domingo, dezembro 26, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 26 de Dezembro, 2004


antes e depois

Luís David

saber perder é uma questão de dignidade

A história repete-se. Parece repetir-se. Ciclicamente, de cinco em cinco anos. Sempre que há eleições, o discurso da oposição repete-se. É um discurso sempre igual. Aberrante, chato, enfadonho. Porque é, sempre e invariavelmente, o discurso da fraude. Por antecipação, o discurso da fraude. Do género se eu perder é porque houve fraude. E, sendo por antecipação o discurso da fraude, pode ser também, é também, o discurso de quem, em consciência, parte derrotado para a corrida eleitoral para o mais alto cargo da República. Nesta perspectiva, sendo, como parece, um discurso infantil de candidato antecipadamente derrotado, é, acima de tudo um discurso masoquista. O discurso de quem se propôs auto-flagelar-se com a derrota. O discurso do injustiçado. O discurso de quem, sabendo e tendo consciência que tinha condições poucas ou nenhumas para ser eleito Presidente da República, reclama, agora, dever ter sido o eleito se... Exactamente se...



No antes das eleições agora realizadas, a RENAMO terá começado por cantar vitória fácil. Aparentemente, ensaiou um discurso confiante. Um discurso, digamos, triunfante. Um discurso triunfalista. Mas, discurso que só poderia convencer quem o proferia. E, mais do que tudo, quem aconselhava a proferi-lo. E, aquilo a que a alguns poderá ter parecido uma jogada de antecipação, poderá não ter sido mais do que um erro de estratégia. E, nestes casos, erros de estratégia pagam-se com derrotas, pagam-se com o adiar, por mais cinco anos, a conquista do poder. É que, a realidade nem sempre, ou raramente, corresponde ao desejo ou ao sonho. E, quando se acorda do sonho, do dormir suave e tranquilo, da ilusão por alguns criada e por outros alimentada, e a realidade é outra, é difícil ter de aceitar a realidade tal como é. É difícil ter de aceitar a derrota. Mesmo quando, ou sobretudo, aqueles a quem tanto se pediu protecção, aqueles a quem tanto se pediu observação isenta e imparcial aí estão, muito clara e inequivocamente, a confirmar a vitória de quem venceu. União Europeia, França, Estados Unidos da América não tiveram dúvidas sobre quem venceu as eleições, em felicitar, no imediato, o vencedor. Ora, quando perante esta realidade, que parece contrariar o sonho de alguém, se registam novas ameaças, corremos a ousadia de ter de afirmar, por muito que pareça paradoxo, que as eleições, sendo o que foram, deveriam ter sido coisa diferente. Para consentir a vitória a quem se dizia vencedor. Sem dúvida, ninguém gosta de perder. Mas, convenhamos, saber perder é uma questão de dignidade.
Publicado em Maputo, Moçammbique no Jornal Domingo de 19 de Dezembro, 2004

antes e depois

Luís David


uma extrema aberração


Em diferentes ocasiões e por diferentes motivos, fala-se em lusófono e em lusofonia. Há, até, reuniões, congressos, festivais de lusófonos e em nome da lusofonia. Pretende-se, ao que parece, nestas reuniões em que se encontram homens e mulheres de origens e de culturas diferentes e diversas, tentar afirmar que, afinal as partes constituem um todo. Pretende-se, em síntese e em tese, ao que parece, tentar fazer acreditar que os colonizados de ontem, ao assumirem ou ao terem sido forçados a assumir certos valores do colonizador, são hoje seus iguais. Fazem parte do seu mundo cultural, étnico e linguistico. Que todos se identificam numa cultura lusófona. Que ninguém sabe o que é, por em momento nenhum ter sido estudada, menos ainda definida. Que é, por exclusão de partes, coisa nenhuma. Que não existe. Ou, melhor, existe apenas e unicamente como neologismo. Não passa de uma palavra nova. Que, podendo não ser mais do que isso, também o pode ser. Pode ser uma palavra, pode ser um neologismo, com um sentido e um significado neocolonialista. Certamente que assim pode ser, que assim é.


No seu ensaio filosófico, a que deu o título “O Enigma Português”, F. Cunha Leão, falecido em 19774, busca as origens da fundação e da sobrevivência de Portugal ao longo dos séculos. E, escreve (pag. 89): Herculano contestou com veemência a filiação lusitana dos portugueses fundada na história de Roma e defendida pelo renascimento eborense. Segundo ele as sucessivas invasões e razias que o território sofreu por tão diversos povos reduzem a mera soberbia infundada essa tentativa genealógica de ir buscar fama a Sertório e a Viriato. Nas suas “20 Teses” sobre o tema referido, talvez a parte mais importante da obra, parece bem claro: 1) Uma parte da Galiza e outra da Lusitânia formaram Portugal. (...) 3) Lusos e galaicos distinguem-se, posto que povos individualizados em finisterra, de parentesco próximo e afinidades incontestáveis. 4) O português é uma síntese de lusitano e galaico, um luso-galego e só metaforicamente lusitano. Mais diz o filósofo, que escrevia em 1960 (tese 14), Os descobrimentos e a colonização constituem por isso a suprema afirmação dos portugueses, a linhas das comeadas do seu contorno histórico, e bem assim o complexo fenomenal que mais aproveita à interpretação da Grei. Ora, se bem entendo e se bem interpreto o filósofo, o lusitano nunca existiu. E, nesta linha de pensamento, se o lusitano não existiu, se não existiu no seu estado puro ou se existiu apenas como mestiçagem, como produto de um caldear de culturas, não poderá ser outra coisa se não um híbrido. Assim, assim não existindo, como parece não existir, o luso ou o lusitano, menos motivos parece haver para que possam existir lusófonos e lusofonia. De resto, e por fim, à luz do exposto, parece fazer sentido nenhum que homens e mulheres de origem e de cultura baniu alguma vez possam vir a ser lusófonos. Estamos, no mínimo, perante um equívoco, uma extrema aberração.

domingo, dezembro 12, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de 12 de Dezembro, 2004

antes e depois

Luís David


algo está errado

Parece não existiram muitas dúvidas que a abstenção em processos eleitorais é, hoje e desde há muito tempo, um fenómeno à escala mundial. Universal. Um fenómeno que, diga-se, deixou de ser fenómeno para entrar, para fazer parte da normalidade. Embora a todos preocupe e todos os Estados democráticos, de uma forma geral, procurem meios para combater a abstenção. Sempre, repita-se, sempre tendo em atenção a relação custo/benefício. Isto é, que qualquer processo alternativo ao tradicional depósito do voto na urna não provoque aumento de custos. Esta é a posição divulgada, recentemente, pelo Instituto para a Democracia e Apoio Eleitoral (IDEA), um centro de investigação sediado em Estocolmo, na Suécia. Um sistema com resultados comprovados, segundo o IDEA, em relação a diversos países da Europa, tem sido o voto pelo correio. Que, em alguns casos está em fase experimental e noutros consolidado. Hoje, segundo a mesma fonte, cerca de quatro por cento dos votantes na Grã-Bretanha e 40 por cento da Finlândia votam pelo correio. Na Suécia, desde 1942, todos os cidadãos, sem aviso prévio, podem dirigir-se a um posto dos Correios e votar em impressos próprios para o efeito. Isto acontece, claramente, em países onde os Correios funcionam e onde a realidade é completamente diferente da nossa. Mas, independente de todas as considerações que se queiram fazer e admitir, serve para demonstrar que em Estados onde a democracia tem muitas e muitas décadas, o chamado fenómeno abstenção começou a ser combatido há mais de meio século.


Tem sido dito e repetido, com mais do que demasiada insistência, que a elevada percentagem de abstenção nas últimas eleições representa um aviso aos políticos. Uma ameaça aos futuros governantes. E, até se não com algum exagero, que quem vier a governar, por eleito, com tão reduzido número de votos, pouco ou nenhuma legitimidade terá para governar. São, obviamente, leituras possíveis, leituras respeitáveis, opiniões a não desconsiderar. Temos, no entanto, de aceitar que leitura diferente não deva ser rejeitada. Não deva ser recusada. Isto é, que uma leitura moçambicana de melhoria de vida e de mudança possa não ser, exactamente, aquela que outros tentam fazer. E que, talvez, é necessário admitir, terão dificuldade em comunicar. Comparar o último processo eleitoral com os anteriores, como, em alguns casos tem sido tentado, parece um processo arriscado. Por falta de contexto. As realidades sociais e económicas reinantes e dominantes em cada um dos momentos são completamente diferentes. E, aceitemos, os motivos que levaram a votar ontem podem não ser os mesmos que levaram a votar hoje, Assim como os motivos que levaram a votar ontem podem ser os mesmo que levaram a não votar hoje. Mas, convenhamos, em última análise, a questão principal parece não ser a do motivo pelo qual muitos não votaram. Mas a de criar novas e diferentes condições para que mais possam votar. Ou, e talvez seja o caso, como titulava o “Notícias”, na sua edição da última quinta-feira, uma questão de Simplificar o processo de votação. Caso assim seja, e parece que assim é, tudo o resto é um exercício inútil. Basta que estejamos todos de acordo no essencial. No fundamental. E que acordemos para a realidade de que o fenómeno das abstenções, em processos eleitorais democráticos, começou a ser estudado há mais de cinco décadas. E, se situações semelhantes ou idênticas se repetem em tão diferentes países não é, certamente, por o eleitor estar errado. Embora, concordemos, algo está errado.
Publicado em Mpauto, Moçambique, no Jornal Domingo, de 5 de Dezembro, 2004

antes e depois

Luís David

saber criar

Coisa difícil, parece ser, é, não escrever após as eleições sem ser sobre eleições. E, escrever sobre as recentes eleições, neste momento, é, terá de ser, evitar engrossar a corrente, aparentemente dominante e dominadora, daqueles que se perfilam, que se perfilaram, para pedir estudos e investigação do que consideram como fenómeno da abstenção. Querem saber uns, querem conhecer outros, o motivo, a causa, a razão que levou o camponês a preterir a mesa de voto em alternativa à machamba e o citadino a optar pela praia ou pelo copo na barraca em alternativa a cumprir com o seu dever cívico. São, logicamente, preocupações legítimas. Intelectualmente legítimas. Talvez, arrisco sugerir, desfasadas da realidade cultural nacional. Se sim ou se não, os estudos, a fazer no curto e no médio prazos, pagos, muito hipoteticamente, por quem suportou os custos destas eleições, irão surgir. Irão, virão dizer-nos, virão tentar provar aquilo que já foi dito e ficou provado em eleições anteriores. Este modelo, caro, demasiado caro para a nossa realidade e que se presta a grosseiras intromissões estrangeiras, está esgotado. Na pior das hipóteses, é necessário pensar. Mesmo quando todos sabemos que pensar é exercício difícil. E, arriscado. Principalmente quando os bonzos já estão perfilados.


