segunda-feira, maio 30, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Maio 29, 2005

antes e depois

Luís David


acabar com alguns equívocos


Muitas das vezes, até podemos não nos aperceber disso. Mas, acontece. Acontece sermos surpreendidos por uma palavra, por uma expressão nova. Outras, não sendo nova a palavra, ela é, começa a ser, utilizada para tentar definir realidades e situações diferentes. Diferentes daquelas que, anteriormente, definia. Digamos que as palavras são como o vestuário. Têm as suas épocas, passam por modas. Por vezes, talvez muitas vezes, as palavras que hoje parecem novas nem o são tanto assim. Estavam, porventura, esquecidas, adormecidas. Haviam caído em desuso, digamos. Haviam sido substituídas por outras palavras, digamos que mais modernas, para expressar a mesma realidade. Mas, de quando em quando, de longe em longe, de tempos em tempos, surge quem tem a ideia de trazer essas palavras esquecidas, adormecidas, mas não mortas, para o nosso comunicar de todos os dias. Precisamente, por a palavra, nenhuma palavra, morrer. E, é assim, ao que se pensa, que algumas palavras antigas surgem e parecem ser hoje moda. Bastou que alguém, bastou que um qualquer atrevido pouco respeitador de convenções gramaticais, lhes vestisse nova roupagem, lhes desse novo sentido, diferente utilidade. Acontece, então, vezes sem limite, cada um repetir a palavra nova ou que havia caído no esquecimento, sem saber o que ela significa. Muito menos o motivo pelo qual a está a utilizar.


Em tempos recentes, a nossa falácia, a nossa comunicação, a nossa necessidade de nos comunicarmos, passou a integrar duas novas expressões. Ou que, podendo não ser novas, foram feitas moda. Muito pomposamente, todos falamos de sociedade civil. Também gostamos, sempre que para tal temos oportunidade, de nos referirmos, às comunidades locais. O que uma e outra expressão significam, parece que ninguém está interessado em explicar. Ninguém sabe, exactamente, na nossa realidade concreta, onde começa e onde acaba a dita sociedade civil. Como não menos equívoco pode ser aquilo que se pretende apresentar como comunidades locais. Mas, diferentes actores nos processos, parecem confortados na nebulosa. Sem perceberem, sem se aperceberem, ou mesmo percebendo que, à partida, há o risco de se estar a cair no erro de atribuir conteúdos ideológicos a certas expressões. Quando elas o não possuem. Nem podem possuir. Assim, clarificar o que se entende por sociedade, civil apresenta-se como uma necessidade. Da mesma forma que parece inequívoco que todas as comunidades são locais. Pelo simples motivo de não poder haver comunidade sem lugar, sem local. Mesmo que possa estar a plagiar ideia de Alexandre Melo, quando citou, em “Globalização da Cultura”, que a cultura é sempre a cultura de um lugar e de uma comunidade ligada a esse lugar. Parece, pois, ser tempo de acabar com alguns equívocos.
Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Maio 22, 2005

antes e depois

Luís David

Salazar está vivo e vive em Moçambique

Há quem afirme que a história se repete. Podendo ser que não, em Moçambique a história parece repetir-se. Possam os actores, de ontem e de hoje, ser diferentes. Ontem, passam poucas semanas, aconteceu na fronteira do sul, na fronteira com a África do Sul. Eram camiões que transportavam material bélico, classificado como sucata. Hoje, há poucos dias, escrevia o “Notícias”, a toda a largura da sua primeira página, que Simulados de sucata em contentores “Artefactos de guerra descobertos em Nacala”. E, acrescentava tratar-se de granadas, roquetes, bazucas e peças de aviões de combate. Admitamos, para não ficarmos como ingénuos, que para além destas duas tentativas frustradas para fazer sair, ilegalmente, do país material de guerra, outras operações poderão ter tido sucesso. Mas, atenhamo-nos apenas nestas duas últimas. Por serem as mais recentes. E por serem, em quase tudo, iguais. Por a única diferença entre ambas ser a via de saída. Por terra no sul, por mar no norte. De resto, para além disto, nada mais foi dito, nada mais foi divulgado. Não se conhece, nem num nem noutro caso, a quantidade do material que foi tentado fazer sair do país. Logo, não é possível saber o seu valor no mercado negro internacional. Também não se conhece o nome do exportador, como não se conhece o nome do destinatário. Como não se conhecem nomes de, possíveis, intermediários. Como os contentores não têm pés para andar por si próprios, nem cérebro, nem memória artificial, afigura-se como sendo um acto de inteligência divulgar quem os fez chegar aos locais onde foram detectados.


