domingo, novembro 28, 2010

Um exemplo a seguir

Durante bastante tempo, ignorámos a crise financeira mundial. Global. Ou fizemos por ignorar. Não faltaram, até, declarações públicas, oficiais. Extremamente optimistas. Manifestando a convicção de que era possível tirar benefícios da crise. Que haveríamos de saber tirar benefícios da crise. Pura ilusão. Ruinosa falta de perspectiva para além do curto prazo. Do imediato. De facto, como se viu e como se verificou, a crise chegou. E pode até ter vindo para ficar. Os anunciados aumentos dos preços de bens e de serviços, viriam a ser suspensos, congelados. Temporariamente. Por decisão governamental e após dois dias manifestações populares. Mas, ao que se vê, nada será como dantes. Não existe varinha mágica que permita conter ou fazer recuar os preços os preços dos produtos que necessitamos de consumir em cada dia. Todos os dias. Há exemplos acabados que não se compadecem com dados e estatísticas. Atenhamo-nos, apenas como exemplo ilustrativo, nos preços que se pagavam e que agora se pagam no informal. Ou os praticados pelos muitos vendedores que se encontram nas bermas das estradas. A poucos quilómetros da cidade capital do país. Frutas, legumes e muitos outros produtos agrícolas de produção familiar, custam, hoje, quase o dobro do que custavam há cerca de um ano.



A crise financeira mundial está também a afectar, ao que parece de forma devastadora, vários países da Europa. Portugal é um deles. Onde as medidas tomadas pelo governo para enfrentar a situação, foram recebidas com uma greve geral. Ali, a crise é de tal grandeza que já está a fazer alterar e modificar hábitos e tradições. A pensar com lucidez, com sensatez, e a evitar gastos supérfluos. Por exemplo, segundo a edição electrónica do jornal “Expresso” (22 do corrente), Juntas de freguesia de Sintra trocam iluminação natalícia por apoio social. E, logo a seguir escreve que O aumento dos pedidos de ajuda levou algumas juntas de freguesia de Sintra a abdicarem da tradicional iluminação de Natal para, em vez disso, comprarem bens alimentares e ajudar famílias carenciadas. A mesma local, depois de apresentar as justificações dos presidentes das juntas de freguesia, acrescenta que “Em Rio de Mouro não vai haver iluminação porque vamos ent5regar cabazes a 120 carenciados. Tem havido muitos pedidos de ajuda a nível de medicamentos e de alimentação. Há muita gente a perder subsídios e, perdendo esses rendimentos, aumentam as suas necessidades. Isto, segundo o presidente da referida junta de freguesia. O jornal cita, ainda, os exemplos de outras juntas de freguesia. Nós por cá, vamos cantando e rindo. Assobiando para o ar. Parece que essa coisa de crise nem sequer é connosco. Continuamos insensíveis. Até já começaram a aparecer figuras do Pai Natal em locais onde se aconselha cometimentos nos gatos. Nos gastos de dinheiros públicos. Em tempo de crise profunda. E, até ao presente, incontornável. Digamos, mesmo, que a decisão das juntas de freguesia de Sintra deveria ser vista como chamada de atenção. Como modelo e exemplo. Um exemplo a seguir.

domingo, novembro 21, 2010

O seu a seu dono

A História, seja de um país ou de um povo, nunca é um produto acabado. Definitivo. É sempre um processo. Que se altera ou pode alterar, que se modifica, que se vai completando. Há medida que, com o passar do tempo, novos factos, novas facetas vão sendo conhecidas. A partir de consecutivas e mais aprofundadas investigações. O que parece válido em relação a povos e países, o será, também, relativamente a homens. Principalmente estadistas e governantes. É assim que, em tempos recentes, um vasto conjunto de obras, de trabalhos de investigação sobre o nosso país, nos permitiu ficar a saber mais sobre nós mesmos. Trata-se de livros editados em Moçambique ou em Portugal. Da autoria de moçambicanos ou de portugueses. Em relação a alguns dos quais há quem opine tratar-se de branqueamento da história. Pode ser que sim. Como pode ser que não. Muito provavelmente, o mais acertado, o mais ajuizado, seja aceitar os novos factos, as revelações. E, partir para novas investigações. Descobrir novos factos. Contrapor.



