segunda-feira, março 14, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Março 13, 2005

antes e depois

Luís David


nem tudo o que parece é fácil


Por tendência, estamos todos bem. Assim parece, assim o afirmamos. Falamos de reformas, dizemos que estamos a reformar isto mais aquilo. Esquecemos, fazemos por esquecer, ignoramos, fazemos por ignorar, que qualquer reforma implica mudança. E que toda a mudança, por mais superficial que seja, implica resistência, motiva reacção. Teoricamente, já mudámos muito. Na prática, mudámos coisa nenhuma. Até porque o tempo que está a demorar a mudança, por mínima e mais superficial que seja, joga sempre a favor de quem é contra a mudança. De quem se opõe, de forma declarada ou encoberta, contra a mudança. Depois, parece que também por tendência, gostamos de aligeirar, de facilitar aqui, de complicar, de dificultar mais além. Ou, em situações semelhantes e idênticas agir de forma diversa. Pareça ou não, tanto facilitar e aligeirar como complicar e dificultar são, em si, procedimentos em que pode assentar aquilo a que se convencionou chamar corrupção. A corrupção não existe no abstracto. A corrupção é, sempre, um procedimento contra determinada norma ou contra determinada convenção.


Em tempos já distantes, em tempos há muito idos, em tempos que a memória não guarda, foi noticiada a venda de motores de aviões para o estrangeiro. Noutra ocasião, antes ou depois pouco importa, foi noticiada a descoberta de urânio enriquecido numa artéria de Maputo. Agora, em dias recentes e no nosso tempo presente, foi noticiado que um camião transportando vinte reactores de aviões foi retido na fronteira de Ressano Garcia, quando tentava sair do país. E mandado regressar por quem tinha poderes para o fazer. Posteriormente, noticiado foi, com excessivo e desnecessário destaque, que transformados os ditos motores em sucata, esta podia seguir o seu destino. Que tudo já estava em ordem, que tudo havia acabado em bem. Aparentemente, tentaram transmitir-nos a mensagem de que terá havido algum equívoco. E que tudo o que se passou, se é que alguma coisa se passou, não passou de uma simples questão técnica. De um erro derivado da má interpretação de um acordo cujo conteúdo só alguns conhecem. Como se fazer sair do país motores de avião e fazer sair do país sucata de motores de avião possa ser uma simples questão técnica. Como se o valor de motores de avião e de sucata de motores de avião, num qualquer país estrangeiro, fosse, exactamente, o mesmo. Claro que não é. Como não constitui segredo algumas das formas de actuação da mafia russa, após o desmembramento da URSS, nos negócios de material militar por alguns considerado e classificado como obsoleto. Pareça ou não, esta história, moçambicana, da retenção, na fronteira de Ressano Garcia, de um camião com motores de avião é uma história, ingenuamente, mal contada. Parece, pelo que foi publicamente divulgado, ser necessário ir um pouco mais além. E, neste caso concreto, ir um pouco mais além resulta em querer saber a quem pertencia o camião que transportava os motores de avião, quem era o seu condutor, o nome de quem enviou e o nome de quem devia receber os referidos motores. É que, até hoje, em questão de nomes, nada foi divulgado. Sabemos, isso sim, que em vez de documentos originais foram usadas fotocópias. Parece pouco, é demasiado pouco. Mais uma vez, poderemos estar, hipoteticamente, perante mais caso de crime sem criminoso. Ou um criminoso sem rosto e sem nome. De facto, nem tudo o que parece é fácil.