domingo, março 30, 2008

não é poder do Soberano que está em causa

É facto que não se pode distribuir aquilo que não existe. Que para distribuir alguma coisa, é necessário que exista alguma coisa. Logo, para que exista alguma coisa, é necessário que alguma coisa tenha sido produzida. Produzir é, assim, o primeiro e decisivo passo para se poder distribuir. E, o que parece válido em termos de família e de empresa, o parece ser, também, em termos de país. De economia nacional. Muito no concreto, de macroeconomia. Como todos o sabemos, Moçambique tem vindo a registar um crescimento percentual assinalável. Nos últimos anos e segundo estatísticas oficiais. O que nem sempre terá encontrado compreensão é que crescimento difere de desenvolvimento. Que crescimento e desenvolvimento não são a mesma coisa. Que são conceitos diferentes e de resultados e de efeitos diferentes. Entre nós, também só recentemente começou a ter algum acolhimento uma outra concepção. Velha de décadas. Muitas. A concepção de que não basta distribuir a riqueza. Mas que é dever distribuir com justiça a riqueza que resulta do trabalho. O que implica ter de se aceitar que não está a ser distribuída de forma justa. E é aqui que surge o risco, o perigo, de se romper o pacto social. E de o Soberano se ver acusado e acossado pelos súbditos. De facto, desde que Maquiavel escreveu o Príncipe ainda não foram passados quinhentos anos. Mas, um ainda com muitos ensinamentos posteriores. Que há quem não queira acolher.


Neste preciso momento, os parceiros sociais estão reunidos. Para, entre outros assuntos, discutirem a percentagem do próximo ajustamento salarial. Este ano, e pela primeira vez, por sectores de actividade. Como é norma, como se transformou em ritual, dentro em breve o Governo irá anunciar a percentagem de aumento do salário mínimo nacional. E, também, da percentagem do aumento dos reformados do Estado. Que, em termos de lógica, deveria ser igual para todos os que recebem reforma pelo Instituto Nacional de Segurança Social (INSS). E, dizemos em boa lógica pelo facto de, ao que parece, ser tomada como base a percentagem de inflação do ano anterior. Mas, na realidade assim não acontece. Os reformados do INSS não recebem aumento em função do valor actual da reforma de cada um. Nem dos montantes que descontaram, obrigatoriamente, ao longo de décadas. De uma vida. Recebem, isso sim, aumento em função da reforma mínima actual. Ora, caso os hoje reformados não tivessem sido obrigados aos descontos para o INSS, poderiam ter elevadas contas bancárias. Ou, aplicado o valor desses descontos em negócios. Cujos juros, seriam bem superiores ao do valor da actualização das suas reformas. Um estudo sobre as reservas matemáticas dos descontos desses reformados, não poderá provar contrário. Inverso. O que estamos a dizer, é que, independentemente dos critérios internos definidos pelo INSS para aplicar os seus fundos disponíveis, os reformados não podem receber uma actualização das suas reformas em percentagem inferior à percentagem da inflação. Trata-se de uma questão de legalidade. Mas, também, e fundamentalmente, de legitimidade. O INSS não pode continuar a acumular dividendos à custa dos descontos dos trabalhadores. E não pode, de forma alguma, com decisões não pensadas, colocar em dúvida ou em litígio, em fraqueza, o poder do Soberano. Porque não é poder do Soberano que está em causa.

domingo, março 23, 2008

O passado assume-se

As relações entre Estados e entre Nações passam por aquilo que os homens definem que sejam. Que desejarem que sejam. Daí, naturalmente, o facto de, muitas das vezes, passarem por aquilo que se convencionou chamar de “altos e baixos”. Sim. No concreto. E, se sim, parece não fugirem a este conceito, a esta concepção, as relações entre Moçambique e Portugal. Como Estados. Claro, todos o sabemos, três décadas como país independente é tempo pouco e curto para fazer e avaliar história. Não a história. Coisa outra, diferente, diversa. Quiçá polémica e, por poucas vezes e em raras ocasiões consensual. Mas, uma história que, por recente, por de ontem e de hoje não permite distanciamento suficiente para análise objectiva. Sobretudo, se esta história recente, dos últimos pouco mais de trinta anos, tem como suporte, como passado, uma relação desigual. Uma relação de colonialista/colonizado. De opressor/oprimido. De dominador/dominado. Sendo que, e já se terá percebido, colonialista é bem diferente de colonizador. Podendo, por hipótese, parecer ter o mesmo significado, significam diferente. Daí, a necessidade de recordar a canção, ao que parece caída no esquecimento, segundo a qual um pai de muitos filhos era chamado de rapaz.