Pessoalmente, mal conheci António de Almeida Santos. Doutor em Leis, formado na Universidade de Coimbra, aqui se fez radicar há muitas décadas. Depois do 25 de Abril, regressado a Portugal, fez parte de diferentes governos. Foi Presidente da Assembleia da República. Na Minerva, descobri, um dia, textos e fotografias da sua vinda a Moçambique. Numa casa de venda de discos, que existiu no prédio das arcadas, hoje EMOSE, recordo ter comprado, já a preço de saldo e pouco antes de encerrar, vários exemplares de um disco seu, com fados de Coimbra. Um disco dos seus tempos de fadista e de boémio. Mais recente, mais recentemente, tive oportunidade de ler dois dos últimos dos muitos livros que escreveu ao longo da sua vida. Num, com cerca de 400 páginas “Por favor preocupem-se”, cuja quarta edição tem data de 1999, revela as suas preocupações sobre os problemas actuais, manifesta o seu cepticismo em relação à democracia participativa perante os avanços das novas tecnologias e escreve: O velho expediente de reunir no adro da igreja todos os cidadãos de uma minúscula unidade política para, de braço no ar, decidirem o que achavam melhor para a respectiva comunidade regressará, tecnologicamente alargado, ao espaço nacional, continental, universal amanhã. Mas antes, muito antes, logo na página 8 da mesma obra nos havia advertido: Tendemos a rejeitar o que nos desagrada. Em contraponto acreditamos facilmente no que desejamos. Daí que as posições confiadas e relaxantes colham mais adesões do que as advertências pesadas. Ou, parafraseando Nietzsche, Não é no conhecimento, mas sim na criação que está a nossa salvação. Então, para além de conhecer, do muito conhecer, por muito se poder vir a investigar e conhecer, há que saber criar. Assim, temos e havemos de saber criar. Porque, assim o diz o filósofo, a nossa salvação não está no imitar. Não está no copiar. Não está no saber copiar. Afinal, estas, tarefa medíocre, tarefa de medíocres, tarefa de bonzos. A nossa tarefa está em criar. Em saber criar.

terça-feira, novembro 30, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 28 de Novembro, 2004

antes e depois

Luís David

É coisa diferente


Estamos a poucas horas do fim da campanha eleitoral para as eleições presidenciais e legislativas de Dezembro próximo. O muito ou o pouco que aqui possa dizer-se, em nada poderá influir sobre o voto do potencial eleitor. Contudo, parece não ser de menor importância fazer uma breve reflexão sobre a pressão e as acusações feitas, por partidos da oposição, a alguns órgãos de Informação nacionais por não fazerem uma cobertura das suas actividades. Mesmo quando, e este parece ser aspecto fundamental, recusaram informar a que horas e onde iriam ser desenvolvidas dessas suas actividades de campanha. Aparentemente, este tipo de estratégia foi mal escolhido. Mas, antes de passarmos adiante, importa recordar que, passam já muitos anos, um correspondente estrangeiro disse ter visto, e por isso terá divulgado o que disse ter visto, aviões a sobrevoarem Maputo. Convidado a justificar a veracidade da notícia pelo então Ministro da Informação, não terá sido convincente. Por esse motivo, por divulgar uma mentira, foi expulso de Moçambique. Mais recentemente, no final das últimas eleições, outro jornalista, também estrangeiro, igualmente português, divulgou para o mundo que a RENAMO e o seu presidente haviam ganho as eleições. Feitas as contas, não era bem assim. Tratava-se de mais uma mentira. Mas, de uma mentira não inocente. De uma mentira paga, de uma mentira bem paga, de uma mentira paga a peso de ouro. Em última análise, de uma tentativa para desestabilizar e para desacreditar o processo eleitoral. Na sua totalidade.


Na presente campanha eleitoral, o principal partido da oposição, terá adoptado, inicialmente, uma estratégia diferente. A tónica deixou de ser colocada na fraude eleitoral e desviou-se para o trabalho, para a forma de actuação dos órgãos de Informação, especialmente os do serviço público. Quer-se dizer, e esta foi a mensagem que foi tentado passar, se o referido partido e o seu candidato perderem, a responsabilidade será, toda ela, de quem não cobriu, ampliou ou divulgou a sua mensagem. Em termos simples e lineares, o “bode expiatório”, em caso de derrota, deixou de ser o STAE e CNE para passar a ser a Informação. Uma certa informação. Muito claramente a de prestação do serviço público Mais precisamente a TVM. Mas, e há sempre um mas, como a mentira, por tão rasteira, não ter ganhado raízes, necessário era trepar. Trepar às arvores. Trepar à copa das árvores. E, lá do alto, lá de cima, gritar bem alto que há por aí quem pretende assassinar Dhlakama. Que o presidente da RENAMO é um alvo a abater pela segurança do Estado. E, foi assim, nestes termos, mais ponto menos vírgula, que Lusa e RTPÁfrica se fizeram eco dessa declaração. Sem investigarem. Sem procederem a qualquer investigação. Sem confrontarem a informação com nenhuma outra fonte. Dizem, alguns, menos avisados, que estes são jornalismos e jornalistas de referência. Creio mais no inverso. Creio que estes jornalistas, por nunca o terem sido, por nunca terem sido jornalistas, são tudo menos jornalistas. Sobretudo porque ser jornalista em Moçambique, hoje, não pode passar pelos critérios do jornalismo neo-colonialista. O jornalismo moçambicano é outra coisa. É coisa diferente.




terça-feira, novembro 23, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 21 de Novembro, 2004

antes e depois

Luís David


uma questão de Estado

A campanha eleitoral para as próximas eleições terá entrado, segundo os mais entendidos na matéria, naquilo a que chamam de recta final. Aceito que sim. E, aceito que sim pelo simples facto de que em qualquer percurso há sempre uma recta final. Mesmo quando aquilo a que se possa chamar de recta final tenha pouca a ver com recta e com final. E, isto, porque, no meu entender em política não há rectas nem final. Haverá, isso sim, curvas, muitas curvas, e objectivos. Sendo que o objectivo único e final é o da conquista do poder. E, conquistar o poder, começa por saber conquistar o eleitorado, quem tem a possibilidade ou o poder de votar. Para tanto, para conquistar o eleitorado, necessário é prometer. Prometer tudo e mais alguma coisa. Prometer o que pode ser realizado, como prometer utopias. Como prometer o que não tem qualquer possibilidade de ser realizado. E, no contexto nacional moçambicano do momento, prometer emprego para todos é mais do que utopia. É uma mentira. É enganar o eleitorado. Pelo simples facto de que, a nível mundial, o emprego é cada dia um bem mais raro. Pelo simples facto de que, a nível mundial, quem tem emprego luta por conservá-lo. Quem o não tem, poucas são as possibilidades de vir a tê-lo. Hoje, o que se oferece, o que está disponível é trabalho. E trabalho não é, nem de longe nem de perto, o mesmo que emprego. Que o digam, que o confirmem ou o desmintam os parceiros sociais moçambicanos empenhados na revisão da Lei do Trabalho.


Pelo que nos é dado ler em jornais e ver em televisões de todo o mundo, em tempo de eleições tornou-se hábito que esposas de candidatos presidenciais façam campanha ao lado de seus maridos. Acontece assim na Europa, vimos que assim foi, muito recentemente, nos Estados Unidos da América. Onde, onde, repita-se, a esposa de um dos candidatos, que viria a ser o candidato perdedor, se afirmava, por o ser, de origem portuguesa e nascida em Moçambique. Creio eu que nos deu alguma satisfação ver esta mulher a defender os ideais do seu marido, ver esta mulher ao lado do seu marido e ver esta mulher a afirmar, em quantas línguas domina, defender um projecto comum e nacional. Nacionalista. Nós por cá, pensamos diferente. Pensamos que é bom viram europeus e americanos fiscalizar as eleições. Mas pensamos que é mau, estamos agora a saber que é mau quando os candidatos, quando um candidato, leva a sua mulher para campanha eleitoral. Quando um dos candidatos procura mostrar ao eleitorado que tem família, que tem uma família que o apoia num projecto de governação. Como fazem europeus e americanos. Mas, se outros candidatos às presidenciais moçambicanas não tem mulher ou, podendo ter mulher, não a querem expor ao eleitorado, não a querem mostrar, o erro, se nisso há erro, não está em quem mostrou na companhia de quem pretende governar. Está em quem não soube ou não pode mostrar na companhia de quem pretende governar. Até ao momento, apenas conhecemos a mulher de um dos candidatos à presidência da República. Se os outros não tem mulher ou se têm muitas, permanece como incógnita. Embora sendo, como todos o sabemos, uma questão de Estado.

domingo, novembro 14, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 14 de Novembro, 2004

antes e depois

Luís David

a todos uma boa viagem


A adesão de Moçambique ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional terá sido decidida após amplas e profundas discussões internas. E, uma vez decidido que sim, decidido que Moçambique deveria passar a ser membro do BM e do FMI, uma segunda questão se colocava. Esta, era do modelo a seguir, o modelo a adoptar. Como sempre acontece nestas situações, confrontaram-se duas posições. A dos que defendiam uma transformação lenta e progressiva da economia nacional e a dos que defendiam aquilo a que habitualmente se classifica como “tratamento de choque”. Terá saído triunfante a posição destes últimos. Cujos mais acérrimos defensores, pouco tempo depois, estavam colocados em postos de relevo de diferentes organismos internacionais. Onde permanecem. Com deslocações poucas, ou nenhumas, a Moçambique. Entretanto, ou posteriormente, começam as negociações no Clube de Paris. Recordamos todos, os que não temos memórias curtas, que, inicialmente, nos era concedido muito menos que pedíamos, do que considerávamos necessário para os nossos programas. Para a nossa sobrevivência. Depois, com o avançar do tempo, a situação foi-se alterando. O montante concedido passou a ser muito semelhante ao montante solicitado. Por fim, aconteceu, aconteceu já, o montante concedido foi superior ao pedido. O que pode ter dois significados. Um, é o de que merecemos todo o crédito de instituições internacionais por sabermos aplicar correctamente os fundos que nos são atribuídos. Outro, é o de quem concedeu dinheiro e dinheiro não solicitado se sentir no direito de dizer e de impor o que devemos fazer. Se é ou não uma forma moderna de neocolonialismo, deixo correr o tempo para ver.


Na crónica que assina no semanário “Savana”, Machado da Graça dedica-me esta sexta-feira algumas linhas. E, pergunta-me, sobre o que escrevi neste espaço, domingo passado, quem pagará as próximas eleições, se a EU não voltar. Devo dizer, desde já, que podendo parecer pertinente, por parte de quem a faz, para mim a pergunta é absolutamente irrelevante. Por não fazer sentido. Entendo eu, no meu fraco e modesto entender, que a questão que deve ser colocada é para saber como fazer e que mecanismos desenvolver para reduzir e eliminar este tipo de financiamentos. Estes financiamentos para áreas tão sensíveis como são as eleições. Em última análise, o que podemos e devemos fazer, em conjunto, para termos em conjunto, como Moçambique, fundos para realizar eleições moçambicanas fiscalizadas por estrangeiros de acordos com a legislação moçambicana. Creio eu, mas posso estar errado, que este derrotismo, esta falta de visão de futuro, esta falta de nacionalismo e esta falta de sentir que se deve e pode fazer diferente ou diverso é, em si, um aceitar antecipado da derrota. É, em última análise, aquilo a que os eurocentristas chamaram e continuam a chamar de afro-pessimismo. Que em última análise, nada mais é do que uma nova forma de colonialismo. Pois, e para terminar, dizer o que já disse, reafirmar o que pode não ser necessário reafirmar. Então, por outras ou por palavras diferentes, desejar a todos uma boa viagem.

domingo, novembro 07, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 7 de Novembro, 2004

antes e depois

Luís David


que seja uma ida sem vinda


Como todos sabemos, o Mundo é redondo. Mas, também é pequeno. Pequeno no sentido em que o que se passa, o que acontece, neste momento, em um qualquer ponto, é conhecido quase no imediato a um nível global. Graças, naturalmente, às modernas tecnologias de informação e de comunicação. Foi por isso e graças a estas tecnologias, que ficámos a saber, em tempo quase real, que os observadores da Organização para a Segurança e Cooperação da Europa (OSCE) haviam sido impedidos de entrar nas assembleias de voto nos Estados Unidos. Um dos deputados europeus disse à Imprensa que “nós não fomos autorizados a entrar nas assembleias de voto”. E, terá acrescentado, “é um problema, pois, embora tenhamos sido convidados oficialmente para seguir estas eleições, não fizeram passar essa mensagem às assembleias de voto”. Pior, segundo o referido observador, foi mandado para trás em três das quatro assembleias de voto que quis visitar. Quer isto dizer, salvo melhor opinião, que os três observadores europeus foram obrigados a cumprir a legislação americana sobre matéria eleitoral. E, tenham ou não gostado, tiveram de a cumprir. E de se calar. E, parece que se calaram como se cala o cordeiro quando se sente ameaçado pelo lobo. Diz, ainda, a mesma notícia, que os observadores da OSCE “recolheram as suas experiências sobre a democracia norte-americana para um relatório a elaborar sobre o mesmo tema”. Mais não diz a citada notícia mas, podemos especular sem risco de erro, entraram no primeiro avião e regressaram aos seus países europeus. Onde, certamente, e é invariavelmente assim, irão afirmar missão cumprida.


