domingo, dezembro 18, 2011

Uma questão de humildade


Até há poucos dias, tudo parecia correr pelo melhor. Era grande a confiança e maior o optimismo. No que respeita à produção nacional e ao abastecimento do mercado. Em diferentes produtos de grande consumo. Repetiram-se declarações entusiásticas no sentido de garantir que nada iria faltar. Que o mercado estava suficientemente abastecido. E, também, dando conta dos esforços organizativos desenvolvidos, a níveis, para assegurar a estabilidade dos preços ao consumidor. Ou seja, que os especuladores não iriam ter campo de acção fácil. Dito por outras palavras, que estava desencadeada uma campanha do “bem contra o mal”. Como se esta não devesse ser uma acção de todos os dias. E de todos os dias do ano. Em defesa e em favor do indefeso e desprotegido consumidor. Mas, como todos sabemos e assim o diz a sabedoria popular, no “melhor pano cai a nódoa”. Isto quando verificamos que algumas empresas nacionais começaram a vir a público informar que estão a enfrentar constrangimentos no seu processo de produção. É o caso da Coca-Cola, da Fizz e da Agricom. Provavelmente de várias outras de menor dimensão. Constrangimentos que têm origem nos repetidos cortes no fornecimento de energia eléctrica. O que, também, já se tornou normal um pouco por toda a cidade, durante o dia ou a noite. E que a todos afecta de igual modo. Com maior ou menor gravidade. Por períodos mais ou menos longos. Mas, sem fim à vista. Ou, no mínimo, um esclarecimento público sobre as causas desta anomalia e desta anormalidade. Trata-se, afinal, de uma elementar questão de respeito pelo cliente. Que merece muito mais. Mas que, em diferentes ocasiões e publicamente, chega a ser tratado como inimigo do fornecedor. Coisa de mentalidades doentias.


Na sua última edição, o semanário “Magazine” dedica amplo espaço (páginas 24 e 25) à questão dos preços na quadra festiva. Texto que, provavelmente, terá tido diminuta leitura. Ou, provavelmente, pouca ou nenhuma compreensão. Por falta de capacidade para tal. Logo, o não haver qualquer tipo de contestação ou de debate sobre as ideias expostas. O jornal cita o presidente da associação dos importadores informais (Mukeristas), a dizer “em nenhum momento será possível controlar a margem de lucro enquanto o Governo e os agentes das Alfândegas não mudarem de postura. Numa economia de mercado o papel do Governo é controlar os produtos fora do prazo e facilitar o ambiente de negócio. Não se pode meter em negócios privados”. Quem fala assim, acrescentemos, não é gago. E, sequer, poderia ser mais claro. E, mais directo. Mas, a questão não é tão pacífica como possa parecer. Porque pode colocar-se a dúvida se se trata de posição oficial do Governo. Ou se alguns ou de alguns de seus agentes. Em defesa de interesses pessoais. Umbilicais. Ainda segundo o representante dos Mukeristas, “Não há nada que o Governo está a fazer para que os moçambicanos tenham festas condignas, pelo contrário eu sinto que está a proferir discursos que infelizmente incentivam os agentes económicos a aumentarem os preços, como quem diz que é o momento para fazer lucros”. E, em tom de desafio pouco habitual por parte de quem não está no poder, o entrevistado termina: “Será que são os dias de hoje que o Governo vai ensinar o povo a festejar?”. É pouco o espaço para ir muito mais além em comentários ou em transcrições. Só concordar que “Não é controlando o preço de um produto importado, que o Governo vai dizer que está a trabalhar”. E, também, que “Por isso este ano os preços não vão deixar de subir”. Simplesmente, uma afirmação apenas realista. Para não dizer sábia. Que nela meditem os que não sabem ou que sabem menos. Nem todos poderão vir a ser sábios. Mas, sem dúvida, os que sabem menos podem e devem aprender com os que sabem mais. Trata-se de uma questão de humildade.

Acordar os fantasmas

Há coisas, há situações, há fenómenos que todos conhecemos. E que alguns pensam ter solução. Ter a solução para alterar o seu desenvolvimento e o seu curso. Mas que, na prática, no campo prático parece não terem solução. Logo, o que não tem solução, solucionado está. Parece ser o caso da estabilidade ou do aumento dos preços dos produtos que todos compramos. Que todos necessitamos de consumir. Para viver. Ou sobreviver. É que a questão dos preços depende mais de leis objectivas do que do desejo ou da vontade humana. Seja essa vontade corporizada pelo simples cidadão comprador ou por uma qualquer instituição governamental. Sendo assim, e assim está a ser mais uma vez, a promoção de reuniões com produtores e com importadores, mais aqueles e mais outros, não passam de acções cosméticas. De pura perda de tempo. De gastos desnecessários de dinheiro. De puras manobras de diversão. De tentativas para desviar a atenção do problema real. Em última análise, de tentativas barrocas para conquistar espaços em jornais, rádios, televisões. Que é como quem diz, afinal aqui estou. E, se estou é porque existo. Assim, sou. Para o bem e para o mal, sou. Muito provavelmente, mais para o mal do que para o bem. Na perspectiva do cidadão comum. Para este, nem sempre o que parece é. E, quantas vezes, não se sabe através de que artes mágicas, o que lhe dizem que é, não parece ser. Mas, por imposição dogmática, o que não parece ser, é.



Nesta época do ano, nesta época chamada de quadra festiva, a situação repete-se. Como se repete o discurso de governantes. A diferentes níveis. Num tom monótono, monocórdico, repetitivo, sem um mínimo de imaginação. Sem nada de novidade, sem nada de novo, ano após ano. Pior. Revelador de uma assustadora falta de capacidade de análise. Com recurso a experiências e à realidade do que aconteceu em anos anteriores. Por isso, há uma repetição de erros do passado. Em momento algum terá sido noticiado haver sido convidado, mais uma vez este ano, um consumidor, um cidadão, pagador de taxas e de impostos, para participar nesses propagandeados debates sobre aumentos de preços. Para que os senhores que dirigem a cidade, a província, a terra e os homens percebam, definitivamente, que os aumentos de produtos de primeira necessidade se sucedem ao longo de todo o ano. Como acontece com o aumento das taxas de recolha de lixo ou da rádio. Como acontece com os aumentos dos custos da energia ou de água. O que pode ser, perfeitamente, controlado pelas autoridades governamentais. Ao invés de andarem a perder tempo e a gastar dinheiro com esta outra tentativa ilusória, fantasiosa e inglória de tentar controlar a actividade dos chamados mukeristas. Ao Governo, aos dirigentes governamentais, aos mais diversos níveis, não lhes está atribuída, pessoalmente, tal missão. Ao que os factos indicam, existem neste espaço tentativas de protagonismo pessoal. Em prejuízo da boa governação e da boa gestão dos negócios públicos. Esta falaciosa questão de combater os aumentos de preços, nesta ocasião do ano, surge como algo estranho. E a justificar profunda investigação. Pelo que é público, este pseudo combate aos aumentos de preços tem como objectivo um acordar de fantasmas. Há quem tenha pensado, talvez erradamente, ter muito a ganhar com o seu acordar os fantasmas.

domingo, dezembro 11, 2011

Os cães ladram e a caravana passa

Há notícias, ou textos apresentados como tal, de difícil entendimento. De difícil compreensão. Muitas vezes, fica a dúvida se estamos perante uma notícia ou de outra coisa qualquer. Por exemplo, de publicidade encoberta, de tentativa de manipulação da opinião pública, de texto pago ou produzido por serviços secretos. Cuja publicação visa objectivos diversos e diferentes da informação. E permite, posteriormente, ampliar e multiplicar a sua divulgação por outros e diferentes meios. Em outros e diferentes locais. Por forma a funcionar como elemento de pressão. Sobre este ou aquele sector. Sobre esta ou aquela autoridade ou entidade. Vejamos um exemplo. Entre muitos outros possíveis. Na primeira página da sua edição do passado dia 2 do corrente mês, na secção BREVES,
o jornal “Notícias” titulava: “Alargamento da ‘J. Nyerere’ gera receios”. A local, com um único parágrafo, dizia “Algumas embaixadas manifestaram preocupação com o projecto visando a reabilitação e alargamento da Avenida Julius Nyerere, receando que as obras possam afectar a qualidade de vida dos residentes. A estrada, cuja reabilitação deverá arrancar dentro em breve, vai ter duas faixas de rodagem, um separador central e passeios nos dois lados, a partir da rotunda da Praça do Destacamento Feminino até à Praça dos Combatentes.”. Aliás, como foi planificado e estava previsto desde os anos em que a actual cidade de Maputo se chamava Lourenço Marques. Hoje, parece que queremos regredir, mais do que regredir no tempo. Na pior das hipóteses, estamos a enfrentar inimigos do progresso. Vejamos. Se sim ou se não.


Depois de muitos e longos anos sem se poder chegar ao Xiquelene pelo chamado prolongamento da Julius Nyerere, vamos voltar a poder fazê-lo. Em modesto entender de cidadão comum da urbe, trata-se daquilo a que se pode chamar uma boa notícia. Que demorou anos, longos anos para se transformar de desejo em realidade. Porém, parece não ser este o entendimento de todos. Ou seja, o que para uns se apresenta como bom para outros não passa de mau. De duvidoso. A avaliar pelo que lemos e que atrás foi transcrito. Embora a questão possa não ser tão simples como parece. Vejamos. O autor da referida local, começa por escrever que “Algumas embaixadas manifestaram preocupação (...)” Só que se esqueceu de nos informar quais são essas “algumas embaixadas”. Mais, quantas são e onde estão situadas. Como se esqueceu de dizer onde, quando e perante quem o fizeram. Será que o fizeram apenas perante o jornalista em ocasional sessão de copos? Ou, hipótese pouco provável, formalmente ao Ministério moçambicano dos Negócios Estrangeiros? Questão não menos importante, é aquilo que o jornalista e os seus preocupados informadores entendem como “a qualidade de vida dos residentes”. Em primeiro lugar, importa questionar quais residentes. Será que se está a falar dos residentes que vivem em condições pouco mais do que precárias? Ou daqueles residentes que ocuparam ilegalmente espaço público em benefício próprio? Transformaram o público, o que a todos nós pertence, em território privado e pessoal. Veja só, e nem é necessário ter óculos com lentes de aumentar, quantos metros de terreno público está transformado em jardins e parques de estacionamento privados. Resta regozijar o Conselho Municipal pela obra de reabilitação e de construção que se propôs realizar. Em benefício público. E que saiba, que tenha a necessária firmeza para resistir a este tipo de pressões desestabilizadoras. Através de textos anónimos e apócrifos. Acreditemos que os cães ladram e a caravana passa.

domingo, dezembro 04, 2011

Cultura de impunidade

Falar da construção de obras públicas, é falar de um dos maiores cancros deste país. Especialmente de alguns tipos de obras públicas e em determinados locais. No caso concreto, escolas, instalações sanitárias, pequenas pontes e por aí em diante. Quando construídas, quando edificadas longe das grandes cidades, longe dos principais centros urbanos. Dizer que na grande maioria dos casos primam pela má qualidade é apenas uma parte da realidade. Casos há, como todos o sabemos e é público, em que os construtores iniciam mas não concluem os trabalhos a que se propuseram. Desaparecem. Pura e simplesmente desaparecem. Depois de receberem, depois de terem recebido parte ou a totalidade do valor da adjudicação. O motivo pelo qual estas situações se repetem, nunca é claramente explicado. Não se apresentam, publicamente, explicações convincentes. A tecla mais batida é a da falta de honestidade. Dos ditos cujos construtores. Sendo assim, sendo esta a verdade, fica por saber o motivo pelo qual a boa e correcta aplicação dos dinheiros do Estado não é devidamente acautelada. Os motivos pelos é, continuamente, feita de forma tão lasciva. Dito por outras palavras, que papel e que responsabilidade cabe aos funcionários do Estado neste arrastar de coisas. Para que serve a abertura de concursos públicos. Como, a quem e porque processos é feita a adjudicação dos trabalhos. Ao longo do país, são muitas as obras públicas que não apresentam um mínimo de qualidade. Que desabam com o cair de meia dúzia de pingos de chuva. Às vezes nem é necessária chuva. Simplesmente, desabem. Como castelos de areia construídos à beira mar. Ao que parece, segundo o que se sabe, nunca terá sido aberto um inquérito. Nunca terá sido feita uma investigação. Séria e honesta. Para se ficar a saber o motivo pelo qualquer as coisas acontecem como acontecem. Repetidamente. Com elevados prejuízos para o Estado. Mais. Se há ou não o envolvimento de funcionários do Estado ao longo destes processos. Ao que se sabe, nunca terá sido processado nenhum. Tanto por negligência como por incompetência. Menos ainda por corrupção.


