sexta-feira, dezembro 30, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Dezembro 25, 2005

antes e depois

Luís David


aguardar para ver


O segundo julgamento de “Anibalzinho”, está prestes a chegar ao fim. Falta, apenas a leitura da sentença. Para uns, nada de novo surgiu a público. Para outros, terá surgido pouco. Mas, também é possível fazer leitura diferente de quanto se passou em Tribunal. Para dizer que este julgamento valeu, não pelo que foi dito, ou revelado, mas pelo que não foi, pelo que continua por dizer. E que, para ser dito, para que se tornasse possível ser dito, necessitava de outra investigação, de um tipo de investigação mais aprofundada. A tentar por começar saber e poder afirmar o real motivo do assassinato de Carlos Cardoso. Saber se Carlos Cardoso foi assassinado pelo motivo que se diz ter sido, pelo motivo que alguns acreditam ter sido. Ou, em alternativa, se terá sido por outro. Se, eventualmente, sabia mais do que lhe deram a saber. Se sabia mais do que era desejável saber. Se terá efectuado, realmente, investigação por conta própria. E se, como hipótese de trabalho, como pista que a investigação deveria seguir, essa investigação pessoal conduziu a nomes até hoje citados em Tribunal. Uma coisa parece ser certa. O combate à corrupção, o combate ao crime organizado não é mera questão de discurso político. Não pode resignar-se com tão pouco. Muito pelo contrário, esse anunciado combate perde força, perde expressão, fica sem sentido, quando não são perseguidas todas as pistas que possam levar aos criminosos. Apresenta-se como óbvio que “Anibalzinho” pode, hoje, dizer o que quer. Pode continuar a mentir. Como pode dizer a verdade. Pode dizer, com verdade, quem mandou dar os tiros. Como pode não saber quem, na realidade, mandou executar Carlos Cardoso.

Ao longo de mais de seiscentas páginas, Anne Applebaum transporta-nos para o interior de alguns dos milhares de campos de concentração soviéticos. Por onde passaram milhões de pessoas. GULAG, não é um romance. Menos, ainda, uma história de ficção. “Prémio Pulitzer 2004”, GULAG transporta-nos para um passado recente. Contemporâneo. Mas, mais do que isso, mais do que nos fazer viajar, ao longo do tempo e do espaço, mais do que nos fazer entender uma realidade, também nos deixa alguns avisos. Também nos alerta. Diz ela que A velha divisão estalinista entre categorias de homens, entre a elite toda-poderosa e os “inimigos” sem valor vive hoje no arrogante desprezo da elite russa pelos seus concidadãos. E a menos que essa elite reconheça rapidamente o valor e a importância de todos os cidadãos russos, e se disponha a honrar os seus direitos civis e humanos, a Rússia estará destinada a tornar-se em última instância numa espécie de Zaire do Norte, uma terra habitada por camponeses pobres e políticos bilionários com contas nos bancos suíços e jactos privados, com as turbinas a funcionar, nas pistas de descolagem. Impressionante, talvez mais do que isso, talvez motivo de preocupação, é quando a autora nos alerta, para que Este livro não foi escrito “para que nunca mais volte a acontecer”, como diz o cliché. Este livro foi escrito porque provavelmente vai voltar a acontecer. Como, em Moçambique, muito provavelmente, vão voltar a acontecer assassinatos como o praticado por “Anibalzinho”. Esperemos que não. Mas, é necessário aguardar para ver.

domingo, dezembro 18, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Dezembro 18, 2005

antes e depois

Luís David



que haja coragem para assumir o passado


Desde há muitos anos que antigos trabalhadores na extinta RDA reclamam e defendem o que consideram ser seus direitos. . Como trabalhadores moçambicanos naquele país. Desde sempre, também, a posição do Governo, perante as reclamações, parece ter sido pouco clara. Digamos, demasiado defensiva e pouco propensa ao diálogo construtivo. Daí, as marchas, semanais, toleradas, por muitas artérias de Maputo. A ocupação da embaixada alemã em Maputo. E, o mais que fica por dizer. Neste processo, o Governo cedeu aqui, foi cedendo ali. Primeiro, disse que não devia nada. Depois, aceitou ser devedor de alguma quantia. Esta semana, aceitou pagar 50 milhões de dólares norte-americanos e ceder 17 por cento das suas acções num banco de micro - finanças. Mas, o acordo, ao que parece, não é, ainda, de todo pacífico. Não há, não haverá, concordância quanto à forma e ao tempo de pagamento. O que, em última análise, se apresenta, apenas como um aspecto periférico da questão de fundo. E, a questão de fundo é, na sua essência, política. Não é, alguma vez poderá ser, uma questão financeira.


Necessitamos de recuar no tempo. Só recuando no tempo seremos capazes de entender os motivos, a razão que levou muitos milhares de moçambicanos a irem trabalhar para a então Alemanha Democrática. Para eles, para esses moçambicanos, terá sido, única e exclusivamente, uma oportunidade de trabalho. Uma possibilidade de fuga ao desemprego em Moçambique. Ignorando, por completo, os acordos que possam ter sido assinados entre os Governos dos dois países. Acordos políticos. E, aqui, parece não ser possível esquecer que, algumas décadas antes, também muitos milhares de trabalhadores alemães e polacos, entre de outras nacionalidades, foram levados para a então URSS para trabalharem no GULAG. Para, com o seu trabalho forçado, pagarem as dívidas de guerra dos seus países. Aconteceu assim, como está, hoje, amplamente documentado. É história. Como a história regista que o GULAG só desapareceu, por completo, na era de Gorbatchove, apesar das tentativas de reforma de Beria, chefe da polícia secreta soviética, décadas antes. Com a finalidade de subir ao poder. Como forma de suceder a Estaline. Felizmente, tal não se verificou. Tudo isto, para dizer, por fim, que aquilo que, em Moçambique, parece ser um simples conflito de trabalho, aquilo que parece ser uma questão de dinheiro, de acerto de dinheiro, entre Governo e antigos trabalhadores na extinta RDA, pode ter contornos mais profundos. Pode ser uma questão política. Que deve ser assumida politicamente. Para isso, para haver uma solução definitiva, é preciso haver coragem para assumir o passado. Então, que haja coragem para assumir o passado.

domingo, dezembro 11, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Dezembro 11, 2005

antes e depois

Luís David


o rabo fora da porta

Filmes policiais, histórias de detectives, séries sobre julgamentos, povoam as memórias de muitos de nós. Histórias, verdadeiras ou de ficção, em que o bem luta por vencer o mal. Histórias, na generalidade, com argumentos excepcionalmente bem concebidos. Muitas das quais, hoje, passadas décadas, permitem fazer recordar que nem sempre o que parece é. Que o que parece ser óbvio é verdadeiro. E que, casos há em que o verdadeiro criminoso pode parecer o mais insuspeito, o mais pacato cidadão. Aconteceu, assim, na ficção. Mas, também pode estar a acontecer igual na realidade. E, a realidade recente pretende mostrar que o crime – especialmente o crime organizado – não terá diminuído. Alterou, isso sim, os métodos de actuação. Modernizou-se. Sofisticou-se. Em última análise, investe, fortemente, nas novas tecnologias de comunicação e de informação. É para este presente, para este hoje, que nos tenta alertar vasta literatura, numerosos trabalhos de investigação editados em tempos recentes. Sobretudo, a partir da queda do Muro de Berlim e, mais recentemente, do desmantelamento da União Soviética. Deixou de ser segredo, sabe-se, hoje, com alguma precisão, com algum rigor, quem controla o tráfico de armas, quem domina as empresas e faz fortunas com a venda ilegal de motores de avião ou de urânio. Naturalmente, resultado do espólio do antigo Exército soviético. Não, necessariamente, apenas no interior do país. Como parece fácil saber alguns nomes de quem está ligado ao tráfico, para o Ocidente, de ouro e de moeda forte. O mesmo pode ser válido em relação aos negócios do petróleo. Contudo, apesar do que se sabe, do que se conhece hoje, a verdadeira dimensão do crime organizado é quase impossível de conhecer. Facto concreto, incontestável, é que o crime organizado, em algumas região do mundo, constitui um perigo para as democracias. Principalmente, para as mais recentes.


Terminada que está a primeira semana do julgamento de “Anibalzinho”, parece haver nenhuma novidade a registar. Ou seja, quanto terá sido dito afigura-se como irrelevante no contexto do apuramento da verdade material. Assim sendo, parece que bem andou o Juiz da Causa ao não permitir a transmissão em directo das audiências. Tenha ou não decidido de forma calculada, a decisão pode ser apontada como tendo tido duas virtudes. A primeira, foi a de ter evitado o gasto de elevadas somas de dinheiro do erário público. De que, como se provou, nenhum bem resultaria para o apuramento da verdade. A segunda, foi a de nos ter evitado o triste espectáculo de ter de ver de ouvir um assassino que procura utilizar todos os meios que lhe proporcionam para se tentar apresentar como herói. Como estando acima ou para além da Lei. Se quiserem, como sendo diferente entre iguais. Ressalve-se, esta igualdade deve ser entendida em termos de democracia e nunca de bandidismo. Porque os bandidos, os ladrões, os assassino, também têm os seus códigos. Morais. Como têm sempre presente a chamada “lei da morte”. Bem entendido, certamente que ninguém espera que de uma sala de audiência com espaço tão reduzido possam sair revelações. Nem pequenas, muito menos grandes. Depois, investigar sobre o autor material de um crime é sempre um processo demorado e complexo. Apesar de o que menos falta serem as pistas de investigação. As hipóteses de trabalho. O perigo, em última análise, é que seguir uma pista pode conduzir a um local onde não se pretende chegar. Ou onde, antecipadamente, se sabe não dever chegar. Mas, por hipótese, também pode, muito bem, acontecer, haver alguém que esteja, desde há muito tempo, a tentar lançar a confusão. Que esteja a tentar, por todos os meios, apontar pistas falsas. Neste caso, e pode ser o caso, corre o risco de ao tentar sair do imbróglio que criou deixar a porta aberta. Talvez pior, deixar o rabo entalado na porta, deixar o rabo fora
Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Dezembro 4, 2005

antes e depois

Luís David

falsos argumentos

Ele há questões que, dizendo respeito à nossa vida pessoal ou da sociedade no geral, devem merecer a mais ampla discussão pública. A mais ampla divulgação. Outras, não. Ou não tanto. Divulgar quando e o quê, sempre foi, é, continuará a ser questão polémica. Entra no campo polémico de se saber, em absoluto, se se deve optar pelo sim ou, em alternativa, se se deve escolher o não. Mas, convenhamos, como o absoluto é igual a nada, a discussão pode estar, parece estar, viciada desde o início. Em última análise, cabe ao jornalista decidir, tendo presente o que se aceita por interesse público, o que dever ou não divulgar. Aceitemos, assim, que tenha sido correcta a decisão de o Tribunal permitir a transmissão, em directo, do julgamento do assassinato de Carlos Cardoso. Esta aceitação, este posicionamento, perante um facto concreto, num tempo determinado, em nada impede que aceitemos, igualmente, ter sido correcta e acertada a decisão do Tribunal em não autorizar a transmissões, em directo, salvo da primeira e da última sessão, do julgamento em que “Anibalzinho” volta a sentar-se, pelo mesmo crime, no banco dos réus. Ignorando, por completo, os factores que pesaram na decisão do Tribunal que julga, pela segunda vez, “Anibalzinho”, há um motivo que parece evidente. O de recusar a Aníbal dos Santos Júnior a oportunidade para tentar provar, perante a opinião pública, que é o que não será.