Nós por cá, nestas quentes terras do Índico, em tempo de eleições, também recebemos observadores europeus. Ainda bem. Ainda bem, porque é sempre bom receber visitas. Visitantes ilustres, se assim se pode escrever. E, ainda bem porque, sendo Moçambique um país territorialmente bem mais pequeno do que os Estados Unidos da América, teve a honra de acolher, de receber, com muita antecedência, um número de observadores eleitorais europeus muito maior do que aquele que receberam os norte-americanos. Certamente, creio sinceramente, isto não é por sermos um país de pretos nem por os europeus nos considerarem um país de corruptos. Será para nosso bem, na sua óptica. E, eles, assim acreditam, assim o dizem, assim tentam fazer acreditar. Daí, certamente, o seu empenhamento em declarações públicas, as suas conferências de Imprensa onde se podem escutar declarações de intimidação e de ameaça. Em última análise, de chantagem. A estes senhores, ditos observadores, ditos observadores imparciais, não lhes assiste mais nenhum direito que não seja o de observarem e respeitarem a legislação moçambicana. Da mesma forma que respeitaram a legislação norte-americana. Por muito que isso lhes possa ter custado. Em termos de observação eleitoral, a União Europeia não tem o direito de aceitar, num caso, um critério americano e, noutro recusar o mesmo critério moçambicano. Pelo simples facto de ser moçambicano. Indígena de África. Querem não fazer relatório nenhum, querem ir embora, querem regressar à pátria Europa, pois que sim, que vão. Que regressem em paz. Mas, que seja uma ida sem vinda.





segunda-feira, novembro 01, 2004

Publicado em Maputo, no Jornal Domingo de 31 de Outubro, 2004

antes e depois

Luís David


a história não se compadece nem aceita estes desvarios


Até hoje, quase trinta anos depois da independência nacional, continuamos sem uma história do Moçambique moderno. Sem uma história una e unificada. Sem uma história das tensões, das resistências, das lutas e das traições registadas no espaço que Conferência de Berlim definiu como território de Moçambique. Sobre o passado mais remoto, julga saber-se alguma coisa com veracidade. Ou, o que se sabe, o que se conhece, aceita-se como verídico. Não se contesta. Raramente se contesta. Do passado mais recente, parece saber-se bem menos. Do passado que começa com a luta pela independência, sabe-se pouco. Sabe-se menos do que devia saber-se. Porque importe saber pouco ou por falta de investigação séria e profunda. Para saber mais. Depois, depois, parece haver em muitos de nós um certo conformismo para aceitar as muitas histórias que os outros contam de nós. Sobretudo, sobre nós. Sabemos, todos dizemos ter consciência de se tratar de uma visão ocidental da nossa história. De uma visão europeista e eurocêntrica da nossa história. Mas, será nesta falta de capacidade de fazer diferente, de fazer coisa outra, de fazer coisa moçambicana, que reside, provavelmente, o principio do afro-pessimismo. E, o afro-pessimismo, tenhamos consciência disso, não é uma maneira nem de ser nem de estar. È a forma como outros imaginam que somos. Como querem que sejamos. E, por isso, assim nos catalogam.

Em tempos recentes, foram muitos os trabalhos de investigação editados em Portugal nos quais Moçambique aparece referenciado. Sabe-se mais, hoje, sobre a FRELIMO, através de investigadores portugueses, ou do que escreveram norte-americanos, do que através de trabalhos de investigadores moçambicanos. O mesmo parece não ser válido para Angola. Apenas um exemplo: É conhecido, hoje, o número do passaporte marroquino utilizado por Marcelino dos Santos. Da mesma forma que se sabe, desde há vários anos, por estar escrito em diferentes trabalhos de investigação, que Eduardo Mondlane recebeu dinheiro do governo norte-americano. Agora, à distância que o tempo nos separa desse facto, querer insinuar que Mondlane era agente da CIA, afigura-se como desonestidade intelectual. A verdade é que bastou um jornal português, no caso o “Expresso”, ter-se feito eco da publicação de um livro, no qual Mondlane é citado como tendo recebido apoio financeiro dos Estados Unidos, para se falar em financiamento da CIA ao fundador da FRELIMO. Mas que sim, que assim tenha sido. Certamente que não foi por ter recebido apoio financeiro americano que Mondlane foi menos moçambicano, que foi menos nacionalista que os seus sucessores que receberam apoio, não só financeiro, da União Soviética e da China. Com o mesmo objectivo, que era o da alcançar a independência. Para se poder julgar, hoje, o posicionamento de Mondlane nesse então, precisamos de nos saber situar no seu tempo. E, o seu tempo, foi o da era Kennedy, foi o de um tempo em que os Estados Unidos da América defendiam, aberta e claramente, a independência das então colónias de Portugal em África. Neste contexto, no contexto em que viveu e actuou, Mondlane foi, terá sido, um homem do seu tempo. Terá sido um homem que utilizou os argumentos possíveis e ao seu alcance, à época, na luta pela independência de Moçambique. A esta distância no tempo, tentar interpretar a acção de Eduardo Mondlane ser ter presente o que foi a era Kennedy, pode conduzir a alguma desonestidade intelectual. Tentar interpretar o posicionamento de Mondlane fora de contexto é, em última análise, um desonestidade intelectual. E, a história não se compadece nem aceita estes desvarios.






Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 24 de Outubro de 2004

antes e depois

Luís David

defender a dignidade nacional


Vivemos num tempo nem sempre fácil de entender. Nem sempre fácil de perceber. Num tempo em que temos dificuldades em nos situar. Temos dificuldades, tremendas e terríveis, em perceber o mundo em que vivemos. Hoje, criticamos a globalização. Amanhã, estaremos a criticar o liberalismo económico. Depois, criticamos um e outro. Em absoluto. A seguir, haveremos de nos sentir satisfeitos, realizados, mesmo vaidosos, quando nos revelam números sobre crescimento económico. Sobre sucessos. Mas, esta é, simplesmente vaidade de pobre. Vaidade de cidadão de país da periferia da periferia. Que pouco ou nada manda em tudo quanto é sua pertença. E que, como vaidoso que é, gosta de ser elogiado. Gosta que lhe digam que tudo está bem, que tudo está bem. Que tem dificuldades, muitas, em destrinçar entre o desejo de uns e a realidade de outros. Que não consegue distinguir o elogio merecido do elogio bacoco. Que não se apercebe, muitas das vezes que, afinal o rei vai nu. E que na hora derradeira, na hora da verdade, curva-se de forma humilhante. A ponto de correr o risco de partir a espinha dorsal.



Estamos, cada dia que passa, a ficar mais esquecidos. Estamos, assim o parece, cada dia que passa, a perder memória individual e memória colectiva. Podemos estar a perder dignidade. A caminhar para a indignidade. E, é a perda de dignidade, a indignidade, a falta de sentido nacional, que conduzem à perda de soberania. Nunca o inverso. Hoje, chamamos por nomes menos bonitos, atribuímos adjectivos injustificados a quem no plano ético e moral, a quem no plano da defesa da dignidade e das competências nacionais, sabe afirmar-se moçambicano. E, pior e mais grave, transformamos a defesa desses valores numa atitude de incompetência profissional, por parte de quem tem opinião contrária. Tenhamos suficiente clareza de espírito de justiça para entender o que parece fácil de entender. É que quando o Presidente da República recomenda ou instrui num determinado sentido, está apenas a dizer ou fazer isso mesmo. Não está a dizer ou fazer o contrário, como parece que alguns pretendem. Não está a dizer que quem pensa de maneira diferente ou contrária é incompetente. O que está a dizer é que pode haver alternativas. Que pode haver uma forma diferente para conseguir o mesmo objectivo. E, sem muitas dúvidas, aqui, o objectivo é defender a dignidade nacional.

terça-feira, outubro 12, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 10 de Outubro, 2004

antes e depois

Luís David

podem ter um grande significado

Conserva a EDM, na sua história recente, factos e acontecimentos de inegável valor, de grande importância. Na e para a vida de todos nós, também. Pode dizer-se, sem exagero, são muitos os exemplos de trabalho abnegado, de heroicidade até. Seria de todo injusto não recordar o esforço desenvolvido para levantar torres de transporte derrubadas durante a guerra no sul do país. Seria de todo injusto não recordar o esforço desenvolvido para fornecer energia a Maputo, por meios alternativos, mesmo que parcialmente. Seria de todo injusto não recordar os muitos trabalhadores da EDM que se afoitaram em zonas minadas. E que, por isso, pagaram elevado preço. Pagaram o preço de rebentar uma mina. Certo é, que o fim da guerra veio colocar outros e novos desafios. O maior dos quais consiste, sem dúvida, na electrificação do país. É neste contexto, parece ser neste contexto, que a EDM mergulha, deliciada, no liberalismo económico. Mais. Atreve-se, mesmo, a enveredar pela via do capitalismo selvagem. E, aí, começa a sua desumanização. Mais grave, ainda. Renega, esforços, valores e vidas, perdidas no passado, para apostar numa via que sabe, ou devia saber, não ter futuro. Ou ter futuro mais do que duvidoso.


Recordar, aqui, o que tem sido o descalabro da gestão da EDM nos últimos anos é, no seu todo, um exercício inútil. Voltar a escrever sobre a forma como foi introduzida e é cobrada a taxa de recolha de lixo, sequer faz sentido. Porque ninguém age, ninguém quer saber quando se apontam ilegalidades. Mas, mesmo sabendo que assim é, que assim vai sendo, há factos mais recentes que não devem ser aceites como normais. Por exemplo, na minha zona, o prazo limite para o pagamento dos consumos de energia foi, durante muito tempo, o dia 10 de cada mês. Até Julho do corrente ano, assim foi. Depois, em Agosto, passou para o dia 5 e 25. Quer dizer, dois pagamentos num único mês. Já no mês de Setembro, o limite foi o dia 20. No mês em que estamos, vamos ter de pagar até ao próximo dia 15. Quer dizer, para quem possa não estar a perceber bem o que se passa, impera o caos e a desorganização na EDM. Com uma situação agravante. Quando são emitidas duas facturas num mês, como foi o caso de Agosto, são cobradas duas vezes a taxa de rádio e de recolha de lixo. Onde fica ou para onde vai este dinheiro cobrado ilegalmente, é questão que importa esclarecer. Por quem deve e tem poder para o fazer. Mas, tem mais em matéria de ilegalidade e da forma subtil utilizada pela EDM para extorquir dinheiro aos seus consumidores. A situação não é nova, há muito foi denunciada. Mas a vigarice continua. Estamos a falar dos tão publicitados credelec. Estes aparelhos, que para uns parece serem milagreiros e para outros milagrosos, comportam-se, mais coisa menos coisa, como as máquinas de casino, as conhecidas “caça-níqueis”. O lucro é sempre para o dono, o dono jamais perde. Primeiro, porque ninguém gosta de perder e, segundo, porque a máquina foi programada para ganhar sempre, foi programada para não perder. Pois, então, o dito credelec também está programado para que sempre que o consumidor compre energia pague a taxa para a RM. Sempre. Independentemente do valor da compra. Quem compra cem contos de energia, paga dez contos. Quem compra 500 ou mil contos, paga os mesmos dez contos. Quem compra energia três vezes por mês, pagas três vezes a taxa para a RM. Quem compra uma vez, paga uma vez. Questão última, é a de saber como a EDM controla esta cobrança, abusiva e ilegal, de taxas e como faz a sua entrega à RM. Ou se, simplesmente, faz uma entrega por estimativa. Possa perecer que não, em época de eleições estas pequenas coisas, estes pequenos esclarecimentos podem ter algum significado. E, se nos soubermos situar na nossa realidade, podem ter um grande significado.

segunda-feira, outubro 04, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 3 de Outubro, 2004


antes e depois

Luís David


a continuação da paz é possível


Assinala-se, amanhã, mais um aniversário da assinatura dos Acordos de Roma. É uma data que se junta a muitas outras da história recente de Moçambique. É uma data que significa paz. E que tem a particularidade de, no acontecimento que deu origem à comemoração, ter sido protagonizada por dois moçambicanos, ambos vivos. Um, Joaquim Chissano, que está prestes a deixar a Presidência da República. O outro, Afonso Dhlakama, candidato ao lugar que vai ficar vago. E, foi há poucos dias, quando procedeu à entrega dos documentos para a sua candidatura a Presidente da República, que o presidente da RENAMO fez questão de deixar claro que a paz será um dado adquirido. Irreversível, como todos desejamos. Disse, na ocasião, aceitar os resultados das próximas eleições, sejam quais venham a ser. Como teve palavras elogiosas para com o actual Governo dirigido pela FRELIMO. Mais, palavras de reconciliação. Ou, se assim o quisermos entender, uma postura de Estado. Esperemos, e façamos votos, para que as cerimónias do dia de amanhã confirmem, venham confirmar as previsões de hoje e garantir um futuro de paz. Ou a paz no futuro. O que podendo parecer não é, exactamente, a mesma coisa.


