Com a mesma facilidade e ao mesmo jeito como é transaccionado um montinho de tomate, ou de tangerina. Por hipótese, dois cocos ou três beringelas. No mercado informal. Sem necessidade de pagamento de impostos nem de taxas municipais. O perigo e o risco é se e quando o informal passar a ser dominante. De passar, se vier a acontecer. Porque pode vir a dar origem não a um outro tipo de Estado mas à anarquia. E à violência. Sem se ser visionário, parece haver muito quem já viu e já teve olhos para ver. Que continue a ver com olhos próprios.

domingo, julho 03, 2011

Dois pesos e duas medidas



O anúncio, o aviso, começou a ser feito há algum tempo. E tem vindo a ser repetido. Em diferentes locais e em diferentes ocasiões. Por diferentes motivos. Se sim, se assim, se o anunciado, se o prometido, está a ser levado à prática, desde a passada sexta-feira, as brigadas da Polícia de Trânsito (PT), terão passado a exigir a ficha de inspecção obrigatória. A todos os condutores de veículos automóveis. De acordo com o anunciado, deveria a PT passar a exigir, também, a nova carta de condução e o uso do cinto de segurança. Antes, dias antes do anunciado para o cumprimento dos referidos requisitos, começaram a ser vistos numerosos agentes da PT. Aos magotes e em diferentes artérias de Maputo. Mandando parar e pedindo documentos aos condutores, inventando transgressões. O cúmulo das invencionices policiais está aí. Em plana 24 de Julho. Para o condutor desatendo, desprevenido, aqui fica o aviso e o alerta. Para os zelosos agentes policiais passou a ser proibido entrar na Nyerere e retornar à 24 de Julho. Isto, segundo eles, trata-se fazer o U. O não sendo verdade, trata-se de falta de conhecimentos ou de tentativa de caça à multa. Ficando de permeio algumas ameaças e coacção verbal e gestual. Disso é prova a exposição, imediata, do livro de multas e da esferográfica. Trata-se, em última análise de comportamento e atitude que em nada dignificam a PT. Como corporação. Muito menos o Estado. Daí a necessidade de explicar aos agentes sobre os erros que estão a cometer. E o apelo ao comandante da PT para que sejam tomadas as necessárias medidas educativas e disciplinares. Apelo este, naturalmente, extensivo ao próprio ministro do Interior. Como entidade tutelar.



Todos sabemos que esta questão das inspecções não é uma questão pacífica. Não é como nunca o foi. Terá nascido torta, enviesada, e assim parece condenada a morrer. Até que surja algum deus com poderes para a ressuscitar. De tal modo, de tal forma, que decorreram, na semana que findou, negociações entre a inspecção e os “chapas” para evitar a paralisação destes. Escrevia o jornal “Notícias”, (edição de 30 de Junho, página 3), que “Os proprietários dos ‘chapa 100’ e o INAV estão em contactos desde ontem para evitar a paralisação do transporte semicolectivo de passageiros, a um dia do início da fiscalização da ficha de inspecção”. Não esclarece a local sobre o motivo ou os motivos que impediram que estes contactos se tivessem realizado antes. Em tempo útil mas só agora. Num momento extremo e de potencial conflito. Quando, segundo a mesma notícia, “os transportadores fizeram circular informações de que iriam paralisar a actividade em protesto contra o início da fiscalização da ficha de inspecção, facto que levou a Direcção da Federação Moçambicana das Associações dos Transportes Rodoviários (FEMATRO) a entrar imediatamente em contacto com o INAV (Instituto Nacional de Viação) para encontrar uma melhor saída para o problema”. Essa “melhor saída”, ao que se pode ler adiante, é um “gradualismo na implementação da medida”. E, para que não restem dúvidas sobre a nossa forma de estar e de viver, de aplicar o que é lei, fica o apelo à transgressão. Para que, mais uma vez se transgrida. Para que, mais uma vez, o transgressor seja protegido. Assim, nestes termos, em termos claros: “(...) em ocasiões anteriores se conseguiu um relaxamento das exigências nos centros de inspecção através do diálogo.”. Um diálogo, acrescentemos a terminar e em forma de conclusão, que visa harmonizar conflitos de interesses. Mas que em nada protege fisicamente o transportado e evita as mortes nas estradas. Muito menos os interesses do Estado. Que, por dever e como pessoa de bem, tem por obrigação proteger-nos a todos. Como cidadão, como súbditos. Inventem o que quiserem, utilizem os subterfúgios que lhes vierem à cabeça. Que melhor lhes aprouver. Para violar a lei. Na certeza de que a lei não pode continuar a ser aplicada com dois pesos e duas medidas.