domingo, agosto 29, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo em 29 de Agosto, 2004


antes e depois

Luís David


de Gouveia Lemos para Lurdes Mutola



De longe, de terras lá da Europa, o António Maria Gouveia Lemos enviou-me um poema. Com o pedido de divulgação. Quis ele, entendeu ele, fazer sentir o seu sentir a Lurdes Mutola. E, eu, para lhe poder satisfazer o gosto e o gesto, mais não posso, porque mais não posso mesmo, do que ceder-lhe este meu espaço semanal. Faço com prazer e com gosto. E, faço-o num momento em que a Cidade da Beira comemora os 97 anos da sua elevação a cidade. Uma cidade quase centenária e que bem podia, e que bem pode guardar para todo o sempre o nome do falecido pai deste meu amigo. Como referência no jornalismo de antes da independência. O nome de Gouveia Lemos. Numa rua, numa praça, sei pouco eu onde. Creio, posso crer que, entre alguns outros, o Ricardo Rangel e Doutor Domingos Arouca não estarão em desacordo comigo. E, como o espaço para mais não dá, aqui fica o poema de Gouveia Lemos para Lurdes Mutola.

Maria Mutola
Hoje não trouxeste p'ra casa
a medalha que tu sempre nos habituastea
crer,
ser somente tua,
e de mais ninguém.

Se hoje estamos tristes,
não é por nós,
que tantas felicidades já nos destes.

Hoje se choramos é por ti.
São lágrimas de alegria incontida,
orgulho de ser parte de ti.

Quando debaixo de teus passos
a Terra-Mãe treme,
nos nossos corações
rufam os tambores e as
marimbas de Zavala,
ao ritimo das batidas de
teu coração terno e quente.

Quantas vezes vimos
na tua pele
escorregarem riachos
que fizeram transformar os rios
Revuma, Limpopo, Zambeze
e Incomáti,
num só rio.
Cheio do suor de seu povo irmão.

Quando voas
feito gazela na Savana,
nas tuas asas levas contigo
os nossos sonhos,
de ser irmão e irmã,
de uma filha da dignidade e humildade
da grande Mulher
que você sempre será para nós.

Não foi á toa que o Tio Zé Craveirinha
apostou em ti.
Ele sabia que atrás dessas pernas
veloz
eshavia um coração que faria seu povo
pulsar no mesmo ritimo.

Por isso não fiques triste.
Afinal o que é só uma medalha de Ouro
se comparado ao que você já fez por nós?
Tu plantaste a semente da esperança
nos nosos corações,e tal como ela,
estarás para sempre
correndo mundo a fora...
muito depois de nós já não estarmos
aqui.
Tu escreveste História!

Kanimabo maningue!
Maria Mutola
Uma
Mulher Moçambicana!

domingo, agosto 22, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 22 de Agosto de 2004


antes e depois

Luís David


o combate ao crime organizado é um combate desigual


Nos últimos anos, foram muitos os casos de droga detectados no país. Referimo-nos, bem entendido, a casos relacionados com fábricas de produção. Com contentores em trânsito. Também, mais recentemente, com os chamados “correios”. Que, normalmente, viajam de avião e transportam o produto no estômago. Maputo, Matola, Cabo Delgado, Inhambane, outra vez Maputo, são nomes conhecidos dos traficantes. Também das Polícias. Alguns dos traficantes terão sido descobertos e detidos. De entre esses, uns tantos julgados. Outros, libertos em condições que permanecem pouco claras, mais outros de quem nunca mais se ouviu falar do paradeiro. Ao certo, de traficantes, transportadores, fabricantes, “correios”, a memória guarda imagem nenhuma. Porque nunca lhe foi dada imagem alguma a registar. O que sabemos, a única coisa que nos dizem, é que foi encontrado um contentor com droga, descoberta uma fábrica de mandrax, detido um “correio”. Mas, sempre sem rosto, raramente com nome. Daí, talvez, quase de certeza, a esta nossa insensibilidade perante questões relacionadas com a droga. Com o tráfico e a produção em território nacional. Porque, parece ser essa a sensibilidade, assunto de droga é assunto para esquecer. E, o mais depressa possível. Não é assunto para investigar até às últimas consequências. Para esclarecer.