Com a assinatura dos Acordos de Roma, Moçambique entrou numa nova era. Criadas as condições para a paz, assumida a paz como um bem, foi possível caminhar no sentido da reconstrução e do progresso. Mesmo que relativo, mesmo que mitigado. Aspecto importante e fundamental, é o de ter passado a ser possível a circulação de pessoas e de bens por todo o país. Salvo raras excepções e em zonas bem definidas. Que bem podem, num futuro imediato deixar, também, de ser excepção. O que não impede o entusiasmo com que se fala no desenvolvimento do turismo. Uma indústria que, como todos sabemos, pode vir a ser importante fonte geradora de divisas. Motivo de preocupação é, isso sim, o registos de assaltos, com armas de fogo, a viaturas que circulam por estradas do Sul do país. Principalmente na Nacional 1 e 4. Hoje, informação que passa boca-a-boca ou enviada por correio electrónico, aponta locais dos assaltos, métodos utilizados pelos assaltantes, marca e cor das viaturas em que se fazem transportar. Por estranho que pareça, até ao momento, a Polícia de Trânsito não divulgou nenhum alerta, não emitiu nenhuma informação sobre cuidados a ter em zonas consideradas de circulação perigosa. E, já teve suficiente tempo para o fazer. Esperemos que não seja necessário a perda de vidas humanas para a tomada de medidas que situação aconselha. A paz, convenhamos, não é só a ausência da guerra. Muito menos poderá ser um processo unilateral. A paz só é possível se for um processo global. E, os últimos sinais indicam que, se todos quisermos, a continuação da paz é possível.



domingo, setembro 19, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 19 de Setembro, 2004


antes e depois

Luís David


o 25 de Setembro não está em questão.


De uma forma geral, a história que melhor conhecemos é a história que nos contaram na escola. E, é esta história que nos marca para toda a vida. Quer se trata da história do nosso, quer se trate da história de outros países. Ora, a história que conhecemos, a história que nos contam é, invariavelmente, a história dos vencedores, é uma história de vencedores. Todos sabemos, hoje, que nos Estados Unidos há uma história dos colonizadores e há uma história dos índios. Que na URSS foram publicadas sucessivas edições de manuais “corrigidos” em que os heróis de ontem são os renegados de hoje. Que em África existe a história dos brancos e a história dos negros. E, no que atrás fica escrito, sigo de perto o texto de apresentação de “Falsificações da História” , da autoria Marc Ferro, director de estudos na École des Hautes Études en Sciences Sociales. Onde se pode ler, também, que era urgente proceder a uma confrontação naquilo que essas histórias têm de real e de ilusório, antes de os poderes dominantes – Estados ou igrejas, interesses privados ou partidos políticos – nos apresentarem a todos, na era dos mass media, um passado falsificado, “ limpo”, manipulado, uniforme. Portando, convenhamos, se este é o momento de proceder à revisão da história recente de Moçambique, que assim se proceda. Mas que se encarregue os historiadores da tarefa.


Em texto publicado numa revista portuguesa e transcrito num semanário de Moçambique, Boaventura de Sousa Santos escreve sobre o livro “Uria Simango: Um Homem, uma Causa”. O autor do artigo, com o título “Moçambique por contar”, considera o livro perturbador. Mas, esquece de dizer para quem é que é perturbador. Depois de várias outras considerações, com base em factos que são públicos desde há muitos anos, o autor do referido artigo diz que, em suma, o livro “cheira” a verdade. E, este “cheira”, assim entre aspas, permite concluir que B.S.S. não tem a certeza sobre a verdade do livro. Sobre a verdade que o livro nos pretende transmitir. Em última análise, que não tem certeza absolutamente nenhuma. Ora, se não tem certeza nenhuma nem certeza sobre nada, está a partir de uma premissa falsa. Mais, está a reconhecer que partindo de uma premissa falsa pretende obter uma conclusão verdadeira. Ao propor a criação de uma Comissão de Verdade e de Reconciliação. O que não sendo, naturalmente, uma proposta impensada, uma proposta feita por um ignorante, pode permitir a conclusão de que se trata de uma proposta intelectualmente desonesta. Santo Agostinho, quando escreveu “Acerca da doutrina cristã”, foi bem mais prudente, foi bem mais cauteloso, foi bem mais reconciliador. Muitos, não terão lido os seus textos. Outros, podem ter lido e fazem por esquecer. Assim convém, para si próprios, no presente momento. Como convém não esquecer, para evitar ou espantar os abutres da história, que há factos que são inquestionáveis, que há datas que são inquestionáveis. Que não estão em discussão, nem são discutíveis. A primeira, é a do início da luta armada. A segunda, é a da assinatura dos Acordos de Lusaca. A terceira, é a da proclamação da independência nacional. E, esta trilogia de datas, que representam factos e acontecimentos muito concretos, goste quem gostar, não goste quem não gostar, está acima e para além de qualquer questionamento. Possa ou não um livro “cheirar” a verdade, a história de Moçambique não pode por isso, só por isso, ser revista. E nem pode isso, ser transformado, aproveitado, utilizado, como factor de desestabilização. De uma nação em processo de construção. Digamos, para eliminar dúvidas, que o 25 de Setembro não está em questão.

domingo, setembro 12, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 12 de Setembro, 2004

antes e depois

Luís David


fiquemos de olhos abertos

Dizer que nada está a ser feito para mudar a face de Maputo, seria tremenda injustiça. Dizer que tudo mudou, que tudo está diferente, seria elogio barato, bacoco. Seria, em última instância, uma mentira. Convenhamos que foram feitos grandes esforços de organização e financeiros na recolha do lixo e na limpeza da cidade. Concordemos que foi travada essa onda selvagem que permitiu a colocação dos mais aberrantes painéis publicitários em tudo quanto é espaço público. Muitos dos quais, já deviam, até, ter sido removidos, destruídos. Estamos, alguns de nós, de acordo com o trabalho desenvolvido no sentido de embargar construções ilegais ou que não obedeciam ao que tinha sido licenciado. E, aqui, quando digo que estamos de acordo alguns de nós é, precisamente, por já não haver unanimidade. Por se terem começado a fazer ouvir vozes discordantes. Vozes discordantes em defesa dos interesses, possivelmente corruptos, instalados. Vozes que nos tentam convencer que se os dirigentes de ontem cometeram ilegalidades, se se pautaram o seu mandato um uma conduta de irregularidade, os de hoje, os dirigentes de hoje, devem deixar tudo como está. Nada devem corrigir. Quer dizer, devem ser coniventes com a violação da Lei e das Posturas. Entendo que se está a tentar ir longe de mais. Que se está a tentar insinuar que, afinal, os desmandos praticados nas mais diferentes áreas de gestão da capital do país não foram tão graves como se pretende que tenham sido. Mas foram. E foram bem mais graves do que muitos possam imaginar.


A par dos citados e, eventualmente, de muitos outros aspectos positivos da presente governação da cidade de Maputo, há alguns aspectos negativos. Que importa, desde já começar a colocar. Com frontalidade. Assim, o combate aos chamados vendedores de esquina não se trava com medidas administrativas nem com o recurso a ameaças de intervenção da Polícia Municipal. Este é, no seu todo, um exercício inútil. Porque o fenómeno é, antes do mais, social. Logo, é necessário entender as suas causas. Depois, o gasto de dinheiro que está a ser feito com a pintura da sinalização horizontal em certas artérias, é um gasto inútil. Por melhor que seja a intenção, o que está a ser feito é repetir o que foi feito por ignorantes em termos de legislação rodoviária. Os sinais que estão a ser avivados, são sinais que devem ser violados. Como única forma de protecção de quem conduz e deseja não provocar acidentes de viação. Só um ignorante, ou um criminoso, pode ter mandado pintar os sinais que se encontram na Lenine, na Nyerere, na descida do viaduto, na zona da Escola Náutica. Entre muitas artérias da capital. Por fim, não se compreende, é difícil de compreender, como continua a haver tanta falta de capacidade para fiscalizar a reposição do pavimento quando determinadas empresas o partem para instalar cabos ou tubos. Com objectivos económicos, seus. Um exemplo, claro e recente: a Águas de Maputo abriu, mais uma, vala transversal na artéria de vai da Nyerere para o Clube Naval. E, dizemos, mais uma por, anteriormente, ter aberto várias outras. Que nunca tapou. Mas, convenhamos, que nunca ninguém terá obrigado a tapar. Talvez por aquilo a que chamámos de interesses instalados. Todos sabemos, fazem-se fortunas pessoais, empresas há que apresentam lucros fabulosos pelo fechar de olhos a estas “pequenas” coisas. Mas, talvez seja altura de abrirmos os olhos, antes que nos venham impor mais taxas. Para isto e para aquilo. Para pagar o desleixo de uns e a corrupção de outros. Então, fiquemos de olhos abertos.

terça-feira, setembro 07, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 5 de Setembro, 2004


antes e depois

Luís David


um exercício inútil


Parece estarem a registar-se, nos últimos tempos, múltiplas tentativas de rever e de branquear a história recente de Moçambique. Recente, de umas poucas de décadas. De há três/quatro décadas, que o conhecimento e a memória de muitos de conserva vivos factos e acontecimentos. Ora, se esse rever é, sem si próprio, um exercício positivo por poder trazer a público factos novos ou uma interpretação diferentes de factos antigos, o mesmo não é possível dizer do branquear. E, o que estamos a assistir, hoje, é a sucessivas tentativas de branquear a história recente. A tentativas para tentar demonstrar que o colonialismo não foi tão mau como alguns pretendem dizer que tenha sido. Ou, e parece ser esta questão de fundo, que o colonialismo português não foi tão mau como outros colonialismos. Ora, muito claramente, não existiram sistemas de colonização bons e maus. Na sua essência, e pelos objectivos que perseguiam, todos os sistemas de colonização foram maus em si próprios. Isto, obviamente, do ponto de vista do colonizado. A quem pouco importava se a bandeira que tinha de respeitar era inglesa ou francesa, espanhola ou portuguesa, italiana ou alemã. O trabalho forçado, a palmatória, a escravatura foram, durante décadas, processos comuns. Digamos, então e para que fique claro em certas cabeças, que o colonialismo em momento algum foi melhor de que outros. Pelo contrário. Poderá ter sido bem pior, a partir do momento em que passou a reprimir, através da PIDE e da PIDE/DGS, toda e qualquer tentativa de independência. Em que começou a matar, a massacrar e a assassinar. Em Moçambique, como em Angola, como na Guiné-Bissau. E, contra factos não existem argumentos.


