segunda-feira, maio 31, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 30 de Maio 2004

antes e depois

Luís David

uma maneira saloia de fazer agitação social


No dia 22 de Junho de 1999, a Comissão de Economia, Turismo e Zonas Verdes da Assembleia Municipal de Maputo, reuniu para examinar “o contencioso entre as Comissões de Moradores da cidade e a APIE”. Contencioso esse, resultante do anúncio, datado de 6 do mês anterior, publicado na imprensa local e através do qual, era feito o apelo às CM para estabelecerem contratos com as empresas de água e de luz. Presentes ao encontro, directores e seus adjuntos das referidas empresas e da APIE. Sem entrar em detalhes, mas seguindo de perto a acta então produzida, assinada por José Chichava, actual Ministro, e por Carlos Cardoso, já falecido, importa recordar que “o encontro produziu consenso quanto ao seguinte: Não estão reunidas todas as condições legais para as comissões de moradores poderem ser entidades com personalidade jurídica, pelo que qualquer contrato por elas estabelecido não tem sustentabilidade legal”. Com base neste e outros considerandos, o encontro produziu, por consenso, algumas recomendações, entre as quais a de que o anúncio da APIE seja revogado de modo a permitir que se mantenham válidos os seus contratos com a ADM e a EDM relativos aos espaços comuns dos edifícios, que a EDM inicie a curto prazo o estudo da possibilidade de distribuir os gastos comuns equitativamente por todos os fogos de um edifício (...), e que, enquanto a solução anunciada no ponto 2 não for concretizável, a APIE reuna o mais cedo possível com as comissões de moradores para encontrarem, em conjunto, a melhor forma de os moradores dos prédios começarem a pagar mensalmente à APIE a parte que lhes cabe das despesas comuns com água e electricidade. Para que fique bem claro, nunca esteve em causa o princípio de os condóminos pagarem as despesas com água e energia dos espaços comuns. O que sempre esteve, e ainda hoje continua a estar, é a forma, o processo e o método como tal deve ser feito. E é, também, a forma como o condómino APIE procura relacionar-se com todos os milhares de condóminos da capital do país. Colocando-se numa posição de superioridade e furtando-se, sistematicamente ao diálogo. Não tem, claramente, a APIE capacidade de diálogo nem serenidade, menos ainda seriedade para, em posição de igualdade, discutir problemas que também são seus. Que são, sobretudo seus. Porta-se a APIE hoje, sobretudo hoje mas objectivamente durante os últimos anos, como se comportava o patrão na era colonial. E, esta postura é, de todo, inaceitável. Inadmissível.


Em carta datada de 20 do mês em curso, dirigida às Comissões de Moradores, vem a directora do APIE da cidade de Maputo informar que a gestão dos Condomínios, incluindo o pagamento dos consumos de água e energia das partes comuns, é transferida para os condóminos. Ninguém, certamente que ninguém, contesta o dever de pagar o que é seu dever pagar. O que está em questão, isso sim, são os argumentos que pretendem sustentar a decisão. Que são falsos. A dívida da APIE à EDM não resulta, certamente, da introdução do SISTAFE. É anterior, no tempo. Mas, deixemos estes e outros considerandos para próxima oportunidade. Coloquemos, apenas, algumas dúvidas. Para saber qual o motivo pelo qual o segundo aviso de corte de água e de energia às áreas comuns ocorre precisamente cinco anos depois do primeiro. Nem mais nem menos um dia. E, porquê que só acontece cerca de cem dias depois de Eneas Comiche ter iniciado a sua governação. E, porquê que abrange, única e exclusivamente, a cidade de Maputo e não todo o país. Mais, mas por último, qual o motivo pelo qual a decisão da APIE da cidade de Maputo foi tomada num período de pré-campanha eleitoral, a poucos meses das próximas eleições gerais. E, numa ocasião em que a capital moçambicana é palco de sucessivas reuniões internacionais. As respostas podem ser muitas. E serão. Deixemos a nossa hipótese de resposta. Trata-se de uma maneira saloia de fazer agitação social.



terça-feira, maio 25, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 23 de maio de 2004

antes e depois

Luís David

um acto de coragem


Poucas são as coisas que surpreendem. Pela positiva e neste país. Um país desgastado e descrente. Não por não ter motivos para crer. No sentido de acreditar. Mas, por tanto e tantas vezes lhe tentarem fazer acreditar que o que parece é. Quando muitas das vezes, quem sabe se na maioria das vezes, o que parece não é. É que o que é, é. E, o que é, de facto, é que o tal de Aníbal mais uma vez, pela segunda vez, saiu da prisão onde cumpria pena pesada. E, se saiu, como tudo indica que saiu, é porque foi deixado sair. Ou foi mandado sair. Parece, aqui, poder-se concluir que o que parece não é. Que estamos perante uma situação em que o que parece não é. E o que parece, ou se diz que é, é a BO ser uma cadeia de máxima segurança. Mas, não é. Está comprovado que não é. Porque não há cadeias de máxima segurança sem guardas da máxima confiança. O que há, todos o sabemos, são cadeias dotadas de meios de segurança e de vigilância mais sofisticados do que outras. Mas, não há nem pode haver cadeias de máxima segurança quando ou enquanto houver poderes que parecem sobrepor-se ao Poder. Dito de outra forma, poderes, aparentemente, paralelos. E, isto, sem que o Poder seja abalado, beliscado. Sem que o Poder se sinta ameaçado. E, aqui, então, o que parece, é. Ou, se não é, parece ser.