Como já se disse, existem, hoje duas correntes de opinião. Uma, que defende como correcta, como boa, a decisão do Tribunal. Ao não permitir a transmissão em directo, quer por rádios, quer por televisões, das sessões do julgamento. Ao que parece, por defender que estamos perante um caso em que compete ao Tribunal julgar. Não à opinião pública. Ou, se for o caso, que deseja que um qualquer homem, considerado mau, não possa manipular no sentido de se apresentar como, socialmente, bom. O mesmo será dizer, não ver transformado um bandido em herói. A outra corrente de opinião, corrente contrária de opinião, defende que o referido julgamento, para ser transparente, devia ter transmissões em directo. O que, até prova em contrário, parece ser um falso argumento. Como é elementar, quem julga não é o jornalista. É o Tribunal. E, mesmo não tendo sido permitida a transmissão de som e de imagens em directo, o jornalista, os jornalista, não foram impedidos de estar presentes. Assim como o público. Apesar do reduzido espaço da sala. Quer-se dizer, o julgamento é público. Sendo que por ser público nada obriga a que tenha de ter transmissões em directo. Vendo a questão pelo plano inverso, não é pelo facto de não terem sido autorizadas transmissões em directo que o julgamento deixou de ser público. Como tal facto nada tem a ver com transparência ou, se se preferir, com falta de transparência. Tudo, muito ou nada do que se diz, pode não ir além de falsos argumentos.

sábado, novembro 26, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Dezembro 20, 2005


antes e depois

Luís David


um objectivo nacional

Desde há longos anos que esperamos, que aguardamos, que a Justiça nos dê mais do que aquilo que tem dado. Que tem vindo a dar. Aqui, falamos em Justiça como um todo. Assim, ao falar em Justiça, estamos a pensar, estamos a falar de um processo que começa na investigação e na detenção de supostos criminosos, passa pelo julgamento e termina no sistema de prisão, quando condenados. Mas, ao que parece, assim não é. De tal forma que, sempre que se anuncia mais um julgamento, o sentimento geral parece ser de expectativa. De esperar para ver. O mesmo parece acontecer quando se anunciam prisões relacionadas com diferentes e mediáticos crimes. Seja qual seja a sua natureza. Ora, o referido sentimento, a ser real e colectivo – e nada parece apontar para que o não seja – pode ser interpretado de várias formas. Das quais, parece primário reter duas. Ou seja, a Justiça está desacreditada perante o entender do cidadão. E, logo, o cidadão por não a entender não acredita nela, não acredita que se esteja a fazer justiça, sendo o mesmo que dizer que não acredita na Justiça. Outra hipótese, ou seja a segunda interpretação, é que a Justiça não o é, que a Justiça funciona mal, quando funciona, sendo de admitir que possa, muitas das vezes, sequer, funcionar.


Foi anunciado, passam poucos dias, terem sido detidos dois indivíduos suspeitos de terem assassinado o director da Cadeia Central da Machava. Os relatos jornalísticos, a serem verdadeiros – e nada permite duvidar que o não sejam – transportam-nos para uma outra realidade. Para uma complicada e complexa realidade de conivência e de cumplicidade. Entre quem está dentro e quem está fora da prisão. E, por incrível que possa parecer, como, na nossa realidade, estando na prisão se pode negociar, se pode pagar para sair da prisão. Pior. Que quando um director de cadeia – sempre a avaliar pelos referidos relatos públicos – tenta desmantelar as redes de criminosos, corre o riscos de ser sumariamente abatido a tiro. Esta parecer ser, esta é a realidade. Pouco importa, para o caso, se a rede criminosa começa, se tem a cabeça, o cérebro, na cadeia e se se ramifica, se se estende para o exterior. Ou se, em alternativa, tem a cabeça e o cérebro no exterior e se se ramifica para além dos portões da cadeia. O que conhecemos, o que sabemos – e talvez seja, até, perigoso saber mais do que é público – é que continua a acontecer a liquidação física, o assassinato, de directores de cadeias. Temos de admitir que, na nossa realidade actual, ser director de uma cadeia é ter a cabeça a prémio. E, também, que o combate ao crime organizado tem de ir muito para além de colocar pessoas sérias e honestas à frente das cadeias. Pessoas que, por destemidas, por ingénuas, não merecem ser deixadas como franco-atiradores. Sem uma retaguarda segura de protecção. Combater o crime organizado não é, nem pode ser, um processo, isolado, das polícias, dos tribunais, dos directores de cadeias. Tem de ser, obrigatoriamente, um objectivo nacional.

sábado, novembro 19, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Novembro 13, 2005

antes e depois

Luís David

O combate ao crime organizado exige mais

Foram julgadas e condenadas, semana que passou, pelo Tribunal Judicial da Província de Sofala, duas mulheres que transportaram droga desde o Brasil até Moçambique. A uma, coube a pena de 18 anos de prisão. À outra, 16. Os seus nomes, para o caso, nada importa. Não é relevante. Muito provavelmente, não irá ficar na história dos traficantes de droga de, ou para, Moçambique. Muito menos, ainda, de uma qualquer rede de tráfico de droga a nível mundial. Pela simples razão de que eram, na gíria ou em linguagem chula, simples “pombos”. São pessoas que, a troco de determinada quantia monetária, transportaram droga entre dois países. São, pura e simplesmente, pessoas contratadas para transportar droga. E, pouco importa, tem importância pouca ou nenhuma, se a droga vinha nos intestinos ou no estômago, ou se vinha camuflada em peças de roupa intima. O que parece importante, e é, para o caso em análise, são alguns pequenos detalhes das notícias divulgadas, em diferentes órgãos de Informação. Curiosamente, muito semelhantes em termos de linguagem. Uma linguagem mais de comunicado policial do que jornalística. E, aqui, parece exemplar a passagem do texto onde se pode ler que o TPS condenou aquelas duas nacionais por tráfico de cocaína. Sobre quem enviou a droga e quem a devia receber, ficamos a saber, apenas, que as 38 cápsulas de cocaína (foram) entregues por um tal Mussa para um tal Emílio. E, é tudo, o que parece importante dizer, o que se entendeu ser importante dizer, quando se fala e se escreve sobre a condenação de traficantes de drogas pesadas.


Entendeu o Tribunal Judicial de Sofala condenar as duas mulheres em pesadas penas. Certamente, decidiu de acordo com a Lei. Outra coisa não é de admitir. A dúvida, porém, que se coloca como obrigatória de colocar, é se estas duas mulheres eram, efectivamente, traficantes. Se eram traficantes na verdadeira acepção do termo. Se, em termos jurídicos, devem e podem ser consideradas como traficantes. E, mais, se a sua condenação como traficantes serve ou não para proteger terceiras pessoas. Se a sua condenação pode ser mais do uma manobra para fazer desviar as atenções dos verdadeiros traficantes de droga. Ou, para a possível entrada de droga em Moçambique por vias alternativas. Se elas, se estas mulheres, agora condenadas a pesadas penas de prisão, foram mais do que isco para alguém poder mostrar trabalho no combate ao tráfico de droga. A não ser assim, impunha-se ter sido feito um trabalho de investigação mais demorado e mais profundo. Impunha-se, sobretudo, segundo as técnicas de investigação modernas e onde o combate ao crime organizado é assumido com seriedade, ter conseguido a colaboração destes “pombos”. Na denúncia, clara, de quem enviou e de quem era o destinatário da droga. Mesmo, e quando necessário, a troco de uma redução da pena. Ou, em alternativa, deixando estas mulheres fazer novas viagens e servirem de “toupeiras”. Na realidade, nada disto, nada assim foi feito. As duas mulheres foram condenadas e, perante a opinião pública, todos estamos de consciência tranquila. Muito embora estas condenações possam ter sido um mau serviço ao país. Sobretudo, como foram feitas e por falta de uma investigação profunda, um mau serviço no combate ao crime organizado. O combate ao crime organizado exige mais.

domingo, novembro 06, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Novembro 6, 2005


antes e depois

Luís David

uma forma de evitar investigar e descobrir a verdade

O caminho mais curto para evitar a verdade, para tentar travar a investigação sobre a verdade, é tentar perpetuar um dogma. Insistir no mito e criar o rito. Para que ambos, amanhã, sejam apresentados, sejam transformados em história. Como verdade. Absoluta. Ora, muito provavelmente, história e verdade podem ser processos incompatíveis. Por serem sempre processos. E, sendo processos, nada nos darem de definitivo. A não ser a dúvida. Não há, não terá havido até hoje, uma verdade definitiva. Como não houve uma história acabada. Verdade e história podem ser, neste plano, apenas conceitos. Conceitos que se adoptam como bons, como certos, como correctos. Válidos num determinado tempo, relativamente a um determinado espaço. Mas que, amanhã, podem mudar. Podem valer nada, coisa nenhuma. Basta para tal que aumente o nosso conhecimento, que surjam factos novos. Não aceitar que a descoberta de factos novos pode mudar a nossa visão da história, é missão do dogmático. Pior. O dogmático ao recusar o princípio da dúvida, como método de investigação, tenta fazer perpetuar o dogma. E, ao tentar perpetuar o dogma, tenta impedir a aquisição de visão outra, de visão diferente, sobre o que não sendo único, nem unilateral, pode bem ser diverso e ser diferente. Digamos, em resumo, que o dogmático, ao tentar impedir outra visão, visão diferente da sua, daquilo a que chamamos história, não passa de um medíocre falsificador da história. Ou, em termo popular, numa perspectiva história, hoje, o dogmático, equivale ao que, em termos económicos, o povo classifica como de informal.



Tudo o que existe, tudo o sabemos ou julgamos saber existir, hoje, tem um antes e tem um depois. Isto para que, alguns mais distraídos e pouco dados à investigação, possam entender, definitivamente, que para poderem perceber o que aconteceu num determinado momento, necessitam saber o que se passou antes desse momento. E, em nome da verdade, não digam apenas disparates sobre o que se passou depois. Especuladores, de lá e de cá tendem, hoje, ambos os dois, em vender a sua verdade, o seu dogma, sobre a morte de Samora Machel. Um, faz, em livro, leitura diferentes de documentos conhecidos publicamente, vai para vinte anos. De investigação, apresenta nada. Outro, nem isso. Repete, simplesmente, aquilo a chama de investigação. Feita por outros, Não por si. E, neste repetir o que outros escreveram, fica-se na dúvida sobre o que se pretende encobrir. Sobre o que se pretende que não seja, jamais, matéria de investigação. Sente-se que há medos sobre um investigação, jornalística, séria, honesta e imparcial. Sendo certo que investigar dá trabalho, também teremos de aceitar que investigar pode trazer algumas surpresas. Riscos. Que os assumidos detentores da verdade oficial não desejam correr. Samora Machel foi, sem a mínima dúvida, em missão de paz. Caso tivesse regressado a Moçambique, e todos os seus acompanhantes tivessem cumprido a sua missão, a situação na África Austral poderia ter sido radicalmente alterada. Continuar a tentar atribuir a morte de Samora Machel, unicamente, ao regime sul-africano da época, é simples e fácil. Mas continua, também, uma forma de evitar investigar e descobrir a verdade.

sábado, novembro 05, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Outubro 30, 2005

Luís David


Trata-se de um desafio

Um homem foi morto. Mais um homem foi brutalmente assassinado. E, o homem que desta vez foi assassinado, com um tiro no coração, à queima-roupa, era director da Cadeia Central de Maputo. Fosse ele homem de fino trato ou de trato grosseiro, pouco importa. No caso em análise. O que importa é que foi morto um, mais um homem que tinha por missão proteger a nossa segurança, as nossas vidas. Como simples cidadãos. O que importa é que foi assassinado um homem que, em vida, tinha por missão manter distante do cidadão comum e indefeso, o criminoso. Tenha ou não o director da Cadeia Central de Maputo sido avisado de que iria ser morto, em nada altera o facto de ter sido, efectivamente, assassinado. Porque o facto de ter sido morto, de ter sido assassinado, nas circunstâncias publicamente conhecidas, a única coisa que pode demonstrar é, efectivamente, onde está o poder. Quem manda em quem. Só pode ser um alerta, a todos nós. Uma chamada de atenção e uma advertência. Poderá ter sido. Poderá ser. Será, É. Mas, uma advertência séria. O que aconteceu, ontem, a este director de cadeia, pode acontecer, amanhã, a um chefe de Esquadra ou a um comandante de polícia. Ao mais alto nível. Provavelmente, a um general do exército. Com ou sem aviso.