Na sua edição de quarta-feira da passada semana (página 4), o jornal “Notícias” fazia-se eco de uma situação registada na província de Tete. E, titulava: “Salas de aulas desabam e ferem examinandos”. E, logo a seguir, escrevia: “Quinze alunos contraíram, há dias, ferimentos entre graves e ligeiros em consequência de lesões causadas pelo desabamento de quatro salas de aulas numa Escola Primária do distrito de Mutarara, província de Tete. Os alunos foram colhidos de surpresa pela calamidade a escassos minutos de terminar um dos exames que prestavam da sétima classe, estando neste momento fora de perigo.”. A local embrenha-se, depois, sobre algumas questões técnicas relacionadas sobre a globalidade dos exames. E admite a possibilidade de o referido grupo de alunos poder vir a “ser submetido a exames de segunda época”. Infelizmente, para nós, que estamos longe do local do incidente, pouco ou nada ficámos a saber sobre as causas ou as origens do mesmo. A não ser que “os alunos foram colhidos de surpresa pela calamidade (...)”. Curioso é termos ficado a saber que o desabamento de salas de aulas já tem o estatuto de “calamidade”. Há quanto tempo e quem construiu as referidas salas de aulas, surge como questão irrelevante. Como irrelevante é saber as causas do seu desabamento. Importante é termos ficado a saber que o desabamento de escolas mal construídas constitui “calamidade”. Cá por mim, é bem pior do que isso. Trata-se de uma epidemia sem cura e sem vacina. Pelo rumo que as coisas estão a tomar, estamos a caminhar no sentido de uma lógica da impunidade. Com base na qual será construída uma cultura de impunidade.

domingo, novembro 27, 2011

Desobedecer é um dever de cidadania

Há quem diz que água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Seria bom que sempre assim fosse. Mas, parece não ser. Não é mostra ter demasiada cera nos ouvidos. E nada ouvir, nada querer ouvir. Ou, como também afirma a sabedoria popular, “fazer ouvidos de mercador”. Ou “orelhas moucas”. Como apresenta-se ser, e é, o caso concreto de certos dirigentes do Conselho Municipal da Cidade de Maputo. Que mesmo quando alertados para o erro e para a aberração de certos comportamentos nada faz. Nada faz para alterar a situação. Para corrigir os desvios comportamentais. Pelo contrário. Persiste em continuar a apadrinhar a violação dos direitos dos cidadãos. Em plena via pública. A qualquer hora do dia. Permitindo que o anormal se transforme em normal. Apetece perguntar se alguém sabe explicar em que cidade vivemos. A que mundo pertencemos. E o motivo pelo qual as entidades que têm por dever garantir a ordem e a nossa tranquilidade, procedem como procedem. Ou seja, de forma objectivamente inversa. Fechando os olhos e os ouvidos aos sucessivos apelos no sentido de impedirem as sucessivas violações dos direitos dos cidadãos. Quando apoiando ou sendo coniventes com essas violações. Quando não, pela via do silêncio cúmplice.



Neste mesmo espaço, faz tempo, já alertámos para a situação. Outros jornais também já o fizeram. Sob diferentes perspectivas. Estamos a falar desses grupos de jovens fardados que, nas mais diversas artérias de Maputo. Nos mandam parar. Nos estão constantemente a mandar parar. Através de descabidos e desabridos gestos com os braços. Tal como sucede com muitos dos doentes mentais que, de quando em quando, tudo fazem para nos interromper a marcha. Outras vezes, esses jovens, tanto eles como elas, recorrem ao que tanto pode ser classificado como brinquedo de criança ou instrumento de trabalho. Trata-se, no caso concreto, de coloridos apitos. Vai daí, assistimos a um festival de apitadelas. Muitas outras vezes, à paragem junto a sinal luminoso, somos abordados com modos pouco educados e de forma desabrida. Para nos exigirem a carta de condução. Quem são, donde vieram, para onde vão estes grupos de jovens fardados, ninguém sabe. Nunca alguém explicou publicamente nada. Nem coisa nenhuma. Quem os comanda e a quem prestam contas, também constitui segredo. Se fazem parte de alguma nova estrutura do Conselho Municipal, também está por saber. Como não se sabe se, pelo contrário, são membros, são a face visível de alguma sociedade secreta. Criada entre nós. Sociedade essa, com características fascistas Como o são, comprovadamente e sem receio de desmentido, os estranhos métodos que utilizam no desempenho da sua estranha tarefa. Perante tantas questões colocadas, todas elas por responder publicamente, parece irrelevante colocar várias outras. Entre as quais uma. E a mais pertinente: Que lei, que legislação permite a estes grupos de jovens fardados actuarem e interferirem em matérias de trânsito. Digamos que nenhuma. E que estamos perante uma situação de abuso de poder. De usurpação de poderes. No concreto, importa acrescentar que o que queremos dizer é que estamos cansados de ser incomodados e violentados na via pública. Muito provavelmente, estas e outras más actuações, estes e outros comportamentos errados, estão na base de um outro fenómeno. O de um movimento sem líder visível. Que aponta no sentido de recolocar Eneas Comiche à frente dos destinos da capital do país. Se a ideia é válida ou não, se tem pernas para andar ou não, o tempo o dirá. Neste momento, a única coisa que importa acrescentar, é que a todos nós, como cidadãos, assiste o direito constitucional de desobedecer a ordens ilegais. Que perante a actuação ilegal desses pseudo polícias de trânsito, temos o direito de desobedecer. Ou seja, neste caso concreto, desobedecer é um dever de cidadania.

domingo, novembro 20, 2011

O gás da nossa amargura

Temos vindo a assistir, com repetida frequência, à divulgação de novas descobertas de carvão e de gás natural. Em território moçambicano. E, consequentemente, de novos e vultosos investimentos na exploração dos referidos recursos. Sobre a exploração de gás natural, o jornal “Notícias”, na sua edição do passado dia 15 (página 8), titulava: “ENI anuncia 50 mil milhões de dólares para Rovuma”. E logo a seguir escrevia: “O grupo italiano ENI vai investir 5 mil milhões de dólares no desenvolvimento das reservas de gás natural descobertas em Moçambique visando a exportação para os mercados asiáticos. [...] A ENI anunciou recentemente a descoberta de reservas com mais de 22,5 biliões de pás cúbicos de gás natural em Moçambique, na bacia do Rovuma.”. Convenhamos que 50 biliões de dólares são algo incontáveis em termos físicos. Que é um montante demasiado elevado. Mais acrescenta a local que “(...) está a ser ponderada a construção de diversas unidades de liquefacção do gás natural, que se destina a ser vendido na Ásia.”. Sem dúvida, o que parece estar a dar é vender para a Ásia. Quer se trate de carvão ou de gás. Ou, se assim se preferir, de responder às necessidades de desenvolvimento dos países daquela região do Globo. O que nada tem de mau, o que até tem tudo de bom. Desde que estejam devidamente acautelados os interesses nacionais. O que não é completamente pacífico que esteja a acontecer. Pode, até, admitir-se que já estejamos a pagar pelo crescimento de outros.



Na sua edição do mesmo dia, o referido matutino titulava na página 1: “Gás de cozinha começa a chegar”. Uma boa notícia após um longo período de penoso calvário. De impossibilidade de adquirir o referido produto. Mas, logo a seguir contrariada. Negada. Segundo o que nos foi dado ler, “A IMOPETRO retomou ontem a importação das primeiras quantidades de gás de petróleo liquefeito (GPL), vulgarmente conhecido por gás de cozinha. Mesmo assim – e é aqui que começa a desilusão de todos nós – não se espera que o mercado esteja suficientemente abastecido de imediato, porque se tratou de uma ruptura de ‘stocks’ prolongada que vai exigir algum tempo a sanar”. Numa aparente tentativa de atenuar a nossa desilusão, a notícia termina assim: Para além do produto importado das refinarias sul-africanas, a IMOPETRO espera que até ao próximo dia 24 comece a chegar GPL, descarregado a partir de Port Elizabeth, que leva cerca de dez dias a ser transportado até Maputo. Afinal, tudo parece indiciar tratar-se de má notícia. E não de boa. De resto, tentar perceber o país em que vivemos também se apresenta como pouco fácil. Deixando de lado esta já longa e fastidiosa novela da falta de gás doméstico, do gás que vem e que depois talvez venha, existem questões de fundo. Uma, e que parece primária, é a de saber os motivos pelos quais o nosso gás beneficia outros e não nos beneficia a nós, Os motivos pelos quais quando o nosso gás é exportado a história acaba. Não são acautelados os interesses nacionais. A segunda questão, e que pode parecer não menos perversa, é a de saber que motivos ou que interesses impedem que o gás de Pande possa ser transformado em gás doméstico. De resto, com tanta incongruência e com tanta falta de coordenação das políticas sectoriais, esperemos que essa vontade de aumentar o número de viaturas movidas a gás seja mais do que isso. Seja mais do que um desejo. Até, falar de gás, é estar perante o gás da nossa amargura.

domingo, novembro 13, 2011

Carvão para fartar a vilanagem

O último relatório do PNUD sobre o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em Moçambique está a provocar polémica. Devido à posição atribuída a Moçambique na listagem geral. Alegadamente por não ter sido usada a informação produzida pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Logo, sucedem-se explicações e justificações. Por parte de quem se ente lesado. Injustiçado. Uma das primeiras explicações, uma das primeiras justificações públicas, terá vindo por via da TVM. Através de entrevista a funcionário superior do INE. No decorrer de um serviço das 20 horas. Só que o bom do funcionário do Estado em vez de se limitar ao que ia, ao tema que justificou a sua presença em estúdio, decidiu começar a tratar da machamba própria. Da machamba pessoal. Vai daí, por se estar em dia de festa muçulmana, entendeu ser seu direito, ou seu dever, deixar uma mensagem. A sua saudação pessoal sobre a efeméride. O que se foi surpresa total para quem o escutava, não pareceu menos surpresa para o entrevistador. Que se quedou queda e muda durante todo o tempo que durou o perorar do mensageiro religioso. Este tipo de comportamento é, em primeira análise, pouco ou nada ético. É que não se entende, nem se compreende, que um espaço e um tempo destinados a tratar de assuntos do Estado, da coisa pública, sejam partilhados com questões religiosas. De propaganda religiosa. Por única e mesma pessoa. Por sinal, agente do Estado. Parece, surge aos olhos de quem vê e aos ouvidos de quem ouve, uma mistura promíscua. Para não se falar em relação incestuosa. Estado e Religião – seja ela qual seja – podem e devem coabitar em harmonia. Através do respeito mútuo e do respeito às leis que os separam. Não através de processos de concubinagem.