No mesmo jornal “Notícias”, da mesma sexta-feira última, pode ler-se que no bairro Militar, vulgo “Colômbia”, foram “Identificadas 15 residências usadas para o tráfico de droga”. Afinal, e isso parece já ser bom. Ficámos todos a saber o número de residências onde se vende e compra droga. Mas, também aqui, não sabemos quais são as residências. Como não sabemos quem compra mas, fundamentalmente, quem vende a droga. Muito menos as medidas tomadas para acabar com o negócio. Negócio, sem dúvida ilegal. Como continuamos a não saber os nomes dos destinatários da droga, que se diz ter sido transportada em diferentes partes do corpo, aprendida mulheres vindas do Brasil. Podem pensar alguns pensantes, e pensam quase de certeza, que ao permitirem que se diga que aqui, que aqui em Moçambique, há tráfico de drogas e de armas, já podemos dormir todos descansados. Mas, convenhamos que não. Convenhamos que não pode ser assim. Que não pode, nem deve, ser exactamente assim. Convenhamos que, a partir do momento, em que se denunciam crimes públicos é necessário investigar quem são os criminosos. Afinal, todos sabemos, hoje, que o tráfico ilegal de drogas e de material bélico tem bases do país. Mas, os nomes dos traficantes ficam escondidos. Como escondidos permanecem os nomes dos jornalistas ditos corruptos. Aparentemente, até prova em contrário, há por aqui um processo de chantagem psicológica. Parece estar a tentar-se silenciar os jornalistas. Parece que o que se está a dizer, de forma subtil, aos jornalistas, é que se os jornalistas denunciam a corrupção e os corruptos eles também não poderão deixar de ser denunciados como corruptos. No termo da análise, parece pensarem alguns, o ideal é criar uma sociedade de medo, instituir o terror. Longe no tempo, o fascismo agiganta-se perto de nós. O que, em última análise, pode permitir dizer que Salazar está vivo e vive em Moçambique.
Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Maio 15, 2005

antes e depois

Luís David


retratem-se e peçam desculpas públicas

Começam a surgir alguns sinais de estarmos a viver numa sociedade sem ideias. Sem ideias novas, no mínimo. Talvez, para se ser mais preciso e mais concreto, numa sociedade que alguém classificou de “sociedade normalizada”. Só que a tal “sociedade normalizada” resulta, ou assenta, em consensos. Pode não ser, exactamente, o nosso caso. E, efectivamente, não o é. Basta recordar o que se passou na última sessão do Parlamento. O debate, em torno dos documentos apresentados, produziram pouco mais do que nada. Em termos de ideias, produziram nada. Coisa nenhuma. Quem apresentou os documentos, tinha a certeza que, por ter a maioria, eles seriam aprovados. Quem os criticou, criticou sabendo que, estando em minoria, não tinha a mínima possibilidades de impedir a sua aprovação. De facto, neste sistema e com este sistema parlamentar, sequer é necessário ter ideias. Basta algum dom de oratória, duas mãos para poder bater palmas, que agora se exigem ritmadas, e a qualidade para proferir e aceitar o insulto. Embora insulto seja, assim o entendemos, arma de fracos. Arma dos sem argumento. Venha de que bancada venha. E, ali naquela Casa, no Parlamento, onde é suposto todos estarmos representados, o que não falta é o insulto. Barato, bacoco, despropositado, ofensivo, ridículo. Mas, também não falta o discurso bajulatório a que se podem adicionar os mesmos objectivos. Agora, quanto a ideias, a ideias novas, essas são nenhumas. Bem haja, quem não pode, não quer ou não sabe pensar.


