segunda-feira, maio 02, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Maio 1, 2005


antes e depois

Luís David

agir em defesa do deixa continuar


No período que antecedeu a independência, foi Moçambique destino para muitos milhares de veraneantes, de turistas de países vizinhos. Especialmente oriundos da África do Sul e da então Rodésia. A cidade da Beira e a então cidade de Lourenço Marques constituíam os principais pontos de atracção, sem perder de vista a longa costa entre uma e outra cidade. Nas quadras festivas e em épocas de férias estudantis nos países vizinhos, aí tínhamos muitos milhares de visitantes. Alojavam-se em hotéis, pensões e residências particulares uns, acampavam outros. Cada um, cada grupo, escolhia a forma de passar uma dezena ou uma quinzena de dias de acordo com as suas capacidades financeiras. O seu objectivo era ter acesso ao mar, passar alguns dias relaxados à beira-mar, sem grandes despesas. Daí o terem, a certa alguma, sido definidos como “turistas da banana”. Dado que pouco compravam, pouco consumiam. Depois, veio a independência e mais depois veio a guerra. Com a guerra, durante a guerra, este movimento, este desejo de vir até ao mar, praticamente desapareceu. Mais tarde, voltou a paz. E, com paz, renasceu o desejo de voltar, de visitar de novo as praias índicas. Até, de as ocupar. Diz quem sabe, afirma quem pode, que os turistas de hoje trazem tudo o que necessitam. Depois, regressam com carregamentos de peixe e de mariscos, altamente valiosos. Que quando vendidos nos seus países, rendem o suficiente para custear todo o período de férias em terras moçambicanas. A razão de assim ser, de assim continuar acontecer, parece mistério. Queira eu, queira qualquer outro alguém, ao viajar de avião, transportar dois quilos de peixe ou de marisco, tal só é possível com autorização do Ministério das Pescas. Digamos, afirmemos, que os critérios utilizados nos aeroportos são diferentes dos que estão a ser seguidos nas fronteiras terrestres. Embora as polícias presentes, num e noutro local, sejam as mesmas. Há, convenhamos, uma estranha dualidade de critérios na aplicação da lei.


A paz acordada em Roma foi, inquestionavelmente, uma paz moçambicana. Uma paz que visou permitir à família moçambicana viver em harmonia, trabalhar, movimentar-se, circular, produzir para si, beneficiar de recursos que lhe pertencem. Mas, eis que parece não acontecer exactamente assim. Eis que, a avaliar pelos relatos dos jornais, está a acontecer uma ocupação desenfreada de terra moçambicana por estrangeiros. Principalmente das zonas costeiras. Sem respeito por nada nem por ninguém. Na Ponta do Ouro, sem ser, certamente, caso único, chegámos já ao escândalo de deixar construir sobre dunas e de permitir a vedação de artérias públicas, impedindo o acesso da população ao mar. Não terá gostado do que viu, como nenhum moçambicano certamente gostaria, a governadora da província de Maputo. Daí o ter dito que as 31 casas construídas ilegalmente deveriam ser demolidas. Vem hoje, vem nesta quinta-feira, o semanário “Zambeze” dizer, em título, que a “Comissão de Guebuza não vai destruir as 31 casas”. E, acrescenta, ao que parece, em forma de justificação, que “Boers” gastaram 300 mil rands subornando funcionários do Estado. Como se o facto de terem subornado funcionários do Estado, como se o facto de ter havido funcionários do Estado que se deixaram subornar, constitua motivo para não serem penalizados e legitime a ilegalidade que aceitam ter cometido. Ora, em termos de conclusão se, neste caso concreto, houve funcionários do Estado que foram subornados, devem ser punidos. Se há provas de que houve corruptores, devem igualmente ser punidos. Expulso e impedidos de voltar a entrar no país. Por mais volumoso que possa ter sido o investimento. Em minha modesta opinião, o que não podemos é afirmar que estamos a combater o “deixa andar” e, logo após, proceder em plano inverso. Isto é, agir em defesa do deixa continuar.