Em os “Os senhores do Crime – As novas máfias contra a democracia”, o suíço Jean Ziegler, leva-nos a partilhar o seu trabalho de investigação sobre o crime organizado em diferentes países da Europa. No verso da capa do livro, pode ler-se: Estes novos “padrinhos” actuam sob disfarce. Vivem na sombra dispõem de “homens de mão” e usam nomes falsos: ninguém sabe quais são os seus nomes verdadeiros. Por vezes controlam o próprio poder político”. Das mais de 250 páginas escritas pelo investigador suíço e seus colaboradores, que não é possível resumir, parece importante reter a seguinte passagem (pag. 255): O crime organizado assemelha-se à Hidra, a serpente monstruosa de vária cabeças, da mitologia grega. Corta-se-lhe uma cabeça... e logo nascem outras duas. Para liquidar definitivamente o crime organizado, seria necessário utilizar os mesmos métodos que Hércules e Iolas utilizaram para matar a Hidra de Lerna: enquanto Hércules cortava as cabeças, Iolas aplicava nas feridas um ferro em brasa. Por outras palavras, o crime organizado só será vencido no dia em que a sociedade democrática ocidental recuperar os seus valores fundadores, o sentido de um destino colectivo e dos comportamentos comuns baseados na solidariedade e na justiça. Convenhamos que não é apenas com leis, com sentenças espectaculares, com cadeias, com polícias, por mais competentes e honestos que sejam, que se pode combater o crime organizado. Os senhores do crime avançam, ao que parece, num passo triunfante. A questão está em saber se estamos dispostos a mobilizar os valores que estão adormecidos na nossa memória e na nossa sociedade. E, na nossa cultura. Trata-se de um desafio.
Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Outubro 23, 2005

antes e depois

Luís David


pode não ser simples acaso


Aconteceu durante semanas, ao longo de meses. Sempre em dias certos. Sempre pelas mesmas artérias da cidade de Maputo. Era a marcha ou desfile dos ex-trabalhadores na extinta RDA. Foi a forma que encontraram para reclamar direitos que defendiam ter. E, convenhamos, todos, todos têm o direito de defender os seus direitos. De reclamar e de protestar, quando sentem ou entendem que esses direitos não estão a ser respeitados. Outro aspecto, não menos importante, é que os direitos de uns acabam onde começam os direitos de outros. Quando se envereda pelo caminho da intimidação. Quando cidadãos pacíficos, quando transeuntes ocasionais de uma qualquer artéria, são ameaçados. E, ameaçados por nada. Quando se tenta negar a outros, o que através do protesto se quer defender. Ou, quando se ocupa propriedade alheia, quando se ocupa propriedade estrangeira. Aí, ao enveredar-se pelo caminho do excesso, corre-se o risco de perder a razão. A causa do protesto corre o risco de perder legitimidade. Corre o risco de perder legitimidade para protestar, quem por estes meios reclama.



Esta semana, estudantes bolseiros da Universidade Eduardo Mondlane entenderam reclamar. Reclamar, o que julgam ser direito seu e dever da parte contra quem protestam e reclamam. Protestar, no que foi apresentado como motivo público, contra o Regulamento das Bolsas. Assiste-lhes, sem reservas, todo o direito e toda a legitimidade para o fazer. Em sede própria, de forma pacífica e ordeira. O que não lhes assiste, é o direito de bloquear artérias e tentar impedir que outros cidadãos por elas circulem. O que não lhes assiste é o direito ao distúrbio, o direito de atentarem contra os direitos de outros cidadãos. Desta forma, ao procederem desta forma, perdem toda a legitimidade de protestar. Perde razão o protesto. A causa do protesto deixa de ter razão. Perde toda a legitimidade pretender defender opiniões, ou mesmo o que pensa ser direitos, violando o que é direito de outros. Publicamente consagrado. Possa ou não ser coincidência, a forma de protesto dos antigos trabalhadores na extinta RDA e a forma de protesto deste grupo de estudantes, encontra muitas semelhanças. Pode ser simples coincidência. Como pode não ser simples acaso.

segunda-feira, outubro 17, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no jornal Domingo de Outubro 16, 2005

antes e depois

Luís David


Mesmo quando não tenham de ser assinados papéis

O Acordo de Roma foi assinado fez treze anos. Não será, não terá sido, poderá não ter sido um Acordo perfeito. Mas, não há acordos perfeitos. Há acordos possíveis. Simplesmente possíveis. Que, bons ou maus, em situações semelhantes, permitem assegurar uma situação de paz. Como foi o caso, até hoje, até à data presente. Um acordo que, na sua essência e no seu espírito, terá sido respeitado, durante treze anos, por ambas as partes. E, isto, muito provavelmente, por ambas as partes haverem concluído não haver mais espaço, nem motivo nem razão para continuarem com a guerra. Ora, repetindo o que parece ter-se tornado lugar comum, digamos que a paz veio para ficar. Então, recuando no tempo e para sermos justos e honestos, o Acordo de Roma não deve conter, não pode conter cláusula que permita a uma das partes manter homens armados clandestinos. Homens armados escondidos nas matas. Por ser contra os princípios que regem qualquer Estado de Direito. Menos sentido parece fazer, sentido nenhum faz, hoje, tentar nova interpretação para o que foi escrito e assinado fez treze anos. Não podemos, hoje, defender que o referido Acordo quis dizer, pretendeu dizer, o que nele não foi nem está, certamente, escrito. Sob pena e risco de desonestidade moral e intelectual. Sob pena e risco de se estar a tentar falsificar a história recente. De Moçambique.


Após encontro, recente, com o Ministro do Interior, o presidente da RENAMO é citado a dizer (“Notícias” de 13 do mês corrente): Podemos entregar as armas e os homens para formação, desde que eles continuem sob nossa alçada. Não vamos entregá-los em definitivo ao Governo. Preferimos manter a nossa segurança porque “os segurança” da Frelimo não fazem o que deve ser feito em matéria de segurança para os elementos da Renamo. Somos espancados na presença da polícia, daí que preferimos que eles sejam treinados e equipados mas continuam sob o nosso comando. Ora, a afirmação é, em primeira e em última análise, confusa. Digamos, mesmo, que faz pouco sentido. Que faz sentido nenhum. Que não tem lógica, que não prima pela lógica. Ora, interroguemos, coloquemos a dúvida: Que Estado, que Estado de Direito, pode aceitar treinar e integrar elementos nas suas forças de polícias que, posteriormente, obedeçam ao comando de um partido da oposição. Que Estado de Direito aceita, ou aceitou, integrar nas suas fileiras elementos que não controla. Claramente, nenhum. Por se tratar de uma aberração. Que dirigentes de partidos da oposição tenham direito a segurança pessoal, faz todo o sentido. Que essa força de protecção seja treinada, integrada nas forças da Polícia, paga pelo Estado, e obedeça não a um comando central mas ao dirigente de um partido de oposição é, no mínimo, ridículo. Não faz sentido. E sabe, perfeitamente, que não faz sentido quem defende esta posição, como sabe que não faz sentido quem a aconselha, quem está a aconselhar, e a pagar. A paz em Moçambique, a paz moçambicana, só pode ser efectiva e continuada com o diálogo sob a copa de árvore frondosa. O Acordo de Roma foi apenas um acidente. Foi uma etapa no processo. Indispensável. Mas, sejamos claros, o verdadeiro Acordo de Paz terá de ser firmado cá dentro. Mesmo quando não tenham de ser assinados papéis.

segunda-feira, outubro 10, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Outubro 9, 2005

antes e depois

Luís David


um fenómeno nacional difícil de entender

De verdade, nem sempre podemos dizer que a Natureza nos seja favorável. Porque não é. Porque muitas vezes não é. Fustiga-nos, agride-nos, maltrata-nos, com demasiada frequência. Secas hoje, inundações amanhã, ciclones e vendavais ao terceiro dia. Hoje, aqui ou além, a terra fica seca ou ressequida. Plantas, animais e homens não resistem. Sucumbem. Amanhã, chove em demasia. Plantas animais e homens são impotentes para enfrentar a força e a fúria das águas. Depois, os ventos que tudo varrem, tudo levam na sua frente. Tudo arrastam com a sua força destruidora. Guardamos, certamente, todos, ou muitos de nós, memórias recentes das consequências de uma e das outras situações. Memórias de dramas humanos. Memórias de sofrimento, de desespero, de dor. Memórias de ontem a que se sucedem imagens de hoje. Já de produção e de alento. Imagens de e da vontade de vencer. De se não entregar como vencido. Imagens dos frutos e com os frutos dessa vontade de vencer. Dos frutos de se não ter dado por vencido.



As imagens e as notícias de regiões onde os efeitos da seca podem ser, e muitas vezes são, dramáticos, também têm o seu oposto. E, o oposto, são as imagens e as notícias de regiões onde o incentivo à produção agrícola deu resultados positivos. Significativamente positivos. Mas, também aqui, com um outro senão. O de essa produção não estar a ser devidamente comercializada, não estar a ser encaminhada para os mercados consumidores. Com um aspecto agravante. Importamos, continuamos a autorizar a importação, de países vizinhos – e, em alguns casos, nem só de países vizinhos – conseguimos transportar de países vizinhos e de outros de mais de longe, o não conseguimos fazer transportar dentro de Moçambique. Conseguimos – assim parece ser a nossa realidade, resultado da nossa mentalidade – fazer o transporte de mercadorias entre o mar e o interior, entre o mar e os países vizinhos. Também entre os países vizinhos e o mar. Mas, temos dificuldades em transportar o nosso produto, o que produzimos no país, entre distritos, entre províncias, entre o norte e o sul. Naturalmente, é difícil entender esta continuada ausência de protecção ao produto, à produção nacional. Mais. É preocupante saber que a batata reno e o ananás, a batata doce e o tomate, a cebola e o pimento, para citar, apenas, exemplos primários, produzidos por agricultores moçambicanos correm o risco de apodrecer, ao sair da terra. Por falta de uma política de comercialização. Por falta de uma política de incentivo ao agricultor e, no geral, ao produtor nacional. Sobretudo, também, por falta de medidas restritivas a importações de produtos que, produzidos no país, com muito melhor qualidade, correm o risco de apodrecer antes de chegarem ao mercado mais próximo. Convenhamos, não estamos perante uma calamidade, não estamos perante um fenómeno natural que não possamos dominar. Estamos, isso sim, perante um fenómeno nacional difícil de entender.

domingo, outubro 02, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Outubro 2, 2005

antes e depois

Luís David


a hipótese de existência de petróleo é sempre uma tentação

Desde a Segunda Guerra Mundial, todas as guerras, todos os conflitos armados, foram classificados como conflitos de baixa ou de pequena intensidade. Por peritos e por especialistas militares. Isto é, de guerras onde se procura investir o mínimo de dinheiro e envolver o menor número possível de homens e de armas. Contudo, não deixam de ser guerras sangrentas, não deixam de ser guerras destruidoras. Não deixam de ser guerras que provocam dezenas, centenas de milhares de mortos. Não deixam de ser guerras que levam à destruição de indispensáveis infra-estruturas sociais colectivas. Que provocam, em última análise, a destruição do tecido social. Na Ásia e em África, principalmente, todos guardamos memórias recentes de conflitos, de confrontos armados sangrentos. Por motivos étnicos, por motivos religiosos, por motivos raciais, por motivos políticos ou ideológicos. Também por motivos económicos. E, aqui, o petróleo, parece ser, é, determinante na maioria dos casos, na maioria dos conflitos. Seja qual tenha sido o motivo, Moçambique viveu um período de treze anos de conflito armado. Um conflito entre moçambicanos desentendidos, desavindos.


Amanhã, melhor, depois do amanhã, completam-se treze anos que em Roma foi assinado o Acordo Geral de Paz. Significa isto, entende-se, assim, que passam treze anos que vivemos em paz. Mas, esta paz, acordada em Roma, parece ser, cada dia que passa, uma paz jugulada. Uma paz cativa de ameaças e de pronunciamentos belicistas. Uma paz assente na chantagem. Sobre a possibilidade, talvez hipotética e remota, do retomar da guerra. Entre irmãos, entre famílias moçambicanas. De voltar a opor moçambicanos a moçambicanos. De dar ordens a moçambicanos para assassinarem moçambicanos. A paz, objectivamente, passa por caminhos diferentes. Talvez opostos. Passa, para além do silenciar das armas, por saber trilhar o caminho da reconciliação. Caminho difícil, sem dúvida. Mas, talvez único para quem se assuma como patriota. Sejam de quem sejam as culpas, os acontecimentos de Montepuez e Mocímboa da Praia constituem perigosos incidentes. Talvez, mesmo, perigosos precedentes. Mas, pior, mais perigoso, parece ser continuar a permitir, segundo declarações públicas, que existem homens armados, que existem exércitos privados em determinadas regiões do país. O Estado, o Estado moçambicano, sendo, que é, um Estado unitário, não deve nem pode permitir estes desafios. Não deve, nem pode, permitir este tipo de provocações. Não deve e tem obrigação de impedir manobras que tenham como objectivo desencadear guerras de secessão. Sendo que o espaço para tal seja cada dia mais reduzido, a hipótese de existência de petróleo é sempre uma tentação.

segunda-feira, setembro 26, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Setembro 25, 2005


antes e depois

Luís David


Fica o alerta

O aumento rápido, acelerado, do parque automóvel nacional tem, naturalmente, reflexos na circulação. Muito claramente, na cidade de Maputo. Primeiro, devido à falta de espaços de estacionamento em muitas zonas. Segundo, devido a congestionamentos e engarrafamentos. Em determinadas artérias e a certas horas. Situação agravada, situação que tem como factor agravante o facto de a maioria dos sinais luminosos reguladores do trânsito estarem avariados. O que origina, em última análise, um número elevado de acidentes. Um número exagerado de acidentes, que bem podiam ser evitados. Que não se encontra justificação para que aconteçam. Mas, voltemos ao princípio, voltemos à questão do congestionamento em diversas artérias e a determinadas horas. A situação, o caos a que chegou o trânsito, parece justificar um estudo sério. Com vista a encontrar alternativas e soluções. Digamos, mesmo, a situação exige soluções rápidas e urgentes. Uma das quais, poderá, eventualmente, ser o estabelecimento de vias de sentido único. Durante todo o dia, com carácter permanente. Ou, em alternativa, com sentido único, em determinados períodos do dia. Consoante o sentido do maior fluxo de trânsito. Naturalmente, como se disse, qualquer solução exige estudos adequados. E, qualquer solução passa, também, por uma maior colaboração e uma mais efectiva presença da Polícia de Trânsito onde era suposto dever estar presente. Mas, raramente está. Por último, poderá ser necessário estudar, poderá ser necessário analisar, se as dezenas de viaturas de instrução que circulam pela cidade constituem são ou não factor agravante do actual caos. Se sim, se a conclusão for sim, há que limitar a sua circulação a determinadas artérias e em determinadas horas do dia.