Há, por aí, quem nos esteja a tentar convencer que a construção da Barragem de Cahora Bassa foi uma coisa muito boa para Moçambique, para os moçambicanos. E, seguindo esta linha de pensamento, que devemos estar, todos nós, agradecidos ao colonialismo. Que devemos pagar dívidas, que devemos pagar as mordomias de gestores. Que devemos, inclusive, pagar os custos resultantes da destruição das torres de transporte de energia para a África do Sul. Só que, Cahora Bassa não era isto, nunca foi isto, que, hoje, nos tentam fazer acreditar que foi. Cahora Bassa tinha e teve, fundamentalmente, objectivos de estratégia militar. A Barragem de Cahora Bassa não foi construída na perspectiva de trazer quaisquer benefícios ou melhoria nas condições de vida dos moçambicanos. A este propósito e para dissipar dúvidas, se é que ainda existem, creio ser importante transcrever o que escreveu Dalila Cabrita Mateus na sua tese de doutoramento. O livro, tem como título “A PIDE/DGS na guerra colonial -1961-1974”. E diz, na página 362: Em princípios de 1971, Ian Smith, acompanhado pelos chefes dos serviços de informações militares e por um intérpetre, visitou Moçambique para conversações com o General Kaúlza de Arriaga, então no quartel-general de Nampula. Kaúlza vangloriou-se dos êxitos do Exército Português durante a Operação Nó Górdio, a maior operação já realizada contra a FRELIMO. Falou dos planos para o vale do Zambeze, onde se previa a fixação de um milhão de colonos vindos da Metrópole. E afirmou que a Barragem de Cahora Bassa, uma vez construída, seria uma barreira intransponível para os guerrilheiros que tentavam penetrar no distrito de Tete, através do Zambeze. Concluindo: Rever a história é um exercício útil. Pedagógico e didáctico. Tentar mentir sobre a história é um exercício inútil.

domingo, agosto 29, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo em 29 de Agosto, 2004


antes e depois

Luís David


de Gouveia Lemos para Lurdes Mutola



De longe, de terras lá da Europa, o António Maria Gouveia Lemos enviou-me um poema. Com o pedido de divulgação. Quis ele, entendeu ele, fazer sentir o seu sentir a Lurdes Mutola. E, eu, para lhe poder satisfazer o gosto e o gesto, mais não posso, porque mais não posso mesmo, do que ceder-lhe este meu espaço semanal. Faço com prazer e com gosto. E, faço-o num momento em que a Cidade da Beira comemora os 97 anos da sua elevação a cidade. Uma cidade quase centenária e que bem podia, e que bem pode guardar para todo o sempre o nome do falecido pai deste meu amigo. Como referência no jornalismo de antes da independência. O nome de Gouveia Lemos. Numa rua, numa praça, sei pouco eu onde. Creio, posso crer que, entre alguns outros, o Ricardo Rangel e Doutor Domingos Arouca não estarão em desacordo comigo. E, como o espaço para mais não dá, aqui fica o poema de Gouveia Lemos para Lurdes Mutola.

Maria Mutola
Hoje não trouxeste p'ra casa
a medalha que tu sempre nos habituastea
crer,
ser somente tua,
e de mais ninguém.

Se hoje estamos tristes,
não é por nós,
que tantas felicidades já nos destes.

Hoje se choramos é por ti.
São lágrimas de alegria incontida,
orgulho de ser parte de ti.

Quando debaixo de teus passos
a Terra-Mãe treme,
nos nossos corações
rufam os tambores e as
marimbas de Zavala,
ao ritimo das batidas de
teu coração terno e quente.

Quantas vezes vimos
na tua pele
escorregarem riachos
que fizeram transformar os rios
Revuma, Limpopo, Zambeze
e Incomáti,
num só rio.
Cheio do suor de seu povo irmão.

Quando voas
feito gazela na Savana,
nas tuas asas levas contigo
os nossos sonhos,
de ser irmão e irmã,
de uma filha da dignidade e humildade
da grande Mulher
que você sempre será para nós.

Não foi á toa que o Tio Zé Craveirinha
apostou em ti.
Ele sabia que atrás dessas pernas
veloz
eshavia um coração que faria seu povo
pulsar no mesmo ritimo.

Por isso não fiques triste.
Afinal o que é só uma medalha de Ouro
se comparado ao que você já fez por nós?
Tu plantaste a semente da esperança
nos nosos corações,e tal como ela,
estarás para sempre
correndo mundo a fora...
muito depois de nós já não estarmos
aqui.
Tu escreveste História!

Kanimabo maningue!
Maria Mutola
Uma
Mulher Moçambicana!

domingo, agosto 22, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 22 de Agosto de 2004


antes e depois

Luís David


o combate ao crime organizado é um combate desigual


Nos últimos anos, foram muitos os casos de droga detectados no país. Referimo-nos, bem entendido, a casos relacionados com fábricas de produção. Com contentores em trânsito. Também, mais recentemente, com os chamados “correios”. Que, normalmente, viajam de avião e transportam o produto no estômago. Maputo, Matola, Cabo Delgado, Inhambane, outra vez Maputo, são nomes conhecidos dos traficantes. Também das Polícias. Alguns dos traficantes terão sido descobertos e detidos. De entre esses, uns tantos julgados. Outros, libertos em condições que permanecem pouco claras, mais outros de quem nunca mais se ouviu falar do paradeiro. Ao certo, de traficantes, transportadores, fabricantes, “correios”, a memória guarda imagem nenhuma. Porque nunca lhe foi dada imagem alguma a registar. O que sabemos, a única coisa que nos dizem, é que foi encontrado um contentor com droga, descoberta uma fábrica de mandrax, detido um “correio”. Mas, sempre sem rosto, raramente com nome. Daí, talvez, quase de certeza, a esta nossa insensibilidade perante questões relacionadas com a droga. Com o tráfico e a produção em território nacional. Porque, parece ser essa a sensibilidade, assunto de droga é assunto para esquecer. E, o mais depressa possível. Não é assunto para investigar até às últimas consequências. Para esclarecer.



Foi noticiado esta semana, em Maputo, que a polícia sul-africana apreendeu um contentor com “methaqualone”. Um produto utilizado na produção de comprimidos de “ mandrax” . E, que esse contentor tinha como destino Cabo Delgado. Ao que parece, ao que foi dito posteriormente, o proprietário era um conhecido empresário de Nampula. E, aí temos, de novo, o nome de Nampula a ser referenciado nas rotas no crime organizado. Mas, este até pode ser um aspecto secundário. A questão de fundo, a questão principal, está em saber a quem era destinado o contentor. Porque o contentor tinha um destinatário, tinha uma pessoa ou uma empresa a quem era destinado. Mas, todos o sabemos, os contentores não têm pernas nem meios próprios para saírem dos barcos. Nem dos portos. Menos ainda inteligência, mesmo que artificial, para procurarem os destinatários, os donos. Então, alguém deveria ir procurar saber onde estava e levantar ou reencaminhar o tal contentor. Tal não aconteceu por a polícia da África do Sul o ter interceptado no Porto de Durban. Porquê, qual o motivo que evitou uma operação conjunta à chegada ao destino, é matéria que compete esclarecer às polícias dos dois países. Sabendo-se que a droga encontrada no contentor vale um bilião de randes, a nós satisfaz-nos uma resposta bem mais simples. Clara e concreta. Para dizer a quem se destinava o contentor. Enquanto isso não acontecer – e esperamos que aconteça em breve – é pura ilusão falar em combate ao crime organizado. Apesar de estarmos conscientes que o combate ao crime organizado é um combate desigual.

domingo, agosto 15, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 15 de Agosto, 2004



antes e depois

Luís David

utilizem de outra forma o dinheiro dos nossos impostos


Sabemos todos que o Orçamento Geral do Estado ainda é dependente da ajuda externa. Em significativa percentagem. Também sabemos, todos, que o Governo tem uma elevada dívida interna. Dívida esta resultante da sua atitude em relação às políticas impostas pelo FMI. De uma atitude concordante. Da atitude de fazer muitos, através do agravamento dos impostos, pagar as dívidas contraídas por poucos. De fazer recair sobre os contribuintes votantes o ónus de algumas fraudes. E de não permitir a falência de certos bancos. Trata-se, naturalmente, de uma política discutível. Como discutíveis são todas as políticas. O que não é discutível, por não fazer sentido e não ter qualquer lógica, é a afirmação, tantas vezes repetida, sem que a repetição a transforme em verdade, de que era necessário defender os pequenos depositantes. No contexto da dívida interna, Moçambique não constitui inovação. Também não é achado arqueológico. O que se passa, hoje, no nosso país, é uma simples repetição, uma simples cópia, a papel químico, do que tem vindo a acontecer em muitos outros. Castrados da capacidade e da vontade – sobretudo da vontade – de se assumirem como tal. O resto, tudo o resto, é música mal tocada, é música desafinada. Para fazer boi dormir.


Nos últimos tempos, temos assistido a muitas, a mais do que muitas, formas menos claras, menos criteriosas, de gestão de dinheiro público. De dinheiro do erário público. De dinheiro que vai parar aos cofres do Estado através dos impostos que pagamos. Primeiro, foi o dinheiro gasto pelas mais diversas instituições do Estado em anúncios necrológicos. A anunciar e a expressar dor pela morte de familiares de dirigentes do Estado. E que, ao que podemos ver, contínua. Ora, se um dirigente do Estado pretende expressar os seus sentimentos, pelo passamento de alguém que lhe é querido ou era das suas relações, que o faça com o dinheiro que é seu. O dinheiro do Estado, o dinheiro do Orçamento do Estado, é para outros fins. Assim o entendemos, assim muitos o entendem. Dentro das mesma linha de pensamento, parece estranho o aparecimento, em diferentes jornais, de discursos de dirigentes do Estado. Proferidos nas mais diversas ocasiões. Publicados e pagos sob a forma de publicidade. O exemplo mais recente é o que nos está a ser dado pelo Ministério da Educação. Talvez um mau exemplo. Discurso, resolução, comunicado final de uma reunião, já viu letra de imprensa em tudo quanto é jornal. Acompanhados de farta ilustração, ocupando várias páginas de cada periódico. Ora, considerando que os principais jornais do país apenas chegam, se chegam e quando chegam, às capitais provinciais, estamos perante um exercício inútil e pateta. Um exercício que não visa transmitir conhecimento, decisões e sapiência a muitos mas, apenas, dizer aqui estou eu. Uma estranha forma de olhar para o umbigo, de satisfazer a vaidade pessoal, de alimentar o ego. Uma estranha forma de fazer propaganda pessoal. Com o nosso dinheiro, com o dinheiro dos impostos que pagamos. Com o dinheiro que deveria ser utilizado na construção e apetrechamento de mais escolas. Por favor, utilizem bem, utilizem de outra forma o dinheiro dos nossos impostos.



terça-feira, agosto 10, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 8 de Agosto, 2004

antes e depois

Luís David

Chegou o tempo de mudar mais do que as moscas

Parece estar a crescer, de forma assustadora, o número de pessoas que tomam os seus desejos por verdades. Por verdades absolutas. Embora possam ser, no seu todo, apenas não verdades Vai daí, tentam, de forma corajosa mas desastrada, talvez desastrosa, convencer-nos de que. Há dias, não muitos, alguém parecia realizado ao poder escrever, ao dar-se o direito de escrever que, depois que a tal freira de nacionalidade brasileira havia saído de Moçambique não mais se havia falado em tráfico de órgãos humanos. Em boa verdade, convenhamos que sim. Em termos de lógica, poderemos consentir que sim. Mas, este consentir que sim, num determinado momento ou até um determinado momento, em nada invalida que possa ter havido mortes de crianças e tráfico dos seus órgãos num tempo anterior. E terá havido. E, este terá havido não resulta de qualquer opinião pessoal, de desejo pessoal. Resulta do posicionamento do procurador-geral República, esta semana tornado público, segundo o qual o relatório final não será divulgado por haver pessoas incriminadas na prática de tais actos. Quem são essas pessoas, continua a constituir, portanto, a questão de fundo. É mistério. Ou segredo bem guardado, Embora se possa presumir que não sejam os camponeses que residem na zona. Esses camponeses, como todos bem sabemos, não tem capacidade para criar galinhas. Não por não saberem como se podem criar galinhas. Mas, isso sim, por não saberem movimentar-se pelas vias escusas que os estrangeiros parecem percorrer, com a maior das facilidades, para conseguirem dinheiro do Estado moçambicanos. Dinheiro dos nossos impostos.