Foi dito por aí, apregoado e titulado, na semana passada, que há Corrupção muito forte na classe jornalística. Claro que sim, claro que há. E, nem era necessário ter esperado por uma sexta-feira 13, nem pelo 13 de Maio, Dia das Aparições em Portugal, como aconteceu, para fazer esta revelação. Todos sabemos que assim é. E, mais do que isso, todos sabemos que pode haver corrupção entre médicos, professores, engenheiros, funcionários, advogados, magistrados. Certamente que haverá. Quase de certeza que há. A corrupção existe entre profissionais de todas as classe e em todos os países. O que não há, o que não existe num único país, é homens completamente bons e homens completamente maus. Todos os homens têm algo de bom e algo de mau. Não existe o homem absolutamente bom, como não existe o homem absolutamente mau. O homem é. E, o Homem é o que é. Mas, deixemos a discussão filosófica a atenhamo-nos na frase é fácil entrar num jornal e pagar a um jornalista para escrever sobre um assunto. Quem assim o disse, segundo o jornal “Savana”, foi Isabel Rupia, directora da Unidade Anti-Corrupção. Alice Mabota, presidente da Liga dos Direitos Humanos, durante o mesmo encontro, organizado por países nórdicos, terá falado em termos semelhantes. Ora, a questão que se coloca às duas ilustres juristas é muito simples: Se sabem que há jornalistas corruptos o que as impede de revelar os seus nomes. Mais, o que impede a senhora que dirige a Unidade Anti-Corrupção de mover um processo, de agir no foro judicial, contra os jornalistas que julga saber serem corruptos. Claramente, há diferentes formas de cada um fazer plasmar o seu nome nos jornais. E, de nos vir dizer que está a combater a corrupção. Esta, é, parece ser, simplesmente ridícula. Caso contrário, caso possam provar o que afirmam, divulguem, publicamente nomes. Caso não, caso não tenham coragem para apresentar nomes de jornalistas corruptos, retratem-se e peçam desculpas públicas.
Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Maio 8, 2005

antes e depois

Luís David

um governo sem legitimidade

Começo, hoje, por onde era suposto dever terminar. Exactamente, pelo fim. E, o fim, seria uma Nota de Autor. Solicitada e autorizada por quem tem poder para assim decidir. É que, sucede, algumas vezes aquilo que se escreve, a mensagem e a ideia que se pretendem transmitir não são exactamente o que sai impresso. Dizem-me, e quero aceitar que assim seja, que de outra forma não faz sentido ser, que se trata do resultado, do preço a pagar pela introdução de novas tecnologias. Que seja. Agora, o que podemos é regatear, negociar o preço para que não seja demasiado elevado. E, convenhamos, quando se troca ou se repete o título de um texto, o “preço” é sempre elevado para o autor. Pretende justificar este longo intróito a explicação para o facto de o título do meu texto publicado na última edição ser o mesmo da edição anterior. Ora, quem se tenha dado ao trabalho de ler o texto do último domingo, terá entendido que o título correcto seria Agir em defesa do deixa continuar. Sem culpa, ficam as desculpas.


Viajante assíduo entre Maputo e o sul de Gaza, habituei-me a ir comprando, ao longo da estrada, alguma coisa do já muito que é oferecido. Fruta e legumes aqui, peixe e caju mais além, loiça de barro e pássaros noutro local, galinhas e carvão onde estão expostos. Estranhei, em ida recente, não ver vendeiras de banana, mandioca e batata doce nos passeios da principal artéria da vila da Manhiça. . Investiguei, no regresso e, depois de ter desfrutado a magnífica vista sobre o Incomáti, fui encontrá-las numa transversal. Sem movimento e sem compradores. No Bilene, o enorme mercado permanece sem vendedores desde que foi construído. Na sua frente, na marginal, vende-se de tudo um pouco o que se pode encontrar em loja ou supermercado de Maputo. Assim como alguns produtos locais. Na parte de trás, não faltam diversas variedades de peixe, camarão e caranguejo. Digamos, este mercado é uma obra inútil para a população local. Com o dinheiro ali gasto poderia ter sido construído um óptimo posto de saúde ou duas razoáveis salas de aulas. Em Maputo, na cidade de Maputo, na cidade que é a capital do país, parece estar a haver algumas tentativas de recuperar métodos de governação de um passado recente. Mas de triste memória. Em que a norma era o recurso à violência. E, através da violência, a confiscação de produtos a cidadãos pacíficos. A questão que se coloca, hoje e agora, parece ser muito simples. Simples de mais para a mentalidade e para a capacidade de compreensão dos fenómenos sociais por parte de alguns dos actuais vereadores de Maputo. Ao que parece, constitui violação de posturas, que ninguém conhece, ocupar passeios algures. Mas, ao que parece, e a realidade manda dizer que assim é, não constitui violação de posturas ocupar passeios com exposição e venda de flores e de artesanato em outras artérias de Maputo. Como é o caso concreto da Marginal e das Avenidas 24 de Julho e Nyerere, entre outras. Começa a ser cansativa e a causar preocupação, também algum nojo, esta aplicação dual da lei. E, a prosseguir-se por este caminho, adivinha-se o risco de tendo um governo legal, termos um governo sem legitimidade.

