segunda-feira, maio 30, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Maio 22, 2005

antes e depois

Luís David

Salazar está vivo e vive em Moçambique

Há quem afirme que a história se repete. Podendo ser que não, em Moçambique a história parece repetir-se. Possam os actores, de ontem e de hoje, ser diferentes. Ontem, passam poucas semanas, aconteceu na fronteira do sul, na fronteira com a África do Sul. Eram camiões que transportavam material bélico, classificado como sucata. Hoje, há poucos dias, escrevia o “Notícias”, a toda a largura da sua primeira página, que Simulados de sucata em contentores “Artefactos de guerra descobertos em Nacala”. E, acrescentava tratar-se de granadas, roquetes, bazucas e peças de aviões de combate. Admitamos, para não ficarmos como ingénuos, que para além destas duas tentativas frustradas para fazer sair, ilegalmente, do país material de guerra, outras operações poderão ter tido sucesso. Mas, atenhamo-nos apenas nestas duas últimas. Por serem as mais recentes. E por serem, em quase tudo, iguais. Por a única diferença entre ambas ser a via de saída. Por terra no sul, por mar no norte. De resto, para além disto, nada mais foi dito, nada mais foi divulgado. Não se conhece, nem num nem noutro caso, a quantidade do material que foi tentado fazer sair do país. Logo, não é possível saber o seu valor no mercado negro internacional. Também não se conhece o nome do exportador, como não se conhece o nome do destinatário. Como não se conhecem nomes de, possíveis, intermediários. Como os contentores não têm pés para andar por si próprios, nem cérebro, nem memória artificial, afigura-se como sendo um acto de inteligência divulgar quem os fez chegar aos locais onde foram detectados.


No mesmo jornal “Notícias”, da mesma sexta-feira última, pode ler-se que no bairro Militar, vulgo “Colômbia”, foram “Identificadas 15 residências usadas para o tráfico de droga”. Afinal, e isso parece já ser bom. Ficámos todos a saber o número de residências onde se vende e compra droga. Mas, também aqui, não sabemos quais são as residências. Como não sabemos quem compra mas, fundamentalmente, quem vende a droga. Muito menos as medidas tomadas para acabar com o negócio. Negócio, sem dúvida ilegal. Como continuamos a não saber os nomes dos destinatários da droga, que se diz ter sido transportada em diferentes partes do corpo, aprendida mulheres vindas do Brasil. Podem pensar alguns pensantes, e pensam quase de certeza, que ao permitirem que se diga que aqui, que aqui em Moçambique, há tráfico de drogas e de armas, já podemos dormir todos descansados. Mas, convenhamos que não. Convenhamos que não pode ser assim. Que não pode, nem deve, ser exactamente assim. Convenhamos que, a partir do momento, em que se denunciam crimes públicos é necessário investigar quem são os criminosos. Afinal, todos sabemos, hoje, que o tráfico ilegal de drogas e de material bélico tem bases do país. Mas, os nomes dos traficantes ficam escondidos. Como escondidos permanecem os nomes dos jornalistas ditos corruptos. Aparentemente, até prova em contrário, há por aqui um processo de chantagem psicológica. Parece estar a tentar-se silenciar os jornalistas. Parece que o que se está a dizer, de forma subtil, aos jornalistas, é que se os jornalistas denunciam a corrupção e os corruptos eles também não poderão deixar de ser denunciados como corruptos. No termo da análise, parece pensarem alguns, o ideal é criar uma sociedade de medo, instituir o terror. Longe no tempo, o fascismo agiganta-se perto de nós. O que, em última análise, pode permitir dizer que Salazar está vivo e vive em Moçambique.