Nesta questão do acelerado e rápido crescimento do parque automóvel nacional, parece importante não perder de vista um outro aspecto. O de ser o resultado de uma política governamental. De uma política que permite a importação, aparentemente, sem qualquer tipo de controlo de qualidade, de viaturas usadas e recondicionadas. Uma política que, temos de o reconhecer, veio facilitar a muitos moçambicanos, talvez milhares, ter acesso a transporte próprio. Mas, uma política é como uma moeda. Tem duas faces. Tem verso e tem anverso. Tem vantagens e tem desvantagens. Daí, talvez por ter mais desvantagens do que vantagens, ter sido proibida a importação deste género de viaturas em alguns países da SADC. Aperceberam-se, alguns, estarem a ser transformados em parques de sucata. Estarem a permitir negócio de sucateiros. Chorudos negócios de sucateiros, ambulantes e errantes. Com todos os perigos. Os perigos e os custos económicos que isso representa. No caso concreto de Moçambique, a descontrolada importação de viaturas usadas parece apresentar vários perigos. Um, será a crise das empresas que importam viaturas novas, às quais garantem assistência. Outro, não menos importante, o envelhecimento prematuro do parque automóvel nacional. O que representa, sem dúvida, elevados custos para o país e para o cidadão. Não custa prever, não custa aceitar, que a maior parte das muitas centenas das reluzentes viaturas que hoje por aí circulam, enfrentam o destino de ficar , definitivamente, parqueadas dentro de poucos anos. O que parece ser um caso para reflexão. Fica o alerta.
Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Setembro 18, 2005

antes e depois

Luís David


também em inglês nos entendemos


Está Moçambique situado numa região em que os países fronteiriços foram colonizados por ingleses. Logo, situado, enquadrado, num espaço geográfico em que é dominante a língua inglesa. Ora, tendo sido Portugal metropolitano, durante décadas, pouco mais do que uma colónia económica britânica, Moçambique viria, por este e por outros motivos, a cair, também na órbita do domínio inglês. De tal forma que, principalmente no sul, tinha curso legal a libra inglesa. Da mesma forma que, durante largo período de tempo existiram jornais bilingues. Foram editados jornais em língua portuguesa e em língua inglesa. Não consta nos registos históricos que a administração colonial, local ou metropolitana, alguma vez se tenha oposto à situação. Ou que tenha ensaiado alguma medida para a alterar. Porém, decorridos anos, mais precisamente algumas décadas, aconteceu, era já Moçambique país. E, o que aconteceu foi começar a escutar-se uma alarmada vozearia, desalegrada e insatisfeita, manifestamente, pelo facto de Moçambique estar a preparar-se para eleger, para optar, pela língua inglesa, preterindo a portuguesa. Isto ocorreu por ocasião e na sequência da adesão de Moçambique à Comunidade Britânica. Era, foi, como se viu e como se comprovou, um alarme falso. Foi, como o tempo nos demonstrou, um rebate e um debate falso. Em que as vozes alarmadas e alarmistas de lá encontraram eco e calmosa tranquilidade em vozes aconselhadas mais sensatas do lado de cá. Pareceu assim, definitivamente, o assunto definitivamente encerrado. Para bem de todas as almas e dos justos pensadores de ambas as cotas oceânicas.


Temos de reconhecer, por ser esta a realidade, que foi a independência das antigas colónias portuguesas o factor determinante para que a língua portuguesa tivesse sido adoptada por várias organizações internacionais. De que todos esses países são, hoje, membros de pleno direito. Ora, tal facto, o facto de a língua portuguesa ser, hoje, cada vez mais utilizada em organismos internacionais, em nada fez diminuir a influência da língua inglesa. Digamos, mesmo e sem receio, que a língua inglesa é, hoje, se não a única, pelo menos a primeira língua de comunicação universal. Quer estejamos a tratar de comércio ou de economia, de artes ou de literatura, de ciência ou de tecnologia. De tal forma que, são muitos os termos os termos que, até hoje, não tiveram tradução noutras línguas. Que são utilizados e entendidos, por todos, no original, no inglês. Ignoro, por completo, se foi por estes ou por outros diferentes motivos o recente posicionamento do primeiro-ministro de Portugal. Disse José Sócrates, às televisões do seu país, por ocasião da abertura do ano lectivo, no passado dia 12 do corrente mês, que um país onde não se fale inglês não pode ser competitivo. Convenhamos que é uma posição lúcida. E que pode representar uma viragem na forma de Portugal se relacionar com o mundo. Ora, recuando algumas décadas no tempo, pode colocar-se a dúvida se o medo e os medos então manifestados, de Moçambique poder vir a substituir a língua portuguesa pela inglesa eram receios sinceros. Ou se, pelo contrário, não passaram de casos isolados de xenofobia ou de mal disfarçadas manobras neocoloniais. Seja o que tenha sido, parece ter ficado desfeito o mito da língua. Da língua portuguesa. E, a partir deste momento, podemos dizer também em inglês nos entendemos.

sábado, setembro 17, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Setembro 11, 2005

antes e depois

Luís David


aproveitar a oportunidade


Vivemos numa época, numa era, em que a economia e a civilização assentam num recurso natural. Chamado petróleo. Um recurso chamado petróleo que sendo, em princípio e teoricamente, inesgotável, não é renovável. Um recurso cujas reservas mundiais são apenas conhecidas por bem poucos. Mas, também, um recurso cujo aumento do preço de venda no mercado internacional, bem pode fazer derivar a sua exploração para zonas alternativas das tradicionais. Tradicionalmente fornecedoras do produto a baixo custo. Hoje, como desde há décadas, o controlo das zonas de produção de petróleo, das suas rotas e reservas, constituem factores de guerras. Quer acreditemos ou não. Acrescentemos, para melhor nos situarmos, que no início de 2004, os dois países com maiores reservas petrolíferas do mundo – o Iraque e a Arábia Saudita – viram-se atormentados pela violência islâmica. Quem assim escreve é Michael Scheuer, em “Orgulho Imperial: Porque está o Ocidente a perder a guerra contra o terrorismo”. Um livro cuja primeira edição foi publicado sob o pseudónimo de “Anónimo”. Por o autor estar ainda a trabalhar para a CIA. Um livro, sem sombra de dúvida, extremamente crítico sobre a forma como os Estados Unidos e o Ocidente estão a fazer a guerra contra o terrorismo. Em última análise, um livro polémico.


É bem verdade que petróleo, para muitos de nós, significa pouco mais do que o combustível que faz andar a nossa viatura. E que, quando sobe de preço, faz aumentar o preço de tudo – ou de quase tudo – o que consumimos, em espiral. Mas, para além do custo financeiro, o petróleo tem um custo político. Se considerarmos que tem vindo a ser fixado politicamente, e não segundo as regras do mercado. Para este factor nos chama a atenção o autor do livro quando, logo no prefácio, escreve: O petróleo do Golfo Pérsico e a falta de um desenvolvimento sério de energias alternativas por parte dos Estados Unidos são o âmago da questão bin Laden. A troco de petróleo barato e facilmente acessível, Washington e o Ocidente têm sustentado as tiranias muçulmanas que bin Laden e outros islamistas tentam destruir. Não pode haver outra razão para apoiar a Arábia Saudita, um regime que desde a sua fundação tem alimentado deliberadamente uma ideologia islâmica cujos objectivos – ao contrário dos de bin Laden – apenas poderão ser atingidos pela aniquilação de todos os não muçulmanos. Esta guerra poderá prolongar-se para além das vidas dos nossos filhos, e vir a ser principalmente travada em solo americano. Parece necessário esclarecer que o livro foi escrito depois dos ataques de 11 de Setembro de 2201. E que procura ser um alerta para a possibilidade de futuras acções semelhantes. Como já foram registadas. Significativa, no contexto do preço actual do barril de petróleo e dos acontecimentos
Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Setembro 4, 2005

Luís David


a lei é igual para todos

É gratificador. É, sem dúvida, gratificador saber que casos de ilegalidades, denunciados publicamente, aqui denunciados, mereceram a devida atenção. Por parte de quem tem poder para investigar. E que foram devidamente corrigidas. O que nem sempre acontece. Referimo-nos, no caso concreto, aos negócios de venda de terrenos por parte de uma imobiliária. É que, perante a denúncia da negociata, perante tamanho escândalo público, entendeu o Conselho Municipal de Maputo revogar todas as concessões de terrenos dentro do território municipal cujos concessionários estão a aliená-los através da imobiliária em questão. Assim como decidiu anular todas as licenças de construção já emitidas para os terrenos vendidos pela mesma imobiliária Algarve. Mas, vai mais longe. Sugere ao Ministério da Indústria e Comércio que cancele o alvará da Algarve, por prática de negócio anticonstitucional e por violação da Lei de Terras e seu Regulamento. Sem nos alongarmos demasiado sobre o assunto, seria, de todo, interessante podermos saber quem são os proprietários dessa tal Algarve. E se cometeram ou não crime passível de prisão. Trata-se de simples curiosidade.


Muito provavelmente, esta questão de venda de terrenos por uma dita imobiliária pode não ser caso único. O problema pode, muito bem, ser mais vasto e mais complexo. E, questão de fundo, parece importante saber se há espaço de negócio para o número crescente de empresas que operam nesta área. Que anunciam os seus serviços publicamente, que operam num espaço de negócio legal, bem entendido. Porque, para além destas, que se dão a conhecer através de anúncios na Imprensa, podem existir outras. São aquelas para as quais o escritório é o café. Qualquer café. E que operam através do telefone móvel. Seu único gasto para conseguir comissões. Sem muito trabalho. O que pode levar a ter de questionar se o Estado tem conhecimento deste negócio informal. Que aproveita, fundamentalmente, a estrangeiros. Mais, se o fisco lhes cobra alguns impostos. De facto, uma coisa é ser Moçambique um país aberto ao investimento estrangeiro. Outra, bem diversa e bem diferente, é dar acolhimento a quem nada investe e só fomenta negociatas e negócios ilegais. Cumprir a legislação em vigor no país não pode ser só obrigação para os moçambicanos. Tem de ser para moçambicanos e para estrangeiros. E, felizmente, começam a surgir alguns sinais, positivos, de que a lei é igual para todos.

domingo, agosto 28, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Agosto 28, 2005

antes e depois

Luís David


qualquer momento é bom para corrigir um erro

Ouve-se hoje, lê-se, vê-se. Sem necessidades de óculos. Há uma acentuada e progressiva degradação dos imóveis que constituíram o Parque Imobiliário do Estado. Principalmente nas cidades de Nampula, Beira e Maputo. Em tempos passados, houve a expectativa do início de um processo de recuperação. Mas, não passou de promessa nunca cumprida. Dinheiro havia e em mais de uma dezena de condomínios da capital do país foi efectuado o levantamento das necessidades. Por empresas da especialidade. Que apresentaram as suas propostas de cotação em sessão pública. Mas, num repente, tudo mudou. E, com a mudança de ideias, talvez de interesses, desvaneceu-se e ficou por cumprir mais uma promessa. A promessa de que os edifícios só passariam para a administração dos condóminos depois de reabilitados. Naturalmente, e no mínimo, as Comissões de Moradores sentiram-se traídas e enganadas. É que para trás, ficavam, como inúteis, muitas horas de trabalho. Horas de trabalho retiradas ao descanso diário ou semanal. De muitas dezenas de voluntários. Que acreditaram estar a participar num processo sério e honesto. Mas, aparentemente, não. É que não só nunca lhes foi explicada a razão da mudança da política governamental, como ninguém nunca explicou o destino dado ao dinheiro que existia com um fim determinado. Melhor, às perguntas e questões colocadas, publicamente, a resposta foi, sempre e até hoje, o silêncio. Mas, mesmo tendo passado o tempo que passou, não é tarde para um esclarecimento. Nunca é tarde para se dizer a verdade.