O Conselho Regulador de Águas decidiu, esta semana, ratificar um acordo de entendimento firmado entre a Empresa Águas de Moçambique e a Associação de Moradores da Cidade de Maputo. Cuja finalidade é, como vinha sendo solicitado, distribuir por cada condómino, o custo da água consumida nas áreas comuns. Significa isto que, daqui por diante, o morador de uma flat, de um qualquer prédio, irá pagar, para além da água que consome na sua residência, a parte que é seu dever pagar, gasta nas áreas comuns. Parece simples. Parece simples de entende que assim seja, que assim seja feito. Mais: É fácil de entender que assim deva ser. Mas, não entendem assim, não entendem de igual forma, não possuem qualquer capacidade para entender, menos ainda capacidade de diálogo, os “saloios” que estão a gerir a Electricidade de Maputo a nível da cidade de Maputo. E, o termo “saloios” tem aqui o exacto significado com que foi utilizado num recente e mediático julgamento. Por outras palavras, querendo ser breve, querendo ser breve curto e bruto, a única coisa que mudou, ao longo deste processo, desta luta de anos em defesa de interesses moçambicanos, a única coisa que poderá ter mudado, se é que mudou, foram as moscas. É tempo de se dizer, basta. Chegou o tempo de mudar mais do que as moscas.

segunda-feira, agosto 02, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 1 de Agosto, 2004

antes e depois

Luís David


pensar e entender Moçambique

Durante anos, muitos, e até tempos recentes, vivemos uma situação conturbada na cidade de Maputo. E, isto, porque nos tendo sido dito que o principal problema que era a não recolha do lixo haveria de ser resolvido, e não foi, como outros, mais graves e de mais difícil solução foram criados. Artificialmente. É que, tendo sido, até certa data, a cidade de Maputo, uma cidade cosmopolita, deixou de o ser em certo momento. Claramente, Maputo começou a ser ruralizada. Maputo, começou a ser uma cidade cada dia menos urbana e, cada dia, mais rural. Não aconteceu ser Xipamanine, Mafalala ou Malanga, os seus residentes, a terem melhores condições de vida. O que aconteceu, sim, foi os residentes em bairros outros, considerados “chiques”, terem sido confrontados com iguais problemas. Principalmente construções ilegais, ocupação selvagem de espaços públicos por interesses privados, particulares, privados. A alienação de espaços públicos, que eram, ou deviam ser considerados como tal, a interesses privados menos claros. Como foi o que se passou no que respeita a muitas bombas de gasolina. Ás que foram e às que não foram a instalar-se onde pretendiam instalar-se. Diga-se, em abono da verdade, que poucas foram as vozes que se levantaram, então, contra esta ocupação selvagem de muitos dos terrenos situados nas zonas mais nobres da capital do país. Por serem zonas verdes. Por serem zonas arborizadas. Por serem espaços verdes, por excelência. E que, como tal, devem ser conservados. Custe o que custar. Contra todos os interesses privados.


Estamos a assistir, nos últimos tempos, a uma tentativa de manipulação da opinião pública, a nível da cidade de Maputo, pouco comum. Está a tentar dizer-se, está a dizer-se, claramente, que quem construiu ilegalmente, quem ocupou ilegalmente espaço público, deve ter oportunidade para legalizar o ilegal. Mais do que isso, está a dizer-se que, quando o Conselho Municipal aplica Posturas e Leis em vigor, deve ser conivente com os violadores, com os vigaristas, com os violadores da Lei. Não. Não é possível que tenhamos chegado a este ponto de degradação moral e intelectual. Não é possível que cheguemos a este ponto sem que nos interroguemos sobre o que sucedeu, afinal, com esse prédio de cinco andares que ruiu em plena construção. Quem foram os responsáveis pela derrocada. E, o que lhes aconteceu. Ao que parece, nada. Apesar de ter havido, felizmente, apenas um morto. Talvez, porque, afinal, em termos da nossa macroeconomia, mais um morto ou menos um vivo, conta nada. Como conta nada, para alguns, apenas para alguns, o posicionamento e a atitude dos gestores da Electricidade de Maputo, a nível da cidade de Maputo .Apenas e unicamente a nível da cidade de Maputo. Sobre o pagamento da energia das áreas comuns dos condomínios. Quer dizer, é isso que nos estão a dizer, Maputo é diferente de todo o resto do país. A Lei que se aplica em Maputo, não é a Lei que se aplica em todo o país. Por favor livrem-nos destes senhores . O país só pode contar com pessoas que saibam pensar e entender Moçambique.

domingo, julho 18, 2004

Publicando em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 18 de Julho, 2004
 
antes e depois
 
Luís David
 
 
vigarista é sempre vigarista

 
 
Todos nós sabemos, todos nós conhecemos a história. Por este país fora, há diversos e muitos produtos a ser vendidos que não possuem um mínimo de qualidade. Outros, estão fora de prazo. Foram comprados ao desbarato em países vizinhos ou na Europa. Mas, aqui chegados, a Moçambique, são vendidos por alto preço. Como produto de alta qualidade. A par destes, dos importados, começa também a aparecer o mau produto moçambicano. Que é vendido como se tivesse qualidade. Como se fosse de alta qualidade. Caso paradigmático, é o da água engarrafada. Por certo, por haver alguém que descobriu que, vender água engarrafada, mesmo que seja água igual àquela que sai da torneira é como possuir uma mina de ouro. Outros, alguns outros, ditos novos empresários, terão descoberto que abrir um furo seria bem mais lucrativo. Vai daí, não precisaram pensar duas vezes. Abriram mesmo o furo. Em terreno, agora, ocupado por gado. Bem anda e bem se esforça o Ministério da Saúde. Para colocar fim a estes desmandos. Para defender os direitos do consumidor e a Saúde Pública. Mas, ao que parece, até ao momento sem grande êxito. Ou com relativo sucesso. É que, em certos casos, e pode ser o presente, não basta a multa. É necessário ir mais longe. É necessário mandar pôr fim à actividade. Por mais elevado que possa ter sido o investimento. A defesa da saúde não se compadece com medidas tímidas. Com meias medidas. O mesmo é dizer que mandar encerrar todas essas linhas de engarrafamento de água é um dever.
 
 
Há coisas, há atitudes e há comportamentos, que não podem ser atribuídas a pessoas de bom senso. Que não podem ser atribuídas a pessoas que estejam no seu perfeito juízo. Que não podem ser atribuídas a pessoas que se guiam, nas suas actividades empresariais, como se exige, por um código de honestidade. É que, ganhar dinheiro honestamente é uma coisa. Tentar enganar para roubar, é outra. E bem diversa. È que, no primeiro caso, está o empresário honesto. Que investe, trabalha, paga impostos e procura ter o seu lucro. No segundo, está o vigarista e o trambique. Aquele que nada produz e muitas vezes nada investe de seu. E, impostos também não paga. Mas que se diz, de si próprio, ser empresário. Mesmo quando, para evocar essa qualidade, teve de falsificar assinaturas de dirigente do Estado. Não importa a que nível. A verdade, é que falsificou. Onde chegámos!!!. Chegámos, exactamente, ao ponto de ter de saber uma coisa muito simples e muito clara. Continuamos numa guerra de comunicados, estilo agora dizes tu, agora digo eu,  ou foram tomadas medidas concretas. E, as medidas concretas e imediatas, entre outras, é mandar selar a tal linha de engarrafamento de água. É mandar retirar do mercado toda a água por si engarrafada. É proibir esta suposta empresa, e outras,  de continuarem a colocar água no mercado. E é, levá-la a Tribunal por crime de falsificação de assinatura de dirigente do Estado. E, de crime contra a Saúde Pública. Tenhamos a coragem de não nos deixar amedrontar pelos vigaristas. Sendo verdade que vigarista é sempre vigarista. 
  
  
 

domingo, julho 11, 2004

Publiado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 11 de Julho, 2004

antes e depois

Luís David


Cuidado


Já lá vão muitos anos, muitos mesmo, o número de funcionários era dois. Depois, passou a um. A capacidade e o espaço físico para atender o público consumidor foi reduzido. Em cinquenta por cento. Depois, alguém terá pensado que esta coisa de funcionário recebedor e consumidor poderem olhar-se de frente, não seria muito higiénico. Vai daí, terá imaginado que colocar um vidro entre ambos seria a fórmula ideal para evitar a passagem de bacilos. E, logo, cortar pela raiz qualquer hipótese de contaminação via oral. Só que, hoje, passados que são muitos anos, lá permanecem as ripas de madeira de pinho. Toscas e mal ajeitadas. O vidro, talvez por ser caro, nunca chegou a ser colocado. Também é de há muitos anos, a memória de as facturas apresentadas a pagamento receberem certificação mecânica. Depois, as máquinas avariaram, foram avariando. Em sua substituição, registou-se um recuo para o milénio anterior. Isso mesmo. Um ou uma funcionária diligente, mas, repetidamente, sonolentos e, por certo, muitas vezes cansados, lá vão manuscrevendo os recibos. Com a consequente perda de tempo para quem vai pagar. Trocos, isso é coisa que não existe. Quem leva dinheiro trocado paga e sai. Quem não leva, espera, em bicha, como nos tempos do racionamento, pelos trocados de alguém. Naturalmente, qualquer semelhança entre o que fica descrito e o que se passa nos postos de cobrança da empresa Águas de Moçambique é pura realidade. Daí, aqui chegados, as saudades que guardamos do tempo em que o engenheiro Miguel Alves dirigia a Empresa. Do tempo em que Empresa se escrevia com letra maiúscula.


