terça-feira, maio 04, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 2 de Maio de 2004

antes e depois

Luís David

à razões que a razão desconhece


Todos nós sabemos que a política é a arte, talvez a ciência, do possível. E, desnecessário se torna elaborar muito sobre a matéria. Por haver pouco a elaborar, por haver pouco mais do que nada a dizer. Temos de convir que as coisas são como são e não como gostaríamos que fossem. Num país como o nosso, dependente em grande escala da ajuda externa, logo condicionado a interesses múltiplos, afirmar que somos soberano em termos de decisões não passa de um engano. Talvez de uma de um desejo. De uma ilusão, quando não seja de uma utopia. Mas, daí, o mal a advir até pode ser menor. Temos, todos nós, no plano individual, o direito a ter e a manifestar os nosso desejos. As nossas utopias. Mas, atenção, cuidado. Há utopias e há utopias. E que esses desejos e essas utopias, no plano da realidade, não resultem em sacrifícios para muitos. E em benefício para poucos alguns. Poucos. Sobretudo, que não se tente tirar benefícios pessoais, mesmo de grupo, manipulando sentimentos de grupo. Ou colectivos. Até porque, como todos sabemos, tal procedimento nunca deu resultado nenhum. A não adiar soluções, decisões de fundo. Decisões realistas.



Tempos atrás, talvez alguns meses, Moçambique assinou a Convenção Antitabagismo das Nações Unidas. Decisão acertada. Até porque todos nós, fumadores ou não fumadores, estamos conscientes do perigo do cigarro, do fumo. Todos nós sabemos que são muitas as pessoas que morrem, em todo o Mundo, devido ao cigarro. Então ficámos à espera, aguardámos, com expectativa, pelas medidas no plano interno. E, o que vimos, a nível da capital do país, sejamos sinceros e verdadeiros, foi um crescente número de painéis publicitando diferentes marcas de cigarros. Nada e em momento algum apelo ou conselho para deixar de fumar. Sobre os perigos de fumar. Hoje, ficámos a saber que, próxima terça-feira, a Associação Moçambicana de Saúde Pública realiza, na Assembleia da República, um seminário integrado na sua luta de combate ao consumo de tabaco. É bom que sim. É bom que se assim o pensou, assim o faça. Porque, convenhamos, nada melhor do que começar por sensibilizar os deputados para os perigos do consumo do tabaco. Sem perder de vista, obviamente, que não é possível consumir aquilo que não foi produzido. E, como todos sabemos, hoje, em Moçambique produz-se tabaco em larga escala. Em Moçambique, hoje, é incentivada a cultura de tabaco. Em Moçambique, hoje, o tabaco é uma cultura de rendimento. E esta cultura de rendimento está a permitir uma significativa melhoria de vida aos seus produtores. Que até já conseguem construir casas melhoradas. Então, coloca-se o dilema: Como combater o consumo de tabaco sem eliminar a sua produção. Ou, dito de outra forma, se queremos combater o consumo porque incentivamos a produção. Sem dúvida, há razões que a razão desconhece.