Foi noticiado esta semana, em Maputo, que a polícia sul-africana apreendeu um contentor com “methaqualone”. Um produto utilizado na produção de comprimidos de “ mandrax” . E, que esse contentor tinha como destino Cabo Delgado. Ao que parece, ao que foi dito posteriormente, o proprietário era um conhecido empresário de Nampula. E, aí temos, de novo, o nome de Nampula a ser referenciado nas rotas no crime organizado. Mas, este até pode ser um aspecto secundário. A questão de fundo, a questão principal, está em saber a quem era destinado o contentor. Porque o contentor tinha um destinatário, tinha uma pessoa ou uma empresa a quem era destinado. Mas, todos o sabemos, os contentores não têm pernas nem meios próprios para saírem dos barcos. Nem dos portos. Menos ainda inteligência, mesmo que artificial, para procurarem os destinatários, os donos. Então, alguém deveria ir procurar saber onde estava e levantar ou reencaminhar o tal contentor. Tal não aconteceu por a polícia da África do Sul o ter interceptado no Porto de Durban. Porquê, qual o motivo que evitou uma operação conjunta à chegada ao destino, é matéria que compete esclarecer às polícias dos dois países. Sabendo-se que a droga encontrada no contentor vale um bilião de randes, a nós satisfaz-nos uma resposta bem mais simples. Clara e concreta. Para dizer a quem se destinava o contentor. Enquanto isso não acontecer – e esperamos que aconteça em breve – é pura ilusão falar em combate ao crime organizado. Apesar de estarmos conscientes que o combate ao crime organizado é um combate desigual.

domingo, agosto 15, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 15 de Agosto, 2004



antes e depois

Luís David

utilizem de outra forma o dinheiro dos nossos impostos


Sabemos todos que o Orçamento Geral do Estado ainda é dependente da ajuda externa. Em significativa percentagem. Também sabemos, todos, que o Governo tem uma elevada dívida interna. Dívida esta resultante da sua atitude em relação às políticas impostas pelo FMI. De uma atitude concordante. Da atitude de fazer muitos, através do agravamento dos impostos, pagar as dívidas contraídas por poucos. De fazer recair sobre os contribuintes votantes o ónus de algumas fraudes. E de não permitir a falência de certos bancos. Trata-se, naturalmente, de uma política discutível. Como discutíveis são todas as políticas. O que não é discutível, por não fazer sentido e não ter qualquer lógica, é a afirmação, tantas vezes repetida, sem que a repetição a transforme em verdade, de que era necessário defender os pequenos depositantes. No contexto da dívida interna, Moçambique não constitui inovação. Também não é achado arqueológico. O que se passa, hoje, no nosso país, é uma simples repetição, uma simples cópia, a papel químico, do que tem vindo a acontecer em muitos outros. Castrados da capacidade e da vontade – sobretudo da vontade – de se assumirem como tal. O resto, tudo o resto, é música mal tocada, é música desafinada. Para fazer boi dormir.


