domingo, novembro 06, 2011

Arranjar lenha para se queimarem

Já me haviam contado a história. Tive alguma dificuldade em acreditar no que estava a ouvir. Fiquei na dúvida, fiquei com dúvidas se seria mesmo verdade. Até que há poucos dias fui eu o protagonista ou a vítima de situação semelhante. Ou igual. Circulava, calmamente, pela avenida 24 de Julho. A meio de uma tarde e em direcção à avenida Nyerere. E, quando digo que circulava calmamente, quero dizer que circulava a uma velocidade muito abaixo da permitida por lei e pela faixa do lado direito. Obedecendo à sinalização luminosa, parei num semáforo que mudou para o vermelho quando me aproximava. Acto contínuo, vejo uma jovem fardada a correr na minha direcção. Pela divisória central das duas faixas de rodagem. Ao chegar junto da minha viatura, disparou em voz bem alta e num tom arrogante: “Peço a carta de condução”. Surpreso com o pedido, respondi com um “como”, interrogativo. Como resposta, escutei a repetição da solicitação anterior. No mesmo tom de voz inalterável, como que produzida e ensaiada em laboratório. E, com a mesma arrogância: “Peço a carta de condução”. Perante a repetição, confirmei não estar a ouvir mal. Tratava-se, afinal, de um disparate. De uma atitude boçal. Resolvi questionar: “Mas a senhora é polícia”. Respondeu-me a jovem: “Sim, sou polícia”. Com uma longa fila de carros atrás de mim, fiquei sem o necessário tempo para continuar o diálogo. Para ficar a saber a que Polícia pertence, quem é o seu comandante e qual é a sua missão. É que o sinal luminoso passara do vermelho para o verde. Arranquei para evitar prolongada buzinadela. Antes, ou nesse momento exacto, ainda tive tempo para dizer à jovem agente policial, que pode não ser mais do que objecto utilizado com fins obscuros: “Não lhe mostro carta de condução nenhuma”. E segui o meu destino.



Estas e estes jovens, podem ser vistos, hoje, junto de muitos semáforos de diferentes artérias da capital do país. Para segurança dos citadinos, seria importante saber-se, publicamente, quem são, a que organismos pertencem, qual o objectivo da sua actuação, que instruções estão a cumprir e a quem prestam contas. Aparentemente, e pelo que nos é dado observar, parecem agir por vontade própria. Ou a soldo de alguém que não quer dar a cara. A par destes estranhos personagens introduzidos no quotidiano da cidade de Maputo, temos outros. Aparentemente, os filhos mais pobres. Trata-se dessas dezenas ou centenas de cidadãos, a quem foi concedida uma braçadeira vermelha. A coberto da qual pensam poder fazer e desfazer em tudo o que seja ordem pública. Incluindo afrontar-se e confrontar-se com seguranças privados de empresas privadas. Em alguns casos, comprovadamente, sob o efeito de álcool ou de drogas. Os critérios que levaram à atribuição dessas braçadeiras também não são conhecidos publicamente. Muito menos como é controlada a sua utilização. Ou como não é. E, de facto não é. Ninguém sabe se quem transporta uma dessas braçadeiras vermelhas é a pessoa a quem a mesma foi atribuída. Ou um amigo, um primo, um cunhado ou um tio. As tarefas, os direitos e os deveres de quem usa as mesmas, não passa de segredo. Não segredo de Estado. De segredo de quem decidiu colocar esses homens e mulheres na via pública. Na rua. Com o fim claro e objectivo de provocar agitação social. Que, como todos sabemos, poderá atingir proporções de difícil controlo. Torna-se urgente, é necessário que os senhores do Conselho Municipal consigam abandonar a sua já tradicional letargia. E agirem por antecipação aos acontecimentos. Caso contrário, correm o risco de estar a arranjar lenha para se queimarem.