Por ocasião e para participar nas comemorações dos 25 anos da morte do primeiro Presidente de Moçambique, esteve entre nós um personagem até então desconhecido por estas bandas. Segundo o jornal “Notícias” (página 6 de 9 do corrente), que terá retirado a notícia da Internet, “Samora ‘brasileiro’ gostou de Moçambique”. Ao que pode ler-se, trata-se um jovem brasileiro de 25 anos, de seu nome completo Samora Machel Messias da Silva de Almeida. Ele “encontrou-se com o casal Mandela, pela primeira vez em 1998, em Brasília, quando tinha 9 anos.”. E, pela segunda vez em 2010 em São Paulo. Segundo a local, nesta ocasião, “Graça Machel, ex-esposa de Samora Machel, fez o convite para participar nas festividades que aconteceram em Outubro.”. Ignoro, por completo, qual a reacção da esposa de Nelson Mandela e viúva de Samora Machel ao ver-se tratada como ex-esposa do seu falecido marido. Possivelmente, até terá considerado não se tratar de uma desconsideração. Mas de pura ignorância. De falta de conhecimentos da língua portuguesa. Sobre todos os seus aspectos. Afinal, o tão badalado mas funesto acordo ortográfico pode servir para muito. Mas não chega para tudo. Não chega, no mínimo para encobrir e para cobrir os incompetentes. E as suas públicas incompetências. Oxalá, seja, em breve, arrumado nas gavetas dos nados mortos. Como parece ter acontecido com a promessa brasileira de construir uma fábrica de anti-retrovirais em Moçambique. Assunto de já ninguém fala. Ou não quer falar. Para não ferir susceptibilidades. Afinal, o que dá, o que está a dar é mesmo negócio do carvão. E nós até temos muito carvão. Temos suficiente quantidade de carvão para fartar a vilanagem.

domingo, novembro 06, 2011

Arranjar lenha para se queimarem

Já me haviam contado a história. Tive alguma dificuldade em acreditar no que estava a ouvir. Fiquei na dúvida, fiquei com dúvidas se seria mesmo verdade. Até que há poucos dias fui eu o protagonista ou a vítima de situação semelhante. Ou igual. Circulava, calmamente, pela avenida 24 de Julho. A meio de uma tarde e em direcção à avenida Nyerere. E, quando digo que circulava calmamente, quero dizer que circulava a uma velocidade muito abaixo da permitida por lei e pela faixa do lado direito. Obedecendo à sinalização luminosa, parei num semáforo que mudou para o vermelho quando me aproximava. Acto contínuo, vejo uma jovem fardada a correr na minha direcção. Pela divisória central das duas faixas de rodagem. Ao chegar junto da minha viatura, disparou em voz bem alta e num tom arrogante: “Peço a carta de condução”. Surpreso com o pedido, respondi com um “como”, interrogativo. Como resposta, escutei a repetição da solicitação anterior. No mesmo tom de voz inalterável, como que produzida e ensaiada em laboratório. E, com a mesma arrogância: “Peço a carta de condução”. Perante a repetição, confirmei não estar a ouvir mal. Tratava-se, afinal, de um disparate. De uma atitude boçal. Resolvi questionar: “Mas a senhora é polícia”. Respondeu-me a jovem: “Sim, sou polícia”. Com uma longa fila de carros atrás de mim, fiquei sem o necessário tempo para continuar o diálogo. Para ficar a saber a que Polícia pertence, quem é o seu comandante e qual é a sua missão. É que o sinal luminoso passara do vermelho para o verde. Arranquei para evitar prolongada buzinadela. Antes, ou nesse momento exacto, ainda tive tempo para dizer à jovem agente policial, que pode não ser mais do que objecto utilizado com fins obscuros: “Não lhe mostro carta de condução nenhuma”. E segui o meu destino.



Estas e estes jovens, podem ser vistos, hoje, junto de muitos semáforos de diferentes artérias da capital do país. Para segurança dos citadinos, seria importante saber-se, publicamente, quem são, a que organismos pertencem, qual o objectivo da sua actuação, que instruções estão a cumprir e a quem prestam contas. Aparentemente, e pelo que nos é dado observar, parecem agir por vontade própria. Ou a soldo de alguém que não quer dar a cara. A par destes estranhos personagens introduzidos no quotidiano da cidade de Maputo, temos outros. Aparentemente, os filhos mais pobres. Trata-se dessas dezenas ou centenas de cidadãos, a quem foi concedida uma braçadeira vermelha. A coberto da qual pensam poder fazer e desfazer em tudo o que seja ordem pública. Incluindo afrontar-se e confrontar-se com seguranças privados de empresas privadas. Em alguns casos, comprovadamente, sob o efeito de álcool ou de drogas. Os critérios que levaram à atribuição dessas braçadeiras também não são conhecidos publicamente. Muito menos como é controlada a sua utilização. Ou como não é. E, de facto não é. Ninguém sabe se quem transporta uma dessas braçadeiras vermelhas é a pessoa a quem a mesma foi atribuída. Ou um amigo, um primo, um cunhado ou um tio. As tarefas, os direitos e os deveres de quem usa as mesmas, não passa de segredo. Não segredo de Estado. De segredo de quem decidiu colocar esses homens e mulheres na via pública. Na rua. Com o fim claro e objectivo de provocar agitação social. Que, como todos sabemos, poderá atingir proporções de difícil controlo. Torna-se urgente, é necessário que os senhores do Conselho Municipal consigam abandonar a sua já tradicional letargia. E agirem por antecipação aos acontecimentos. Caso contrário, correm o risco de estar a arranjar lenha para se queimarem.

domingo, outubro 30, 2011

Medidas irracionais

Há que saudar e elogiar aqui. Que criticar e fazer chamadas de atenção ali. Acolá. Em relação a medidas e a decisões tomadas aos mais diversos níveis de governação. O objectivo, como se compreende, não é o da crítica pela crítica. É o da crítica como forma e como fórmula de contribuir para melhorar e para aperfeiçoar a gestão da coisa pública. Na perspectiva do cidadão. Que, afinal, é a razão de ser do Estado. Da base ao topo. Ora, voltemos a falar sobre as medidas tomadas com o intuito de facilitar, de melhorar a circulação automóvel na capital do país. Para evitar os crónicos congestionamentos. A determinada horas e em diferentes locais. Digamos que foram bem-vindas. E que foram bem recebidas. Agora, já outras, nem tanto assim. Até parece que o legislador perdeu de vista o interesse comum, perdeu de vista as necessidades e os direitos do cidadão. E que não passam de incongruências e de acabado disparate. Fique a tentativa de desejar fazer bem. E o tempo para corrigir erro grosseiro. O disparate.


Anda por aí à conquista de espaço e de apoio uma ideia de senhores milagreiros. Segundo a qual limitando ou reduzindo os espaços de estacionamento fica mais espaço para circulação. Parece verdade. Mas não é. Não passa de pura magia. Sendo que possa não ser de magia negra. Apenas de pura ilusão. Pelo simples facto de que a inversa também é verdadeira. Isto é, que reduzindo o espaço de circulação fica mais espaço para o estacionamento. E, parece ser aqui que radica o conflito. Entre quem pretende circular rápido e entre quem pretende estacionar fácil. O árbitro da questão, decidiu. Fácil e rápido. Lesto. Mas só que quem decidiu, foi juiz em causa própria. Não quis ouvir aqueles nem estes. Simplesmente, decidiu. E, ao que parece, terá decidido mal. De resto, não se decide bem quando se decide em causa própria. Pelo menos e em princípio, há quem fica a perder e quem fica a ganhar. Sobre esta matéria, o “Notícias” do passado dia 21 (página 3), escreve que “As vias de sentido, desde há três semanas, passam a admitir estacionamento apenas numa das bermas”. Elucida a local que “Os agentes da Polícia Municipal estão autorizados a rebocar as viaturas estacionadas em locais proibidos, o que se crê conferirá maior capacidade às vias, reduzindo, deste modo a pressão por exemplo a nível da Avenida Samora Machel e na área da Praça da Independência.”. Esta questão, que parece simples não o será tanto assim. Pergunte-se, em primeiro lugar, qual o instrumento legal que permite à chamada Polícia Municipal rebocar viaturas. Se é que esse instrumento legal existe, e todos queremos acreditar que sim, que nos informem onde o poderemos obter. Para que, amanhã não sejamos alvos de chantagem e de tentativas de corrupção. Para que possamos viver dentro das leis aprovadas pelos nossos eleitos. Uma outra questão. Não menos importante. Trata-se de saber como, perante tanta falta de espaço para estacionamento, há tanto espaço concedido para a venda de viaturas usadas. Esses chamados parques de venda que por aí abundam e desbundam. Em todas as zonas da cidade. Até nas chamadas zonas nobres. E de saber, também, que alternativas de estacionamento criou o Conselho Municipal. Que espaços de estacionamento criaram antes de anunciar as medidas demagógicas e irracionais que tem vindo a tornar públicas. Medidas essas ilegítimas. E, até prova em contrário, ilegais. Pelo rumo que a situação nos aponta como futuro, estamos mal. Corremos o risco de sermos todos classificados como ilegais. Caso não nos tenha sido concedido o privilégio de viver num condomínio fechado. A partir de agora, a partir de há poucos dias, ficámos todos a saber que o que nos espera é muito simples. Ou será muito simples. Quando regressarmos a casa, depois de um dia de trabalho, ir comer e dormir carregando o carro debaixo do braço. Por falta de espaço para estacionamento. Resultantes de medidas irracionais.

domingo, outubro 23, 2011

Fogo-de-artifício para turista curtir

A questão da produção, manipulação e consumo de tabaco é algo polémica. É incontestável e está fora de qualquer discussão que o tabaco faz mal à saúde. É inimigo de boa saúde. Daí o serem vem vindas, serem de aplaudir as iniciativas que tenham em vista eliminar ou reduzir os riscos provocados pelo consumo de tabaco. Sem fundamentalismos. Tendo presente, sem perder de vista, que fumar também é um direito. Por parte de quem queira esse risco. Consciente de que está a atentar contra a sua saúde. Trata-se, aqui, do direito à diferença. O jornal “Notícias”, edição da última quinta-feira, anunciava para o dia seguinte, sexta, a realização de um seminário sobre o controlo do tabaco em Moçambique. Com destaque de primeira página e sob o título “Controlo do tabaco vai a debate”, a local acrescentava tratar-se de uma iniciativa da Associação Moçambicana de Saúde Pública (AMOSAPO) (...) Podia ler-se, a seguir, que “O evento, segundo uma nota daquela agremiação, vai reunir parceiros interessados na campanha antitabaco em ambos os sectores de trabalho (público e privado) e tem como objectivo reforçar a campanha e fortalecer a rede de combate ao tabagismo no país, com vista à ratificação do primeiro tratado internacional de saúde pública (Convenção Quadro de Tabaco – CQCT, da OMS), pela Assembleia da República, para assegurar a redução do impacto nefasto do consumo do tabaco na geração presente e futura, principalmente nas camadas sociais mais vulneráveis expostas voluntariamente ao fumo do tabaco.”. Digamos que sim. Que em termos de princípios estamos todos de acordo. Principalmente quando se trata de proteger, de defender a saúde pública. Mas, manda a verdade de dizer que de “boas intensões está o mundo cheio”.


Nesta como em muitas outras e diferentes matérias, a questão de fundo não está na falta de legislação. Está, muito pelo contrário, na falta de capacidade em fazer aplicar a legislação aprovada. A já existente. Ou na falta de vontade em a fazer aplicar. Por interesses pessoais. Ou por conflito de interesses. Demos um exemplo. Existe legislação que proíbe a venda de cigarros e de bebidas alcoólicas a menores de idade. Quem fiscaliza para que assim seja. Ninguém. De resto, a questão está em saber como e com que meios fiscalizar esses muitos milhares de vendedores. De cigarros, de bebidas e futilidades. Na maioria dos casos, tudo importado. Agora, maioritariamente da China. A baixo mas de pouca ou nenhuma qualidade. Logo, de pouca duração. Até parece que os governantes, aos mais diversos níveis, ainda não perceberam que vivemos num país de compra e venda. Que Moçambique é um grande bazar. No mau sentido do termo. Porque vende o que não produz. Que só vende o que importa. Legal ou ilegalmente. Ora, parece contra natura e de pouco sentido limitar ou proibir a venda de um produto que aqui se produz em grandes quantidades. Legalmente. Com benefícios para os produtores, para muitos dos quais constitui cultura de rendimento, e pagando impostos ao Estado. Estamos a falar do tabaco. Se o tabaco faz mal à saúde e, de facto, parece que faz, que se comece por proibir a sua produção em território nacional e a sua transformação em cigarros. Isto, apenas, por uma questão de coerência. Por uma questão de princípios. Até porque nós temos o dever de nos afirmarmos como pessoas de princípios. De resto, se a legislação que se pretende fazer aprovar nada tiver com a realidade, é legislação que irá cair no vazio. Será como “chuva sobre pato”. A dúvida que se deve colocar é para quê mais legislação. E se todo este exercício passa de mero fogo de artificio. Fogo-de-artifício para turista curtir.

domingo, outubro 16, 2011

Faça fazer justiça

Anualmente, os salários dos trabalhadores do Estado são actualizados. O mesmo acontece com os trabalhadores das empresas públicas. Critério idêntico é seguido em relação aos reformados do maior empregador nacional. O Estado. Embora em percentagens diferentes. O que parece significar, o que pode ser interpretado como um critério justo e racional. Como o desejo e a intensão de manter o poder de compra dos reformados. De permitir que estes possam fazer face ao constante e permanente aumento do custo de vida. Que a todos atinge de maneira igual. Quer se trate de trabalhadores no activo ou em situação de reforma. Já critério semelhante ou igual não é seguido pelo Instituto Nacional de Segurança Social (INSS). Aqui, os reformados há vários anos que não sabem o que é actualização das suas reformas. Nem, sequer, em um metical. Isto, depois de várias décadas de descontos. Depois de terem visto descontados nos seus salários muitos milhares de contos. Dinheiro que, a ter sido aforrado ou colocado em depósito bancário, teria hoje uma muito mais justa retribuição. Sem qualquer hipótese de desmentido. O motivo pelo qual as reformas pagas pelo INSS não são actualizadas, ninguém conhece. Nesta área, neste campo, tudo parece secreto. Ninguém sabe, ninguém conhece, como é gerido e aplicado o dinheiro dos reformados. Por forma a poder gerar mais dinheiro. E, assim, permitir a actualização das reformas. Uma coisa parece certa. No INSS já deixou de haver um mínimo de respeito pelos reformados. Pelos direitos adquiridos dos reformados. Através ou por motivo dos descontos que lhes fizeram ao longos de muitas décadas de trabalho. Com base em legislação que uns foram obrigados a cumprir e outros violam. Impunemente. Neste campo, para além dos aspectos legais seguir, sobre o que é público, parece haver outros não menos pertinentes. Mas que já entram na competência do Conselho de Ministros. E, em última instância, como soberano, do Presidente da República.