Em menor número, talvez, mas também há algumas que nos surpreendem pela positiva. Que nos levam a acreditar que este país, podendo parecer descrente, tem suficientes motivos para crer. E que possui uma significativa reserva moral para poder acreditar. Que há uma reserva moral que sabe colocar interesses colectivos acima de mesquinhos interesses pessoais. É nesta linha de pensamento que não pode passar sem referência, nem sem registo, a decisão do Conselho Municipal de Maputo. No sentido de mandar suspender as obras da chamada Catedral da IURD, em plena Avenida Julius Nyerere. Autorizadas, vá lá o comum dos cidadãos querer saber a troco de quê ou de quanto, pelos anteriores gestores municipais. A decisão tomada, esta semana, é, sem sombra de dúvida, aquilo a que se pode chamar uma “pedrada no charco”. No charco das águas turvas e putrefactas em que a capital do país estava a ser submersa. Em que foi mergulhada por pessoas sem moral nem escrúpulos, por gestores incompetentes e, bem pior que isso, corruptos. Claramente, ter mandado embargar as obras da dita Catedral da IURDE não resolve os muitos problemas da cidade de Maputo. Resolve um. Apenas um. Muitos outros, muitas outras decisões anteriores, necessitam análise cuidada. Necessitam, sobretudo, ser vistas numa perspectiva de abuso do poder e de má gestão. Para não ir mais além. E, esse mais além, é o de uma gestão corrupta. É preciso dar tempo ao tempo. Para já, é de justiça afirmar que travar a construção da dita obra trata-se de um acto de coragem.

terça-feira, maio 04, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 2 de Maio de 2004

antes e depois

Luís David

à razões que a razão desconhece


Todos nós sabemos que a política é a arte, talvez a ciência, do possível. E, desnecessário se torna elaborar muito sobre a matéria. Por haver pouco a elaborar, por haver pouco mais do que nada a dizer. Temos de convir que as coisas são como são e não como gostaríamos que fossem. Num país como o nosso, dependente em grande escala da ajuda externa, logo condicionado a interesses múltiplos, afirmar que somos soberano em termos de decisões não passa de um engano. Talvez de uma de um desejo. De uma ilusão, quando não seja de uma utopia. Mas, daí, o mal a advir até pode ser menor. Temos, todos nós, no plano individual, o direito a ter e a manifestar os nosso desejos. As nossas utopias. Mas, atenção, cuidado. Há utopias e há utopias. E que esses desejos e essas utopias, no plano da realidade, não resultem em sacrifícios para muitos. E em benefício para poucos alguns. Poucos. Sobretudo, que não se tente tirar benefícios pessoais, mesmo de grupo, manipulando sentimentos de grupo. Ou colectivos. Até porque, como todos sabemos, tal procedimento nunca deu resultado nenhum. A não adiar soluções, decisões de fundo. Decisões realistas.



Tempos atrás, talvez alguns meses, Moçambique assinou a Convenção Antitabagismo das Nações Unidas. Decisão acertada. Até porque todos nós, fumadores ou não fumadores, estamos conscientes do perigo do cigarro, do fumo. Todos nós sabemos que são muitas as pessoas que morrem, em todo o Mundo, devido ao cigarro. Então ficámos à espera, aguardámos, com expectativa, pelas medidas no plano interno. E, o que vimos, a nível da capital do país, sejamos sinceros e verdadeiros, foi um crescente número de painéis publicitando diferentes marcas de cigarros. Nada e em momento algum apelo ou conselho para deixar de fumar. Sobre os perigos de fumar. Hoje, ficámos a saber que, próxima terça-feira, a Associação Moçambicana de Saúde Pública realiza, na Assembleia da República, um seminário integrado na sua luta de combate ao consumo de tabaco. É bom que sim. É bom que se assim o pensou, assim o faça. Porque, convenhamos, nada melhor do que começar por sensibilizar os deputados para os perigos do consumo do tabaco. Sem perder de vista, obviamente, que não é possível consumir aquilo que não foi produzido. E, como todos sabemos, hoje, em Moçambique produz-se tabaco em larga escala. Em Moçambique, hoje, é incentivada a cultura de tabaco. Em Moçambique, hoje, o tabaco é uma cultura de rendimento. E esta cultura de rendimento está a permitir uma significativa melhoria de vida aos seus produtores. Que até já conseguem construir casas melhoradas. Então, coloca-se o dilema: Como combater o consumo de tabaco sem eliminar a sua produção. Ou, dito de outra forma, se queremos combater o consumo porque incentivamos a produção. Sem dúvida, há razões que a razão desconhece.