Na sua edição de 6 do corrente mês, o jornal “Notícias” abre a primeira página com um texto a sete colunas (o máximo da largura) e título a cinco. E isto para nos informar que na cidade de Maputo, Condóminos assinam contratos com “Águas”. E, quantos assinaram? As primeiras linhas da prosa, presumivelmente encomendada e, como tal, paga, são esclarecedoras: Pelo menos dois condomínios da capital já formalizaram os seus contratos de fornecimento de água aos espaços comuns dos seus prédios junto à empresa Águas de Moçambique (AdeM). Que maravilha. Que pérola jornalística. Verdadeiramente digna de figurar no livro dos recordes da burrice e da estupidez. Não nos esqueçamos que estamos numa cidade com cerca de dois milhões de habitantes. E com muitas dezenas, talvez centenas, de edifícios que a APIE diz, sem conseguir provar, que são condomínios. Mas, não nos deixemos distrair. Um director da tal empresa, que por questão de respeito evito citar o nome, disse e o matutino faz-se eco: São condições indispensáveis para a celebração do contrato (...) uma factura antiga para a localização do cadastro, uma carta da APIE que formaliza a transferência de responsabilidades para o condomínio, uma carta da comissão de moradores e fotocópia autenticada da pessoa (sic) responsável pela assinatura. Ora, podendo parecer que estas exigências são exageradas, podem não o ser. Por certo, nem o são. É que fosse eu gestor da Águas de Maputo e, como tal, tivesse um vencimento mensal de muitos milhares de dólares norte-americanos, haveria de exigir muito mais. Para garantir que... Mesmo sem perceber nada de qualidade de água. Menos, ainda de gestão da empresa fornecedora do chamado “precioso líquido”. Haveria eu, como gestor e para minha defesa, de exigir que, para além do já dito, fosse obrigatório apresentar certidão de registo criminal, certificado de vacina contra a cólera, documento comprovativo de ter cortado as unhas dos pés e da vacina dos cães que, eventualmente, possa ter em casa. E, também, documento comprovativo de não ser portador de HIV/SIDA. A captação, a distribuição e venda de água é assunto demasiado sério. Para ser deixado ao critério de empresas estrangeiras. Geridas por interesses colonialistas. Cuidado.

segunda-feira, julho 05, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Julho 4, 2004

antes e depois

Luís David

uma situação primária de distribuição da riqueza


Parece ter tido, finalmente, decisão definitiva a construção da catedral da IURD, em Maputo. Melhor dizendo, da não autorização para a construção e da chamada catedral. E, da chamada catedral, porque isto de construir uma catedral não é para todos. Não é para quem quer. Porque o termo catedral tem um significado, preciso, exacto, que nenhum dígito pode comprar. Abreviando, a Assembleia Municipal decidiu não autorizar a construção da referida chamada catedral na Avenida Julius Nyerere. Recuando, um pouco, no tempo, teremos de colocar uma outra questão. O conjunto de construções que existiam no local estavam ou não classificada como património cultural edificado da cidade de Maputo. Faziam ou não faziam parte da história da cidade de Maputo. Parece que sim. O bom senso manda dizer que sim. Daí, a dificuldade em entender-se a persistência com que o antigo presidente municipal continua a vir a público defender a legalidade da obra. Poderá ter recebido não um, nem dois, nem três, mas muitos relógios de ouro. Já agora, e porque todos sabemos que as perguntas não incomodam mas que o que incomoda são as respostas, deixemos mais algumas questões. E, estas, são para saber como e em que condições parte dos terrenos do antigo viveiro municipal foram alienados. Como foram concedidos os terrenos, igualmente para construção, do chamado “caracol”. Por fim, fazendo eco das más línguas cá do burgo, seria importante saber como e em que condições foram concedidos os terrenos na Baixa da cidade, em frente ao antigo bairro da Marinha, para a construção de um centro comercial. Verdade ou mentira, consta que naqueles terrenos existem, subterradas, construções com valor arqueológico. O que terá motivado que, até tempos recentes, nunca tenha sido autorizada qualquer construção no local. Sem dúvida, questões interessantes para a brigada anti-corrupção investigar. Confiemos que sim.



É notório o esforço que está a ser desenvolvido pelos actuais gestores municipais. No sentido de alterar a situação que herdaram. E, o que herdaram é pior do que mau. Não se trata, por conseguinte, de partir do que havia sido feito e avançar, construir, fazer mais e melhor. Trata-se, em muitas áreas, de ter destruir o que foi feito ou deixado fazer. Em outras, de partir do zero, de partir do nada, e fazer alguma coisa. E, quando se parte do zero, alguma coisa, pouca que seja, é sempre muito. Sinais de trabalho, existem. Valas de drenagem, aumento da frota de viaturas para recolha do lixo, limpeza de sarjetas, desde há anos entupidas, alteração de alguns locais de paragem dos chamados e indisciplinados “chapas”, tentativas para disciplinar vendedores, e por aí em diante. Sem esquecer a construção de novos passeios – parece que desta vez o cimento não foi roubado, como aconteceu, em tempos idos, na Karl Max – e a criação de espaços ajardinados em várias outras artérias. Tudo isto, exige trabalho e necessita dinheiro. Falando de dinheiro, torna-se importante saber se e quanto rendem ao Município todos esses espaços de estacionamento privados em diferentes artérias e todos esses painéis publicitários. É que, ou pagam, e pagam bem, sendo essa receita gerida e distribuída em benefício de todos ou, caso não, caso não paguem, torna-se necessário começar a pensar na inutilidade da sua existência. Sem ter de ir mais longe, sem ter de elaborar mais, estamos perante uma situação primária de distribuição da riqueza.

domingo, junho 27, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 27 de Junho de 2004

antes e depois

Luís David

As épocas de eleições são propícias à criação de factos políticos


Moçambique entrou no ano trinta da sua independência. Como país. Como Estado. Não, como nação. Todos sabemos que, em alguns países, a formação da nação é anterior ao Estado. Mas, na generalidade, é posterior. E, é este o caso do nosso país. Em que a criação do Estado antecede a construção da nação, ainda em processo de formação. Um processo que poderá ser mais ou menos longo. Mais ou menos difícil. Com mais ou menos traumas para alguns, para alguns muitos. Isto percebe-se e é, por vezes, nítido a partir da análise de certo tipo de discurso político. Em que é notória, em que se pode considerar como terrivelmente notada a falta de capacidade de pensar moçambicano. De ser e de agir moçambicano. Porque ser e agir moçambicano não é processo automático. Não resulta do simples facto de se haver nascido em Moçambique. Fosse assim, à data da sua independência, todos os países seriam nações. A verdade é que o não foram e, muitos, décadas passadas, o não são. Ser país, entrar naquilo a que se costuma chamar a comunidade das nações, é mera questão administrativa. É uma questão convencional. Um país, cria-se a partir, no mínimo, nos tempos modernos, de duas assinaturas. Uma nação vai sendo construída. Progressivamente. Paulatinamente. Sem pressas. Com base no respeito, na aceitação e na tolerância pelas diferenças. Com base no entrosar dos mais diversos interesses. A começar pelos de propriedade e económicos. Sem perder de vista e tendo por perto os culturais. No sentido lato da palavra.

Possa ou não parecer, quando se entra no ano trinta da independência, construir e consolidar a nação moçambicana terá de constituir e continuar a ser um objectivo nacional. Poderá não ser o único. Mas, pode ser considerado o primeiro. Outro objectivo e, talvez de não menor importância, é o de distribuir, equitativamente, a riqueza. É a forma de como distribuir a riqueza e a pobreza. Porque ambas são passíveis de ser distribuídas. De forma equitativa, mais justa. Agora, assistir ou não assistir a jogos de futebol que se disputam lá pela Europa não é, nem nunca poderá ser considerado, um problema nacional. È, apenas apontar um problema que, podendo sê-lo para alguns, não tem a dimensão nacional. Poderá, até não passar da criação de um simples facto político. Ou da tentativa de o criar. Muito provavelmente, se em vez de um Euro estivéssemos a falar de um Afro, voz alguma se faria ouvir. Ou, estivesse este Euro a ser disputado em país diferente daquele em que está menores ou nenhum seriam os reparos. Agora, estando a ser disputado onde está a questão já parece tornar-se mais complicada. Para alguns. Seja como for, não estamos, claramente, perante um problema nacional. Estamos perante um facto político. O que é normal em época de eleições. As épocas de eleições são propícias à criação de factos políticos.









domingo, junho 20, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 20 de Junho, 2004

antes e depois

Luís David


Queremos diálogo entre moçambicanos


Muito bem. Obviamente que sim. Que todos estamos predispostos para o diálogo. Que todos estamos dispostos a dialogar sobre a melhor forma de gerir ou de gestão das áreas comuns dos condomínios. Aliás, trata-se de um desejo manifestado repetidamente. Assim, é de saudar a posição divulgada, esta semana, publicamente, pelo Governo. Através do Ministério das Obras Públicas e habitação. É que, afinal, esta é a posição que lhe conhecíamos de muitos anos atrás. Pena é, isso sim, que não tenha sido dada continuidade a um processo iniciado com base na confiança mútua, na sinceridade, na harmonização de interesses. Pena é, também, que tenham passado vários anos sem nada se fazer. Sem nada ter sido feito. Anos de um vazio absoluto. Ou, talvez não. Talvez tenham sido anos que alguns aproveitaram para sugar as últimas gotas de leite da teta da vaca. Uma vaca velha de idade, decrépita, moribunda. Uma vaca que, desde há muitos anos, dera o que lhe era possível dar. Por isso, por todo este processo de tentar sacar à vaca um leite que ela já não podia dar, foi um tempo perdido. Foi um tempo perdido, inútil e maldosamente, no processo de organização dos condomínios. E, como todos sabemos, o tempo perdido não se pode recuperar. O tempo passado, é, sempre, tempo passado. Da mesma forma que, nas revoluções não é possível “queimar” etapas. Tudo tem o seu tempo. Tudo tem o seu ritmo.


Concordemos, pois, que todos estamos predispostos para o diálogo. Mas, há, existe, porém, uma questão que não parece de menor importância. É que, quando se fala em diálogo é necessário que haja duas ou mais pessoas ou entidades dispostas ao diálogo. O diálogo não é um processo de sentido único. Unilateral. O diálogo é um processo de sentido bi ou multilateral. E a APIE não é, hoje, como não o é, desde há muitos anos, um parceiro de diálogo das Comissões de Moradores. A APIE é, simplesmente, um condómino, como o são muitas dezenas de milhares de cidadãos moçambicanos que compraram as suas casas ao Estado. A APIE não tem mais nem menos direitos, não tem mais nem menos poderes sobre a propriedade imobiliária registada em seu nome. Ainda pertença do Estado. Sabe e reconheceu esta filosofia o Ministério das Obras Públicas e Habitação. Daí o ter criado um Gabinete para gerir os interesses em conflito. Um Gabinete dotado, à data da sua criação, de engenheiros, de arquitectos e de outros técnicos qualificados. Que se deslocaram a mais de uma dezenas de prédios da cidade de Maputo onde, na presença das Comissões de Moradores, fizeram um levantamento dos problemas e das deficiências dos edifícios para, posterior, reparação a custas do Estado. As Comissões de Moradores organizadas são muito anteriores à actual direcção da APIE. Com elas, com essas Comissões de Moradores, já dialogava o Ministério das Obras Públicas e Habitação antes de a actual direcção da APIE ter chegado ao poder. É, portanto, falsa e não passa de mentira barata a mensagem que a directora do APIE da cidade de Maputo anda a tentar fazer passar. Ao dizer que as Comissões de Moradores tiveram cinco anos para se organizarem e não se organizaram. Perguntemos, então, nós, o que fez a APIE nestes últimos cinco anos. A resposta só pode ser nada. Ou, então, que vendeu e alienou áreas pertencentes aos espaços comuns dos edifícios. Em prejuízo dos condóminos. E que continua a receber rendas de outros espaços que cedeu ilicitamente. Ilegalmente. Sejamos claros e para finalizar: Diálogo sim, diálogo com corruptos e com representantes dos interesses neocoloniais, não. Diálogo com fascistas, não. Queremos diálogo entre moçambicanos.



domingo, junho 13, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 13 de Junho, 2004

antes e depois

Luís David


assumam “apagão”

Há determinadas questões, determinadas afirmações, que considero deselegante divulgar publicamente. Porque discutidas ou feitas em reunião ou em ambiente privado. Em ambiente restrito ou que se possa considerar como restringido no sentido de limitado a quem nelas participou e a quem nelas teve, de alguma forma, influência. Porém, se perante um acordo tácito, um acordo de cavalheiros e, logo, não escrito, uma das partes viola as regras do jogo, à outra parte assiste todo o direito de quebrar as regras desse jogo. Podendo divulgar, então, se assim o entender, o que lhe possa parecer mais útil e mais utilitário, podendo divulgar tudo o que, parecendo não dever ser público, o deve ser para defesa dos interesse de uma maioria. Da maioria. Democraticamente escrevendo. Ou seja, do interesse público. Creio não ser este, nem ainda, o momento nem o espaço, para fazer qualquer consideração sobre o posicionamento do Ministério das Obras Públicas e Habitação sobre os problemas que lhe foram colocados, há muitos anos, pelas Comissões de Moradores da cidade de Maputo. Porque aceite como correcto na altura é, hoje, absolutamente insustentável. De forma clara e objectiva, vamos ter de recolocar o problema de forma simples. Então, é assim: Ou o Ministério das Obras Públicas e Habitação considera que tomou uma posição correcta e mantém a posição que tomou. Nesse caso demite a direcção do APIE da cidade de Maputo, por contrariar a sua decisão. Ou, em alternativa, o Ministério das Obras Públicas e Habitação considera que tomou uma decisão errada e lesiva aos interesses do Estado e dos cidadão e, então, demite-se, em bloco. O que não queremos, mais, é de ter viver, de pautar a nossa vivência diária, entre um sorriso do ministro, que a tudo diz que sim, e uma decisão unilateral, de sentido contrário. De uma simples directora provincial. Ou de Cidade. E, convenhamos, cidade com letra maior tem um certo peso.