Desde há muito, desde sempre, que é questionada a forma como é gerido o INSS. Como são geridos os dinheiros do INSS. O mesmo é dizer como são geridos dos dinheiros descontados por milhares de trabalhadores moçambicanos. Ao longo de décadas. Com direito a voto. Para poderem ter, na velhice, uma reforma digna. E condigna. Ao sabor dos ventos e dos equilíbrios dos poderes do momento, foram sendo mudados gestores do INSS. O que permite concluir, à luz da realidade de hoje, que mudaram as moscas mas que não mudou a merda. Gostemos ou não, possa ou não parecer radicalismo, o INSS há muito que deveria ter sido extinto. Processados os seus gestores de então, Caso houvesse matéria para tanto. E substituído por uma instituição independente. Com suficiente autonomia. Em todos os campos. Não deixa de ser estranho que, perante sucessivas denúncias públicas, sobre o que se passa no INSS, nada mude. Tudo continue como dantes. Poderá tratar-se apenas de uma questão de lentidão da nossa Justiça. Mas, poderá ser que não apenas. Ainda na sua última edição, o jornal “Zambeze” titulava que, em resultado de auditoria externa, “PGR investiga escândalo financeiro no INSS”. E acrescentava que “Dinheiro da instituição escangalhado na aquisição de luxuosa viatura e imóvel para o PCA”. Na mesma local, são citadas algumas declarações do PGR sobre o assunto. Entre as quais que “Preocupam-nos bastante as informações desabonatórias quanto à gestão dom INSS, sobretudo quando temos plena consciência de tratar-se dos dinheiros dos pensionistas”. É isso mesmo senhor PGR. De dinheiro descontado por nós, velhos. De resto, o lugar de ladrões e de corruptos é na cadeia. Como está a acontecer com outros que eram considerados intocáveis. Se, mais uma vez se se trata ou não de um acto de coragem, fica a questão. Como fica o pedido de faça fazer justiça.

domingo, outubro 09, 2011

Travestir em documento milagreiro

Há quem diz que, em Moçambique, a terra não se vende. Que é propriedade do Estado. Mas também há, todos os dias, quotidianamente, quem nos mostre, quem nos demonstre precisamente o contrário. Seja, que em Moçambique a terra é matéria, é objecto de venda. E que, logo, pode ser comprada. Que mesmo contra o que é Lei, contra o que diz a Constituição, a terra é matéria e objecto de negócio. Sendo-se claro e preciso. Em Moçambique a terra vende-se. A terra compra-se. É objecto de negócio com fins lucrativos. Muito embora não seja, não constitua, por si só, um bem de capital. É certo que, de quando em quando, surge um dirigente político a afirmar que a FRELIMO lutou para libertar a terra e os homens. Que lutou, lutou. Incontestável e definitivamente. Que tenha conseguido esses dois objectivos, que tenha conseguido essa apregoada vitória, já não é líquido nem pacífico. Tão incontestado. É que os desejos, os objectivos apregoados, são uma coisa. A realidade actual, e realidade em que nos movimentamos, pode ser e muitas das vezes é, outra. Mesmo quando ou se, esses declarações públicas e solenes são feitas para apaziguar espíritos ou almas defuntas. Se o conseguem, constitui matéria questionável. Muito provavelmente, não. Não conseguem. O que, mesmo assim, em nada altera o curso da história. Pelo menos da história que já o é. Resta e fica por saber o que nos trará o porvir. Sendo que o futuro só depende dos vivos. Que só aos vivos pertence. Mesmo quando comece por ser sonho. Ou utopia. Até porque, como diz o poeta no seu poetar, no seu saber, no seu pensar saber ou no seu ser utópico, é o sonho que comanda a vida. De resto, sem sonhos e sem utopias nunca teríamos chegado aonde já chegámos. Em termos humanos e civilizacionais.



Na sua edição do dia 30 do mês findo, publicou o jornal “Notícias” (página 8), um anúncio publicitário paradigmático. Melhor e mais elucidativo do que este, só alguma das muitas tabuletas de madeira, que parece ter virado moda pregar em qualquer árvore de uma qualquer artéria de Maputo. Impunemente e sem o pagamento de qualquer taxa por ocupação de espaço público. Municipal. Ora, o anúncio publicitário feito publicar no referido matutino diz, textualmente ou sic), o seguinte: “TERRENO na Catembe, Km 18, com 8230m2, (8,2ha, na orla marítima, c/450m de praia, vedado em processo de emissão do DUAT, vende-se. Contacto:....... (particular)” Naturalmente, a omissão, neste texto, do número de telefone, é propositada. Já que em nada altera o que se pretende concluir. E, o que se pretende concluir é que, em Moçambique, a terra, parece que pode ser e parece que é vendida. Logo, também pode ser comprada. Basta, ter-se um DUAT. Seria interessante e reconfortante saber quais as acções que estão a ser desenvolvidas pelas autoridades municipais e da Justiça para esclarecer esta situação. E muitas outras que lhe podem ser semelhantes. Até ao momento, o silêncio pode querer dizer que nada. Ou que, mais do que isso, que quem tem DUAT tem tudo, quem não tem um DUAT tem nada. Pode até acontecer, como hipótese, que com a bênção de alguma dessas muitas igrejas que por aí proliferam. E que desenvolvem os seus cultos com apoio ao mais alto nível da governação. Com tanto milagre está por aí a noticiar-se, fica por saber se conseguir obter um DUAT não será também obra de um qualquer deus. Um milagre. Ou se conseguiu obter carta de alforria. Para se travestir em documento milagreiro.

domingo, outubro 02, 2011

É tempo para actuar com o rigor da lei

Nos últimos tempos, o Conselho Municipal da Cidade de Maputo (CMCM) tem vindo a tomar um conjunto de medidas em matéria de trânsito. Em matéria de circulação automóvel. Para tentar inverter, com a finalidade de alterar aquela que é a situação de caos actual. A situação de caos em tínhamos sido condenados a viver. Ou, melhor, a circular. Devido a vários factores. O principal dos quais será o aumento rápido e crescente do número de viaturas em circulação. Num mesmo espaço e sem que tenham sido criadas, igualmente, alternativas de estacionamento. A mais recente, a última dessas medidas do CMCM, foi a adopção da circulação em sentido único em várias e diferentes artérias da capital. Dois dias depois da entrada em vigor das alterações, ainda não há tempo suficiente para se fazer uma avaliação definitiva dos resultados da medida. Definitiva e consciente. Diga-se, porém, repita-se, como parece ser o caso, que a introdução das novas medidas veio criar situações novas. Veio, já, mostrar haver necessidade de harmonização entre o que é novo e o que é velho. Isto é, que há casos, que há situações, em que a antiga sinalização vertical ou luminosa está em contradição com a nova. Com a sinalização agora introduzida. Digamos que há situações em que antigas e novas sinalizações se contradizem. Se anulam mutuamente. O que pode justificar confusão e protestos sonoros. Como tem vindo a acontecer. O que pode ser evitado. Com facilidade.



Uma outra medida recente do CMCM, foi a proibição da circulação de veículos pesados de carga nas artérias da cidade. Durante o dia e sem a devida e necessária autorização camarária. Aqui, ou a decisão não foi devidamente divulgada ou não foi compreendida. Ou, simplesmente, está a ser ignorada. É fácil ver, não custa verificar que assim é. Basta querer ver. Hoje, como sempre aconteceu, veículos de grande tonelagem continuam a circular pelo centro da cidade. A qualquer hora do dia. Transportem contentores ou qualquer outro tipo de mercadorias. Depois, param, estacionam, onde muito bem lhes apetece ou julgam ter o direito de o fazer. Mesmo quando esse direito viole o direito de muitos outros. De nós todos. De podermos circular em espaços definidos como públicos. De espaços onde não existem restrições à circulação impostas por lei. Até parece, e bem poderá ser isso, que em “terra de cegos quem tem um olho é rei”. Em situações não muito diferentes, haverá quem pense, quem possa pensar, estar numa “república de bananas”. O curioso, o caricato, é que tudo isto se passa perante o olhar impávido e sereno dos agentes das nossas muitas polícias. Que parece ter adoptado a postura do macaco. Que para evitar qualquer tido de conflito, está simbolizada em peças de artesanato, para turista ver e comprar. E que se pode traduzir por “não sei, não vi, não ouvi”. Todos nós sabemos que o nosso problema, o nosso grande problema, não é de falta de legislação sobre as mais diversas matérias. O nosso problema reside na falta de capacidade ou de vontade em aplicar a legislação existente. E aprovada com toda a legitimidade. Poderá, até, ser, em último extremo, de falta de coragem. Mas, como diz o adágio popular, “quem não deve não teme”. Logo, em termos de lógica, parece não restarem dúvidas que são tempo para actuar com o rigor da lei.

domingo, setembro 18, 2011

Corrigir o que está errado

Terá entrado ontem em vigor o novo Código de Estrada. À partida, a alteração, a actualização das normas que regem a circulação automóvel é, a todos os títulos, louvável. Parece haver, porém, no caminho que nos conduziu até aqui alguns acidentes de percurso. Vários e perigosos. O primeiro e o que mais notado, é o da pouca publicidade, da limitada divulgação, sobre o que foi alterado. Convenhamos que não basta, que é insuficiente meia dúzia de artigos e umas tantas entrevistas publicadas no jornal diário de maior circulação do país. Poucos dias antes da entrada em vigor da referida nova legislação. É que, tal como as coisas estão a acontecer, a sensação com que se fica é que se está, mais uma vez, a impedir ao automobilista, ao condutor, o acesso à informação sobre a realidade. Sobre o que é seu dever e seu direito. Uma informação que, a não serem alterados os procedimentos actuais, passa a ser exclusiva dos agentes fiscalizadores. Logo, que estes passam a ter poder discricionário sobre o automobilista. Com base num conhecimento que só ele tem. Ou, até, não tem. De resto, é duvidoso se os agentes fiscalizadores do trânsito têm um mínimo de conhecimentos sobre a matéria que estão a fiscalizar. Se já foram dotados dos necessários conhecimentos sobre a nova legislação. E dos necessários documentos legais que possam suportar a legalidade da sua actuação. Ou se, pelo contrário, vão continuar a deixar para segundo plano os interesses do Estado e da sociedade. E continuar a agir segundo os interesses do seu umbigo. Ou da sua barriga. De resto, desconhecimento sobre a realidade do que se passa nas nossas estradas até parece doença. Que atinge cabeças a alto nível de governação. Veja-se só que, não passam muitos dias, ouvimos alguém, convicto da sua sabedoria, afirmar que a velocidade máxima nas nossas estradas passava de 80 para 120 quilómetros por hora. De acordo com a legislação actualizada, até pode ser assim. Na prática, não. Desde há muitos anos, desde há mais de meia década, que a velocidade máxima permitida em determinados troços da EN1 é de 100 quilómetros. Basta ver a sinalização horizontal, para quem viaje no sentido sul - norte, colocada à saída da Aldeia 3 de Fevereiro. Ou, para quem viaje do sentido inverso, à saída da Palmeira. Em termos de sinalização horizontal na EN1, a situação não é má. É péssima. Neste momento, sem mais considerandos, exige uma rápida intervenção da ANE e do INAV para corrigir o que está errado. E, o que está errado é muito mais do que está correcto. Enquanto o errado não for corrigido, aqui expressamos o nosso direito à indignação.


