quarta-feira, março 23, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de 20 de Março, 2005

antes e depois

Luís David


o mistério por esclarecer

Todos os dias ocorre, em diferentes partes do mundo, um número quase infinito de acontecimentos. Graças às novas tecnologias da informação, a maioria fica acessível ao nosso conhecimento. Ontem, um ano atrás, o volume da informação que nos chegava, que era colocada ao nosso alcance, era bem menor. Como infinitamente bem menor era o nosso acesso à informação e ao conhecimentos. Recuemos um pouco mais no tempo para perceber como há quatro ou cinco décadas passadas sabíamos incomparavelmente menos do que sabemos hoje. Naturalmente, por sabermos muito mais e muito mais rápido isso, só por si, pode não alterar absolutamente nada da nossa rotina. Pode não modificar coisa nenhuma em relação à ordem estabelecida e aceite. Mas, casos poderá haver que obriguem a raciocínio diferente. E a ter de concluir que amanhã nada será como hoje. Uma conclusão difícil para alguns. Talvez para muitos. Dolorosa, até, para uma grande maioria. E a razão, se razão há, se razão existe, parece simples. É que temos um grande receio, um grande medo, de questionar o passado. Por, ao questionar o passado, ao investigar o passado, podermos vir a descobrir que a história do passado que nos deram a conhecer poder não ser única nem verdadeira. Poder ser, apenas, dogma. E, aí, se abaladas as nossas convicções sobre a verdade que aceitámos, e que constituiu, afinal, o fundamento da nossa maneira de ser e de estar, podemos enfrentar o complexo dilema de, sabendo que o passado possa não ter sido o que nos foi dito que foi, termos referências poucas ou nenhumas para pensar o amanhã. Para recear o amanhã, como simples devir.


No plano da literatura, se assim se pode dizer, são escritos e editados livros que em nada alteram a nossa maneira de ser e de pensar. Que, em muitos casos, são poucos os exemplares que saem das prateleiras das livrarias. Outros, estão destinados a vender milhões de exemplares, nas mais diversas línguas. Provocam debates e polémicas, originam investigações com perspectivas diferentes. E, podem abalar as nossas convicções e fazer repensar a nossa maneira de ser e de estar. Muitos dos nossos conceitos. Alguns dos conceitos pelos quais possa ter sido guiada e moldada a nossa existência. Estamos a referir-nos, neste caso concreto, a “O Código Da Vinci”. Não só à obra em si e à visão que procura transmitir sobre a forma como a religião de Cristo chegou aos nossos dias, mas, e sobretudo, a hipotéticas especulações e a posteriores investigações. E dos muitos mistérios, ainda por descobrir, sobre o relacionamento entre s Cristo e Maria Madalena. Mas, não menos importante, para qualquer interessado na matéria, sobre a sua descendência. E, sobre a história e as doutrinas da Igreja Cristã, estabelecidas no Concílio de Niceia, reunido em 325 d. C., numa época em que Constantino era contestado à frente dos destinos do Império Romano e queria uma Igreja harmoniosa, sem divisões, de forma a promover a paz e prosperidade e estava preocupado com a dissensão interna provocada pelo Arianismo (...), como diz Siomon Cox, em “O Código Da Vinci Descodificado – O guia não autorizado dos factos por detrás da ficção”. Para além de todas a especulação possível, para além de toda a verdade conhecida e comprovada, fica a dúvida se estamos ou não perante dois mil anos de mentira. E, aí, precisamente, parece residir o mistério por esclarecer.

segunda-feira, março 14, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Março 13, 2005

antes e depois

Luís David


nem tudo o que parece é fácil


Por tendência, estamos todos bem. Assim parece, assim o afirmamos. Falamos de reformas, dizemos que estamos a reformar isto mais aquilo. Esquecemos, fazemos por esquecer, ignoramos, fazemos por ignorar, que qualquer reforma implica mudança. E que toda a mudança, por mais superficial que seja, implica resistência, motiva reacção. Teoricamente, já mudámos muito. Na prática, mudámos coisa nenhuma. Até porque o tempo que está a demorar a mudança, por mínima e mais superficial que seja, joga sempre a favor de quem é contra a mudança. De quem se opõe, de forma declarada ou encoberta, contra a mudança. Depois, parece que também por tendência, gostamos de aligeirar, de facilitar aqui, de complicar, de dificultar mais além. Ou, em situações semelhantes e idênticas agir de forma diversa. Pareça ou não, tanto facilitar e aligeirar como complicar e dificultar são, em si, procedimentos em que pode assentar aquilo a que se convencionou chamar corrupção. A corrupção não existe no abstracto. A corrupção é, sempre, um procedimento contra determinada norma ou contra determinada convenção.