A mudança de ministro, veio criar alguma expectativa e trazer alguma esperança. Principalmente na abertura de diálogo. Desde há muito recusado. Digamos, acrescentemos, na abertura de um diálogo, franco, aberto e construtivo, entre as partes. Entre todas as partes. Ademais, se há coisa que não custa dinheiro é o dialogar, é o falar, é o conversar. Como cavalheiros, como pessoas de palavra, como cidadãos. E é, sem dúvida, através do diálogo que podem ser resolvidos alguns dos problemas artificialmente criados. Estamos a falar, no caso concreto, da necessidade de revisão do Regulamento do Regime Jurídico do Condomínio. Que, repetimos neste espaço, nada tem a ver com a realidade moçambicana. Que não é nem pode ser aplicado à realidade moçambicana. Que não passa de trabalho de copista desempregado. E, muito por hipótese, pouco sério e pouco honesto. Também muito por hipótese, quase de certeza, pretendendo deixar em texto legal benefícios que as nacionalizações haviam eliminado Mas, essa é questão secundária. E, de nada importa, por ora, averiguar se o referido regulamento era o texto necessário e que se impunha ou se, como parece, foi texto imposto. Teimosa e arrogantemente imposto. De fora para dentro. Por interesses estranhos a Moçambique, por interesses lesivos a interesses dos moçambicanos .Mas, se foi apenas um erro, e não queremos acreditar que possa ter sido mais do que erro, não há erro sem correcção. E, mais do que isso, qualquer momento é bom para corrigir um erro.

sexta-feira, agosto 26, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Agosto 21, 2005

antes e depois

Luís David


um crescimento que deve ser destacado


A cidade de Brazavile, capital da então República Democrática do Congo, albergava, na época, uma das sedes regionais africanas da Organização Mundial de Saúde. Moçambique, como os restantes países que haviam sido colónias portuguesas, estavam ali representados. Por tal motivo, a língua portuguesa viria a ser adoptada como língua de trabalho. A par das línguas inglesa e francesa. A necessidade de produzir documentos em português e, também, de defender os interesses de cada um dos países falantes de português, ditou a decisão, por parte da OMS, de criar um núcleo português. Constituído, naturalmente, por jovens enviados pelos Governos de cada um dos referidos países. Mas, chefiados por um cidadão português, quadro efectivo da OMS. Profissional incontestável. Excelente, como companheiro e como amigo. E que, em tempo de reuniões ministeriais, era apoiado por tradutores oficiais. Contratados fora dos países ali representados. Que faziam o que era mister ser feito. Aquilo de que eram incumbidos. Mas que nenhum moçambicano ou angolano estava preparado para fazer. Para realizar. Porque, verdade seja dita, não sabia fazer. Não tinha conhecimentos para fazer. Neste tempo, neste tempo ido, de gatinhar e de começar a conquistar postos e lugares em instituições internacionais, era então Ministro da Saúde Pascoal Mocumbi.


Hoje, decorridos, que são tantos anos, talvez mais de duas décadas, parece ser tempo de olhar para trás. Parece ser tempo para reflectir. Para perceber como é difícil enumerar e apontar o número de moçambicanos que ocuparam, ou ocupam, cargos, ou missões, ao mais alto nível, em diferentes organizações internacionais. Desde a ONU e suas agências, ao Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) e à SADC. Naturalmente, pode não ser bem interpretado, pode não ser bem acolhido, citar aqui nomes como os de Joaquim Chissano e de Tomaz Salomão. Mas, no seu conjunto, todas estas e outras escolhas, estas nomeações, representam, prestígio para Moçambique. Comprovam a capacidade moçambicana em moderar conflitos internacionais e em gerir interesses regionais. E, neste campo, nesta área, houve um significativo crescimento. Moçambique é escutado, a palavra e a posição de Moçambique é tida em conta. Gostem ou não, uns ou outros, na área diplomática, houve um crescimento que parece mal ignorar. Houve um crescimento que deve ser destacado.

quarta-feira, agosto 17, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Agosto 14, 2005

antes e depois

Luís David


uma oportunidade perdida


As nossas cidades e, talvez, de forma mais gritante a capital do país, estão a ser, progressivamente, desapossadas de espaços públicos. Espaços públicos destinados ao lazer, ao convívio, ao desporto. Numa cidade com cerca de dois milhões de habitantes, pergunte-se, faça-se um inquérito para saber quantos jovens praticam desporto. Serão, certamente, poucos. Muito poucos. Sabemos todos, sentimos alguns, que em bairros onde era hábito, em dias de descanso semanal, haver espaços onde jovens e menos jovens se entregavam á prática desportiva, esses espaços desapareceram. Desapareceram como espaços de utilização comunitária. Como espaços de confraternização desportiva entre vizinhos de um mesmo bairro, entre gentes de diferentes bairros. Dizer que não há apoio, menos ainda incentivo à prática desportiva, parece elementar. Pergunte-se quantos alunos praticam desporto nas suas escolas e quantas escolas têm competições entre si. Muito provavelmente, a resposta será desoladora. Pergunte-se quantos trabalhadores praticam actividades desportivas, regulares, a nível de suas empresas. Pergunte-se quantas empresas têm uma secção desportiva organizada e a nível de que modalidades. Parece podermos concluir, para já, que não existe qualquer política desportiva. Que não existe qualquer política de massificação do desporto. Que não existem ideias, menos ainda planos, para motivar os jovens moçambicanos para a actividade desportiva. Em diferentes modalidades.


No charco de águas podres, no pântano em que mergulhou, há muitos anos, e parece continuar mergulhado, o desporto nacional, o torneio de futebol juvenil BEBEC bem pode ser considerado excepção. Uma excepção em vias de se expandir para outras cidades do país. Como nota positiva, de intercâmbio e de confraternização entre jovens desportistas de todo o país, apontemos, também, a realização dos Jogos Desportivos Escolares. Que acontecem, como todos sabemos, de dois em dois em dois anos. Questionemos, tenhamos a coragem de questionar, os jovens que participam nesses jogos nacionais, sobre o tipo de desporto que praticam no intervalo dos Jogos. E com que frequência o praticam. A resposta, a resposta, poderá ser bem desoladora. Digamos, mesmo, comprometedora para quem dirige o desporto nacional. Depois, fácil pode ser concluir que se não temos massificação, menos ainda competição interna, pouca ou nenhuma possibilidades temos de competir no plano regional e internacional. Que difícil será fazer içar a Bandeira de Moçambique, por onde haja competição de atletismo, quando Mutola decidir abandonar as pistas. Queiramos ou não, somos, continuamos a ser, demasiado ingratos. Mas, mais do que ingratos, mesquinhos. Talvez altistas. Muito de certeza, sem visão de futuro. Pois, e esta é a realidade pública, por não querermos despender uns poucos milhares de dólares, para permitir um estágio da selecção nacional de hóquei em patins em país estrangeiro, podemos ter comprometido a permanência de Moçambique entre os maiores do hóquei mundial. É facto que, quem pode manda. Embora possa mandar mal. E, se mandou mal, se decidiu mal terá, no mínimo, de arcar com a responsabilidade moral de Moçambique não continuar no grupo dos maiores do hóquei mundial. Temos de saber aproveitar as oportunidades que se nos apresentam. E, esta, foi uma oportunidade perdida.

quarta-feira, agosto 10, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Agosto 7, 2005


antes e depois

Luís David


trabalho não significa emprego


A maioria dos distritos da província de Maputo e do sul de Gaza são, essencialmente, agrícolas. Ou, melhor dizendo, agro-pecuários. Todos o sabemos, durante décadas abasteceram as populações dos principais centros urbanos do sul do país. Excepto, talvez, em batata reno. Depois, veio a guerra.. Já durante a guerra, em anos distantes mas, também recentes, o Chókwé continuava a produzir significativas quantidades de tomate. E de outros produtos agrícolas. Que eram escoados, que chegavam a Maputo, escoltados por blindados militares. Certamente, com elevados custos financeiros. Depois, terá havido uma viragem, uma abertura, ou uma necessidade de, aos países vizinhos, donde passou a ser importado tudo e nada. Até do que produzíamos internamente e corria o risco de apodrecer nos campos de produção.


O conflito de interesses que estalou, recentemente, entre pequenos e grandes produtores de tomate da zona do Limpopo e importadores informais, veio trazer à superfície um problema a que o Governo, desde há muito, vinha fechando os olhos. Vinha ignorando. E que é o da necessidade, e da obrigação que tem, de proteger os produtores nacionais. Principalmente, os chamados pequenos produtores. É que, não faz qualquer sentido continuar a permitir a importação de um vasto conjunto de produtos que são produzidos internamente em significativas quantidades. Mas que, na maioria dos casos, não encontram escoamento dos locais de produção para os de consumo. E, aqui, para além do tomate, podem mencionar-se a manga, a papaia, o abacaxi, a banana, a pêra abacate, o limão, a tangerina, o pimento, a mandioca, a batata doce, o mel, a galinha, o cabrito e, em certa medida o bovino. O que faz sentido, o que parece fazer sentido, é incentivar a produção deste, e de outros produtos nacionais e criar condições para a sua comercialização. Mais do que isso, criar condições para o seu aproveitamento integral, para a sua conservação e transformação. Localmente. E, transformar em compotas, em doces, em sumos, em concentrados. Com o recurso a indústrias caseiras, familiares, semi- industriais. A pobreza combate-se através do trabalho. Não com o recurso a importações desnecessárias. Combater a pobreza passa, sobretudo, pelo apoio e o incentivo ao trabalho. Tendo, sempre, presente que trabalho não significa emprego.

domingo, julho 17, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Julho 17, 2005

antes e depois

Luís david


uma sátira porca e nojenta


Está a acontecer com demasiada frequência, em vários órgãos de Informação. A gente pega, lê, escuta, vê. Depois, interroga se é possível. Ou, como é possível. Como é possível haver tanta falta de respeito pela Constituição, assim como Lei de Imprensa. Como é possível a Ética e a Deontologia serem tão mal tratadas, serem tratadas com tanta falta de respeito. Como é possível continuar a ler o que se vai lendo. Como é possível que jornalistas, que até se dão ao luxo de citar os nomes dos seus mestres, escrevam o que escrevem. Impunemente. Sem que alguém venha a público dizer algo. No mínimo, que o que estão a dizer, a reportar, a escrever, tem nada a ver com jornalismo. Que jornalismo tem regras. Que jornalismo é outra coisa. Que jornalismo é coisa diferente. E que não é o facto de evocaram nomes de jornalistas consagrados, os tais mestres, que lhes dá o direito de escreverem o que andam por aí a escrever. Por não ter sido isso que ninguém lhes ensino


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Na sua última edição (pag. 27), o “Zambeze” titula: “BILENE – Governador de Gaza manda destruir estância turística – O “boer” queixou-se à PGR”. Logo nas primeiras linhas do texto, o jornalista escreve que a referida estância pertencia a um cidadão sul-africano, de raça branca. Ora, ao que se sabe, não existem “boers” japoneses, chineses nem portugueses. Como não existem “boers” pretos. Logo, se era “boer”, tinha de ser sul-africano e tinha de ser branco. Daí, o facto de se texto em apreço não é racista, apontar nesse sentido. O que é, em absoluto, contrário à legislação em vigor. Também, na mesma área, parece estar o “Savana” a resvalar e a aplicar a “lei do vale tudo”. Na sua edição da passada sexta-feira, titula “no informal”: Neguinho é o Nestor. O resto é negrão...”. Assim mesmo, com letra minúscula, referindo-se a José Negrão. E, depois, como legenda de foto publicada na mesma página, começa por dizer: “O JOSÉ NEGRÃO AQUI, NO MEIO ENTRE MÚLTIPLOS QUE O ADMIRARAM E ADMIRAM deixou-nos. Para acrescentar, com evidente sadismo, Muita dor, muita saudade. E um pouco de sátira, mas (....). Ora, fica a dúvida se é possível satirizar, se é possível fazer sátira, sobre a forma como amigos e familiares manifestaram a sua dor em relação a um Homem cujas exéquias fúnebres só viriam a ter lugar no dia seguinte à da saída do referido semanário Depois, sátira, parece ser termo pouco apropriado. Talvez deva falar-se em humor. Em humor negro. Mas, admitindo que possa tratar-se de sátira, trata-se de um sátira que ofendeu, profundamente, amigos e familiares. A quem o semanário em questão, através de anúncio necrológico (pag. 29) ,“À família enlutada apresenta as mais sentidas condolências”. Ora, parece haver aqui alguma contradição. E, por certo, haverá, Ora, se de facto a sátira não foi mais do que uma sátira, foi uma sátira porca e nojenta.