A Águas de Maputo, empresa que se diz fornecer-nos o precioso líquido, bastou receber um “bip” arlanzado e logo começou a cortar a água em áreas comuns dos prédios. Cortou. Muitos prédios da capital do país estão sem água nas áreas comuns. Assim o decidiu uma empresa geridas por estrangeiros. Assim o decidiu uma empresa dirigida por interesse colonialistas. Por uma empresa que presta demasiados maus serviços a Moçambique para que ainda possa continuar a operar em Moçambique. Mas, a verdade, é que continua. Porquê, ninguém sabe. Será, hipoteticamente, porque os interesses coloniais são mais poderosos do que os interesses nacionais. Aparentemente sim. Assim sendo, é fácil prever um cenário futuro. Aquilo que a RENAMO não conseguiu durante a guerra, poderão conseguir a APIE e a EDM no próximo 25 de Junho. Vão conseguir funcionários menores da APIE e da EDM: Decidiram-se pelo “apagão”. Então, assumam “apagão”.

domingo, junho 06, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 6 de Junho de 2004

antes e depois

Luís David


Moçambique também tem água mineral


Um dos problemas mais dramáticos, em África, de um modo geral, é o do acesso à água. E, Moçambique, como país africano, confirma a regra. Por um lado, são as longas distâncias que é necessário percorrer para obter um mínimo de quantidade de água. Por outro, conseguir obter água com um mínimo de qualidade. Água com qualidade para o consumo humano. Água potável. E sem custos ou, no mínimo, a um preço acessível. A questão da falta de água, da escassez de água, não era, e provavelmente ainda não deixou de ser, um fenómeno exclusivamente rural. É também, sempre foi, uma questão, um problema urbano. Talvez mais correctamente, suburbano. Estamos recordados, certamente, muitos de nós, do que sucedia antes da independência. E, certamente, também já no depois. Quem queria ter água e tinha possibilidades económicas, mandava abrir um furo no quintal da sua residência ou nos terrenos anexos à cantina. Depois, sem necessidade de qualquer tipo de publicidade, esperava que os vizinhos mais necessitados de água lhe fossem bater à porta. E, aproveitava para fazer negócio. Vendia água em latas de vinte litros. Ao preço que pretendia. Reclamações sobre o valor cobrado e a qualidade seriam poucas. As autoridades da época diziam ser um negócio ilegal. Mas, para além de uma posição mais agressiva contra um ou outro cantineiro de quem não gostassem, ficavam-se, sempre, por uma posição contemplativa.


Recentemente, há poucas semanas, assistimos, todos, ao despoletar de uma polémica sobre a qualidade de certas marcas de água que é engarrafada e vendida em Moçambique. E, quando seria de esperar que as diferentes associações, ditas de defesa do consumidor, viessem a público dar a conhecer a sua posição, dizer se as águas em questão podem ou não ser consumidas como boas, assistimos ao silêncio. Da mesma forma que terá passado quase despercebida a posição do Ministério da Saúde sobre a matéria. Poderá, certamente, haver razões ou interesses económicos outros para que assim tenha sido necessário acontecer. Mas, recuemos, mais uma vez, no tempo e recordemos. Quando, em meados de década de setenta, a empresa que explorava a água da Namaacha pretendeu desenvolver o negócio e, para o efeito fazer publicidade, mandou realizar todo um conjunto de análises laboratoriais. Na expectativa de que a água tivesse alguma qualidade excepcional. Mas não tinha. E, certamente, também hoje não tem. Era, segundo as análises da época, bacteorologicamente pura. O que já não era mau. E que será uma qualidade que conserva. Ao que se sabia na época, não havia em Moçambique água mineral. Hoje, parece haver. É que, para além de tantas águas, que se diz colhidas na fonte e transportadas em cisternas para o local de engarrafamento, uma é engarrafada nas Montanhas de Goba. E, mais se diz, nos jornais, é mineral. A não ser água mineral, estaremos perante um caso de publicidade enganosa. A ser água mineral, e é bom provar que o é, ficaremos todos muito satisfeitos. É que Moçambique também tem água mineral.



segunda-feira, maio 31, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 30 de Maio 2004

antes e depois

Luís David

uma maneira saloia de fazer agitação social


No dia 22 de Junho de 1999, a Comissão de Economia, Turismo e Zonas Verdes da Assembleia Municipal de Maputo, reuniu para examinar “o contencioso entre as Comissões de Moradores da cidade e a APIE”. Contencioso esse, resultante do anúncio, datado de 6 do mês anterior, publicado na imprensa local e através do qual, era feito o apelo às CM para estabelecerem contratos com as empresas de água e de luz. Presentes ao encontro, directores e seus adjuntos das referidas empresas e da APIE. Sem entrar em detalhes, mas seguindo de perto a acta então produzida, assinada por José Chichava, actual Ministro, e por Carlos Cardoso, já falecido, importa recordar que “o encontro produziu consenso quanto ao seguinte: Não estão reunidas todas as condições legais para as comissões de moradores poderem ser entidades com personalidade jurídica, pelo que qualquer contrato por elas estabelecido não tem sustentabilidade legal”. Com base neste e outros considerandos, o encontro produziu, por consenso, algumas recomendações, entre as quais a de que o anúncio da APIE seja revogado de modo a permitir que se mantenham válidos os seus contratos com a ADM e a EDM relativos aos espaços comuns dos edifícios, que a EDM inicie a curto prazo o estudo da possibilidade de distribuir os gastos comuns equitativamente por todos os fogos de um edifício (...), e que, enquanto a solução anunciada no ponto 2 não for concretizável, a APIE reuna o mais cedo possível com as comissões de moradores para encontrarem, em conjunto, a melhor forma de os moradores dos prédios começarem a pagar mensalmente à APIE a parte que lhes cabe das despesas comuns com água e electricidade. Para que fique bem claro, nunca esteve em causa o princípio de os condóminos pagarem as despesas com água e energia dos espaços comuns. O que sempre esteve, e ainda hoje continua a estar, é a forma, o processo e o método como tal deve ser feito. E é, também, a forma como o condómino APIE procura relacionar-se com todos os milhares de condóminos da capital do país. Colocando-se numa posição de superioridade e furtando-se, sistematicamente ao diálogo. Não tem, claramente, a APIE capacidade de diálogo nem serenidade, menos ainda seriedade para, em posição de igualdade, discutir problemas que também são seus. Que são, sobretudo seus. Porta-se a APIE hoje, sobretudo hoje mas objectivamente durante os últimos anos, como se comportava o patrão na era colonial. E, esta postura é, de todo, inaceitável. Inadmissível.


Em carta datada de 20 do mês em curso, dirigida às Comissões de Moradores, vem a directora do APIE da cidade de Maputo informar que a gestão dos Condomínios, incluindo o pagamento dos consumos de água e energia das partes comuns, é transferida para os condóminos. Ninguém, certamente que ninguém, contesta o dever de pagar o que é seu dever pagar. O que está em questão, isso sim, são os argumentos que pretendem sustentar a decisão. Que são falsos. A dívida da APIE à EDM não resulta, certamente, da introdução do SISTAFE. É anterior, no tempo. Mas, deixemos estes e outros considerandos para próxima oportunidade. Coloquemos, apenas, algumas dúvidas. Para saber qual o motivo pelo qual o segundo aviso de corte de água e de energia às áreas comuns ocorre precisamente cinco anos depois do primeiro. Nem mais nem menos um dia. E, porquê que só acontece cerca de cem dias depois de Eneas Comiche ter iniciado a sua governação. E, porquê que abrange, única e exclusivamente, a cidade de Maputo e não todo o país. Mais, mas por último, qual o motivo pelo qual a decisão da APIE da cidade de Maputo foi tomada num período de pré-campanha eleitoral, a poucos meses das próximas eleições gerais. E, numa ocasião em que a capital moçambicana é palco de sucessivas reuniões internacionais. As respostas podem ser muitas. E serão. Deixemos a nossa hipótese de resposta. Trata-se de uma maneira saloia de fazer agitação social.



terça-feira, maio 25, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 23 de maio de 2004

antes e depois

Luís David

um acto de coragem


Poucas são as coisas que surpreendem. Pela positiva e neste país. Um país desgastado e descrente. Não por não ter motivos para crer. No sentido de acreditar. Mas, por tanto e tantas vezes lhe tentarem fazer acreditar que o que parece é. Quando muitas das vezes, quem sabe se na maioria das vezes, o que parece não é. É que o que é, é. E, o que é, de facto, é que o tal de Aníbal mais uma vez, pela segunda vez, saiu da prisão onde cumpria pena pesada. E, se saiu, como tudo indica que saiu, é porque foi deixado sair. Ou foi mandado sair. Parece, aqui, poder-se concluir que o que parece não é. Que estamos perante uma situação em que o que parece não é. E o que parece, ou se diz que é, é a BO ser uma cadeia de máxima segurança. Mas, não é. Está comprovado que não é. Porque não há cadeias de máxima segurança sem guardas da máxima confiança. O que há, todos o sabemos, são cadeias dotadas de meios de segurança e de vigilância mais sofisticados do que outras. Mas, não há nem pode haver cadeias de máxima segurança quando ou enquanto houver poderes que parecem sobrepor-se ao Poder. Dito de outra forma, poderes, aparentemente, paralelos. E, isto, sem que o Poder seja abalado, beliscado. Sem que o Poder se sinta ameaçado. E, aqui, então, o que parece, é. Ou, se não é, parece ser.


Em menor número, talvez, mas também há algumas que nos surpreendem pela positiva. Que nos levam a acreditar que este país, podendo parecer descrente, tem suficientes motivos para crer. E que possui uma significativa reserva moral para poder acreditar. Que há uma reserva moral que sabe colocar interesses colectivos acima de mesquinhos interesses pessoais. É nesta linha de pensamento que não pode passar sem referência, nem sem registo, a decisão do Conselho Municipal de Maputo. No sentido de mandar suspender as obras da chamada Catedral da IURD, em plena Avenida Julius Nyerere. Autorizadas, vá lá o comum dos cidadãos querer saber a troco de quê ou de quanto, pelos anteriores gestores municipais. A decisão tomada, esta semana, é, sem sombra de dúvida, aquilo a que se pode chamar uma “pedrada no charco”. No charco das águas turvas e putrefactas em que a capital do país estava a ser submersa. Em que foi mergulhada por pessoas sem moral nem escrúpulos, por gestores incompetentes e, bem pior que isso, corruptos. Claramente, ter mandado embargar as obras da dita Catedral da IURDE não resolve os muitos problemas da cidade de Maputo. Resolve um. Apenas um. Muitos outros, muitas outras decisões anteriores, necessitam análise cuidada. Necessitam, sobretudo, ser vistas numa perspectiva de abuso do poder e de má gestão. Para não ir mais além. E, esse mais além, é o de uma gestão corrupta. É preciso dar tempo ao tempo. Para já, é de justiça afirmar que travar a construção da dita obra trata-se de um acto de coragem.