Em tempos já distantes, em tempos há muito idos, em tempos que a memória não guarda, foi noticiada a venda de motores de aviões para o estrangeiro. Noutra ocasião, antes ou depois pouco importa, foi noticiada a descoberta de urânio enriquecido numa artéria de Maputo. Agora, em dias recentes e no nosso tempo presente, foi noticiado que um camião transportando vinte reactores de aviões foi retido na fronteira de Ressano Garcia, quando tentava sair do país. E mandado regressar por quem tinha poderes para o fazer. Posteriormente, noticiado foi, com excessivo e desnecessário destaque, que transformados os ditos motores em sucata, esta podia seguir o seu destino. Que tudo já estava em ordem, que tudo havia acabado em bem. Aparentemente, tentaram transmitir-nos a mensagem de que terá havido algum equívoco. E que tudo o que se passou, se é que alguma coisa se passou, não passou de uma simples questão técnica. De um erro derivado da má interpretação de um acordo cujo conteúdo só alguns conhecem. Como se fazer sair do país motores de avião e fazer sair do país sucata de motores de avião possa ser uma simples questão técnica. Como se o valor de motores de avião e de sucata de motores de avião, num qualquer país estrangeiro, fosse, exactamente, o mesmo. Claro que não é. Como não constitui segredo algumas das formas de actuação da mafia russa, após o desmembramento da URSS, nos negócios de material militar por alguns considerado e classificado como obsoleto. Pareça ou não, esta história, moçambicana, da retenção, na fronteira de Ressano Garcia, de um camião com motores de avião é uma história, ingenuamente, mal contada. Parece, pelo que foi publicamente divulgado, ser necessário ir um pouco mais além. E, neste caso concreto, ir um pouco mais além resulta em querer saber a quem pertencia o camião que transportava os motores de avião, quem era o seu condutor, o nome de quem enviou e o nome de quem devia receber os referidos motores. É que, até hoje, em questão de nomes, nada foi divulgado. Sabemos, isso sim, que em vez de documentos originais foram usadas fotocópias. Parece pouco, é demasiado pouco. Mais uma vez, poderemos estar, hipoteticamente, perante mais caso de crime sem criminoso. Ou um criminoso sem rosto e sem nome. De facto, nem tudo o que parece é fácil.

terça-feira, março 08, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Março 6, 2005

antes e depois

Luís David


Um país diferente do não acontece nada

O anúncio publicado, recentemente, pelo jornal “Notícias” a pedir “Um casal de raça branca de preferência origem portuguesa (...)”, terá provocado um natural mal estar. A primeira reacção pública, terá sido da Ministra do Trabalho, através do seu Gabinete, em Comunicado de Imprensa. Depois, também a Procuradoria Geral da Cidade de Maputo reagiu ao conteúdo do anúncio. Porém, o anúncio em si pode bem ser apenas uma ponta, a ponta visível, de um aiceberg, cujas dimensões tentamos evitar conhecer. Porque, da mesma forma que não se pode desejar o que não se conhece, também não se pode combater o que se deseja ignorar. Contudo, entre anúncios, comunicado e posições públicas, parece haver alguns aspectos que não devem passar sem reparo. Mesmo que breve e ligeiro. Aligeirado.