Depois da independência de Moçambique, nos primeiros tempos do após, as relações entre o colonizador e a antiga colónia do Índico não terão sido pacíficas. Nos primeiros anos depois da que alguns alcunharam de “revolução dos cravos”, o discurso político deixava transparecer muito da ideologia chinesa e soviética. Falamos do que se passava em Portugal. Mas, concordemos, tinha caixas de ressonância, fazia eco em Moçambique. Digamos, sem receio de erro, que o então conflito sino-soviético perturbou e poderá ter feito perigar as relações de amizade e de cooperação entre Portugal e Moçambique. Hoje, vendo e lendo a história do lado de lá, do lado de Portugal, terá sido o falecido Sá Carneiro o primeiro e perceber e a entender que a nenhuma das partes beneficiava tal conflito. Coube-lhe o mérito, e outros terá tido, certamente, de perceber que era mais fácil, que era fácil, afinal, dialogar directamente com os moçambicanos. Sem intermediários, sem ingerências, sem terceiros. Depois, Ramalho Eanes parece ter entendido igual. Parece ter entendido de forma igual. Quando, em tempo de muitas dificuldades, aceitou visitar-nos. Enquanto Presidente da República. Cavaco Silva, virá agora. Ele, que nunca escondeu admiração, conhecimento, amizade por moçambicanos e por Moçambique, vem, como desta feita, como Presidente da República. Como homem de Estado. Digno. De outros, também recentes, a história, presente, esqueceu a trajectória. Não o passado. O passado não se esquece nem se apaga. O passado assume-se.

domingo, março 16, 2008

as respostas são desafios

O Presidente da República nomeou e conferiu posse a três novos ministros. Há poucos dias. Sendo que uma quarta mudou de ministério. Naturalmente, se procedeu a mudanças na equipa que governa o país, foi por algo não estar a correr bem. A correr como pretende que corra. Poderá tratar-se de uma questão de desempenho. Como poderá não ser só. De resto, ao recuar no tempo e ao fazer recordar princípios por si enunciados em 2 de Fevereiro de 2005, parece ter deixado uma mensagem clara. Que não podia ser mais clara. Segundo o jornal “Notícias” (12 de Março corrente), o Chefe do Estado referiu ainda que para os governantes recém-empossados lograrem sucessos na implementação destes princípios devem continuar a ser exigentes para com eles mesmos e para com os seus colaboradores, a todos os níveis. E, acrescenta Armando Guebuza a dizer que As decisões que são tomadas e as orientações que são traçadas devem ser cumpridas, de forma atempada, pois esta atitude de cumprir prontamente o que for decidido dará expressão substantiva ao juramento que aqui acabam de prestar. Para que não restem dúvidas, a quem as pudesse ter, os ministros trabalham sob juramento de fidelidade ao Presidente da República.


Quem está por fora das coisas da governação é, muitas vezes, assaltado por dúvidas. Por muitas dúvidas. Dúvidas essas, resultantes de falta de informação. Ou de divulgação de informação que deveria ser pública. Logo, publicitada. Estamos a falar em termos de políticas, de planos estratégicos, em planos de acção de curto, de médio e de longo prazos. Concebidos e gizados em função da nossa realidade concreta. E das reais necessidades do desenvolvimento nacional. E, não para atender ou para satisfazer interesses pessoais. Ou para permitir a concretização de projectos que se submetem a interesses e objectivos de duvidosa utilidade ou interesse nacional. Por muito que isso nos possa vir a custar, existem áreas em que parece necessário haver mais clareza. Trata-se de áreas tão vitais como a Agricultura, os Transportes e as Vias de Comunicação. Como e o que produzir, como transportar e quem transporta, por onde e para onde transportar. As questões, assim colocadas, parecem simples. Embora antigas, velhas, de décadas. As respostas é tardam em aparecer. Por isso, as respostas são desafios.

domingo, março 09, 2008

o Sol não se deixa tapar com uma peneira

Há um ditado segundo o qual “Depois da tempestade vem a bonança”. Outro, diz que “Não se pode tapar o Sol com uma peneira”. Mas, como se compreende, trata-se de ditos. De coisas do povo. Ora, depois da crise dos transportes nas cidades de Maputo e da Matola, a situação parece ter voltado à normalidade. E, dizemos parece, porque de facto parece. Possa ou não, ser uma normalidade passageira. Quiçá, cosmética. De resto, há indícios que parecem apontar nesse sentido. Vale a pena ter em atenção uma local do “Notícias” (pag. 15) da última terça-feira, titulada Apreendidos “chapas” que encurtavam as rotas. Escreve o matutino que Dezoito viaturas de transporte semicolectivo de passageiros, vulgarmente chamados “chapas, foram recentemente apreendidos pela Polícia Municipal por terem sido encontradas a desviar ou a encurtar as rotas em algumas artérias de Maputo. Acrescenta a notícia, citando o comandante de Trânsito Municipal, que a apreensão ocorreu graças a denúncias da população. E, mais adiante, acrescenta que Contudo, o nosso interlocutor disse que quase todas estas viaturas foram reclamadas pelos seus donos, acabando por ser entregues mediante o pagamento de uma multa no valor de 450 meticais. Ora, sabendo-se, como se sabe, que muitas das viaturas que por aí circulam são ilegais, nada se diz sobre esta matéria. Parece que algo impede que sejam mandadas parquear. Sabendo-se como se sabe que viaturas há sem documentação e que os seus condutores não possuem documentos que os habilitem a conduzir, também nada se diz sobre o assunto. Os motivos deste tipo de actuação policial constitui, até ao presente, segredo. Sem dúvida, bem guardado. Para não se dizer que constitui um mistério.


