domingo, dezembro 18, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Dezembro 18, 2005

antes e depois

Luís David



que haja coragem para assumir o passado


Desde há muitos anos que antigos trabalhadores na extinta RDA reclamam e defendem o que consideram ser seus direitos. . Como trabalhadores moçambicanos naquele país. Desde sempre, também, a posição do Governo, perante as reclamações, parece ter sido pouco clara. Digamos, demasiado defensiva e pouco propensa ao diálogo construtivo. Daí, as marchas, semanais, toleradas, por muitas artérias de Maputo. A ocupação da embaixada alemã em Maputo. E, o mais que fica por dizer. Neste processo, o Governo cedeu aqui, foi cedendo ali. Primeiro, disse que não devia nada. Depois, aceitou ser devedor de alguma quantia. Esta semana, aceitou pagar 50 milhões de dólares norte-americanos e ceder 17 por cento das suas acções num banco de micro - finanças. Mas, o acordo, ao que parece, não é, ainda, de todo pacífico. Não há, não haverá, concordância quanto à forma e ao tempo de pagamento. O que, em última análise, se apresenta, apenas como um aspecto periférico da questão de fundo. E, a questão de fundo é, na sua essência, política. Não é, alguma vez poderá ser, uma questão financeira.


Necessitamos de recuar no tempo. Só recuando no tempo seremos capazes de entender os motivos, a razão que levou muitos milhares de moçambicanos a irem trabalhar para a então Alemanha Democrática. Para eles, para esses moçambicanos, terá sido, única e exclusivamente, uma oportunidade de trabalho. Uma possibilidade de fuga ao desemprego em Moçambique. Ignorando, por completo, os acordos que possam ter sido assinados entre os Governos dos dois países. Acordos políticos. E, aqui, parece não ser possível esquecer que, algumas décadas antes, também muitos milhares de trabalhadores alemães e polacos, entre de outras nacionalidades, foram levados para a então URSS para trabalharem no GULAG. Para, com o seu trabalho forçado, pagarem as dívidas de guerra dos seus países. Aconteceu assim, como está, hoje, amplamente documentado. É história. Como a história regista que o GULAG só desapareceu, por completo, na era de Gorbatchove, apesar das tentativas de reforma de Beria, chefe da polícia secreta soviética, décadas antes. Com a finalidade de subir ao poder. Como forma de suceder a Estaline. Felizmente, tal não se verificou. Tudo isto, para dizer, por fim, que aquilo que, em Moçambique, parece ser um simples conflito de trabalho, aquilo que parece ser uma questão de dinheiro, de acerto de dinheiro, entre Governo e antigos trabalhadores na extinta RDA, pode ter contornos mais profundos. Pode ser uma questão política. Que deve ser assumida politicamente. Para isso, para haver uma solução definitiva, é preciso haver coragem para assumir o passado. Então, que haja coragem para assumir o passado.