Pela nossa história recente, passaram personagens e personalidades, que não necessitam que lhes branqueiam a imagem. Nem a memória. Devido à sua verticalidade, à sua postura moral, em vida. Devido ao seu comportamento, ao seu modo de ser e de estar. Podem alguns assim não pensar. É um direito. Acontece que, em tempos e em espaços diferentes, leio informação sobre as últimas transferências de ouro para Portugal. Antes da independência nacional. Ouro esse que constituía o pagamento de parte dos salários dos moçambicanos a trabalharem em minas da África do Sul. A última abordagem sobre o assunto, está em edição recente do jornal “Canal de Moçambique”. Num texto assinado pelo Dr. Carlos Adrião Rodrigues. Em nome da verdade, importa dizer que, no período de Transição, ao tempo em que o Dr. Soares de Melo foi Governador de Moçambique, se efectuou transferência de ouro para Portugal. Talvez a última. Mas efectuou. Sobre a matéria, está publicada uma reportagem na extinta revista “Tempo”. Amplamente documentada com fotos do falecido Ricardo Rangel e texto da minha autoria. Que prova a saída do ouro da casa forte do então BNU e a sua colocação em contentores no terminal de carga do aeroporto. Antes de ser embarcado e seguir viagem para Portugal em avião da TAP. Para a elaboração da referida reportagem, procurei recolher, entre outras, a opinião do Dr. Mário da Graça Machungo. Recentemente regressado de Portugal e nesse então ao serviço do também já extinto Banco de Fomento Nacional. A sua delicada recusa em fazer qualquer comentário sobre o assunto, terá impedido enriquecer o texto. Mas, não impediu a sua publicação. Para os vindouros, importa dizer o seu a seu dono.

domingo, novembro 14, 2010

Nem exigimos nada em termos de troca

Quando atingimos uma certa idade, digamos uma idade avançada. Por vezes convencemo-nos que já sabemos tudo. Que já conhecemos tudo. Ou quase tudo. Mas não. Trata-se de pura ilusão. Por erro, por deformação própria. Quando não acontece haver quem nos queira iludir. Quem esteja possesso por nos querer iludir. Ao tentar a presentar como inovação, como grande descoberta, como técnica tida como revolucionária, práticas ancestrais. Centenárias. Milenares. Tão antigas como o homem. Mas que o aumento do conhecimento veio tornar ultrapassadas. Obsoletas. Mas que um amor serôdio ao passado tenta recuperar. Em nome de uma nova invenção. Neste caso concreto, a ecologia e a defesa do ambiente. Uma intenção, a todos os títulos, louvável. Não fosse o facto de serem aqueles que viram flora e fauna dos seus países destruídas em nome do progresso e do desenvolvimento económico, os mesmos que nos pedem para parar no tempo. Para regredir no tempo. Para voltar às práticas ancestrais. E deixar de utilizar métodos de produção agrícola comprovadamente mais rentáveis. Mais produtivos. Aqui, a questão fundamental parece ser, única e exclusivamente, a defesa do ambiente. Só que não se pode defender nem proteger o ambiente se o custo a pagar for permanecer de barriga vazia. Se assim, a dita questão fundamental assume os contornos de fundamentalismo.