domingo, julho 10, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Julho 10, 2005


Antes e depois

Luís david


Deus não vai gostar

Parece, ainda hoje, difícil saber quando e onde foi praticado o primeiro acto de terrorismo. E, por outro lado, qual o número de pessoas que já perderam a vida devido a actos de terrorismo. Sem muita margem para erro, a história da Humanidade, a evolução das sociedade, desde há vários séculos caminhou, e parece continuar a caminhar, a par de actos e de acções de terror. Sabemos, hoje, que embora os seres humanos no planeta tenham quadruplicado desde o princípio do século XIX, o número de vítimas do terrorismo multiplicou-se por 24 no século XX. Naturalmente, o terrorismo de hoje, o terrorismo dos nosso dias, é diferente do terrorismo de séculos passados. Do terrorismo praticado há poucas décadas. Mas, diferente nos métodos, diferente, sem dúvida, na forma, continua a ser terrorismo. Hoje, ao que parece e nunca como dantes, o terror mede-se, cada vez mais, pelo número das vítimas que provoca. E, menos pelo mérito da causa que diz servir. Parece não haver, pois, qualquer mérito em tolerar o terror. Menos, ainda, considerar que tolerar o terror seja uma virtude. Não o é. Será, quanto muito, uma fraqueza. Na extrema das hipóteses, falta de coragem para uma leitura nova da História. Sobretudo da história dos conflitos entre religiões. Dos conflitos entre as três principais religiões.


Afigura-se como prematura, uma análise séria, aprofundada e profunda dos verdadeiros motivos dos recentes ataques terroristas registados em Londres. Objectivamente, afigura-se como simples, senão simplista, a tentativa de justificar o motivo das explosões com o momento da reunião do chamado G-8 ou com o facto de a capital britânica haver sido eleita para acolher uma edição dos Jogos Olímpicos. Quer dizer, o momento em que as explosões acorreram pode, e parece não ter, nada a ver com esses acontecimentos em si mesmos. E que se aconteceram nesse dia a nesse momento, foi uma simples questão de táctica. As explosões estavam, estariam quase de certeza, planificadas, desde há muito tempo, e programadas para acontecer em Londres. A questão, residia no quando. E, sendo ou não actos, a todos os títulos condenáveis, de fundamentalistas religiosos, como parece terem sido, a questão de fundo pode continuar a prevalecer. Mesmo quando identificados e presos os seus autores. È que, a questão de fundo, parece assentar numa centenária guerra santa. Se é, se assim é, e parece ser que assim é, os líderes das religiões em conflito, deviam eles próprios assumir, publicamente, um posicionamento de diálogo. Afinal, Judaísmo, Cristianismo e Islão têm uma origem comum. Tora, Bíblia e Corão são, na sua essência, textos referentes a um Deus único. Falta perceber o que impede, neste tempo global, que líderes destas religiões se sentem a uma mesma mesa e que digam, claramente, o que os divide e o que os une. É que, continuar a matar, continuar a assassinar em nome de uma religião, seja ela qual seja, parece um sacrilégio. E, quase de certeza, Deus não vai gostar.

segunda-feira, julho 04, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de 3 de Julho, 2005

Antes e depois

Luís david


É tempo de acabar com o oportunismo político


Ignoro se é conhecida ou não a data da publicação do primeiro anúncio publicitário. Em jornal, rádio ou televisão, de um qualquer país do mundo. Mas terá sido, certamente, há muitas décadas. Aliás, isso todos sabemos, os primeiros anúncios publicitários tinham uma função meramente informativa. Davam a conhecer, de forma aparentemente inofensiva, a existência de certos produtos disponíveis e a prestação de determinados serviços. Inicialmente, no seio de comunidades restritas. Depois, o âmbito da publicidade foi sendo alargado. A publicidade passou, em determinado momento, a criar necessidades. A ser um estímulo ao consumo. Quando não, a promover a venda daquilo que ainda sequer havia sido produzido. A determinado momento, a publicidade transformou-se, adquiriu o estatuto de indústria. Adquiriu estatuto próprio. E, tornou-se, até, no suporte financeiro dos mais variados órgãos de Informação. A nível mundial. Claro, há publicidade e há publicidade. E, nem tudo o que parece ser publicidade é, em si, publicidade. Nem tudo o que parece ser meio para atingir um fim, o é. Muitas vezes, algumas vezes, o que parece ser meio para atingir um fim é, em si mesmo um fim. Ora, quando a publicidade deixa de ser meio para atingir um fim, estamos perante uma aberração. E, podemos estar perante a destruição de valores éticos e morais. Como podemos estar perante uma forma aberrante de subverter e de violar regras de mercado. Sem sentido nem glória.


A publicidade em Moçambique tem, como não podia deixar de ter, uma longa história. Uma história de algumas décadas, quando se recua da data independência. Passa por um período de decadência, de quase falência. De quase morte lenta. Depois, volta a ressurgir, recebe novo alento, adapta-se e acompanha a renascente economia de mercado. Mas, sendo esta, sendo este modelo, sendo o modelo de economia adoptado o modelo de uma economia selvagem, o modelo de publicidade é, em si próprio, um modelo de publicidade selvagem. Hoje, com novas técnicas, com nova tecnologia. E, como actividade altamente lucrativa, o que tem mal nenhum. E, daí, o não ser a actividade publicitária em si própria a razão de ser do presente texto. A razão do presente texto é muito outra. Também muito simples. Está em saber como é que as duas operadoras de telefonia móvel vão encontrar justificação para as centenas de milhares de contos que estão a gastar em publicidade. Absolutamente inútil e ridícula. Todos os dias. Digamos, perguntemos, por exemplo, qual o objectivo das seis páginas de publicidade redigida publicadas na edição da última quinta-feira do jornal “Notícias”, por uma dessas operadoras de telefone móvel. E perguntemos, também, o que impede que esse dinheiro esbanjado sem qualquer utilidade em papel de jornal não é destinado a apoiar crianças e idosos necessitados de apoio. A crianças e a idosos que carecem de abrigo. O que impede, o que dificulta, que as empresas de telefonia móvel, ambas as duas, publicitem os seus produtos novos e as vantagens que oferecem aos clientes em espaços reduzidos. E que, nesses mesmos espaços publicitários, reduzidos, façam anunciar o que é que essa redução significa em termos de contribuição para a melhoria das condições de vida das crianças e dos idosos necessitados deste país. A Governadora de Maputo e o Presidente da República, como qualquer personalidade política nacional, não necessitam que a divulgação da sua presença em actos públicos sejam divulgados como publicidade paga. Reservem esse dinheiro, utilizem esse dinheiro em obras de assistência social. É tempo de acabar com o oportunismo político.

domingo, junho 26, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Junho 26, 2005

Antes e depois

Luís david

A hipocrisia é uma arma e um truque barato dos imbecis

Moçambique comemorou, ontem, trinta anos como país independente. Há trinta anos, com a independência de Moçambique passava a existir mais um país no seio das nações. Nesse dia, foi feita a despedida de uma bandeira e o içar de uma outra. Nova e diferente. Um momento histórico e sem repetição da história de um povo. Daí, as lágrimas do choro da alegria. As lágrimas ampliadas pela chuva que fez questão de cair. Que caiu, copiosamente, nessa noite, no Estádio da Machava. E, depois, os tiros. Os tiros, as rajadas das armas libertadoras, disparados para o ar. Como afirmação da vitória. Tiros de alegria. Como de alegria eram as expressões faciais de um povo libertado. De um povo liberto. Os abraços e os risos, os sorrisos, eram, afinal o culminar de um sonho lindo. Bonito. Primeiro, de uns poucos. Depois, de muitos. Por fim, de todos. África e o mundo contavam, a partir de 25 de Junho de 1975, com mais uma nação. Portugal, perdia a sua segunda colónia. Depois da independência unilateral, reconhecida pelas Nações Unidas, da Guiné-Bissau. Seria o fim, a derrocada, do Império Colonial Português, com a posterior independência de Angola.


Vista há distância de trinta anos, a independência de Moçambique é um acto inquestionável. E é, constitui, até ao momento presente, a festa maior do povo moçambicano. Vista numa perspectiva de unicidade. Naturalmente, pode e deve questionar-se o que foi e o que não foi feito em trinta anos. Como pode levantar-se a questão de saber pela qual o que foi feito de uma determinada maneira não foi feito de maneira diferente. Questione-se o Governo. Pelo que fez e como fez. Também, pelo que não fez. Mas, tenhamos presente que, o Estado que somos e a nação que estamos a construir, são realidades objectivas para além do pensamento de certas mentes deformadas. De cá e de lá. E, neste contexto, a questão parece simples. É que quando se critica, quando se insinua que Moçambique fez pouco, que poderia ter feito mais em trinta anos de independência, devemos colocar alguns termos de referência. Ora, Portugal, segundo a história, tornou-se independente em 1143. Séculos mais tarde, por motivos que aqui não importa referir, passou a ser domínio de Espanha. Passados sessenta anos, libertou-se do domínio espanhol. Definitivamente. E, caminhou, depois, num sentido mais universal. De acordo com o pensamento e o conhecimento da época. A queda da Monarquia, é sucedida por muitos governos provisórios. E, quando Salazar chega ao poder, na década de trinta, Portugal era um país rural e endividado. Sendo que o ditador equilibrou as finanças públicas, não modernizou o país. Mais de vinte anos depois do seu consulado, água potável era bem raro, energia eléctrica era luxo de minorias. Predominavam a vela de cera e o petróleo de iluminação. Também a lenha e o carvão, como combustíveis, para ter alimentos quentes. Pode, de facto, Moçambique ter feito pouco em benefícios das populações, nestes trinta anos de independência. Mas, fez o que lhe foi permitido fazer. Fez o que lhe deixaram fazer. E, terá feito pouco aos olhos de estrangeiros fazendo, em três décadas, o que os colonialistas não fizeram em séculos. De dominação e de exploração. A hipocrisia não passa de um truque barato da política. A hipocrisia não mata a fome nem ajuda o desenvolvimento. A hipocrisia é uma arma e um truque barato dos imbecis.

domingo, junho 19, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Junho 19, 2005

Antes e depois

Luís david


é perigoso brincar com a história

Desde há alguns anos, vários historiadores e investigadores, consagrados, publicaram versões diferentes da história que era suposto ser a verdadeira. Vaclav Ravel escreveu a “Arena”, obra que bem poderá ser considerada como pioneira e de referência sobre a matéria e em que, fundamentalmente, faz uma comparação entre os crimes cometidos por Hitler e por Estaline. E, na sua versão, que encontra suporte em estudos posteriores, Estaline mandou matar muitos mais seres humanos do que Hitler. Devendo precisar-se, desde já, que estamos a falar numa escala de milhões e que estes dois grandes criminosos da história recente são responsáveis pelo desaparecimento físico de milhões de seres humanos. Depois, continuando a falar sobre livros, também surgiu “Os Dez Maiores Monstros da História”. Mais recentemente, em Fevereiro do corrente ano foi editado, em língua portuguesa, “Anatomia do Terror”, que tem como subtítulo “Uma história do Terrorismo” . Seu autor é Andrew Sinclair e, pelo verso da contra capa, ficamos a saber que vivemos numa época de terror. (...) Que nunca houve, desde o tempo de Homero à era de Ossana Bin Laden. Logo na abertura do livro, em página ainda sem numeração, o autor cita William Blake: Dizem que este mistério nunca acabará: O sacerdote fomenta a guerra, e o soldado a paz. Estamos perante uma análise profunda sobres as causas das guerras ao longo dos séculos. Fundamentalmente, das suas causas religiosas. É assim que, logo no capítulo 2, com o título “Os textos do terror religioso”, o autor escreve: Das três religiões fundamentais do Próximo Oriente, o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo, só os Judeus fundaram Israel devido a uma forma de genocídio. Moisés afirmou que o Senhor ordenara o aniquilamento e a submissão dos habitantes originais de Cannaã numa guerra santa. E, a seguir, cita que o que foi escrito no Deuteronómio. Parece não existirem muitas dúvidas, no momento presente, que as guerras actuais, todas as guerras dos tempos recentes, são guerras religiosas. São guerras santas. São guerras provocadas, em última análise, por interpretações fundamentalistas da Bíblia, do Corão e da Tora.