Já no dia seguinte, quarta-feira, foi divulgado um estudo, feito pela Universidade Eduardo Mondlane, sobre os Transportes Públicos de Maputo. Acreditamos tratar-se de um trabalho sério. Honesto. Realizado por técnicos competentes. Digamos, por fim, que, um estudo oportuno. Acontece que, ouvida a notícia dos resultados do referido estudo, um questão nos raspou os ouvidos. Foi a que aconselha a passagem da gestão dos Transportes Públicos de Maputo para o Conselho Municipal. Com o pretexto de evitar a pressão que se está a verificar sobre o Governo Central. Salvo melhor opinião, não estamos em presença de uma proposta de solução. Estamos perante uma proposta de transferência de um problema – se a expressão tem cabimento – do centro para a periferia. Que tem outros, muitos e graves problemas, também, para resolver. Digamos que, perante um conselho, uma proposta airosa. Mas que poderá vir a revelar-se desastrosa. Como todos sabemos, o Sol não se deixa tapar com uma peneira.

domingo, março 02, 2008

fica o alerta e o aviso

Na passada quarta-feira, a RTP abriu o seu serviço informativo das 13 horas (15 horas em Maputo) com uma notícia que dava como quase inevitável o aumento do preço do pão em Portugal. Cerca de quatro horas antes, já o jornal “Público” escrevia, na sua edição electrónica, que o “Preço do trigo atingiu ontem um novo recorde nos 12 dólares por alqueire”. E, titulava: Indústria diz que para sobreviver precisa de aumentar 50 por cento o preço do pão. A notícia do referido diário começa assim: Confirmando previsões, o preço do trigo continua a subir, tendo atingido um novo recorde nos últimos dias – 12 dólares ((7,96 euros) por alqueire. A retracção na oferta e baixas reservas explicam esta subida nas bolsas. Depois de explicar a situação em Portugal, acrescenta: Esta última subida foi impulsionada pelo anúncio feito pelo Cazaquistão – um importante fornecedor a nível mundial – de que iria impor tarifas de exportação aos seus cereais. A medida destina-se a controlar a inflação interna e já tinha sido também posta em prática na Rússia e na Argentina. Depois, cita afirmações de um funcionário da FAO, em Lisboa, segundo o qual os stocks de trigo em 2008 estão a caminhar para um mínimo de 30 anos e, no caso dos EUA, vai ser atingido o nível mais baixo dos últimos 60 anos. O jornal aponta outros factores que estão a influir no aumento preço do trigo e escreve que O Iraque e a Turquia já anunciaram que são compradores para garantir as suas reservas e a China sofreu problemas nas suas culturas, pelo que irá pressionar mais a procura, dá conta o “Financial Times”. Depois de analisar os reflexos do aumento do preço do trigo em Portugal, o “Público” termina: A subida do preço dos cereais está a reflectir-se em todos os produtos alimentares. Esta inflação está a condicionar os bancos centrais, que estão a evitar mexer nas taxas de juro para estimular a economia.


Por ocasião do anúncio do aumento do preço dos transportes semi – colectivos, foi também anunciado um aumento do preço do pão. Agora já estamos a falar de Moçambique. Entenda-se. Aconteceu que, depois os distúrbios registados no dia 5 de Fevereiro, houve quem veio a público dizer que não. Que não estava previsto nenhum aumento do preço do pão. Porém, a realidade confirma o contrário. Padarias houve que aumentaram o preço do produto na ordem dos dez por cento. Pode parecer, talvez seja, um aumento sem grande significado para o consumidor. No concreto, terá havido um recuo estratégico. Porque, querendo ser-se realista e tendo em conta a realidade mundial, o aumento do preço do pão, ao consumidor, em Moçambique é inevitável. A menos que sejam encontradas formas de subsidiar as moageiras ou os panificadores. E, este não é um cenário de longo prazo. É o cenário do médio e do curto prazos. Sequer se compadece com o tempo necessário para activar alternativas ao trigo ou da procura de terras onde possa ser produzido. A questão do pão, em Moçambique, tem de ser colocada e vista de forma clara. Sem tabus. De frente. E, no imediato. Para que amanhã ninguém venha, de novo, voltar a dizer que não sabia. Que não havia sido avisado nem alertado. Por isso, fica o alerta e o aviso.