Ainda em termos de trânsito, parece justo saudar as mais recentes medidas do Conselho Municipal de Maputo. Tomadas com o objectivo de atenuar os actuais congestionamentos em determinadas artérias. Trata-se, como se percebe, da introdução da circulação do sentido único em algumas vias. Aqui, é de inteira justiça saudar a atempada e repetida divulgação sobre as alterações introduzidas. Certamente que, presume-se, com o objectivo de prestar informação correcta aos citadinos, e de retirar espaço a gentes fiscalizadores oportunistas. Os tais que olham em primeiro lugar para os seus interesses umbilicais. E, só depois, para os do cidadão e do Estado. Agora, o trabalho dos senhores do Conselho Municipal não pode ficar por onde até chegou. Não pode terminar com a colocação de placas horizontais. Aqui e além. Algumas das quais tapando outras placas. Igualmente com informações úteis. Exige-se mais trabalho. Exige-se que seja feita a harmonização da nova com a antiga sinalização. Por exemplo, para eliminar situações de orientação errada. Para eliminar situações em que a sinalização luminosa indica para virar para uma via de sentido único. Neste caso, de sentido proibido. Trata-se de um pequeno esforço para corrigir o que está errado.

domingo, setembro 11, 2011

Para maior tranquilidade de todos nós

Há notícias que não nos surpreendem. O que nos pode surpreender é que os factos noticiados tenham demorado tanto tempo a virem a público. Como pode ser o caso presente. Vejamos. Na edição electrónica do passado dia 14, o jornal português “Expresso” titula: “Brasil: líder da IURD acusado de lavagem de dinheiro”. E, mais adiante, escreve: “Edir Macedo, fundador e líder da IURD, Igreja Universal do Reino de Deus, Foi ontem acusado pelo Ministério Público (MP) Federal em São Paulo por organizar, junto com outros três dirigentes da instituição, uma quadrilha para lavar o dinheiro dos dízimos dos fiéis. A justiça brasileira admite estender as investigações aos países onde a IURD está presente, a exemplo de Portugal.”. Mais diz a local que “De acordo com a investigação, entre 1999 e 2005, Edir Macedo e os demais membros do gang remeteram ilegalmente o dinheiro das ofertas dos fiéis para os EUA, através de uma loja de câmbio de São Paulo.”. “Os outros três membros da IURD são o ex-deputado federal João Baptista Ramos da Silva, o bispo Paulo Roberto Gomes da Conceição, e a directora financeira Alba Maria Silva da Costa.”. Farto em pormenores e em detalhes sobre a forma de actuação dos senhores da IURD, o “Expresso” escreve que “Ainda segundo a investigação, o dinheiro era obtido através de estelionato contra os fiéis da IURD, através de ‘falsas promessas e ameaças de que o socorro espiritual e económico somente seria alcançado por aqueles que se sacrificassem economicamente pela igreja’. “. Aos seguidores da igreja de Edir Macedo em Moçambique, talvez importe saber que “Os pregadores valem-se da fé, do desespero ou da ambição dos fiéis para lhes venderem a ideia de que Deus e Jesus Cristo apenas olham pelos que contribuem financeiramente com a igreja e que a contrapartida de propriedade espiritual ou económica que buscam depende exclusivamente da quantidade de bens materiais que entregam”, relata o procurador da República Sílvio Luís Martins de Oliveira, autor da acusação. Seguindo o relatado pelo jornal português, ficamos também a conhecer, entre vários outros detalhes da actuação dos quatro acusados, como, para onde e para que fins eram movimentados os elevados montantes de fundos. Que, acrescente-se, “eram utilizados directamente na compra de empresas de rádio e televisão.”. Para quem não sabia ou finge não saber, importa deixar claro que “A IURD é proprietária da rede Record de televisão e muitas emissoras de rádio no Brasil e outros países, Portugal inclusive”. Como, igualmente, inclusive Moçambique.



De recordar que Edir Macedo esteve recentemente em Moçambique. Onde participou na inauguração do tempo da IURD. Construído de raiz na capital moçambicana. Ocasião e local onde foi recebido ao mais alto nível pela governação nacional. A notícia a que nos temos vindo a referir, como já terá sido percebido, contem dois aspectos curiosos. O primeiro, é o de que “A justiça brasileira admite estender as investigações aos países onde a IURD está presente (...) ” como é o caso, concretamente, de Moçambique. O segundo aspecto, como importa salientar, refere-se à compra de estações de rádio e de televisão. Também aqui, a situação em Portugal parece não ser diferente daquela que se verifica em Moçambique. Dada a realidade e a semelhança de factos, seria de todo em todo útil que a investigação da justiça brasileira fosse extensiva a Moçambique. Para protecção dos nossos concidadãos e para maior tranquilidade de todos nós.

domingo, setembro 04, 2011

Todos ficamos a ganhar

A polémica está instalada. Mulheres deste país, entre outros membros de organizações da sociedade civil, que trabalham em defesa dos Direitos da Mulher e da Criança, insurgem-se contra um anúncio publicitário. A uma marca e a um tipo de cerveja. Preta. E vieram a público manifestar o seu descontentamento. Segundo o “Notícias” (edição de 7 de Setembro, página 2), “Para estas organizações, a Cervejas de Moçambique está a insultar e a ultrajar toda a mulher moçambicana, com uma publicidade que usa e abusa do corpo de uma mulher sem cabeça e sem membros inferiores, com o símbolo da cerveja estampado na região do púbis (do órgão genital), e ainda com dizeres: “Esta preta foi de boa para melhor. Agora com uma garrafa mais sexy”. “. Acrescenta o matutino que “Segundo as organizações, a garrafa de cerveja ostentando a figura de uma mulher foi concebida justamente para denotar que ela não tem rosto, cabeça nem pernas para tomar seu rumo, é apenas um objecto sexual e de prazer. Além de ser sexista, a mensagem é considerada racista.”. Mais adiante, Graça Sambo, do Fórum Mulher, é citada a questionar: “Porquê é que os capitalistas do nosso país, para venderem os seus produtos têm de incluir no pacote o corpo de uma mulher como um objecto igualmente comercial, e talvez gratuito, já que não tem identidade própria (sem rosto cabeça, pernas e sem identidade?). Porquê tanto sexismo? “. Pelo motivo e pela lógica da posição e da exposição, estas mulheres merecem que juntemos à sua a nossa indignação. Dando voz (na mesma página da referida edição) ao director da Cervejas de Moçambique, o “Notícias” titula que “CDM não vai retirar a publicidade”. Segundo este responsável, “antes do lançamento desta campanha publicitária foi feita uma auscultação aos vários grupos sociais, incluindo consumidores (homens e mulheres) deste produto que manifestaram satisfação pela garrafa”. Quando, onde, como e quantas pessoas foram auscultadas não sabemos. Mas, era importante saber. O que se fica saber é que as pessoas auscultadas o foram sobre a forma da garrafa e não sobre o conteúdo da publicidade que lhe é feita. Pode ler-se, ainda, que “quanto à retirada da publicidade, como exige a sociedade civil, o director comercial acrescentou que isso não vai acontecer, imediatamente, porque precisa ainda de fazer um estudo sobre até que ponto a publicidade está a provocar um impacto negativo junto à sociedade.”. Trata-se, como se viria a verificar, de uma afirmação sem qualquer lógica, sem nenhuma fundamentação e sem hipótese de sustentabilidade. A provar que assim é, aí está uma local do mesmo jornal na sua secção de “Breves” (página 1) do dia seguinte. Com o título “Cervejeira cede e retira publicidade da discórdia”. Mais ficámos a saber que “A Cervejas de Moçambique pôs mão à consciência e decidiu ontem pela retirada de todos os painéis propagandísticos e anúncios publicados em diversos órgão de comunicação social referentes à cerveja Laurentina Preta, que estava a ser motivo de discórdia social, por estar associada à figura de uma mulher, indicou fonte autorizada daquela cervejeira.”. Digamos, por fim, que se verificou um encolher das unhas por parte de quem tinha mostrado desnecessária agressividade. Ou que, se assim se desejar, imperou o bom senso.


Este caso, em si próprio, pode estar encerrado. E parece estar. O problema, a questão de fundo, essa permanece em aberto. Trata-se saber se a legislação moçambicana permite ou não publicidade a bebidas alcoólicas. Sendo que não, e parece que não, importa questionar qual a responsabilidade de cada um dos intervenientes no processo. Desde a produção da mensagem à sua divulgação. Em termos de interesse público parece útil e oportuno definir, claramente, o que e como a legislação permite publicitar. Por quem de direito e tenha competência para o fazer. Com uma clara interpretação da lei todos ficamos a ganhar.

domingo, agosto 28, 2011

Pensar e agir correctamente

Já deixou de ser surpresa ler notícias sobre a apreensão de drogas em território nacional. De drogas pesadas. Vindas das mais diversas partes do mundo. E com destinos nunca claramente definidos. Claramente conhecidos. A última, a última dessas notícias, ocupa toda a largura da primeira página do “Notícias” (edição de 31 de Agosto findo). O jornal depois de escrever que “Há mais detidos em Nampula”, titula: “Haxixe sob para duas toneladas”. No primeiro parágrafo da notícia, escreve: “Pelo menos duas toneladas de haxixe foram comercializadas no país no período que vai de Junho a esta parte a partir da cidade de Angoche, província de Nampula, o que aponta para uma subida da quantidade de droga relativamente às porções inicialmente anunciadas.”. Adianta o texto que “Em conexão com o caso, a PRM efectuou mais detenções, totalizando agora 11 indivíduos de um grupo de 12 presumíveis implicados no narcotráfico.”. A seguir, pode ler-se que “A droga havia sido descarregada de um navio que escalou a costa de Angoche entre os dias 3 e 4 de Junho último (...). Posteriormente, a carga teria sido transportada por duas embarcações até à ilha de Yatá, uma das nove que compõem o arquipélago de Angoche, numa operação supostamente dirigida por F. Atumane, tido como o cabecilha do grupo.”. A notícia dá, também, a conhecer que “O negócio de haxixe vinha decorrendo sem que as autoridades policiais se apercebessem, até que um dos 12 membros do grupo desviou 90 quilogramas do lote de duas toneladas que se encontravam enterradas num terreno baldio da ilha de Yatá.”. Esta fuga, este desvio da rota de comercialização da droga, terá constituído a pista para a actuação policial. Que, entre os vários suspeitos, aponta seis trabalhadores de uma empresa de pesca, um professor e o proprietário da referida empresa, entre outros. Elucida a notícia que “Do provável cabecilha do grupo sabe-se que o seu envolvimento no narcotráfico remonta há longa data, feito sempre a coberto de actividades ligadas ai ramo da pesca e turismo de praia nas ilhas adjacentes à cidade de Angoche. F. Atumane, que viu confiscadas duas embarcações e uma viatura usadas no transporte da droga para os potenciais compradores, questionado como conseguiu reunir em tão pouco tempo tanto dinheiro para adquirir os meios de transporte já referidos que são hoje parte do seu património, não soube responder.”. Resta-nos aguardar que a Polícia cumpra com o que prometeu. E que foi “investigar os contornos deste caso até às últimas consequências, pois, no seu entender, é chegada a hora de se esclarecer como é que navios permanecem ancorados em águas nacionais daquela região sem que a Administração Marítima, incluindo as unidades da Marinha de Guerra, tomem medidas tendentes a apurar o que estará a acontecer na área sob a sua jurisdição.”.

Uma questão parece inquestionável. Seria bom, seria excelente que depois de todas as diligências e de todas as investigações policiais podermos vir a ler na Imprensa os nomes dos implicados neste caso. Ora, por uma questão de lógica, se á tão fácil apresentar nomes completos e rostos de transportadores ou de comerciantes de “quatro” bolinhas de soruma, certamente nada impede que, aqui, o procedimento seja igual. Se assim não for, se assim não vier a acontecer corremos o risco de estar a cometer um erro. Grave. Que é o abrir espaço para que investigadores e polícias de países estrangeiros entrem em nossa casa. E nos venham apresentar os nomes dos traficantes nacionais. Ainda estamos a tempo de evitar mais uma situação de desprestígio nacional. Ainda temos tempo para pensar e agir correctamente.

domingo, agosto 21, 2011

Uma Justiça igual para todos

Foi a actual Avenida Julius Nyerere projectada para ter quatro faixas de rodagem. Desde o seu início até à actual Praça dos Combatentes, vulgo Xiquelene. Por motivos que não importa aqui aprofundar, foram apenas construídas duas. Ainda antes da independência. Mas, era visível que não faltava espaço, que estava reservado o espaço para a construção das outras duas. Inclusive, os postes de iluminação colocados na divisória central possuíam aquilo a que se pode chamar dois braços. Um com lâmpadas, do lado por onde se circulava. Outro sem lâmpadas, do lado da artéria ainda em projecto. Com o rodar dos tempos, este, este braço viria a ser retirado. Não se sabe porque artes nem a manso de quem. Mas que permitiu concluir que o projecto para a construção da segunda faixa da via tinha sido abandonado. Ideia que ganhava e que ganhou forma e que se consolidou, também, pelo facto de os terrenos públicos, ou camarários, destinados à construção terem vindo a ser progressivamente ocupados. Por privados. Por simples cidadãos nacionais. Ou, por instituições estrangeiras. Entretanto, as fortes chuvas caídas há anos em Maputo vieram interromper a circulação automóvel na única faixa de rodagem então existente. Devido à abertura de uma enorme cratera em determinada fase do percurso. O que viria a merecer a atenção de televisões internacionais. Que dali, que daquele local fizeram transmissões em directo. Para todo o mundo. Os anos foram passando céleres. As prioridades municipais foram sendo definidas e redefinidas. Até que, em anos recentes se começou a falar, com frequência, de novo, na reabilitação da artéria obstruída. Agora, o que nunca terá sido claro, o que nunca terá sido deixado claro é se os trabalhos a realizar diziam respeito apenas à reparação dos estragos causados pelas chuvas. Ou se consistiam, também, na concretização do projecto inicial. De um projecto que data de há cerca de meio século. Seja, na construção, também das outras duas faixas de rodagem. Embora pouco claro, pouco esclarecedor, parece ter surgido um dado novo. Caso não, caso estejamos perante um leitura errada do que é público, algo precisa ser revisto. Para que a concretização do projecto inicial daquela importante via rodoviária não passe de uma ilusão.