Nos últimos tempos, temos assistido a muitas, a mais do que muitas, formas menos claras, menos criteriosas, de gestão de dinheiro público. De dinheiro do erário público. De dinheiro que vai parar aos cofres do Estado através dos impostos que pagamos. Primeiro, foi o dinheiro gasto pelas mais diversas instituições do Estado em anúncios necrológicos. A anunciar e a expressar dor pela morte de familiares de dirigentes do Estado. E que, ao que podemos ver, contínua. Ora, se um dirigente do Estado pretende expressar os seus sentimentos, pelo passamento de alguém que lhe é querido ou era das suas relações, que o faça com o dinheiro que é seu. O dinheiro do Estado, o dinheiro do Orçamento do Estado, é para outros fins. Assim o entendemos, assim muitos o entendem. Dentro das mesma linha de pensamento, parece estranho o aparecimento, em diferentes jornais, de discursos de dirigentes do Estado. Proferidos nas mais diversas ocasiões. Publicados e pagos sob a forma de publicidade. O exemplo mais recente é o que nos está a ser dado pelo Ministério da Educação. Talvez um mau exemplo. Discurso, resolução, comunicado final de uma reunião, já viu letra de imprensa em tudo quanto é jornal. Acompanhados de farta ilustração, ocupando várias páginas de cada periódico. Ora, considerando que os principais jornais do país apenas chegam, se chegam e quando chegam, às capitais provinciais, estamos perante um exercício inútil e pateta. Um exercício que não visa transmitir conhecimento, decisões e sapiência a muitos mas, apenas, dizer aqui estou eu. Uma estranha forma de olhar para o umbigo, de satisfazer a vaidade pessoal, de alimentar o ego. Uma estranha forma de fazer propaganda pessoal. Com o nosso dinheiro, com o dinheiro dos impostos que pagamos. Com o dinheiro que deveria ser utilizado na construção e apetrechamento de mais escolas. Por favor, utilizem bem, utilizem de outra forma o dinheiro dos nossos impostos.



terça-feira, agosto 10, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 8 de Agosto, 2004

antes e depois

Luís David

Chegou o tempo de mudar mais do que as moscas

Parece estar a crescer, de forma assustadora, o número de pessoas que tomam os seus desejos por verdades. Por verdades absolutas. Embora possam ser, no seu todo, apenas não verdades Vai daí, tentam, de forma corajosa mas desastrada, talvez desastrosa, convencer-nos de que. Há dias, não muitos, alguém parecia realizado ao poder escrever, ao dar-se o direito de escrever que, depois que a tal freira de nacionalidade brasileira havia saído de Moçambique não mais se havia falado em tráfico de órgãos humanos. Em boa verdade, convenhamos que sim. Em termos de lógica, poderemos consentir que sim. Mas, este consentir que sim, num determinado momento ou até um determinado momento, em nada invalida que possa ter havido mortes de crianças e tráfico dos seus órgãos num tempo anterior. E terá havido. E, este terá havido não resulta de qualquer opinião pessoal, de desejo pessoal. Resulta do posicionamento do procurador-geral República, esta semana tornado público, segundo o qual o relatório final não será divulgado por haver pessoas incriminadas na prática de tais actos. Quem são essas pessoas, continua a constituir, portanto, a questão de fundo. É mistério. Ou segredo bem guardado, Embora se possa presumir que não sejam os camponeses que residem na zona. Esses camponeses, como todos bem sabemos, não tem capacidade para criar galinhas. Não por não saberem como se podem criar galinhas. Mas, isso sim, por não saberem movimentar-se pelas vias escusas que os estrangeiros parecem percorrer, com a maior das facilidades, para conseguirem dinheiro do Estado moçambicanos. Dinheiro dos nossos impostos.

O Conselho Regulador de Águas decidiu, esta semana, ratificar um acordo de entendimento firmado entre a Empresa Águas de Moçambique e a Associação de Moradores da Cidade de Maputo. Cuja finalidade é, como vinha sendo solicitado, distribuir por cada condómino, o custo da água consumida nas áreas comuns. Significa isto que, daqui por diante, o morador de uma flat, de um qualquer prédio, irá pagar, para além da água que consome na sua residência, a parte que é seu dever pagar, gasta nas áreas comuns. Parece simples. Parece simples de entende que assim seja, que assim seja feito. Mais: É fácil de entender que assim deva ser. Mas, não entendem assim, não entendem de igual forma, não possuem qualquer capacidade para entender, menos ainda capacidade de diálogo, os “saloios” que estão a gerir a Electricidade de Maputo a nível da cidade de Maputo. E, o termo “saloios” tem aqui o exacto significado com que foi utilizado num recente e mediático julgamento. Por outras palavras, querendo ser breve, querendo ser breve curto e bruto, a única coisa que mudou, ao longo deste processo, desta luta de anos em defesa de interesses moçambicanos, a única coisa que poderá ter mudado, se é que mudou, foram as moscas. É tempo de se dizer, basta. Chegou o tempo de mudar mais do que as moscas.

