terça-feira, março 01, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 27 de Fevereiro, 2005

antes e depois

Luís David

o vazio legal é sempre espaço apetecido pelos oportunistas

Em diferentes ocasiões e por diferentes motivos, veio a público a necessidade de uma definição clara sobre quem deve ser considerado ou não deve ser considerado herói nacional. Ao que a memória recorda, a questão levantou-se, em momentos diferentes, invariavelmente, pelo facto de se desejar saber onde iriam ser depositados os resto mortais do falecido. A questão levantou-se, sempre, em tempos recentes, perante um caso consumado de morte. E, devido ao vazio legislativo e normativo sobre a matéria. Ora, sendo Moçambique um Estado laico, é Moçambique um país fortemente influenciado pela cultura indo-judaico-cristã. E, se no contexto desta realidade tem grande importância o local onde o corpo é depositado e a forma como é depositado, para além do ritual da morte, do ritual do funeral, outras questões devem, obrigatoriamente, ser colocadas. Aparentemente, a primeira questão está em saber quais os deveres que o Estado assume quando declara um seu cidadão herói nacional. Que deveres assume o Estado, perante a Nação, quando declara um cidadão como herói nacional. Entendendo-se que, ao fazê-lo, o faz por o considerar um símbolo e um exemplo de e na vida. E que, como tal deve ser seguido, Mas, também quais os direitos e os deveres que, no contexto da consagração, são devidos aos familiares. Mais, se esse símbolo nacional pode, e em que circunstâncias pode, ser utilizado em publicidade. E em que tipo de publicidade, desde refrigerantes a bebidas alcoólicas, passando por sabonetes, automóveis, pomada para as borbulhas ou celulares. Mais, mas por fim, quem tem autoridade e quem poder para autorizar a utilização de um símbolo nacional em campanhas publicitárias. Se o Estado ou se os familiares do falecido.


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Foi Tomás Vieira Mário quem primeiro opinou sobre o direito de utilização de símbolos nacionais em campanhas publicitárias. Voltou ao assunto e referiu-se a texto por mim escrito, posteriormente ao seu primeiro, sobre o mesmo assunto. Também Lina Magaia refere o meu nome e a minha posição em artigo mais recente, na última edição do jornal “Zambeze”. Pelo que já foi escrito sobre o assunto, penso ter entendido que o assunto merece não terminar nem ficar pela opinião nossa. Pela opinião de três escribas. Penso que deve partir-se das opiniões conhecidas para se alargar o debate e conhecer opiniões outras. Sensibilidades diferentes. Contrárias. Por necessárias para se poder legislar sobre a matéria. E, legislar sobre a matéria é, em última análise, deixar claro se os heróis nacionais podem emprestar a sua imagem, o seu rosto, o seu corpo, os seus gestos, a campanhas de publicidade. Se sim, em relação a que produtos, em que circunstâncias e em que momento. Que se diga que sim. E como. Se não, que se diga claramente que não. Enquanto não se disser claramente se sim ou se não, fica um vazio legal. E o vazio legal é sempre espaço apetecido pelos oportunistas.