domingo, novembro 14, 2010

Nem exigimos nada em termos de troca

Quando atingimos uma certa idade, digamos uma idade avançada. Por vezes convencemo-nos que já sabemos tudo. Que já conhecemos tudo. Ou quase tudo. Mas não. Trata-se de pura ilusão. Por erro, por deformação própria. Quando não acontece haver quem nos queira iludir. Quem esteja possesso por nos querer iludir. Ao tentar a presentar como inovação, como grande descoberta, como técnica tida como revolucionária, práticas ancestrais. Centenárias. Milenares. Tão antigas como o homem. Mas que o aumento do conhecimento veio tornar ultrapassadas. Obsoletas. Mas que um amor serôdio ao passado tenta recuperar. Em nome de uma nova invenção. Neste caso concreto, a ecologia e a defesa do ambiente. Uma intenção, a todos os títulos, louvável. Não fosse o facto de serem aqueles que viram flora e fauna dos seus países destruídas em nome do progresso e do desenvolvimento económico, os mesmos que nos pedem para parar no tempo. Para regredir no tempo. Para voltar às práticas ancestrais. E deixar de utilizar métodos de produção agrícola comprovadamente mais rentáveis. Mais produtivos. Aqui, a questão fundamental parece ser, única e exclusivamente, a defesa do ambiente. Só que não se pode defender nem proteger o ambiente se o custo a pagar for permanecer de barriga vazia. Se assim, a dita questão fundamental assume os contornos de fundamentalismo.


A toda a largura da sua página 18 (edição de 3 do corrente), titula o semanário “Magazine”: Water Aid promove uso de excrementos humanos para agricultura. E, logo no primeiro parágrafo, escreve que O uso de excrementos humanos como fezes e urina é uma técnica tida como revolucionária na agricultura moçambicana, no sector da horticultura, que vem demonstrando potencialidades em relação ao uso de fertilizantes industriais. Acrescenta a local que a iniciativa da referida ONG tem a ver com o uso de saneamento ecológico (ECOSAN), que consiste em armazenar os excrementos e posterior fertilização no solo (...). A notícia, que nos fornece largos detalhes sobre o desenvolvimento deste projecto em alguns bairros de Maputo, acrescenta que A aplicação dos fluidos armazenados separadamente no intestino e na bexiga e, posteriormente, expelidos de forma separada, na agricultura, é promovida pela Water Aid através de um programa designado saneamento ecológico, que promove o uso da urina nas hortas de uma das cinturas verdes da cidade de Maputo (...). Pena é que a mesma notícia seja omissa em alguns aspectos que se apresentam como cruciais. Para nos permitir ficar a conhecer, por exemplo, o montante gasto neste projecto. E na mesma linha de pensamento, os salários pagos aos seus funcionários. Da mesma forma que não esclarece se os excrementos dos moçambicanos têm valor de exportação. Se são exportáveis. Inclusive com o selo “Made in Mozambique”. É que nós somos mais de vinte milhões. Que defecam diariamente. Parte significativa a céu aberto. Para dizer, por fim, que um bem organizado recolha desta enorme quantidade de excrementos pode transformar a vossa agricultura bem mais ecológica. Do que é actualmente. Trata-se, simplesmente, de saber pensar em termos de negócio. Da nossa parte, nem exigimos nada em termos de troca.