domingo, maio 27, 2012

Haja vontade política para os desarmar

Sem dúvida, sem margem para dúvida ou contestação, é necessário fazer alguma coisa para disciplinar os chamados “chapas”. Talvez muita coisa e urgentemente. Assim parece ser, também, o pensamento dos gestores municipais da cidade de Maputo. Façamos, desde já, votos para que tenham sucesso na aplicação das medidas anunciadas. E que, certamente, quando correctamente aplicadas, em muito irão beneficiar os habituais utentes deste tipo de transporte. Esperamos, atentos e expectantes, pelos resultados. Para já, fiquemos pelo que nos informa o jornal “Notícias” de 23 do corrente mês. A toda a largura da primeira página titula “Exigências adicionais a condutores de ‘chapa’”. A seguir, pode ler-se que “Pondera-se introdução de licenças especiais para os condutores e cobradores do serviço de transporte semicolectivo de passageiros”. A notícia abre da seguinte forma: “A ideia é melhorar os níveis de controlo e responsabilização pelos actos cometidos no exercício da sua actividade, alguns dos quais já identificados como estando ligados à conduta individual”. Trata-se, segundo o escrito mais adiante, “de documentos equiparáveis a carteiras profissionais a serem fornecidas aos operadores daquele serviço, mediante a satisfação de determinadas condições e que podem ser retirados em caso de violação das normas que regem o funcionamento do sector”. Segundo o autor da ideia e proponente da nova medida, “até aqui a responsabilidade pelos problemas que ocorrem num ´chapa’ é imputada apenas aos proprietários da viatura. Deixando de fora os condutores e cobradores que, muitas vezes, tomam decisões operativas sem conhecimento dos seus patrões”. Como exemplo, é citado o caso dos encurtamentos de rotas. Aparentemente, tudo bom e tudo fácil. Mas, quase de certeza, haverá as resistências e os boicotes à aplicação das novas medidas. E, também, digamos, os inevitáveis conflitos de interesses. É assim, ou porque é assim, que voltámos a assistir à circulação dos “chapas”de caixa aberta. Novamente e impunemente. Repita-se, impunemente. O que só pode significar que o poder não está onde parece estar. Onde se diz estar. Situação não menos preocupante é relativa ao comportamento e à actuação de alguns agentes policiais. Vulgarmente conhecidos por “cinzentinhos”. Que andam por aí, normalmente, aos quartetos. E que abordam e interceptam o comum dos cidadãos. Aparentemente sem qualquer motivo justificativo. Mas basta ser portador de uma sacola ou de uma mochila para ser um alvo potencial de vasculha e de inquérito sumário. Para que tal aconteça, como está a acontecer, impunemente, basta ser portador de máquina fotográfica ou de computador. Logo lhe é exigida factura ou recido do objecto portado. Onde isto está escrito, qual a lei que não permite circular nas artérias de Maputo com máquina fotográfica ou computador, ninguém explica. Ninguém sabe explicar. Por este andar, a caminharem as coisas neste sentido, pode acontecer que também nos venham pedir, futuramente, a factura do relógio de pulso. Ou dos óculos para ler que nos oferecem às dezenas e com diferentes graduações em cada esquina. Depois, pouco ou mais depois, virão pedir-nos a factura da camisa e das calças que nos cobrem o corpo. Nessa altura, nesse tempo que, profeticamente, está para breve, talvez nos irão pedir a factura das nossas cuecas. Ou para confirmar a cor das nossas cuecas. Parece chegado o momento de quem manda e comanda esses “cinzentinhos” vir a público dizer coisa simples e elementar. Propagandear, até. Através das rádios, das televisões, dos jornais, de panfletos, quais são as suas competências. Onde começa e até onde vai o seu campo de actuação legal. Caso não, caso esse esclarecimento não venha a ser feito, bem podemos a estar a abrir caminho para a criação de “esquadrões da morte”. De triste memória no Brasil. Num passado recente. O mesmo é dizer que ainda há tempo e espaço para evitar que polícias se transformem e actuem como bandidos. Haja vontade política para os desarmar.