segunda-feira, agosto 02, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 1 de Agosto, 2004

antes e depois

Luís David


pensar e entender Moçambique

Durante anos, muitos, e até tempos recentes, vivemos uma situação conturbada na cidade de Maputo. E, isto, porque nos tendo sido dito que o principal problema que era a não recolha do lixo haveria de ser resolvido, e não foi, como outros, mais graves e de mais difícil solução foram criados. Artificialmente. É que, tendo sido, até certa data, a cidade de Maputo, uma cidade cosmopolita, deixou de o ser em certo momento. Claramente, Maputo começou a ser ruralizada. Maputo, começou a ser uma cidade cada dia menos urbana e, cada dia, mais rural. Não aconteceu ser Xipamanine, Mafalala ou Malanga, os seus residentes, a terem melhores condições de vida. O que aconteceu, sim, foi os residentes em bairros outros, considerados “chiques”, terem sido confrontados com iguais problemas. Principalmente construções ilegais, ocupação selvagem de espaços públicos por interesses privados, particulares, privados. A alienação de espaços públicos, que eram, ou deviam ser considerados como tal, a interesses privados menos claros. Como foi o que se passou no que respeita a muitas bombas de gasolina. Ás que foram e às que não foram a instalar-se onde pretendiam instalar-se. Diga-se, em abono da verdade, que poucas foram as vozes que se levantaram, então, contra esta ocupação selvagem de muitos dos terrenos situados nas zonas mais nobres da capital do país. Por serem zonas verdes. Por serem zonas arborizadas. Por serem espaços verdes, por excelência. E que, como tal, devem ser conservados. Custe o que custar. Contra todos os interesses privados.


Estamos a assistir, nos últimos tempos, a uma tentativa de manipulação da opinião pública, a nível da cidade de Maputo, pouco comum. Está a tentar dizer-se, está a dizer-se, claramente, que quem construiu ilegalmente, quem ocupou ilegalmente espaço público, deve ter oportunidade para legalizar o ilegal. Mais do que isso, está a dizer-se que, quando o Conselho Municipal aplica Posturas e Leis em vigor, deve ser conivente com os violadores, com os vigaristas, com os violadores da Lei. Não. Não é possível que tenhamos chegado a este ponto de degradação moral e intelectual. Não é possível que cheguemos a este ponto sem que nos interroguemos sobre o que sucedeu, afinal, com esse prédio de cinco andares que ruiu em plena construção. Quem foram os responsáveis pela derrocada. E, o que lhes aconteceu. Ao que parece, nada. Apesar de ter havido, felizmente, apenas um morto. Talvez, porque, afinal, em termos da nossa macroeconomia, mais um morto ou menos um vivo, conta nada. Como conta nada, para alguns, apenas para alguns, o posicionamento e a atitude dos gestores da Electricidade de Maputo, a nível da cidade de Maputo .Apenas e unicamente a nível da cidade de Maputo. Sobre o pagamento da energia das áreas comuns dos condomínios. Quer dizer, é isso que nos estão a dizer, Maputo é diferente de todo o resto do país. A Lei que se aplica em Maputo, não é a Lei que se aplica em todo o país. Por favor livrem-nos destes senhores . O país só pode contar com pessoas que saibam pensar e entender Moçambique.