A história dos movimentos de libertação africanos é, terá sido, um percurso sinuoso e sangrento. Neste contexto, não é possível excluir ou diferenciar as realidades de, fundamentalmente, Guiné-Bissau, Angola, Moçambique. Porque sendo percursos históricos não simétricos são, todos eles, todos os três, percursos semelhantes. E, são semelhantes pela necessidade de afirmação nacionalista. Como podem não o ser pelas escolhas para essa afirmação. Do pensamento e da acção, situados no seu tempo histórico e num determinado espaço. Falamos de um Eduardo Mondlane, de um Amilcar Cabral, de um Agostinho Neto, de um Samora Machel. Sendo pouco, quase nenhuma, a investigação feita por moçambicanos nesta área, também aqui portugueses se anteciparam. Ana Cabrita publicou, pelo menos, duas obras sobre o tema. Que justificam uma leitura atenta. Enquanto nós, por cá, continuamos, ao que parece, a brincar com a história. E, temos alguma dificuldade em passar do diz-que-diz. Da intriga política de ocasião para o assumir da história. A história, todos o sabemos, não mata a fome, não enche barriga de quem tem fome. Mas, a história, quando volta a ser mal contada, ou contada numa versão que é difícil comprovar, pode alimentar ódios recalcados. Pode, sobretudo, acordar fantasmas que estavam adormecidos. Que estavam acomodados. Esta forma de tentar baralhar a história recente não passa de uma brincadeira. Mesmo quando todos sabemos, ou deveríamos saber, que é perigoso brincar com a história.

terça-feira, junho 14, 2005

Publicado em Mpauto, Moçambique no Jornal Domingo de Junho 12, 2005


Antes e depois

Luís david


Ser coerente não dói nada


Os estudos, as sondagens, as amostragens, têm o valor que têm. No fundamental, têm um valor relativo. Valem o que valem. Mas, valem sempre alguma coisa. Quanto mais não seja quando chamam, quando nos chamam a atenção para algo que não sabíamos. Para algo que não estávamos sensibilizados em saber que existia. Que era realidade. Que era quotidiano. Que era parte da nossa vida, do nosso viver, da nossa vivência. Sem mais ser necessário elaborar, um estudo recente, divulgado esta semana, sobre o consumo de drogas em quatro escolas de Maputo, trouxe a público a realidade nessas escolas. Que pode, muito bem, ser diferente e diversa da realidade do país. Da maioria das escolas do país. Mas, o que nos diz esse estudo é que, dos estudantes inquiridos, e foram mil, cerca de 60 por cento consomem drogas. Entre lícitas e ilícitas. Nas drogas lícitas, os autores do estudo incluem o tabaco e as bebidas alcoólicas. Nas ilícitas, todas as restantes, as chamadas drogas pesadas. Pois bem, pensando seguir o raciocínio dos autores do referido estudo, podemos questionar qual o motivo que impediu que fosse questionado quem consome, em excesso, por exemplo, café, coca-cola ou rebuçados. Temos de aceitar, é necessário aceitar que temos, todos nós, a maioria de nós, muitos vícios. Que somos, a maioria de nós viciados. Pela simples razão de que temos, a maioria de nós, muitos defeitos.


Para além da realidade que o estudo referido revela, para além do que não revela, há, existem, realidades outras. Que são as realidades do país real, as realidades do país que somos. E as realidades do país que somos são, em última análise, aquilo que somos. Nada existe, nada pode existir, para além nem para aquém do somos. E, o país real, o país que somos, é um país onde a cultura do tabaco é uma cultura de rendimento. Onde cultivar tabaco faz parte do combate à pobreza. Onde cultivar, manipular e exportar tabaco é permitido por lei. Mais, é incentivado. Mais ainda, a realidade, a nossa realidade quotidiana é a de um país onde o consumo de tabaco e de bebidas alcoólicas são publicitados publicamente. Ora, a questão que parece pertinente colocar, é a de saber o que impede que se elimine a publicidade a estes produtos nocivos à saúde. Muito possivelmente, o facto de serem negócios milionários. Mais do que milionários. Poderá haver quem argumente perda de receitas. Aceitemos que sim. Mas aqui, também aqui, parece possível pensar diferente. Que se crie e aplique uma taxa sobre o consumo de cigarros e de bebidas alcoólicas. Que pode constituir, sem dúvida, uma inestimável fonte de receita para órgãos de Informação que prestam serviço público. E uma alternativa às chamadas taxas. O que temos de ser, o que devemos ser é, no mínimo, coerentes. O que não podemos é permitir publicidade a marcas de cigarros e de bebidas alcoólicas e, logo a seguir, gastar dinheiro em seminários e em inquéritos para tentar demonstrar que o seu consumo trás perigo para a saúde humana. Afinal, ser coerente não custa dinheiro. Ser coerente não dói nada.
Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Junho 5, 2005

Antes e depois

Luís david


consciências pouco tranquilas

A língua que utilizamos como oficial, é uma língua viva. É uma língua em permanente evolução, em permanente mudança. É uma língua que todos os dias absorve novas palavras. É uma língua aberta à criação e à inovação dos seus falantes. Que somos, afinal, muitos milhões. Enraizados por todo o mundo. E, todos nós, cada um de nós, tem o direito de criar palavra nova. De apadrinhar ou de amadrinhar um neologismo. Ou, se assim se entender, a utilizar com significado diferente do encontrado em dicionários, palavras antigas. A escolha é livre. Depende do critério de cada um. Dizer, neste contexto, que palavra muito utilizada, nos últimos tempos, em certos órgãos de Informação, tem sido a palavra bufo. Mais recentemente, passou, até, a falar-se de bufaria. Ora, se no contexto em que a palavra bufo tem sido empregue parece significar apenas polícia secreta, em termos de calão pode ser aceite como significando delator ou denunciante. Isto, estas dúvidas, terão existido até dias muito recentes em relação a bufo. Mais ainda, repita-se, a bufaria. É que, parece, mais correcto, seria escrever bufoaria. Mas, deixemos os neologismos para quem deles gosta.



As dúvidas sobre o significado de bufo e de bufaria, parece terem começado a desaparecer. Esta semana. Finalmente. Finalmente, houve um esclarecimento. E, ficamos todos a saber que, hoje e agora, bufos não são só os polícias. Que, afinal há mais, que há por aí muito profissional que, como classe, cabe na definição de bufo. Quem o afirma é o “Zambeze”, na sua última edição, com o título “Agitação na bufaria: sem necessidade”. E, o articulista, em texto que parece pretender ser didáctico e pedagógico, também analítico e tranquilizador, para si próprio, procura ser claro: A agitação tomou conta dos bufos, classificados e entendidos aqui como sendo, na generalidade, profissionais que lidam com a informação classificada e sensível do País. ] [ Como se vem notando desde há cerca de três – quatro anos, os bufos não são apenas os gendarmes nem os dos serviços secretos.] [ Bufos, nos tempos que correm, são os investigadores que manejam informação sensível, tais como jornalistas, os próprios da secreta, os polícias, os advogados e procuradores de vários níveis. Quero acreditar que, por esquecimento ou omissão, não terá ficado ninguém de fora na lista, na definição de bufos. O que a acontecer, a ter acontecido, até poderia parecer injustiça. E, grave. Num momento em que parece começarem a revelar-se muitas consciências pouco tranquilas.

segunda-feira, maio 30, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Maio 29, 2005

antes e depois

Luís David


acabar com alguns equívocos


Muitas das vezes, até podemos não nos aperceber disso. Mas, acontece. Acontece sermos surpreendidos por uma palavra, por uma expressão nova. Outras, não sendo nova a palavra, ela é, começa a ser, utilizada para tentar definir realidades e situações diferentes. Diferentes daquelas que, anteriormente, definia. Digamos que as palavras são como o vestuário. Têm as suas épocas, passam por modas. Por vezes, talvez muitas vezes, as palavras que hoje parecem novas nem o são tanto assim. Estavam, porventura, esquecidas, adormecidas. Haviam caído em desuso, digamos. Haviam sido substituídas por outras palavras, digamos que mais modernas, para expressar a mesma realidade. Mas, de quando em quando, de longe em longe, de tempos em tempos, surge quem tem a ideia de trazer essas palavras esquecidas, adormecidas, mas não mortas, para o nosso comunicar de todos os dias. Precisamente, por a palavra, nenhuma palavra, morrer. E, é assim, ao que se pensa, que algumas palavras antigas surgem e parecem ser hoje moda. Bastou que alguém, bastou que um qualquer atrevido pouco respeitador de convenções gramaticais, lhes vestisse nova roupagem, lhes desse novo sentido, diferente utilidade. Acontece, então, vezes sem limite, cada um repetir a palavra nova ou que havia caído no esquecimento, sem saber o que ela significa. Muito menos o motivo pelo qual a está a utilizar.


Em tempos recentes, a nossa falácia, a nossa comunicação, a nossa necessidade de nos comunicarmos, passou a integrar duas novas expressões. Ou que, podendo não ser novas, foram feitas moda. Muito pomposamente, todos falamos de sociedade civil. Também gostamos, sempre que para tal temos oportunidade, de nos referirmos, às comunidades locais. O que uma e outra expressão significam, parece que ninguém está interessado em explicar. Ninguém sabe, exactamente, na nossa realidade concreta, onde começa e onde acaba a dita sociedade civil. Como não menos equívoco pode ser aquilo que se pretende apresentar como comunidades locais. Mas, diferentes actores nos processos, parecem confortados na nebulosa. Sem perceberem, sem se aperceberem, ou mesmo percebendo que, à partida, há o risco de se estar a cair no erro de atribuir conteúdos ideológicos a certas expressões. Quando elas o não possuem. Nem podem possuir. Assim, clarificar o que se entende por sociedade, civil apresenta-se como uma necessidade. Da mesma forma que parece inequívoco que todas as comunidades são locais. Pelo simples motivo de não poder haver comunidade sem lugar, sem local. Mesmo que possa estar a plagiar ideia de Alexandre Melo, quando citou, em “Globalização da Cultura”, que a cultura é sempre a cultura de um lugar e de uma comunidade ligada a esse lugar. Parece, pois, ser tempo de acabar com alguns equívocos.
Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Maio 22, 2005

antes e depois

Luís David

Salazar está vivo e vive em Moçambique

Há quem afirme que a história se repete. Podendo ser que não, em Moçambique a história parece repetir-se. Possam os actores, de ontem e de hoje, ser diferentes. Ontem, passam poucas semanas, aconteceu na fronteira do sul, na fronteira com a África do Sul. Eram camiões que transportavam material bélico, classificado como sucata. Hoje, há poucos dias, escrevia o “Notícias”, a toda a largura da sua primeira página, que Simulados de sucata em contentores “Artefactos de guerra descobertos em Nacala”. E, acrescentava tratar-se de granadas, roquetes, bazucas e peças de aviões de combate. Admitamos, para não ficarmos como ingénuos, que para além destas duas tentativas frustradas para fazer sair, ilegalmente, do país material de guerra, outras operações poderão ter tido sucesso. Mas, atenhamo-nos apenas nestas duas últimas. Por serem as mais recentes. E por serem, em quase tudo, iguais. Por a única diferença entre ambas ser a via de saída. Por terra no sul, por mar no norte. De resto, para além disto, nada mais foi dito, nada mais foi divulgado. Não se conhece, nem num nem noutro caso, a quantidade do material que foi tentado fazer sair do país. Logo, não é possível saber o seu valor no mercado negro internacional. Também não se conhece o nome do exportador, como não se conhece o nome do destinatário. Como não se conhecem nomes de, possíveis, intermediários. Como os contentores não têm pés para andar por si próprios, nem cérebro, nem memória artificial, afigura-se como sendo um acto de inteligência divulgar quem os fez chegar aos locais onde foram detectados.


