terça-feira, março 08, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Março 6, 2005

antes e depois

Luís David


Um país diferente do não acontece nada

O anúncio publicado, recentemente, pelo jornal “Notícias” a pedir “Um casal de raça branca de preferência origem portuguesa (...)”, terá provocado um natural mal estar. A primeira reacção pública, terá sido da Ministra do Trabalho, através do seu Gabinete, em Comunicado de Imprensa. Depois, também a Procuradoria Geral da Cidade de Maputo reagiu ao conteúdo do anúncio. Porém, o anúncio em si pode bem ser apenas uma ponta, a ponta visível, de um aiceberg, cujas dimensões tentamos evitar conhecer. Porque, da mesma forma que não se pode desejar o que não se conhece, também não se pode combater o que se deseja ignorar. Contudo, entre anúncios, comunicado e posições públicas, parece haver alguns aspectos que não devem passar sem reparo. Mesmo que breve e ligeiro. Aligeirado.


Comecemos, então, pelo princípio. Por onde é lógico que se comece. Diz, logo nas primeiras linhas, o Comunicado do Gabinete da Ministra do Trabalho, que o anúncio “pode ser considerado uma forma subtil de discriminação racial (...)”. Discordo, por pensar diferente. Por pensar que se trata de uma forma declarada e aberrante de racismo primário. Na sua última edição, o jornal “ Savana” também aborda o assunto, em tom crítico. E diz, a determinada altura, que a vaga se destinava “a um posto de trabalho no Reino da Swazilândia, facto que se demostrou não ser verdade”. Mas, fosse verdade. Fosse até o pedido feito para Portugal, para os Estados Unidos ou para a Jamaica. Tal facto, o país ou o local geográfico da vaga, não elimina, em si, o carácter racista do anúncio. Tendo presente o que está convencionado internacionalmente sobre a matéria. Refere e cita, o mesmo jornal “Savana”, um comunicado da direcção de trabalho (qual?) que parece não ter sido tornado público. Esse texto, cujo conteúdo não se conhece, cita vários artigos da Constituição, entre os quais o 39. Que diz, exactamente, o seguinte: “Todos os actos visando atentar contra a dignidade nacional, prejudicar a harmonia nacional, criar divisionismo, situações de privilégio ou discriminação com base na cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, condição físico ou mental, estado civil dos pais, profissão ou opção política, são punidos nos termos da lei”. O mesmo semanário, na mesma edição, dá conta da posição da Procuradoria Geral da Cidade de Maputo, do conteúdo da carta que dirigiu ao director do jornal “Notícias” e do facto de ter dado conhecimento do conteúdo da mesma ao Conselho Superior de Comunicação Social. Com aparente ingenuidade, esquece de dizer qual a posição assumida pela Procuradoria da República perante aquilo que se pode considerar de crime público, condenado internacionalmente. O artigo citado é claro. Este tipo de crimes, em Moçambique, são punidos por lei. E, em Moçambique, existem funcionários pagos, por via dos impostos, para fazerem cumprir a lei. Aparentemente, estes funcionários do Estado parecem convictos que, recomendando em vez de agir, podem continuar a viver na “paz podre” em que se habituaram a viver. O cidadão comum espera e exige mais. E, também sabe que pode exigir mais. Sabe, sobretudo, que tem possibilidade de viver num país diferente. Um país diferente do não acontece nada.