Recentemente, o Conselho Municipal da Cidade de Maputo fez publicar um aviso sobre esta matéria no jornal “Notícias” (edição de 16 do corrente, página 16). O referido texto municipal começa por informar que “No âmbito da Reabilitação da Av. Julius Nyerere, o Conselho Municipal de Maputo informa aos munícipes e as instituições públicas e privadas que vai decorrer nos próximos meses, obras de Reabilitação da Secção da Avenida Julius Nyerere entre a Praça do Destacamento Feminino e a Praça dos Combatentes.” Depois de afirmar que se irão registar restrições no tráfego rodoviário e de apontar a necessidade de prestar atenção à sinalização que venha a ser erguida, o referido aviso conclui: “Paralelamente, solicitamos a V. Exa. que removam voluntariamente todas as infra-estruturas erguidas ao longo da reserva da estrada no prazo máximo de trinta (30) dias de modo a permitir que os trabalhos sejam executados. (...)”. Perante este texto, aumenta, cresce a dúvida. É que não fica claro se apenas vai ser reabilitado o troço das duas faixas, destruídas pelas chuvas, ou se vai ser concluído todo o projecto inicial. O que surge claro, o que é claro, o que é facto, o que é verdade é que qualquer vendedor informal é obrigado abandonar uns tantos metros do passeio que ocupa com os seus produtos. Sob a ameaça de armas de fogo. No imediato. Enquanto estes senhores que ocupam a reserva da estrada, como se afirma no aviso, merecem o tratamento de “V. Exa.”. E lhes é concedido um prazo de 30 dias para desocuparem os espaços que ocuparam. E que ocupam. Ilegalmente. Mas conscientemente. Ao longo de anos. É tempo de acabar com este modelo de Justiça para os pobres e de Justiça para os ricos. A Justiça para ser Justiça deve ser igual para todos. É preciso defender uma Justiça igual para todos.

domingo, agosto 14, 2011

Evitar que polícias virem ladrões

Há muito tempo que não assistia a cena semelhante. Protagonizada por agentes da Polícia Municipal. A última que presenciei aconteceu faz meses. Foi perto da Padaria Lafões. Ali, num ápice, modestas a pacatas vendedeiras de legumes e de hortícolas viram os seus produtos apreendidos. Ou, usando linguagem mais adequada, roubados. Retirados de cima do passeio e atirados para cima de uma viatura policial de caixa aberta. Que rapidamente se pôs em movimento e se afastou do local. Sem qualquer explicação, sem nenhuma troca de palavras. Agora, o mesmo tipo de actuação repetiu-se na Avenida 24 de Julho. Frente às instalações do Instituto Comercial. Eram cerca de 16.30 horas do penúltimo sábado. A vítima, desta vez, foi um vendedor de calçado. Um também pacato vendedor que tinha a sua mercadoria exposta no passeio. Aqui, mais uma vez, mercadoria tem o significado de ganha-pão. Também não foram necessárias palavras nem justificações. Menos ainda documento sobre a mercadoria apreendida e onde poderia ser reclamada. Houve apenas um apontar de duas armas de fogo na direcção do amedrontado e atónico vendedor. Enquanto outras quatro mãos limpavam o passeio. Atirando apressadamente os artigos expostos para a caixa da viatura. Que rapidamente se pôs em movimento e desapareceu. Deixando incrédulos tanto o vendedor como quantos assistiam ao que se estava a passar. Pela forma e pela rapidez como tudo se passou. Que mais parecia um assalto à mão armada. Em plena luz do dia e numa das mais movimentadas artérias da capital. Do que uma acção policial, que se pretende legal e em defesa do bem-estar da sociedade.


No rescaldo da operação desencadeada por estes “destemidos” e “bravos” agentes policiais, não faltaram comentários. De vendedores de cigarros, de jornais ou de recargas de telemóvel que, habitualmente, estão posicionados no passeio da faixa contrária. Ou de ocasionais transeuntes. Naturalmente, o que se ouviu foram comentários nada abonatórios, tanto em relação aos agentes da acção, como aos seus responsáveis directos. De quem dependem e quem autoriza ou é suposto autorizar, este género de actuação. Esta forma simples e fácil, aparentemente fácil, de apontar armas ao cidadão. Que não foi apanhado a roubar e que se presume não ser ladrão. Sobre o conteúdo desses comentários, manda o decoro e o respeito que seja evitado a sua reprodução pública. Até porque iam muito para além da actuação dos gestores municipais. Importa, porém reter alguns aspectos que bem podem evitar a repetição de acções do género. O primeiro, é que houve um excesso de força. Que houve um aparato militar e intimidatório desnecessário. Contra um vendedor isolado e indefeso. O segundo, é que este tipo de operações policiais só devia ser permitido mediante a emissão de um documento dos artigos apreendidos. Como isso não está a acontecer, pode admitir-se, é legítimo admitir-se, que estes agentes são polícias descomandados. Que estão a agir à margem das orientações e do controlo do seu comando. Que estão a agir em proveito próprio, em proveito pessoal. Mas que, de forma premeditada ou inconsciente, estão a adubar terreno fértil à agitação social. Parece não ser pedir muito pedir a abertura de um inquérito à actuação da Polícia Municipal. Que utiliza viaturas, combustível, armas e fardas pagas com o dinheiro dos nossos impostos. Para se saber se há ou não abusos de poder e excessos de zelo. Mas, e sobretudo, evitar que polícias virem ladrões.

domingo, agosto 07, 2011

Justiça será feita



Desde há bastante tempo que o negócio da madeira vem merecendo atenção informativa. Que ganhou honra de destaque. Desde o abate das árvores até à sua exportação em bruto. Em toros. É facto que um toro de madeira não se transporta escondido num bolso das calças. Desde o ponto de abate da árvore até ao porto de embarque. De saída do país. Mas, bem entendido, a realidade não confina a um todo. Aponta para centenas, para milhares de todos. De madeira rara e preciosa. Por isso cara. E que, por isso mesmo, pelo seu elevado valor, poderá ter dado origem a um novo tipo de crime. Um novo tipo de crime que se configura a crime organizado. Logo, sem rostos e sem nomes. Recorde-se que, em outras latitudes, a partir de determinado momento, se passou a definir o negócio ilegal de diamantes como “diamantes de sangue”. Salvo as devidas proporções e os diferentes contextos e realidades, o negócio das madeiras em Moçambique já caminha no sentido das “madeiras de sangue”. Estamos todos recordados que, ainda recentemente, vários fiscais das florestas foram barbaramente assassinados. Por ou quando tentaram impedir a circulação de camiões que transportavam madeira cortada ilegalmente. E, foram assassinados, atropelados mortal e intencionalmente por camionistas. Cujos nomes permanecem no anonimato. Assim como os nomes dos seus patrões. Para o anonimato ou para o esquecimento poderão, também, ter sido atirados os nomes dos assassinados funcionários do Estado. Pelo simples facto de, estando a ser honestos e cumpridores dos seus deveres pagaram com as suas vidas a ousadia de tentarem combater o crime organizado. E para que dos atrevidos mortos nada reste, nem memória nem nomes, aí está o silêncio. Ao que se saiba, sequer o Estado veio dizer, publicamente, ter decidido atribuir qualquer pensão de sobrevivência aos familiares dos assassinados. Que morreram em da defesa da economia nacional. É facto que os tempos mudam. E que, hoje, cada vez menos há espaço para os defensores dos interesses nacionais.



Nas devidas proporções, talvez nem tanto, os negócios das madeiras está para Moçambique como os negócios das drogas está para muitos países da chamada América Latina. Atentemos na nossa realidade. Em Julho passado, as autoridades nacionais retiveram mais de 500 contentores com madeira. No porto de Nacala e quando estavam prestes a sair do país. Ilegalmente e em três navios. Depois das primeiras investigações, a Autoridade Tributária veio a público informar (jornal “Notícias” de 11 do corrente, página 5), que “Foi formalizada a apreensão de 501 dos 561 contentores de madeira retidos no Porto de Nacala, desde 8 de Julho último, por tentativas de exportação ilegal daquele recurso para a China”. Depois de tecer algumas considerações e explicações, a local informa que “O relatório ontem apresentado é o preliminar, não apresentando nomes, nem o que terá concorrido para que as falcatruas só fossem descobertas fracas a uma denúncia anónima instantes antes dos três navios zarparem de Nacala.”. Por fim, informa que “Rosário Fernandes, presidente da AT, garantiu que os dados finais só serão divulgados no fim de todo o processo, incluindo o julgamento dos responsáveis do caso.” Ainda bem. De resto é, a todos os títulos, louvável o procedimento da AT ao longo de todo o processo. Resta acreditar que justiça será feita.


domingo, julho 31, 2011

Tabus a ser quebrados são mais do que muitos



Há coisas, há situações, que todos sabemos. Que é suposto todos sabermos. Como reais e como verdadeiras. Mas que alguns recusam aceitar como factos consumados. Pelo menos publicamente. Em termos de governação vem sendo assim desde há anos. Muitos. Para se ser mais preciso, desde a adesão de Moçambique ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial. Nesse então, várias foram as vozes que se fizeram ouvir, vários os questionamentos sobre as implicações de tal adesão. Sobre exigências e imposições que se colocavam ao governo nacional moçambicano. Em jeito de resposta e com palavras mais ou menos evasivas sempre foi dito que não. Sempre foi dito que as duas referidas instituições vinham para nos ajudar. Vinham trazer dinheiro para apoiar a realização dos programas do governo. O que era apresentado como uma maravilha. Ou, melhor, a maravilha das maravilhas. Qual “galinha dos ovos de ouro”, que nos havia caído lá dos céus. Por obra e graça divina. Como benesse, como prova de gratidão, como reconhecimento a um seu povo eleito. Terão acreditado alguns, não muitos, certamente, que o que se estava a passar não seria, exactamente, o que se dizia. Ou como se dizia. Muita coisa soava a falso. Parecia e seria generosidade a mais. E, segundo o dito popular, “quando a esmola é grande, o pobre desconfia”. Rodaram os anos. Muita água passou por debaixo das pontes e se foi perdendo no mar. Mas, demore o tempo que demorar, a verdade parece sempre vir à tona. Ao de cima.