A toda a largura da sua página 18 (edição de 3 do corrente), titula o semanário “Magazine”: Water Aid promove uso de excrementos humanos para agricultura. E, logo no primeiro parágrafo, escreve que O uso de excrementos humanos como fezes e urina é uma técnica tida como revolucionária na agricultura moçambicana, no sector da horticultura, que vem demonstrando potencialidades em relação ao uso de fertilizantes industriais. Acrescenta a local que a iniciativa da referida ONG tem a ver com o uso de saneamento ecológico (ECOSAN), que consiste em armazenar os excrementos e posterior fertilização no solo (...). A notícia, que nos fornece largos detalhes sobre o desenvolvimento deste projecto em alguns bairros de Maputo, acrescenta que A aplicação dos fluidos armazenados separadamente no intestino e na bexiga e, posteriormente, expelidos de forma separada, na agricultura, é promovida pela Water Aid através de um programa designado saneamento ecológico, que promove o uso da urina nas hortas de uma das cinturas verdes da cidade de Maputo (...). Pena é que a mesma notícia seja omissa em alguns aspectos que se apresentam como cruciais. Para nos permitir ficar a conhecer, por exemplo, o montante gasto neste projecto. E na mesma linha de pensamento, os salários pagos aos seus funcionários. Da mesma forma que não esclarece se os excrementos dos moçambicanos têm valor de exportação. Se são exportáveis. Inclusive com o selo “Made in Mozambique”. É que nós somos mais de vinte milhões. Que defecam diariamente. Parte significativa a céu aberto. Para dizer, por fim, que um bem organizado recolha desta enorme quantidade de excrementos pode transformar a vossa agricultura bem mais ecológica. Do que é actualmente. Trata-se, simplesmente, de saber pensar em termos de negócio. Da nossa parte, nem exigimos nada em termos de troca.

domingo, novembro 07, 2010

Nós temos o direito de poder rir

Não é novo nem é recente o interesse do Brasil por Moçambique. Ou interesses brasileiros em relação a Moçambique. Têm, no mínimo, mais de meio século. Virão, pois da época colonial. Dos tempos de António de Oliveira Salazar. Nessa altura, nesse tempo, ao que parece, tratava-se, apenas de interesses comerciais. O que estava em jogo, o que se pretendia, era acelerar e aumentar o volume das trocas comerciais. Apenas isso. Daí o ter sido prevista a construção de um entreposto comercial brasileiro. Em Maputo. Muito precisamente em terrenos localizados próximo da Sonefe. E que estariam registados em nome de António Almeida Santos. A queda do regime colonial português fez anular esse projecto. Fez abortar o projecto. Mas, não terá feito o Brasil esquecer o seu interesse por Moçambique. Que, progressivamente, se terão transformado em interesses em Moçambique. Como hoje parece e é evidente.


Aquando da sua primeira visita ao nosso país, o presidente do Brasil trouxe na sua bagagem uma mala cheia de promessas. Entre as quais a da construção de uma fábrica de anti-retrovirais. Veio depois, mais tarde, pela segunda vez, e disse, novamente que. Falou. Apenas falou. Sendo que de fábrica havia nada. A prometida fábrica passara a ser simples processo de empacotamento de comprimidos. Para vários e variados fins. Anuncia-se, agora, a terceira deslocação de Lula da Silva a Moçambique. Acompanhado da sua eleita sucessora. E, o descendente dos colonos portugueses, que aclamaram e proclamaram Pedro II de Portugal como Pedro I do Brasil, volta. Terceira e última vez. Como presidente, obviamente. E sem ter a prometida fábrica para inaugurar. Diz-se (“Notícias de 2 do corrente), que irá inaugurar a primeira fase dos projectos da fábrica de anti-retrovirais e do programa pró-savana para o desenvolvimento agrícola do centro e norte do país (...). De resto, como todos sabemos, os pobres não têm dinheiro para comprar medicamentos. Daí o não se justificar o investimento numa fábrica para a sua produção. Como, de facto, não existe nenhuma em toda a África. O que dá, no que vale a pena investir é na exploração de carvão, de gás e de petróleo. Vá, como faz parte do seu programa, a Tete. Mas, depois, regresse ao Brasil. E volte rapidinho. É, que, antes de ter chegado já estamos com saudades do seu regresso. E, já agora faça mais uma promessa. E, esta até pode cumprir. Prometa que nos vai trazer o Tiririca. É, que, nós, por cá, já estamos a ficar cansados com tantas televisões sustentadas por igrejas brasileiras. Milagreiras. Que só transmitem curas. Que só nos dão imagens de mazelas e de desgraças humanas. Afinal curáveis. Ao vivo e em directo. Com um simples gesto, com um mero sinal. Tiririca pode não poder fazer melhor. Nem ir mais além. Mas tem, isso sim, o poder de nos fazer rir. E, nós precisamos de rir. Nós temos o direito de poder rir.