No mesmo jornal “Notícias”, da mesma sexta-feira última, pode ler-se que no bairro Militar, vulgo “Colômbia”, foram “Identificadas 15 residências usadas para o tráfico de droga”. Afinal, e isso parece já ser bom. Ficámos todos a saber o número de residências onde se vende e compra droga. Mas, também aqui, não sabemos quais são as residências. Como não sabemos quem compra mas, fundamentalmente, quem vende a droga. Muito menos as medidas tomadas para acabar com o negócio. Negócio, sem dúvida ilegal. Como continuamos a não saber os nomes dos destinatários da droga, que se diz ter sido transportada em diferentes partes do corpo, aprendida mulheres vindas do Brasil. Podem pensar alguns pensantes, e pensam quase de certeza, que ao permitirem que se diga que aqui, que aqui em Moçambique, há tráfico de drogas e de armas, já podemos dormir todos descansados. Mas, convenhamos que não. Convenhamos que não pode ser assim. Que não pode, nem deve, ser exactamente assim. Convenhamos que, a partir do momento, em que se denunciam crimes públicos é necessário investigar quem são os criminosos. Afinal, todos sabemos, hoje, que o tráfico ilegal de drogas e de material bélico tem bases do país. Mas, os nomes dos traficantes ficam escondidos. Como escondidos permanecem os nomes dos jornalistas ditos corruptos. Aparentemente, até prova em contrário, há por aqui um processo de chantagem psicológica. Parece estar a tentar-se silenciar os jornalistas. Parece que o que se está a dizer, de forma subtil, aos jornalistas, é que se os jornalistas denunciam a corrupção e os corruptos eles também não poderão deixar de ser denunciados como corruptos. No termo da análise, parece pensarem alguns, o ideal é criar uma sociedade de medo, instituir o terror. Longe no tempo, o fascismo agiganta-se perto de nós. O que, em última análise, pode permitir dizer que Salazar está vivo e vive em Moçambique.
Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Maio 15, 2005

antes e depois

Luís David


retratem-se e peçam desculpas públicas

Começam a surgir alguns sinais de estarmos a viver numa sociedade sem ideias. Sem ideias novas, no mínimo. Talvez, para se ser mais preciso e mais concreto, numa sociedade que alguém classificou de “sociedade normalizada”. Só que a tal “sociedade normalizada” resulta, ou assenta, em consensos. Pode não ser, exactamente, o nosso caso. E, efectivamente, não o é. Basta recordar o que se passou na última sessão do Parlamento. O debate, em torno dos documentos apresentados, produziram pouco mais do que nada. Em termos de ideias, produziram nada. Coisa nenhuma. Quem apresentou os documentos, tinha a certeza que, por ter a maioria, eles seriam aprovados. Quem os criticou, criticou sabendo que, estando em minoria, não tinha a mínima possibilidades de impedir a sua aprovação. De facto, neste sistema e com este sistema parlamentar, sequer é necessário ter ideias. Basta algum dom de oratória, duas mãos para poder bater palmas, que agora se exigem ritmadas, e a qualidade para proferir e aceitar o insulto. Embora insulto seja, assim o entendemos, arma de fracos. Arma dos sem argumento. Venha de que bancada venha. E, ali naquela Casa, no Parlamento, onde é suposto todos estarmos representados, o que não falta é o insulto. Barato, bacoco, despropositado, ofensivo, ridículo. Mas, também não falta o discurso bajulatório a que se podem adicionar os mesmos objectivos. Agora, quanto a ideias, a ideias novas, essas são nenhumas. Bem haja, quem não pode, não quer ou não sabe pensar.


Foi dito por aí, apregoado e titulado, na semana passada, que há Corrupção muito forte na classe jornalística. Claro que sim, claro que há. E, nem era necessário ter esperado por uma sexta-feira 13, nem pelo 13 de Maio, Dia das Aparições em Portugal, como aconteceu, para fazer esta revelação. Todos sabemos que assim é. E, mais do que isso, todos sabemos que pode haver corrupção entre médicos, professores, engenheiros, funcionários, advogados, magistrados. Certamente que haverá. Quase de certeza que há. A corrupção existe entre profissionais de todas as classe e em todos os países. O que não há, o que não existe num único país, é homens completamente bons e homens completamente maus. Todos os homens têm algo de bom e algo de mau. Não existe o homem absolutamente bom, como não existe o homem absolutamente mau. O homem é. E, o Homem é o que é. Mas, deixemos a discussão filosófica a atenhamo-nos na frase é fácil entrar num jornal e pagar a um jornalista para escrever sobre um assunto. Quem assim o disse, segundo o jornal “Savana”, foi Isabel Rupia, directora da Unidade Anti-Corrupção. Alice Mabota, presidente da Liga dos Direitos Humanos, durante o mesmo encontro, organizado por países nórdicos, terá falado em termos semelhantes. Ora, a questão que se coloca às duas ilustres juristas é muito simples: Se sabem que há jornalistas corruptos o que as impede de revelar os seus nomes. Mais, o que impede a senhora que dirige a Unidade Anti-Corrupção de mover um processo, de agir no foro judicial, contra os jornalistas que julga saber serem corruptos. Claramente, há diferentes formas de cada um fazer plasmar o seu nome nos jornais. E, de nos vir dizer que está a combater a corrupção. Esta, é, parece ser, simplesmente ridícula. Caso contrário, caso possam provar o que afirmam, divulguem, publicamente nomes. Caso não, caso não tenham coragem para apresentar nomes de jornalistas corruptos, retratem-se e peçam desculpas públicas.
Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Maio 8, 2005

antes e depois

Luís David

um governo sem legitimidade

Começo, hoje, por onde era suposto dever terminar. Exactamente, pelo fim. E, o fim, seria uma Nota de Autor. Solicitada e autorizada por quem tem poder para assim decidir. É que, sucede, algumas vezes aquilo que se escreve, a mensagem e a ideia que se pretendem transmitir não são exactamente o que sai impresso. Dizem-me, e quero aceitar que assim seja, que de outra forma não faz sentido ser, que se trata do resultado, do preço a pagar pela introdução de novas tecnologias. Que seja. Agora, o que podemos é regatear, negociar o preço para que não seja demasiado elevado. E, convenhamos, quando se troca ou se repete o título de um texto, o “preço” é sempre elevado para o autor. Pretende justificar este longo intróito a explicação para o facto de o título do meu texto publicado na última edição ser o mesmo da edição anterior. Ora, quem se tenha dado ao trabalho de ler o texto do último domingo, terá entendido que o título correcto seria Agir em defesa do deixa continuar. Sem culpa, ficam as desculpas.


Viajante assíduo entre Maputo e o sul de Gaza, habituei-me a ir comprando, ao longo da estrada, alguma coisa do já muito que é oferecido. Fruta e legumes aqui, peixe e caju mais além, loiça de barro e pássaros noutro local, galinhas e carvão onde estão expostos. Estranhei, em ida recente, não ver vendeiras de banana, mandioca e batata doce nos passeios da principal artéria da vila da Manhiça. . Investiguei, no regresso e, depois de ter desfrutado a magnífica vista sobre o Incomáti, fui encontrá-las numa transversal. Sem movimento e sem compradores. No Bilene, o enorme mercado permanece sem vendedores desde que foi construído. Na sua frente, na marginal, vende-se de tudo um pouco o que se pode encontrar em loja ou supermercado de Maputo. Assim como alguns produtos locais. Na parte de trás, não faltam diversas variedades de peixe, camarão e caranguejo. Digamos, este mercado é uma obra inútil para a população local. Com o dinheiro ali gasto poderia ter sido construído um óptimo posto de saúde ou duas razoáveis salas de aulas. Em Maputo, na cidade de Maputo, na cidade que é a capital do país, parece estar a haver algumas tentativas de recuperar métodos de governação de um passado recente. Mas de triste memória. Em que a norma era o recurso à violência. E, através da violência, a confiscação de produtos a cidadãos pacíficos. A questão que se coloca, hoje e agora, parece ser muito simples. Simples de mais para a mentalidade e para a capacidade de compreensão dos fenómenos sociais por parte de alguns dos actuais vereadores de Maputo. Ao que parece, constitui violação de posturas, que ninguém conhece, ocupar passeios algures. Mas, ao que parece, e a realidade manda dizer que assim é, não constitui violação de posturas ocupar passeios com exposição e venda de flores e de artesanato em outras artérias de Maputo. Como é o caso concreto da Marginal e das Avenidas 24 de Julho e Nyerere, entre outras. Começa a ser cansativa e a causar preocupação, também algum nojo, esta aplicação dual da lei. E, a prosseguir-se por este caminho, adivinha-se o risco de tendo um governo legal, termos um governo sem legitimidade.

segunda-feira, maio 02, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Maio 1, 2005


antes e depois

Luís David

agir em defesa do deixa continuar


No período que antecedeu a independência, foi Moçambique destino para muitos milhares de veraneantes, de turistas de países vizinhos. Especialmente oriundos da África do Sul e da então Rodésia. A cidade da Beira e a então cidade de Lourenço Marques constituíam os principais pontos de atracção, sem perder de vista a longa costa entre uma e outra cidade. Nas quadras festivas e em épocas de férias estudantis nos países vizinhos, aí tínhamos muitos milhares de visitantes. Alojavam-se em hotéis, pensões e residências particulares uns, acampavam outros. Cada um, cada grupo, escolhia a forma de passar uma dezena ou uma quinzena de dias de acordo com as suas capacidades financeiras. O seu objectivo era ter acesso ao mar, passar alguns dias relaxados à beira-mar, sem grandes despesas. Daí o terem, a certa alguma, sido definidos como “turistas da banana”. Dado que pouco compravam, pouco consumiam. Depois, veio a independência e mais depois veio a guerra. Com a guerra, durante a guerra, este movimento, este desejo de vir até ao mar, praticamente desapareceu. Mais tarde, voltou a paz. E, com paz, renasceu o desejo de voltar, de visitar de novo as praias índicas. Até, de as ocupar. Diz quem sabe, afirma quem pode, que os turistas de hoje trazem tudo o que necessitam. Depois, regressam com carregamentos de peixe e de mariscos, altamente valiosos. Que quando vendidos nos seus países, rendem o suficiente para custear todo o período de férias em terras moçambicanas. A razão de assim ser, de assim continuar acontecer, parece mistério. Queira eu, queira qualquer outro alguém, ao viajar de avião, transportar dois quilos de peixe ou de marisco, tal só é possível com autorização do Ministério das Pescas. Digamos, afirmemos, que os critérios utilizados nos aeroportos são diferentes dos que estão a ser seguidos nas fronteiras terrestres. Embora as polícias presentes, num e noutro local, sejam as mesmas. Há, convenhamos, uma estranha dualidade de critérios na aplicação da lei.


A paz acordada em Roma foi, inquestionavelmente, uma paz moçambicana. Uma paz que visou permitir à família moçambicana viver em harmonia, trabalhar, movimentar-se, circular, produzir para si, beneficiar de recursos que lhe pertencem. Mas, eis que parece não acontecer exactamente assim. Eis que, a avaliar pelos relatos dos jornais, está a acontecer uma ocupação desenfreada de terra moçambicana por estrangeiros. Principalmente das zonas costeiras. Sem respeito por nada nem por ninguém. Na Ponta do Ouro, sem ser, certamente, caso único, chegámos já ao escândalo de deixar construir sobre dunas e de permitir a vedação de artérias públicas, impedindo o acesso da população ao mar. Não terá gostado do que viu, como nenhum moçambicano certamente gostaria, a governadora da província de Maputo. Daí o ter dito que as 31 casas construídas ilegalmente deveriam ser demolidas. Vem hoje, vem nesta quinta-feira, o semanário “Zambeze” dizer, em título, que a “Comissão de Guebuza não vai destruir as 31 casas”. E, acrescenta, ao que parece, em forma de justificação, que “Boers” gastaram 300 mil rands subornando funcionários do Estado. Como se o facto de terem subornado funcionários do Estado, como se o facto de ter havido funcionários do Estado que se deixaram subornar, constitua motivo para não serem penalizados e legitime a ilegalidade que aceitam ter cometido. Ora, em termos de conclusão se, neste caso concreto, houve funcionários do Estado que foram subornados, devem ser punidos. Se há provas de que houve corruptores, devem igualmente ser punidos. Expulso e impedidos de voltar a entrar no país. Por mais volumoso que possa ter sido o investimento. Em minha modesta opinião, o que não podemos é afirmar que estamos a combater o “deixa andar” e, logo após, proceder em plano inverso. Isto é, agir em defesa do deixa continuar.