domingo, maio 20, 2012

Estamos a falar uma linguagem diferente

Periodicamente, estamos a ser informados sobre novas descobertas de gás natural em Moçambique. Mais precisamente e com maior frequência na Bacia do Rovuma. Aquela que terá sido a última descoberta foi divulgada na edição do passado dia 16 do jornal “Notícias”. Que, a toda a largura da sua primeira página titula: “Eni e Anadarko anunciam mais gás”. Segundo a notícia, “As reservas anunciadas foram encontradas em águas profundas ao longo da bacia sedimentar do Rovuma, na sequência de dois furos de pesquisa de hidrocarbonetos abertos em Fevereiro e Abril, respectivamente.” A local, que localiza no tempo e no espaço a abertura dos furos, acrescenta: “Assim, até aqui a quantidade de gás natural anunciada pela Anadarko aproxima-se aos 50 triliões de metros cúbicos”. Conclui a notícia que “Fruto da descoberta de apenas duas empresas, o volume de gás natural até aqui anunciado supera os 80 triliões de gás natural”. Curiosamente, na mesma edição do “Notícias” (página 8), pode ler-se que a “Austrália possui gás para 184 anos”. Lê-se, a seguir, que “A Austrália possui reservas de gás de cerca de 11 biliões de metros cúbicos, o que assegura ao país quase 184 anos de produção daquele combustível aos níveis actuais (...). Ficámos também a saber que “a Austrália exportou 20 milhões de toneladas de gás natural liquefeito no ano fiscal 2010/2011 e que espera um aumento de 19 por cento para o período de 2012/2013”. Mais, “Em 2017, a Austrália deverá transformar-se no maior exportador mundial de gás natural liquefeito, com uma capacidade de 25 milhões de toneladas”. Comparando as formas de medição de reservas e de produção, entre uma e outra notícia, parece existir alguma discrepância. Nós falamos em triliões de metros cúbicos. A informação divulgada por fonte oficial australiana avança com biliões e milhões. Poderá haver, aqui, critérios diferentes de avaliar e de medir. De referir, apenas, que em matéria tão complexa, há normas e regras uniformes. Definidas internacionalmente. Onde nunca terão sido utilizados triliões. Muito provavelmente por não existirem. A obra “Petróleo: Qual Crise?”, da autoria de J. Caleia Rodrigues, editada em 2006, transporta – nos, ao longo das suas 239 páginas, aos “bastidores da geopolítica internacional”. Trata-se de uma profunda análise sobre reservas, exploração e meios de transporte de petróleo, carvão e gás. A nível planetário. Logo na introdução à sua obra, o autor adverte que, como alternativas ao petróleo, “As opções tomadas em relação ao gás natural e à energia de origem nuclear não apresentam, de início, perspectivas muito animadoras. A primeira devido às ligações de demasiada dependência entre o produtor e o consumidor (...)”. Porém, já quase no final da sua obra (página 181) ,ele escreve que “No que se refere a fontes de consumo energético, espera-se que o gás natural assuma a maior contribuição no incremento do consumo energético a ocorrer no mundo industrializado.”. Prevê, igualmente, um crescimento rápido do consumo de gás nesses países. Curiosamente, ou talvez não, nos quadros que nos apresenta com dados sobre reservas comprovadas e produção de gás, a nível mundial ou por regiões, a referência e a comparação é feita em biliões de metros cúbicos. Em nenhum momento, em nenhuma página, o autor escreve sobre ou menciona triliões. E ele utiliza fontes comprovadamente credíveis. Internacionalmente. Algo de estranho pode estar a passar-se nesta questão das reservas nacionais do gás natural. No mínimo, dizer que não estamos a falar uma linguagem internacional. Que estamos a falar uma linguagem diferente.

domingo, maio 13, 2012

É preciso saber exercer o poder do Estado

Perante certas informações, certas notícias, muitos de nós fica, por certo, perplexo, aparvalhado. Por não lhes encontrar explicação. Plausível. Lógica. Principalmente e quando quem tem o dever e poder para alterar, para corrigir situações anómalas e ilegais se fica, se contenta, com simples constatações. Parece inquestionável que agentes do governo, funcionários do Estado devem fazer aplicar e cumprir, ao seu nível de competência, regulamentos e leis. Sobre as mais diferentes matérias. De outra forma, nada pode justificar a sua existência. E, o salário que auferem. Nesta perspectiva, não se pode aceitar que um dirigente do Estado, seja a que nível for, nos venha dizer que, ao seu nível de responsabilidades existe esta ou aquela anomalia. Esta ou aquela violação da lei. O que queremos é saber, o que queremos ouvir ou ler, isso sim, é quais as medidas tomadas para acabar com a violação da lei. E medidas concretas. Não que “medidas estavam a ser tomadas no sentido de (...) ”. Vem esta breve introdução a propósito de notícia veiculada pelo “Notícias” de 9 do corrente mês (página 4.). Sob o título “Garimpeiros ‘assaltam’ cidade de Manica”, o matutino de Maputo informa que “Centenas de garimpeiros provenientes de vários pontos do país estão, desde a semana finda, a escangalhar áreas contíguas à Estrada Nacional Número 6 e a linha férrea Beira/Machipanda, no perímetro urbano da cidade de Manica, província do mesmo nome.”. Acrescenta a local que “O director provincial do Recursos Minerais e Energia de Manica, Olavo Deniasse, que relatou o facto ao “Notícias”, disse que esta situação, que ocorre numa área proibida, para além se ser atentatória ao ambiente, desaconselha-se por ameaçar a ‘sobrevivência’ das referidas infra-estruturas.”. Até aqui, parece ter havido, no mínimo dois tipos de violação da lei. Sem tomada de decisão nenhuma. A primeira violação, é a de se tratar de uma actividade ilegal. Ou exercida ilegalmente. A segunda, é de essa actividade estar a afectar infra-estruturas públicas e de interesse nacional. Sejam uma linha férrea e uma estrada nacional. Ambas de grande importância para a economia nacional. Perante esta realidade, pode e deve perguntar-se por onde anda o poder do Estado. Para não fazer cumprir a lei sobre a matéria. E para se submeter e deixar dominar por um grupo de ilegais. De “foras da lei”. Por mais numeroso que possa ser. Não podemos nem queremos acreditar que pelas bandas de Manica o poder tenha “caído na rua”. Mas a verdade manda dizer que, até prova em contrário, ali quem manda, quem dita a lei são os garimpeiros. De resto, todos nós sabemos que, desse há décadas, a posse e a extracção de diamantes, de petróleo e de ouro constituem ponto de partida e de chegada dos mais sangrentos e destruidores conflitos mundiais. Também aqui, o problema se apresenta como global. Na realidade caseira actual da pacata Manica, a questão da extracção de ouro pode ir para além do que é visível. Pode bem ser o embrião de conflito a uma escala muito mais ampla. O que muitos parecem ainda não terem percebido. Ou não estarem interessados em perceber. Daí as suas constatações, o seu laxismo, as suas lamentações. Só que numa realidade concreta tão complexa e onde já se adivinham conflitos entre interesses económicos, as lamentações nada resolvem. Em vez de lamentar, é preciso saber exercer o poder do Estado.