Comecemos, então, pelo princípio. Por onde é lógico que se comece. Diz, logo nas primeiras linhas, o Comunicado do Gabinete da Ministra do Trabalho, que o anúncio “pode ser considerado uma forma subtil de discriminação racial (...)”. Discordo, por pensar diferente. Por pensar que se trata de uma forma declarada e aberrante de racismo primário. Na sua última edição, o jornal “ Savana” também aborda o assunto, em tom crítico. E diz, a determinada altura, que a vaga se destinava “a um posto de trabalho no Reino da Swazilândia, facto que se demostrou não ser verdade”. Mas, fosse verdade. Fosse até o pedido feito para Portugal, para os Estados Unidos ou para a Jamaica. Tal facto, o país ou o local geográfico da vaga, não elimina, em si, o carácter racista do anúncio. Tendo presente o que está convencionado internacionalmente sobre a matéria. Refere e cita, o mesmo jornal “Savana”, um comunicado da direcção de trabalho (qual?) que parece não ter sido tornado público. Esse texto, cujo conteúdo não se conhece, cita vários artigos da Constituição, entre os quais o 39. Que diz, exactamente, o seguinte: “Todos os actos visando atentar contra a dignidade nacional, prejudicar a harmonia nacional, criar divisionismo, situações de privilégio ou discriminação com base na cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, condição físico ou mental, estado civil dos pais, profissão ou opção política, são punidos nos termos da lei”. O mesmo semanário, na mesma edição, dá conta da posição da Procuradoria Geral da Cidade de Maputo, do conteúdo da carta que dirigiu ao director do jornal “Notícias” e do facto de ter dado conhecimento do conteúdo da mesma ao Conselho Superior de Comunicação Social. Com aparente ingenuidade, esquece de dizer qual a posição assumida pela Procuradoria da República perante aquilo que se pode considerar de crime público, condenado internacionalmente. O artigo citado é claro. Este tipo de crimes, em Moçambique, são punidos por lei. E, em Moçambique, existem funcionários pagos, por via dos impostos, para fazerem cumprir a lei. Aparentemente, estes funcionários do Estado parecem convictos que, recomendando em vez de agir, podem continuar a viver na “paz podre” em que se habituaram a viver. O cidadão comum espera e exige mais. E, também sabe que pode exigir mais. Sabe, sobretudo, que tem possibilidade de viver num país diferente. Um país diferente do não acontece nada.

terça-feira, março 01, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 27 de Fevereiro, 2005

antes e depois

Luís David

o vazio legal é sempre espaço apetecido pelos oportunistas

Em diferentes ocasiões e por diferentes motivos, veio a público a necessidade de uma definição clara sobre quem deve ser considerado ou não deve ser considerado herói nacional. Ao que a memória recorda, a questão levantou-se, em momentos diferentes, invariavelmente, pelo facto de se desejar saber onde iriam ser depositados os resto mortais do falecido. A questão levantou-se, sempre, em tempos recentes, perante um caso consumado de morte. E, devido ao vazio legislativo e normativo sobre a matéria. Ora, sendo Moçambique um Estado laico, é Moçambique um país fortemente influenciado pela cultura indo-judaico-cristã. E, se no contexto desta realidade tem grande importância o local onde o corpo é depositado e a forma como é depositado, para além do ritual da morte, do ritual do funeral, outras questões devem, obrigatoriamente, ser colocadas. Aparentemente, a primeira questão está em saber quais os deveres que o Estado assume quando declara um seu cidadão herói nacional. Que deveres assume o Estado, perante a Nação, quando declara um cidadão como herói nacional. Entendendo-se que, ao fazê-lo, o faz por o considerar um símbolo e um exemplo de e na vida. E que, como tal deve ser seguido, Mas, também quais os direitos e os deveres que, no contexto da consagração, são devidos aos familiares. Mais, se esse símbolo nacional pode, e em que circunstâncias pode, ser utilizado em publicidade. E em que tipo de publicidade, desde refrigerantes a bebidas alcoólicas, passando por sabonetes, automóveis, pomada para as borbulhas ou celulares. Mais, mas por fim, quem tem autoridade e quem poder para autorizar a utilização de um símbolo nacional em campanhas publicitárias. Se o Estado ou se os familiares do falecido.


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Foi Tomás Vieira Mário quem primeiro opinou sobre o direito de utilização de símbolos nacionais em campanhas publicitárias. Voltou ao assunto e referiu-se a texto por mim escrito, posteriormente ao seu primeiro, sobre o mesmo assunto. Também Lina Magaia refere o meu nome e a minha posição em artigo mais recente, na última edição do jornal “Zambeze”. Pelo que já foi escrito sobre o assunto, penso ter entendido que o assunto merece não terminar nem ficar pela opinião nossa. Pela opinião de três escribas. Penso que deve partir-se das opiniões conhecidas para se alargar o debate e conhecer opiniões outras. Sensibilidades diferentes. Contrárias. Por necessárias para se poder legislar sobre a matéria. E, legislar sobre a matéria é, em última análise, deixar claro se os heróis nacionais podem emprestar a sua imagem, o seu rosto, o seu corpo, os seus gestos, a campanhas de publicidade. Se sim, em relação a que produtos, em que circunstâncias e em que momento. Que se diga que sim. E como. Se não, que se diga claramente que não. Enquanto não se disser claramente se sim ou se não, fica um vazio legal. E o vazio legal é sempre espaço apetecido pelos oportunistas.