Demore o tempo que demorar, parece ser verdade que os tabus acabam sempre por ser quebrados. Derrubados. E, neste contexto, tabu era não aceitar, não querer admitir que a ajuda financeira externa tinha regras. Impunha condições e limitações na execução dos programas traçados pelo governo. À agenda do governo. Ontem, como hoje. Só que há aqui uma diferença entre o ontem e o hoje. Uma diferença que justifica atenção. Basta ler e reflectir sobre o que disse o Primeiro - Ministro ao jornal “Zambeze” (edição de 4 do corrente, página 2). Em resposta a uma questão sobre a concretização dos Objectivos do Desenvolvimento do Milénio (ODM), Aires Ali disse que “Penso que vamos conseguir concretizar os ODM, claro, em alguns sectores conforme a nossa aposta e temos isso como nossa principal aposta, principalmente nos objectivos que definimos no nosso manifesto eleitoral e no nosso programa de governação (...)”. E, logo a seguir, terá acrescentado: “Eu gosto de frisar isto ‘que estamos a cumprir uma agenda que nos é imposta de fora. Devemos cumprir a nossa própria agenda, aquilo que nós temos como nosso objectivo, aquilo que é fruto das nossas aspirações”. Outra conclusão não surge como lógica, se não a de que o governo está a governar com limitações. Condicionado por imposições que lhe são exteriores. Vindo tal afirmação de voz autorizada, como veio, surge como verdade o ter sido quebrado um tabu. O da não ingerência nos assuntos nacionais. Convenhamos que é bom e encorajador assistir a este tipo de tomadas de posição. Mesmo quando se reconheça que tabus a ser quebrados são mais do que muitos.

domingo, julho 24, 2011

Um falso problema


Desde há uns tempos a esta parte, que a situação nos transportes urbanos não é das melhores. Não é o que todos esperavam que deveria ser, não é o que desejavam que fosse. Principalmente a nível da capital do país. Sem ter de se recuar muito no tempo, anote-se só como os “chapas” de caixa aberta parecem ter ressurgido para ficar. Sem se vislumbrar força ou vontade para os fazer voltar a fazer parquear. Assim, mesmo sem licença e sem pagamento de impostos vão continuando a circular. Transportando dezenas de pessoas por cada carrada. Sem um mínimo de conforto nem de comodidade, muito menos de segurança dos transportados. Sinónimo, igualmente, da desorganização e da desorientação a que chegou o sector dos transportes públicos a nível da cidade de Maputo, está na recente tentativa de aumentar os preços por viagem. Travada, em tempo útil, quase de certeza, para evitar previsíveis levantamentos populares. Tentativa de aumento, que sendo um acabado e refutado disparate, levou à suspensão do Conselho de Administração dos TPM. Uma medida pontual mas que, em nada, aponta para uma solução do problema que é estrutural. Salvo melhor opinião, o problema dos transportes públicos urbanos é um problema estrutural. Trata-se de ter de cortar o mal pela raiz e não, simplesmente, de cortar os ramos velhos e as folhas amarelas da árvore. A mais recente manifestação de mau estar nos TPM, surgiu com a ameaça de greve por parte dos trabalhadores da empresa. Por motivos de aumentos salariais. Se justos ou não, deixemos a questão para os entendidos na matéria. Que tenham posição e opinião sobre a matéria.


Em nome da mais elementar justiça, digamos que tem sido muitos os esforços para alterar a situação. No sentido de ser prestado um melhor serviço ao cidadão, ao utente dos transportes urbanos públicos. É assim que entendemos a anunciada transformação das actuais empresas de transportes públicos, tuteladas pelo Estado, em empresas municipais. Em termos emocionais, todos batemos palmas e todos damos vivas à sábia decisão. Já em termos legais, as coisas podem ser menos simples. Mais complicadas. Comecemos então por questionar coisa que se apresenta como simples. E, aqui, o simples é que sendo os TPM propriedade do Estado, com que base e em que lei, com que base legal, o Estado transfere essa propriedade para os municípios. E, não menos importante, ao transferir o que propõe transferir, e que manifesta ser seu desejo transferir, que deveres e que direitos reserva para si. E quais aqueles que transfere também. Com base em que lei. Ao que parece, há por aqui muitos aspectos legais que não estão a ser devidamente acautelados. Devidamente considerados. Como, por exemplo, quem vai suportar os défices de exploração das novas empresas a serem criadas. Se serão os municípios ou o Estado. Ou, por outras palavras, como o Estado e através de que mecanismos irá subsidiar os transportes públicos urbanos. Porque, em todos os países do mundo, como todos deveríamos saber, os transportes públicos urbanos são deficitários. Se funcionam, e funcionam como funcionam, é por serem subsidiados pelo Estado. Em Moçambique, a situação não será diferente. Não é. Assim, tudo não passa de confusão. Tudo não passa de um falso problema.

domingo, julho 17, 2011

Histórias para adormecer criancinhas



Hoje, podemos dizer que vivemos num país que, em diferentes áreas já formou muitas dezenas de milhares de jovens. A diferentes níveis. Basta ler e ver as sucessivas cerimónias de graduação. Realizadas pelas muitas universidades. Em diferentes pontos do país. Questão outra, é a de saber se esses e essas jovens são ou não competentes nas respectivas áreas. No caso em apreço aqui, o mínimo que se pode dizer é que serão homens e mulheres com capacidade para analisar os acontecimentos e os fenómenos que se desenvolvem em seu redor. Na sociedade em que estão inseridos. Há, porém, quem parece pensar de outra forma. E que a formados e doutores e a não formados e a não doutores, a todos procure tratar como crianças. Como meninos e meninas do ensino primário. Ignorando, talvez, que as crianças têm um sentido critico e de justiça muito apurado. E que não aceitam sem questionar, todo e qualquer tipo de justificação para o que não parece lógico nem plausível. Justificável. Queiramos ou não, pese o que pesar, trata-se de exercícios que resultam em puras perdas de tempo.


Nos últimos dias, assistimos a dois casos paradigmáticos. Primeiro, foi o da tentativa de aumento das tarifas dos Transportes Públicos de Maputo (TPM). Por parte do respectivo Conselho de Administração e à revelia do ministério de tutela. Cujos responsáveis se terão desdobrado em movimentações e acções para, num curto espaço de tempo, travar a disparatada e incompetente decisão. Que, muito provavelmente iria conduzir a agitação social de imprevisíveis consequências. A decisão ministerial foi mais longe. Mas pouco. Suspendeu o CA dos TPM e nomeou, em sua substituição, uma comissão de gestão. Terá, desta forma, como costuma dizer-se, deitada água na fervura. Tivesse presente, tivesse tido a lembrança de que estamos no “Ano Samora Machel” e teria procedido como ele muitas vezes aconselhou. Ao afirmar que a “incompetência demite-se, a incompetência criminosa pune-se”. Sem que tenha sido esgotado o que poderia dizer-se sobre este caso, passemos a um segundo. Igualmente relevante na vida nacional. Trata-se da ruptura no stock de combustível que impediu a realização de vários voos das Linhas Aéreas de Moçambique (LAM). Que (“Magazine”de 13 do corrente) “ (...) acumularam no último fim-de-semana prejuízos incalculáveis, derivados da alteração dos seus voos normais quer dentro quer fora do país, em consequência de uma aguda falta de combustível para o abastecimento das suas aeronaves”. Acrescenta o semanário que “A falta do JET condicionou a realização dos voos da companhia entre sábado e domingo, e a partir desta segunda-feira a transportadora calculava que a situação voltaria ao normal, depois que o navio transportando o combustível foi descarregado e chegou aos aviões.”. A demora na chegada do navio deveu-se, segundo o que também foi noticiado, ao mau tempo no Canal de Moçambique. Tudo isto, todas estas versões, todas estas desculpas para o acontecido, que foram dadas ao longo dos dias, poderão nada mais ser do que meias verdades. Ou, simplesmente, mentiras. E esta interpretação, esta leitura dos factos, parece ser a que foi feita, em devido tempo, por um dos administradores das LAM. Quando, “Notícias”, de 11 do corrente) em relação ao futuro deixou um recado bem claro e inequívoco. Ele “apelou às gasolineiras a serem mais cautelosas no fornecimento e stockagem de combustíveis pelo facto de problemas similares terem ‘impacto negativo num sector sensível como a aviação civil’.”. Quem assim se expressa, quem assim fala, não é gago. Nem está a contar histórias para adormecer criancinhas.

domingo, julho 10, 2011

Ver com olhos próprios



Há problemas que parecem ser de difícil solução. Que parecem não ter solução. Ou, muito provavelmente, até têm solução. Trata-se apenas de procurar a solução no momento próprio e no local mais adequado. É sabido por todos, é do mínio público, a má qualidade de grande, de elevado número de obras públicas. Estamos a falar de postos de saúde, de escolas, de estradas, de pontes. E por aí além. Mesmo quando menos visíveis ou menos vezes noticiadas. Muitas das vezes, trata-se obras realizadas por construtores, por empreiteiros, sem um mínimo de qualificações. Para realizarem determinado trabalho, determinada construção. Noutros casos, noutras situações, trata-se de construtores desonestos. Do género dos que antes de terem concluído o trabalho já desapareceram. Já sumiram com grande parte do dinheiro nos bolsos. Nestes casos, se há ou não alguma conivência, algum compadrio, entre quem executa e quem manda executar a obra, ainda é pouco claro. Ou, até, por hipótese, como hipótese de investigação, seria interessante saber se, em vários casos, quem manda executar e quem executa podem ou não ser a mesma pessoa. Embora com nomes diferentes ou como se fossem entidades diferentes. Ou seja, para clarificar o raciocínio e facilitar a compreensão do problema, quem não haverá por aí que se esteja a fazer pagar a si próprio. Que alguma coisa não estará certa, que alguma parece não ir bem, existem sinais. É assim que já houve ministro e que há governadores que, repetidamente, têm vindo denunciar publicamente este género de situações. De resto, como é fácil de compreender, não pode haver fumo sem fogo.


Desde há anos, muitos, que este tipo de situações são tornadas públicas. E, como se repetem, pode permitir a conclusão de não terem encontrado o necessário e desejado sucesso. Fica por investigar para se saber o porquê. Desse sucesso ainda e sempre adiado. Talvez já seja tempo de se começar por mais e maiores exigências na abertura dos concursos públicos. Quer em termos documentais, quer em termos de capacidade técnica e financeira dos futuros construtores e prováveis construtores. Assim como uma rigorosa investigação para evitar incompatibilidades e conflitos de interesses. Para evitar situações como as muito frequentes em que acontece ninguém saber quem era o construtor. Muito menos para onde foi ou onde se encontra. De resto, parece também não ser segredo que a construção de obras públicas, em qualquer ponto do país, pode ser negociada em Maputo. À mesa de restaurante ou de café. Com a mesma facilidade e ao mesmo jeito como é transaccionado um montinho de tomate, ou de tangerina. Por hipótese, dois cocos ou três beringelas. No mercado informal. Sem necessidade de pagamento de impostos nem de taxas municipais. O perigo e o risco é se e quando o informal passar a ser dominante. De passar, se vier a acontecer. Porque pode vir a dar origem não a um outro tipo de Estado mas à anarquia. E à violência. Sem se ser visionário, parece haver muito quem já viu e já teve olhos para ver. Que continue a ver com olhos próprios.

domingo, julho 03, 2011

Dois pesos e duas medidas



O anúncio, o aviso, começou a ser feito há algum tempo. E tem vindo a ser repetido. Em diferentes locais e em diferentes ocasiões. Por diferentes motivos. Se sim, se assim, se o anunciado, se o prometido, está a ser levado à prática, desde a passada sexta-feira, as brigadas da Polícia de Trânsito (PT), terão passado a exigir a ficha de inspecção obrigatória. A todos os condutores de veículos automóveis. De acordo com o anunciado, deveria a PT passar a exigir, também, a nova carta de condução e o uso do cinto de segurança. Antes, dias antes do anunciado para o cumprimento dos referidos requisitos, começaram a ser vistos numerosos agentes da PT. Aos magotes e em diferentes artérias de Maputo. Mandando parar e pedindo documentos aos condutores, inventando transgressões. O cúmulo das invencionices policiais está aí. Em plana 24 de Julho. Para o condutor desatendo, desprevenido, aqui fica o aviso e o alerta. Para os zelosos agentes policiais passou a ser proibido entrar na Nyerere e retornar à 24 de Julho. Isto, segundo eles, trata-se fazer o U. O não sendo verdade, trata-se de falta de conhecimentos ou de tentativa de caça à multa. Ficando de permeio algumas ameaças e coacção verbal e gestual. Disso é prova a exposição, imediata, do livro de multas e da esferográfica. Trata-se, em última análise de comportamento e atitude que em nada dignificam a PT. Como corporação. Muito menos o Estado. Daí a necessidade de explicar aos agentes sobre os erros que estão a cometer. E o apelo ao comandante da PT para que sejam tomadas as necessárias medidas educativas e disciplinares. Apelo este, naturalmente, extensivo ao próprio ministro do Interior. Como entidade tutelar.