domingo, maio 06, 2012

Acreditar e crer no infinito

Há algumas semanas atrás, iniciei esta minha crónica da seguinte forma: “O chamado “dossier Cahora Bassa” parece ter sido encerrado. Finalmente. Embora os contornos possam não ser muito claros. Pelo menos publicamente. Quem cedeu e em que áreas, só o tempo o dirá. (...)”. E o tempo passado desde esse então, ainda não muito, já nos trouxe alguma novidade. Na sua edição electrónica do dia 28 do passado mês, o jornal português “Expresso” titula: “Privatização da REN é ilegal, diz Jorge Seguro Sanches”. Depois de remeter o acesso ao texto integral para a sua edição impressa, o semanário escreve: “O dirigente socialista Jorge Seguro Sanches afirma que a privatização da REN foi feita ‘em violação da lei’. Ao permitir que a mesma empresa detenha mais de 10% do capital da empresa, o Governo violou os decretos-lei 29 e 30/2006 sustenta o membro do Secretariado Nacional do PS, num artigo publicado nesta edição impressa do Expresso”. De recordar que esta REN é uma empresa ligada ao acordo final sobre Cahora Bassa. E, com interesses adquiridos e a adquirir em Moçambique sobre o ramo da sua actividade. A energia. Aqui, a situação já parece bem mais clara. Vejamos. Ao escrever, sobre a linha de energia Tete-Maputo, o “Notícias” (edição de 1 do corrente) titulou a toda a largura da sua primeira página: “Parceiros concertam para criar consórcio”. Depois de informar sobre questões técnicas, custos do projecto e hipóteses do seu financiamento, a local acrescenta: “Com efeito, os contactos estão a ser feitos com a Electrobras, REN e Eskom, empresas de electricidade do Brasil, Portugal e África do Sul, respectivamente, as quais manifestaram o interesse de participar na execução daquele importante empreendimento para a melhoria da qualidade de energia em Moçambique e nalguns países da África Austral.” Convenhamos que esta questão da “melhoria da qualidade de energia” tem o seu toque de demagogia. Ou de piedosa caridade. Que é, como quem diz, pobreza a quanto obrigas. Uma pobreza que não deve ser entendida como ignorância. Mas, antes, pode coexistir com verticalidade. Esperemos que sim. Pouco importa elaborar, menos ainda especular, sobre esta REN. Donde vem e para onde vai. Ou pretende ir. E ir às custas de quem. A questão que deve ser colocada parece ser bem mais complexa. Talvez, até, juridicamente. A questão que, obrigatoriamente, deve ser colocada é no sentido de se perceber, de ver para além de alguma nublosa. Por exemplo, se essa REN que, misteriosamente, adquiriu direitos sobre a posse e o capital de Cahora Bassa, é a mesma. Se é sempre a mesma. Nas diferentes vertentes em que por aí agora surge. Seja a de já ter sido privatizada em Portugal ou a da participação na construção da mais extensa linha de transporte energia a construir em Moçambique. Como sempre, os dados públicos sobre a matéria, são escassos. E, tanto podem indiciar o início do regresso das caravelas como um “cambalacho”. Esperemos que não. Esperemos que sejam apenas suposições erradas. Ou maus agoiros. O tempo o dirá. E, até que nos diga sim ou não, até que confirme se sim ou se não, permanece a dúvida. Fica a dúvida. Mas uma dúvida metódica. Não uma dúvida camaleónica e que seja, apenas, álibi. Ou forma de ganhar tempo. Até porque o tempo passado, o tempo ido não se poder recuperar. Da mesma forma que a verdade não se conforma nem se submete ao rodar do tempo. A verdade não é independente do tempo nem do espaço. O mesmo poderá significar que a verdade não existe. Em si própria, em si mesma. Que é, apenas, um processo. Infinito. Para tanto, é preciso acreditar e crer no infinito.