segunda-feira, maio 02, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Maio 1, 2005


antes e depois

Luís David

agir em defesa do deixa continuar


No período que antecedeu a independência, foi Moçambique destino para muitos milhares de veraneantes, de turistas de países vizinhos. Especialmente oriundos da África do Sul e da então Rodésia. A cidade da Beira e a então cidade de Lourenço Marques constituíam os principais pontos de atracção, sem perder de vista a longa costa entre uma e outra cidade. Nas quadras festivas e em épocas de férias estudantis nos países vizinhos, aí tínhamos muitos milhares de visitantes. Alojavam-se em hotéis, pensões e residências particulares uns, acampavam outros. Cada um, cada grupo, escolhia a forma de passar uma dezena ou uma quinzena de dias de acordo com as suas capacidades financeiras. O seu objectivo era ter acesso ao mar, passar alguns dias relaxados à beira-mar, sem grandes despesas. Daí o terem, a certa alguma, sido definidos como “turistas da banana”. Dado que pouco compravam, pouco consumiam. Depois, veio a independência e mais depois veio a guerra. Com a guerra, durante a guerra, este movimento, este desejo de vir até ao mar, praticamente desapareceu. Mais tarde, voltou a paz. E, com paz, renasceu o desejo de voltar, de visitar de novo as praias índicas. Até, de as ocupar. Diz quem sabe, afirma quem pode, que os turistas de hoje trazem tudo o que necessitam. Depois, regressam com carregamentos de peixe e de mariscos, altamente valiosos. Que quando vendidos nos seus países, rendem o suficiente para custear todo o período de férias em terras moçambicanas. A razão de assim ser, de assim continuar acontecer, parece mistério. Queira eu, queira qualquer outro alguém, ao viajar de avião, transportar dois quilos de peixe ou de marisco, tal só é possível com autorização do Ministério das Pescas. Digamos, afirmemos, que os critérios utilizados nos aeroportos são diferentes dos que estão a ser seguidos nas fronteiras terrestres. Embora as polícias presentes, num e noutro local, sejam as mesmas. Há, convenhamos, uma estranha dualidade de critérios na aplicação da lei.


A paz acordada em Roma foi, inquestionavelmente, uma paz moçambicana. Uma paz que visou permitir à família moçambicana viver em harmonia, trabalhar, movimentar-se, circular, produzir para si, beneficiar de recursos que lhe pertencem. Mas, eis que parece não acontecer exactamente assim. Eis que, a avaliar pelos relatos dos jornais, está a acontecer uma ocupação desenfreada de terra moçambicana por estrangeiros. Principalmente das zonas costeiras. Sem respeito por nada nem por ninguém. Na Ponta do Ouro, sem ser, certamente, caso único, chegámos já ao escândalo de deixar construir sobre dunas e de permitir a vedação de artérias públicas, impedindo o acesso da população ao mar. Não terá gostado do que viu, como nenhum moçambicano certamente gostaria, a governadora da província de Maputo. Daí o ter dito que as 31 casas construídas ilegalmente deveriam ser demolidas. Vem hoje, vem nesta quinta-feira, o semanário “Zambeze” dizer, em título, que a “Comissão de Guebuza não vai destruir as 31 casas”. E, acrescenta, ao que parece, em forma de justificação, que “Boers” gastaram 300 mil rands subornando funcionários do Estado. Como se o facto de terem subornado funcionários do Estado, como se o facto de ter havido funcionários do Estado que se deixaram subornar, constitua motivo para não serem penalizados e legitime a ilegalidade que aceitam ter cometido. Ora, em termos de conclusão se, neste caso concreto, houve funcionários do Estado que foram subornados, devem ser punidos. Se há provas de que houve corruptores, devem igualmente ser punidos. Expulso e impedidos de voltar a entrar no país. Por mais volumoso que possa ter sido o investimento. Em minha modesta opinião, o que não podemos é afirmar que estamos a combater o “deixa andar” e, logo após, proceder em plano inverso. Isto é, agir em defesa do deixa continuar.