Todos sabemos que esta questão das inspecções não é uma questão pacífica. Não é como nunca o foi. Terá nascido torta, enviesada, e assim parece condenada a morrer. Até que surja algum deus com poderes para a ressuscitar. De tal modo, de tal forma, que decorreram, na semana que findou, negociações entre a inspecção e os “chapas” para evitar a paralisação destes. Escrevia o jornal “Notícias”, (edição de 30 de Junho, página 3), que “Os proprietários dos ‘chapa 100’ e o INAV estão em contactos desde ontem para evitar a paralisação do transporte semicolectivo de passageiros, a um dia do início da fiscalização da ficha de inspecção”. Não esclarece a local sobre o motivo ou os motivos que impediram que estes contactos se tivessem realizado antes. Em tempo útil mas só agora. Num momento extremo e de potencial conflito. Quando, segundo a mesma notícia, “os transportadores fizeram circular informações de que iriam paralisar a actividade em protesto contra o início da fiscalização da ficha de inspecção, facto que levou a Direcção da Federação Moçambicana das Associações dos Transportes Rodoviários (FEMATRO) a entrar imediatamente em contacto com o INAV (Instituto Nacional de Viação) para encontrar uma melhor saída para o problema”. Essa “melhor saída”, ao que se pode ler adiante, é um “gradualismo na implementação da medida”. E, para que não restem dúvidas sobre a nossa forma de estar e de viver, de aplicar o que é lei, fica o apelo à transgressão. Para que, mais uma vez se transgrida. Para que, mais uma vez, o transgressor seja protegido. Assim, nestes termos, em termos claros: “(...) em ocasiões anteriores se conseguiu um relaxamento das exigências nos centros de inspecção através do diálogo.”. Um diálogo, acrescentemos a terminar e em forma de conclusão, que visa harmonizar conflitos de interesses. Mas que em nada protege fisicamente o transportado e evita as mortes nas estradas. Muito menos os interesses do Estado. Que, por dever e como pessoa de bem, tem por obrigação proteger-nos a todos. Como cidadão, como súbditos. Inventem o que quiserem, utilizem os subterfúgios que lhes vierem à cabeça. Que melhor lhes aprouver. Para violar a lei. Na certeza de que a lei não pode continuar a ser aplicada com dois pesos e duas medidas.

domingo, junho 26, 2011

É tempo de separar as águas



É líquido, é pacífico, que estando diversas pessoas a analisar um mesmo assunto, um mesmo tema, não se entenderem. Que cada qual tenha entendimento diferente das outras. Que não cheguem a consenso nem a entendimento comum. Embora todas utilizando a mesma língua. Utilizando as mesmas palavras e expressões. É assim que, quando falamos de trabalho infantil em Moçambique, estamos a falar todos da mesma coisa. Que podemos questionar se no nosso país há ou não trabalho infantil. Para que não fiquem dúvidas, e no que respeita ao que é visível, enquadro-me no grupo dos que dizem que não. Entendendo trabalho infantil como um trabalho devidamente organizado e estruturado. Como um trabalho em que crianças são contratadas por um patrão. Sujeitas a um horário de trabalho mediante o pagamento de um salário. Muito inferior ao que seria pago a um adulto para efectuar o mesmo trabalho. Sujeitas a um processo de exploração em relação ao qual não têm qualquer hipótese de se defender. Nem conhecimentos para o poderem fazer. Trabalho infantil não é, por conseguinte, o trabalho realizado, voluntariamente, por essas crianças que, aqui e além, se oferecem para prestar pequenos serviços. Para transportar pequenos volumes, em curtas distâncias e por curto espaço de tempos. A troco de uma moeda com que irão, posteriormente, comprar o caderno escolar, o lápis ou a esferográfica. Aos olhos de muitos estrangeiros, as coisas não são vistas desta forma. Para eles e para elas, trata-se de trabalho infantil. Não dizem esses e essas arrivistas, para quem trabalham e quem explora estas crianças. Muito menos, que estas crianças sendo vítimas da sua própria pobreza são, também, a razão de ser dos relatórios que lhes mandaram fazer. A maioria das vezes relatórios falsos. A troco de muitos milhares de dólares norte-americanos. Se assim não for, se assim não continuar a ser, estes falsos humanitaristas, estes falsos samaritanos, só ficam com uma solução. A de regressarem aos seus países de origem na condição de desempregados. E com tempo suficiente para meditarem. E para pensarem sobre a forma paternalista como olham as crianças africanas. O Homem africano, no geral. Para perceberam, definitivamente, de uma vez para sempre, que esse paternalismo, de que fazem bandeira, não passa de racismo primário.



Trabalho infantil na Índia, na China, na Europa, não pode ser visto nem definido como aquilo que definem ser trabalho infantil em Moçambique. De resto e de uma forma geral, de uma forma global, a luta contra o trabalho infantil não visa fins humanitários. Muito menos altruístas e muito menos preocupação com os direitos da criança. Visa, isso sim, proteger determinados interesses económicos. Visa evitar que os pobres, por todas as maneiras ao seu alcance, passem a ser menos pobres. Através do trabalho. Até porque, todos o sabem, embora alguns tenham dificuldades em o reconhecer, só o trabalho gera riqueza. Neste contexto, nesta necessidade de contribuir para a definição moçambicana do que deve ser entendido como trabalho infantil, terá andado bem a Ministra do Trabalho. Terá dito Helena Taipo, durante uma reunião da OIT, realizada em Genebra, segundo o jornal “Notícias” (edição do passado dia 21, página 5), que “apesar dos desafios que o trabalho infantil representa no mercado do trabalho moçambicano, o país sempre defendeu uma intervenção coordenada e ajustada à realidade local sobre a matéria, pois o trabalho em famílias africanas é um assunto histórico - tradicional, porque e começa desde criança”. E, para que não restem dúvidas, referiu, noutra passagem: “(...) a criança nas famílias africanas é sujeita a um leque de práticas socioculturais, incluindo de natureza laboral, partindo da perspectiva de que é com o trabalho que se integra a criança na vida de adulto e a prepara para o futuro.”. Quem assim se expressa está, de facto, a usar uma linguagem que todos nós, cá por casa, entendemos. E a dizer que é tempo de separar as águas.




domingo, junho 19, 2011

Travar a ignorância dos incompetentes



Vemos e assistimos a situações que nos permitem concluir que vivemos numa sociedade de medo. De muitos medos. Medos pessoais e individuais. Medos, muito provavelmente, resultantes da falta de coragem para transmitir e reportar o que vimos e assistimos. Aquilo a que a assistimos e presenciamos. De tal forma, de tal modo que em diferentes ocasiões e perante diferentes situações usamos termos, palavras, expressões para dizer nada. Para não dizer nada. Ou, melhor, para dizer que nada queremos dizer. Que preferimos nada dizer. Ou que mesmo dizendo, nada dizemos, nada dissemos. Nada queríamos dizer. O que queremos, é dizer sem ter dito. Sem ter afirmado. Quem disse, quem afirmou, foram outros. Ou recorrendo a gíria popular, “afastar o rabo da seringa”. O recurso a palavras sem sentido no contexto em que são empregues parece estar na moda. Parece estar a fazer escola. Uma má escola. Mas, a ganhar espaço e direito de soberania. Em termos de informação, de comunicação. É assim que, por exemplo, ladrões, vigaristas e todos os seus outros aparentados, passou a ser “suposto”. E, logo, as vítimas, as vítimas desta cangalhada deixou de ser vítima de roubo, de violência física ou sexual, de assassinato. Por alguém. Que se pôs em fuga. E que não foi identificada. Por esta lógica, pela lógica desta inversão de valores, surge um risco. O primeiro risco é o de amanhã, de no futuro, todos termos passado a supostas vítimas de roubo, de violação ou de assassinato. Em defesa da protecção e do bom nome do criminoso. Digamos que esta inversão de valores começa a criar alguma preocupação. E muitos receios.


A palavra “suposto” tem pouco ou nada a ver com o contexto em que tem vindo a ser empregue. A consulta a um qualquer dicionário de língua portuguesa assim o prova. Poderá não passar de uma capa, de uma cobertura para quem não tendo conhecimentos, capacidades ou vontade para investigar e relatar factos públicos se procura esconder. Tenta fugir da sua própria sombra. O que se apresenta como impossível. A sombra do homem, a sombra projectada pelo homem, sempre foi, é, e será determinada pelo Sol. Pela posição do Sol. Voltando à questão da má utilização do termo “suposto”, deixemos apenas um exemplo. Entre muitos e quotidianos. Titulava na sua edição de 16 do corrente, jornal “Notícias” (página 3) “Mortos num assalto à entrada de um banco”. E, em seguida, acrescentava, “Polícia afirma ter detido os supostos assassinos”. Lendo a local, por aí e diante, na procura de detalhes sobre os supostos assassinos, encontramos nada. O que se pode ler, isso sim, é que “Entretanto, ao fim de tarde de ontem, Arnaldo Chefo, porta-voz da Polícia da República de Moçambique, disse à nossa Reportagem que o grupo dos malfeitores foi neutralizado e que estavam em curso investigações com vista ao esclarecimento cabal do caso. Porém, escusou-se a dar detalhes.”. Pelo que se pode ler, na versão policial sobre o acontecido, não existe a expressão “suposto”. Do que se fala, cio sim, é de “grupo de malfeitores”. O que contraria, frontalmente, a postura e a lógica jornalística. Na sua generalidade. Na sua quase totalidade. E que a fazer carreira, a vir a constituir-se em escola poderá permitir, a quem o desejar, vir a público falar e escrever sobre um “suposto Moçambique”. Sabemos haver quem tenha ousadia para isso. E para ir muito mais além. É preciso, em tempo útil, travar a ignorância dos incompetentes.

domingo, junho 12, 2011

Reconstruir a história

Há coisas que ditas por portugueses sobre portugueses, não podem ter outra interpretação se não aquela que os portugueses lhe dão. Mas que ditas ou escritas por outros, por não portugueses, criam certa crispação. Por deficiente capacidade de interpretação ou de debate político. Ou, em certos casos, por deturpação do sentido do que foi escrito. Chegando-se até ao descaramento e à desonestidade de tentar fazer passar resposta ou reacção colectiva ou de um grupo, através de texto de produção individual. De texto não assinado. Talvez melhor, anónimo. Para que o nome e o rosto do respondente não ultrapasse o ciclo dos seus amigos. Por hipótese, reunidos em mesa de hotel de luxo. Ou no jardim de vivenda palaciana e em redor da indispensável piscina. Poderá, até, parecer um acto de coragem. Poderá tratar-se de, como costuma dizer-se, “tentar salvar a honra do convento”. Diferente, parece ser e é, a forma de pensar e de agir de um insuspeito português. De um português. Unicamente. Trata-se, no caso presente, de Belmiro de Azevedo. Empresário e um dos homens mais ricos de Portugal. O jornal português “Expresso” (edição de 8 do corrente na Internet), cita declarações suas ao “Jornal de Negócios” e titula “Sócrates vai para o “Guiness” pela sua incompetência (...) ”. Acrescenta que “Belmiro de Azevedo fez duras críticas a José Sócrates, sublinhando que o primeiro-ministro deve ir para o livro do Guiness pela sua incompetência.”. De acordo com as declarações empresário do norte de Portugal, “Não há exemplo de alguém ter feito tanta coisa tão mal feita em tão pouco tempo (...)”. Segundo o jornal português, “O responsável português acusou Sócrates de ser ‘chefe de um grupo de empregados’.“ A local termina com a afirmação”que “O PS já não é um partido sequer, é uma máquina, mas já esgotou a máquina, não tem gasolina, veio tudo para baixo”, concluiu Belmiro de Azevedo.



As recentes eleições legislativas em Portugal, deram a vitória ao líder do Partido Social-Democrata (PSD), de centro-direita. O Partido Socialista (PS), e o seu líder, foi o grande derrotado. As referidas eleições tiveram lugar num momento em que aquele país enfrenta uma grave crise financeira. Ou, por causa e como consequência dessa crise. Que exigiu a necessidade de recorrer a empréstimos externos de montantes deveras elevados. Para não escrever astronómicos. E, com graves reflexos na vida e no modo de viver da maioria dos portugueses. Alguns analistas políticos já começaram a adiantar cenários nada favoráveis à continuidade da cooperação com a ex-colónia de Moçambique. É bem provável que também nós sejamos afectados com a crise financeira em Portugal. Que tenhamos de vir a ser nós a suportar e a pagar parte dessa dívida. Herdada pelo actual Governo do anterior. Mesmo assim, ou se assim, importa recordar uma realidade. Que vem do passado. Que as relações Estado a Estado, que as relações entre Moçambique e Portugal já tiveram muitos baixos e muitos altos. Importa não esquecer que os melhores momentos de relacionamento entre antigos colonizados e antigos colonizadores ocorreram durante governos de centro-direita em Portugal. O que terá permitido um diálogo franco, aberto e sem complexos entre verdadeiros nacionalistas. Entre homens que souberam colocar os interesses nacionais dos seus países acima de quaisquer outros. Sem rancores. Neste contexto, parece importante não esquecer figuras como Ramalho Eanes, Sá Carneiro e Cavaco Silva. Talvez, seja útil revisitar o passado. E reconstruir a história.